A ineficácia do Estado Brasileiro frente à garantia dos Direitos Humanos assegurados na Constituição de 1988*

SUMÁRIO: Introdução; 1. Evolução Histórica dos Direitos Humanos; 2. Direitos do Homem e a Constituição de 1988; 2.1. Ineficácia do garantismo constitucional; 3. Estado garantidor do formalismo constitucional; 3.1. Direito Alternativo: Mudança de mentalidade formalista; Conclusão; Referências.

RESUMO

Apresenta-se uma análise geral acerca da questão dos Direitos Humanos, buscando entender o verdadeiro significado deste termo, levando em conta sua historicidade, bem como compreender de que maneira eles estão assegurados constitucionalmente - em abrangência global e local tomando por base a Constituição Federal do Brasil de 1988 – pois lamentavelmente possuem apenas caráter formal à medida que não tem efetividade frente indivíduos e nem dentro de suas relações sociais. No entanto, é necessário que se busque e se coloque em prática esses direitos assegurados pelo Estado. Mas isso não ocorrerá se o formalismo que assombra o ordenamento jurídico não for purgado, é necessário que movimentos sociais como o Direito Alternativo surjam como mudança de mentalidade num Poder Judiciário hermético existente no Brasil.

  PALAVRAS-CHAVE

Direitos Humanos. Garantias Constitucionais. Formalismo. Direito Alternativo

  Introdução

 Muito do que se acredita a Sociologia Jurídica não se atém apenas a entender as reações da sociedade à norma jurídica, ela vai muito além busca compreender o caráter geral do Direito, as relações, efetivação, garantias. Tenta perceber o Direito não enquanto mero mantenedor da ordem jurídica justa, mas sim como garantidor de direitos adquiridos mediante muitas lutas de classes. É através dela que se busca ter uma nova visão acerca do Direito, de suas funções, efeitos e conseqüências.

Inserido nesta temática discute-se a ineficácia do Estado frente a garantia dos Direitos Humanos assegurados de maneira formal e abrangente na Constituição Federal de 1988. Direitos esses que se destaca a inviolabilidade da vida, igualdade, liberdade, propriedade e segurança. É interessante entender de que maneira o Estado efetiva essa garantias, pois o que se percebe de maneira real, é que direitos como esses são acessíveis apenas às classes que detém o poder, a grande maioria da população brasileira composta de pobres e miseráveis vivendo abaixo da linha de pobreza não tem acesso a nenhum desses direitos garantidos constitucionalmente, logo se questiona a existência de um ordenamento jurídico justo.

O que deve acontecer é uma mudança de mentalidade tanto entre os juristas, quanto da sociedade, que se entenda em que realmente consista os Direitos Humanos, pois a sociedade erroneamente só associa este aos presos, quando quer defender a integridade física deles. A população precisa sentir-se mais segura tendo seus direitos respeitados de forma digna, e isso pode ser percebido com o Direito Alternativo, que visa a participação da sociedade na efetivação de direitos.

 1.                  Evolução Histórica dos Direitos Humanos

 A noção de Direitos Humanos há séculos perpetua na história do homem, resultado de lutas acirradas contra os detentores do poder estatal. Na Bíblia se encontra povos lutando contra a tirania de reis que acumulavam riquezas e escravos. Na antiguidade se percebe isso destacado na tragédia de Sófocles, em que Antígona luta contra Creonte, rei de Tebas, a fim de garantir seu direito natural de sepultar seu irmão. É com base no Jusnaturalismo com o direito natural assegurado a todos, que a idéia de direitos humanos começa a delinear-se.

Apesar de toda opressão da Igreja Católica na época da Idade Média, é nesta época que florescem os antecedentes das declarações dos direitos, com a Magna Charta Libertatum (Magna Carta Inglesa) em 1215, ela que consistia basicamente na afirmação dos direitos entre o soberano e os senhores feudais, em que os barões afirmavam a supremacia do rei, enquanto que lhes eram garantidos liberdades estamentais. Quanto a isso destaca Araújo Filho,

Embora não tenha sido a carta das liberdades nacionais, por ser sobretudo uma concessão feudal, feita para proteger os privilégios dos barões e os direitos dos poucos homens livres, ao mesmo tempo funcionando como artifício prático para a renovação da fidelidade e vassalagem dos, até então, opositores do poder monárquico, a Carta de Jonh contribuiu no avançar histórico de elaboração das primeiras formulações sobre direitos humanos. (1997; p. 34)

