1.1 Compatibilização dos serviços de assessoria jurídica com a inexigibilidade contida na lei de licitações públicas

 

A Lei de licitações em seu artigo 25, inciso II, dita os requisitos para a contratação de serviços técnicos por parte da Administração Pública utilizando-se da Inexigibilidade de Licitação. Obrigatoriedade imposta pela lei é que o serviço técnico possua natureza singular e que o contratado tenha notória especialização, e também indica o rol de serviços elencados no artigo 13 da lei de licitações como parâmetro para a definição de “serviços técnicos”.

O artigo 13 da Lei 8666/93 dita que:

 

Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:

I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;

II - pareceres, perícias e avaliações em geral;

III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras;

III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;

IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;

V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;

VII - restauração de obras de arte e bens de valor histórico.

VIII - (Vetado).

§ 1º- Ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, os contratos para a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração.

§ 2º- Aos serviços técnicos previstos neste artigo aplica-se, no que couber, o disposto no art. 111 desta Lei.

§ 3º- A empresa de prestação de serviços técnicos especializados que apresente relação de integrantes de seu corpo técnico em procedimento licitatório ou como elemento de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licitação, ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato.

 

No inciso V do artigo supramencionado é possível encontrar a adequação da Lei no caso concreto aqui estudado, ou seja, o patrocínio ou defesas de causas judiciais ou administrativas em prol do interesse público, adequando-se perfeitamente à atividade exercida pela advocacia.

De acordo com a Doutrina pode-se conceituar o serviço como (Justen Filho, 2012, p. 199): “a prestação por pessoa física ou jurídica por esforço humano (físico – intelectual) produtor de utilidade (material ou imaterial), sem vínculo empregatício, com emprego ou não de materiais, com ajuda ou não de maquinários”.

No inciso II também está disposto a emissão de pareceres, ao qual já foi discutido anteriormente quando tratávamos dos pareceres emitidos por assessoria jurídica da Administração Pública para aprovações de minutas de editais de licitação, contratos, convênios e acordos, ou seja, também se enquadra na Atividade da advocacia, deste modo se pode considerar as atividades exercidas por uma assessoria jurídica como serviços técnicos.

Ocorre que alguns Tribunais de Contas Municipais brasileiros questionam aplicação da Inexigibilidade de licitação para contratação de assessoria jurídica, inclinando-se para a vertente de que seria sim necessário a feitura de uma licitação para contratar tal assessoria. A inviabilidade de um certame licitatório para colocar em clima de competição assessorias jurídicas é, no mínimo, banalizar a atividade advocatícia, haja vista que seria colocado em questão o fator preço, e não o fator técnico-profissional.

O Tribunal de Contas da União se manifestou acerca do assunto por meio do acórdão Nº 1.437, publicado em 3 de Junho de 2011, o TCU aprovou a Súmula Nº 264, a qual possui o seguinte teor:

 

A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/1993.

 

A atividade advocatícia no âmbito público é de suma importância para delinear os melhores caminhos para a condução da máquina pública, ressaltando sempre a legalidade e a moralidade nos atos praticados pela administração por ela assessorada.

Recentemente, ao julgar o REsp 1.192.332/RS, a Primeira Turma do STJ tornou a debruçar-se sobre o tema. No caso, um advogado foi condenado pelo TJRS pela prática de ato de improbidade, em face de ter sido contratado pelo município de Chuí para a prestação de assessoramento jurídico sem que tivesse sido realizada prévia licitação. Na oportunidade, o STJ afastou a tipificação do ato ímprobo tendo por base a argumentação consignada no voto do relator, Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Pelo seu interesse para este estudo, reproduzo-a aqui:

 

[...] é impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do advogado, pois trata-se de prestação de serviços de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade da competição.

[...] A singularidade dos serviços prestados pelo advogado consiste em seus conhecimentos individuais, estando ligada à sua capacitação profissional, sendo, desta forma, inviável escolher o melhor profissional, para prestar serviço de natureza intelectual, por meio de licitação, pois tal mensuração não se funda em critérios objetivos (como o menor preço).