 Com o advento do Estado Moderno, os grandes países da época – localizados no Europa - começam sua expansão territorial além mar, e a Inglaterra é responsável pelo descobrimento do que mais tarde seriam as treze colônias. Diante da insatisfação enquanto colônia, esta através da Petição de Direitos de 1628, solicita ao rei que fossem reconhecidos certos direitos e liberdades aos súditos do reino, principalmente no tocante às prisões arbitrárias e a cobrança excessiva de impostos, porém não teve efetividade, contudo foi base para a Declaração de Direitos (Bill of Rights) de 1689, considerada como a segunda carta magna do séc. XVIII, esta objetivava limitar o poder real inglês e o advertindo que deveriam cessar seus esforços em dominar o Parlamento e que os debates seriam caracterizados pela liberdade de expressão e pela soberania de suas decisões. Esta carta foi resultado da revolução Americana que findou o domínio colonial da Inglaterra.

Com a independência das treze colônias, uma destas, Virgínia, faz a sua Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (1776), e é considerada a primeira Declaração em sentido moderno, já que foi a primeira a utilizar uma constituição escrita para resguardar os direitos individuais. Quanto a isso destaca Schwartz, é a primeira proteção aos direitos do indivíduo a ser incorporada numa constituição, adotada pelo povo, por intermédio de uma convenção eleita (1979; p. 71). Com a independência, seria necessária uma estrutura governamental independente da metrópole e através da resolução de 1776, lança-se a Declaração de Independência dos Estados Unidos, em que agora todas as colônias deveriam se basear, esta deu margem a criação da Constituição Norte Americana, mas sua vigência ficou condicionada a ratificação das trezes colônias que acabaram por ceder após algumas exigências no que concerne a outros direitos dos homens.

Em 1789 na França é aprovado a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, resultado de muitas lutas por parte da burguesia, baseados em ideais iluministas. Seu lema era Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Apesar de coincidentes quanto a conquista nos direitos humanos, os objetivos se divergiam, isso pela própria condição histórica de colônia que tinham as treze colônias, garantindo uma abrangência mais local, enquanto que a França possuía uma abrangência universalizante.

Porém essas garantias não podiam ficar restritas a cada Estado, seu caráter universalizante é que garantiria aos Direitos Humanos efetividade e isso veio a acontecer em 1945 com Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta da ONU, foi ela sem dúvidas responsável por lançar, de forma mais abrangente, a questão dos direitos do homem no campo internacional.

No Brasil, os direitos humanos, com caráter político - pois até então esses direitos eram assegurados apenas à classe dominante - começam a efetivar-se com o governo militar, quando começam a surgir grupos de defesa, comitês de anistia, as diversas associações de familiares de desaparecidos e atingidos pela repressão militar, estes questionavam a legitimidade de um exército que violava os principais direitos da pessoa humana. Contudo, só com a Constituição de 1988, que esses direitos foram formalizados de maneira nunca antes acontecido, porém é conveniente entender se esses direitos assegurados constitucionalmente possuem efetividade individual e social.

 1.                  Direitos do Homem e a Constituição de 1988

 A noção de Direitos humanos, como já colocada, surge primeiramente da necessidade de restringir o poder do monarca, e para que isso acontecesse era necessário que essas novas normas de cunho humanista fossem formalizadas, escritas, como prova de que os tratados, as convenções haviam sido aprovadas e de conhecimento de todos. Porém essa idéia formalista, que de início era uma maneira de assegurar, tornou-se a falácia que rege o ordenamento jurídico brasileiro, pois se achava que pelo simples fato desses direitos estarem “escritos” era grande avanço a sua efetivação, porém sabe-se que isso não é a realidade. Existem cinco direitos humanos que se pode destacar como objeto de estudo, e eles estão assegurados no art. 5º da CF/88, e expressa o seguinte: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (grifo nosso)

Dentre tantos direitos assegurados na Constituição Federal, tem-se nesses cinco os mais abrangentes, acreditando-se que na ausência de um deles, outros seriam inviáveis. Todos são de igual e extrema importância ao pleno desenvolvimento individual e social, mas acredita-se que na inviolabilidade do direito à vida os demais não teriam sentido, e afirmando isso destaca Silva,

Por isso é que ela constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos. De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos. (2008; p. 198)

Inseridos neste direito supremo observa-se o direito à existência, a estar vivo, lutar pelo viver, de defender-se da própria vida e de permanecer vivo, sendo esta violado apenas pelo curso normal, a morte espontânea. É assegurando este direito que a legislação penal pune todas as formas de interrupção a vida; direito à integridade física e moral, esta sintetiza a honra da pessoa, o bom nome a boa fama, a reputação; esse direito vai contra práticas como a pena de morte, a eutanásia, o aborto e a tortura.

Quanto à liberdade, poderia se ater toda esta exposição acerca desta, que ainda não se esgotariam argumentos, é um dos direitos humanos mais complexos, até para delinear seu conceito e este é definido por Silva, como sendo: liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realidade pessoal. (2008; p. 233). A liberdade é assegurada, mas ela tem limites, o limite da liberdade do outro, é o respeito que entra em cena. E dentre algumas liberdades destaca-se a da pessoa física (locomoção, circulação); de pensamento (opinião, religião, informação, artística); de expressão coletiva (associação, reunião); de ação profissional (livre escolha do exercício profissional, ofício e profissão); de conteúdo econômico e social (livre iniciativa, liberdade de comércio, de ensino, de trabalho).

O princípio da igualdade de todos é o mais formalista, “todos são iguais perante as leis”, tomando-se em âmbito mais abrangente o que a lei realmente expressa é tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, sendo que esses ditos iguais são aqueles que fazem parte da classe dominante e os desiguais os pobres, sem direito nenhum assegurado, fora do papel. Refere-se a todo tipo de igualdade: tributária, raça, cor, nacionalidade, idade, trabalho, às leis penais, dentre outros, mas a igualdade jurisdicional é uma das mais importantes, pois é ela que garantirá a efetivação das demais. E quanto a isso destaca Capelleti,

 Formalmente, a igualdade perante a Justiça está assegurada pela Constituição, desde a garantia de acessibilidade a ela (art. 5º, XXXV). Mas realmente essa igualdade não existe, pois está bem claro hoje que tratar como igual a sujeitos que economicamente e socialmente estão em desvantagem, não é outra coisa senão uma ulterior forma de desigualdade e de injustiça. (1988; p.67)

 O direito à propriedade não se limita apenas à moradia, é mais abrangente, refere-se também a sua propriedade privada, mas também à propriedade pública, a industrial, no caso de marcas e patentes, porém a que mais nos interessa é a noção de propriedade particular, assegurada pelo Direito Civil, aquela em que todos tem direito a moradia digna pra seu desenvolvimento vital, juntamente com o de sua família. Este princípio é basilar para o direito social e coletivo que é o direito à moradia.

Quanto à segurança refere-se à possibilidade do individuo de ter assegurado esses direitos, bem como sua integridade física. Não pode resumir esta questão apenas à segurança do Sistema Penal, de policiais nas ruas responsáveis a tirar os criminosos do meio social, ou de um sistema carcerário perfeito a abrigar centenas e milhares de pessoas que estão submetidas àquela situação, mas sim deste Estado que foi incapaz de dar a segurança constitucional aos seus direitos fundamentais.

 2.1              A Ineficácia do Garantismo Constitucional

 Erroneamente entende-se Direitos Humanos como direitos apenas de presos, estes são evocados em questões de maus tratos a presidiários, deixando de lado um problema maior e estrutural, o fato de o ordenamento jurídico e o Estado não saberem como efetivar essas garantias, pois se estas fossem asseguradas de maneira correta, pelo menos da forma em que está na lei, muitas situações de violência seriam evitados. A solução não é procurar medidas emergentes, que resolvam o problema em curto prazo, mas sim através de políticas públicas que sejam postas em prática, e principalmente que haja uma mudança de mentalidade por parte do Judiciário, enquanto garantidor desses direitos. E quanto a isso destaca Faria:

 Não é por acaso que, nas sociedades não tipicamente tradicionais e fracamente integradas, sujeitas a fortes discriminações sócio-econômicas e político-culturais, como a brasileira, muitas declarações programáticas em favor do Direitos Humanos e sociais, nos textos constitucionais, acabam tendo apenas uma função tópica, retórica e ideológica. (2002; p. 98)