 

No tocante ao conceito de serviços singulares, Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 535) preleciona o seguinte:

 

Serviços singulares são os que se revestem de análogas características. De modo geral são singulares todas as produções intelectuais, realizadas isolada ou conjuntamente - por equipe -, sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal (ou coletiva), expressada em características científicas, técnicas ou artísticas importantes para o preenchimento da necessidade administrativa a ser suprida. Neste quadro cabem os mais variados serviços: uma monografia escrita por um experiente jurista; uma intervenção cirúrgica realizada por qualificado cirurgião; uma pesquisa sociológica empreendida por uma equipe de planejamento urbano; um ciclo de conferências efetuado por professores; uma exibição de orquestra sinfônica; uma perícia técnica sobre o estado de coisas ou das causas que o geraram. Todos esses serviços se singularizam por um estilo ou por uma orientação pessoal. Note-se que a singularidade mencionada não significa que outros não possam realizar o mesmo serviço. Isto é, são singulares, embora não sejam necessariamente únicos.

 

Contudo, cumpre frisar que a inexigibilidade do procedimento licitatório só se legitima quando a notória especialização do serviço advocatício for incontestável, comprovando-se pelas circunstâncias nas quais se deu a contratação do contratante. É o que se extrai da seguinte ementa de julgado do STJ:

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INEXIGIBILIDADE DA LICITAÇÃO. SERVIÇO SINGULAR E NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7 DO STJ.

1. A falta de combate ao fundamento do acórdão recorrido suficiente para mantê-lo justifica a aplicação da Súmula 283 do STF.

2. O Tribunal a quo, com base na prova dos autos, concluiu não ser hipótese de inexigibilidade de licitação, pois ausente a contratação de serviço de natureza singular e de causídico com notória especialização. Além disso, afirmou que o réu, antes de ser contratado pelo Município, era assessor jurídico, mediante cargo comissionado. Dessarte, o acolhimento da pretensão recursal, para admitir-se a presença dos requisitos exigidos para a contratação de escritório de advocacia por meio da inexigibilidade de licitação, esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.

3. Agravo regimental não provido.

 

No Município de Cacoal, localizado no interior de Rondônia, o Ministério Público ofereceu denúncia contra o prefeito da cidade e o Procurador Geral do Município, por fazerem contratação ilegal de escritório de advocacia, com o intuito de prestar serviços ao município.

A denúncia imputou infração ao art. 89 da Lei n. 8.666/1993 – Lei das Licitações e Contratos Públicos. No caso, considerou-se irregular a Inexigibilidade de licitação, pois os serviços objetos da contratação não eram singulares, mas corriqueiros às atividades praticadas pelo Procurador do Município. De outro giro, não foi comprovada a notória especialização exigida pela legislação.

A OAB chegou a publicar as Súmulas n. 4 e 5/2012, ambas de 23.10.2012, a respeito do tema, manifestando-se favoravelmente a este tipo de contratação e deixando de considerar o advogado passível de responsabilização cível ou criminal caso o faça:

 

ADVOGADO. CONTRATAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. Atendidos os requisitos do inciso II do art. 25 da Lei n. 8.666/1993, é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública, dada a singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição, sendo inaplicável à espécie o disposto no art. 89 (in totum) do referido diploma legal.”

 

ADVOGADO. DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. CONTRATAÇÃO. PODER PÚBLICO. Não poderá ser responsabilizado, civil ou criminalmente, o advogado que, no regular exercício do seu mister, emite parecer técnico opinando sobre dispensa ou inexigibilidade de licitação para contratação pelo Poder Público, porquanto inviolável nos seus atos e manifestações no exercício profissional, nos termos do art. 2o, § 3o, da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB).

 

O presidente da OAB/SP, Marcos da Costa, elogiou a decisão do STJ:

Este sempre foi o entendimento da OAB SP, que criou este ano um Núcleo no âmbito da Comissão de Direitos e Prerrogativas, para dar suporte aos advogados que prestam serviço jurídico às administrações públicas e depois sofrem medidas judiciais por discordância, geralmente do MP, em torno da dispensa da licitação, sendo que o advogado presta um serviço intelectual de natureza singular.

 

O argumento é de que é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios, em função da singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição. Cabe ressalvar que tais Súmulas não possuem qualquer poder legal vinculante, haja vista que tais súmulas expressão manifestação da Ordem em prol desse posicionamento.

Deste modo, Podemos identificar a possibilidade de Assessoria jurídica aplicando a hipótese de Inexigibilidade de licitação contida no artigo 25, inciso II, da Lei 8666/93, contanto que obedeçam ao requisitos elencados, como a especialização notória e a singularidade do serviço, haja vista que este último já está bem reconhecido pelo entendimento do Supremo Tribunal de Justiça ao tratar dos serviços advocatícios com singular devido à toda sua experiência conquistada ao longo da sua vida profissional, a qual jamais poderia ser levada à competição em detrimento de outro profissional que também obteve uma vida profissional diferenciada.

A aplicação da hipótese de Inexigibilidade de Licitação para a contratação de assessoria jurídica junto á Administração Pública é possível, haja vista o enquadramento desta atividade no rol de serviços técnicos discriminados na Lei 8666/93, e também a sua essencialidade para a realização do bom andamento das atividades administrativas públicas.

A assessoria jurídica deverá atuar em nome do interesse público, buscando sempre realizar seus trabalhos de modo cândido e idôneo, haja vista que sua contratação deverá ser impessoal, moral, legal e ser publicada para conhecimento de todos, pois sua contratante nada mais do que a representante de toda uma coletividade.

A Observância dos Princípios são de grande importância para embasar toda a realização dos procedimentos que levaram a gestão pública à contratar o profissional ou pessoa jurídica desejada, fazendo tudo nos conformes da legalidade, prezando pela impessoalidade no momento da escolha, através de decisões razoáveis e proporcionais à real adequação dos meios utilizados e dos fins requeridos, tornando tudo público por meio de divulgação em meios oficiais.

A Possibilidade dessa contratação está sendo entendida, segundo as jurisprudências recentes dos Tribunais Superiores, como possível e a Doutrina majoritária inclina-se para a sua também possibilidade de realização por meio da Inexigibilidade, haja vista a sua essencialidade, especialidade e singularidade. O próprio Tribunal de Contas reconheceu essa atividade como sendo também possível a sua feitura.

A Exigência primordial é a adequação das atividades a serem realizadas nos requisitos trazidos pelo artigo 25 da 8666/93, devendo a assessoria ser realmente especializada naquilo que irá patrocinar em prol do poder público e, deste modo, demonstrar sua singularidade ao decorrer da contratação dos serviços prestados.

A imposição da burocracia para a feitura dos atos administrativos nada mais é do que um meio pelo qual buscasse a proteção do poder público em prol da coletividade, tendo sempre como base o Princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Assim sendo, obedecer aos requisitos e os procedimentos para a feitura de um procedimento administrativo de Inexigibilidade é viabilizar a contratação de tal assessoria, economizando tempo para a resolução mais rápida possível dos litígios encarados pela administração contratante.

È importante salientar do cuidado que deverá existir por parte dos gestores públicos quando da feitura de tal procedimento, haja vista que vimos aqui todos os riscos que estes podem correr se caso venham a incidir em erros feitos de modos dolosos ou culposos.

Atividade advocatícia é reconhecida de modo a ser considerado de natureza singular, devido ao fato de toda bagagem adquirida pelo profissional ao longo de sua carreira, e ainda mais, a existência da relação de confiança que deverá conter no ente público que está contratando a assessoria jurídica.

A eficiência do serviço de assessoria jurídica contratada pelo poder público deverá ser a mais alta possível, haja vista que não é considerada a questão preço para a contratação, mas sim a questão técnico-profissional. O profissional contratado tendo com base sua bagagem profissional estará, em tese, mais bem preparado para alcançar os objetivos almejados pela administração pública.

Destarte, a aplicação da inexigibilidade para a realização desse serviço é totalmente viável e vantajosa para o poder público, pois ocorrerá uma maior possibilidade de objetivos alcançados, haverá maior confiança por parte do ente contratante e maior economicidade de tempo para a resolução dos litígios.