 Não se precisa ir longe para que se presencie a inviolabilidade por parte do Estado no tocante a garantia desses direitos, e esses dados nos relatam essa ineficácia. Com base em dados estatísticos colhidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) quanto a hospitais e emergências, tem-se que são dois estabelecimentos federais, quinze estaduais e cinqüenta e um municipais, em conversa com a Drª. Elma de Sousa (médica em um estabelecimento hospitalar estadual e municipal), ela nos retrata a demanda nesses hospitais que é muito grande e a falta de recursos e até mesmo de médicos que garantam o pleno funcionamento desses locais. Em visita juntamente com ela se percebe que as condições são subumanas, pessoas amontoadas em corredores agonizando e em prantos devido as dores que são incessantes.

Outra coisa destaca por ela é sobre a incidência nas emergências, ela nos afirma que são resultantes de brigas, discussões, roubos, tentativas de homicídios, e a maioria tem como resultado o óbito. Esta afirmativa é pra se refletir quanto à segurança que deveria ser garantida pelo Estado e o mesmo se exime desta responsabilidade. Uma política adotada pela secretária de segurança, é deixar nas ruas viaturas policiais munidos de aparelhos celulares para que o cidadão ligue para os policiais quando sentir sua integridade ameaçada. Lamentavelmente a noção de segurança ainda se restringe ao campo penal, e os governos só vêem como saída respostas emergenciais que nada adiantarão.

Na delegacia do idoso em contato com ....... nos deparamos com situações de denuncias de maus tratos por parte da família e de outros, mas as mais recentes reclamações são falsificações de documentos dessas pessoas, e possíveis realizações de contratos de crédito, que devido a idade não tem como defender-se de tais práticas.

Quanto a Penitenciária de Pedrinhas isso é indiscutível, não se quer aqui se ater a questão de apenados, mas é necessário, o problema não gira em torno da defesa dos direitos destes, mas sim da ausência, muito se resume a isso, pois são nas penitenciárias que se comprova as situações de descaso e de desumanidade.

E o que se falar sobre o acesso à justiça, é a Defensoria Pública responsável por assegurar este acesso, garantindo defesa àqueles que financeiramente não tem condições de arcar com essas despesas. Em contato com a Drª Denise Silva, subdefensora da Defensoria Pública, ela nos explicou que a lei complementar Nº19/94, há a previsão de 85 cargos de defensores, mas desses 85 há apenas o preenchimento de 46, ficando assim 39 cargos de defensores públicos em aberto. Dos 46 defensores, apenas 37 são efetivos, pois na defensoria do Maranhão há 4 (quatro) defensores que ocupam cargos na administração superior, 2 que estão em processo de aposentadoria, 2 estão licenciados por problemas médicos, 1 afastado por atividades partidárias e 1 que ocupa cargo na administração do sindicato, e a este último lhe é facultado o poder de exercer o seu ofício de defensor. Dentre os 37 defensores, estão incluídos aqueles que estão distribuídos nos municípios de São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar, Pedreiras, Bacabal, Balsas, Timon e Caxias, totalizando 8 (oito) municípios agraciados com a Defensoria Pública. Tendo em vista que o Estado do Maranhão conta com 217 municípios, dentre esses apenas oito possuem defensoria pública, logo há um déficit de 209 municípios que não possuem a possuem, algo que certamente dificulta o acesso à justiça.

Diante desses dados é perceptível a deficiência da defensoria pública com relação ao seu quadro efetivo de defensores, trazendo como conseqüência um atolamento por conta do número elevado de demanda em relação ao número reduzido de defensores, e assim criando uma barreira ao acesso à justiça.

Percebe-se que essas questões são conseqüências de um Estado ausente, ele deseja manter a ordem, mas não proporciona bem estar para sua população, esses são apenas casos isolados de situações em que falta a ação dos Direitos Humanos, imagine isso dimensionado a um país com quase 180.000.000 de habitantes, é necessário que se reveja alguns questionamentos.

 2.                  Estado garantidor do formalismo constitucional

 Analisando a formação do Direito Brasileiro, depara-se com várias situações problemáticas, devido à forma na qual o Estado brasileiro consolida-se. Temos o Brasil sendo uma colônia de exploração portuguesa por vários anos, o que lhe confere um amplo quadro histórico de injustiças com a população, e ainda o país é caracterizado como uma nação capitalista periférica, não permitindo o desenvolvimento autônomo da justiça e política, ou seja, sem uma interferência externa. Assim sendo, junto com este quadro, há também a existência de um Estado Patrimonialista, Burocrático, Liberal e Burguês.

Tais fatores são de suma importância para a construção de um Direito que se centra mais nas relações de poder, se atendo de maneira quase que exclusiva à manutenção do “status quo” e mostra-se como sendo desvinculado da realidade nacional. No intuito de garantir as relações de poder – em que a vontade dos mais fortes prevalece - o Direito acaba por se tornar um local de difícil acesso ou até mesmo hermético, por parte daqueles que não estão inseridos na “elite legitimada” para utilização do Direito. Assim, segundo Bourdieu,

 A reivindicação da autonomia absoluta do pensamento e da acção jurídicos afirma-se na constituição em teoria de um modo de pensamento específico, totalmente liberto do peso social, e a tentativa de Kelsen para criar uma teoria pura do direito não passa do limite ultra-consequente do esforço de todo o corpo dos juristas para construir um corpo de doutrinas e de regras completamente independentes dos constrangimentos e das pressões sociais, tendo nele mesmo o seu próprio fundamento. (2000; p.209)

 Fica evidente a intenção de um Direito cheio de formalismo como modo de legitimar-se independentemente dos anseios sociais, e é nesse cenário que essa última acaba por ter seus principais direitos violados.

Um ponto a ser analisado é a dificuldade de tecer a divisão entre o que é o Estado e o que é o Direito, e nesse ponto Wolkmer trata da mesma:

 A representação do centralismo jurídico, embasado no extremismo lógico-formalista da dogmática normativista, tende a eliminar o dualismo jurídico estatal, na perspectiva de que o Estado é identificado como a ordem jurídica, ou seja, o Estado encarna o próprio Direito em determinado nível de ordenação, constituindo um todo único.(2001;p.57)

 O positivismo jurídico possui a característica de encarar o Direito como aquilo dentro do ordenamento que é tido como valido, pouco importando a eficácia, e referente a isso, Bobbio:

O positivismo jurídico, definindo o direito como um conjunto de comandos emanados pelo soberano, introduz na definição o elemento único de validade, considerando, portanto como normas jurídicas todas as normas emanadas num determinado modo estabelecido pelo próprio ordenamento jurídico, prescindindo do fato de estas normas serem ou não efetivamente aplicadas na sociedade. (1995; p.142)

 Assim sendo, o positivismo Estatal cria uma desconformidade entre o Direito e a Sociedade – graças à redução do primeiro à pura legalidade - fazendo com que o aquele seja apenas um artifício de controle das elites e não instrumento que propicie mudanças sociais.

Com o excessivo apego as validade das leis, e pouca preocupação de conformar o Direito com a realidade social, é que irá acontecer o descumprimento em relação aos Direitos Humanos, pois a partir do momento que a sociedade “cria” novos direitos, e o ordenamento jurídico não concebe esses “novos direitos” existirá a violação daqueles.

Nas palavras de Lyra Filho, percebe-se como é tratada a questão dos Direitos Humanos no nosso ordenamento jurídico:

 Em muitos países, inclusive no Brasil, há dispositivos legais que contrastam com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Isto já foi reconhecido, entre nós, pelo Ministro F.M. Xavier de Albuquerque, quando tentou, em voto famoso, na justiça eleitoral, encaminhar uma jurisprudência que situasse aquela Declaração, como é devido, acima de qualquer desvio legislativo. Acentuou, então, o destacado juiz liberal, que a Declaração dos Direitos do Homem é “capítulo duma evidente Constituição de todos os povos”, que ainda não “existe” ( como lei formalizada), mas orienta superiormente a captação do Direito.(2003; p.11.)

 Frente a toda essa imersão em um Positivismo Jurídico cego e formalista, cabe a pergunta de como superar essa visão estritamente legalista, por uma capaz de conceber o Direito como viabilizador de mudanças sociais.

 3.1.            Direito Alternativo: Mudança na mentalidade formalista

 Frente a todo esse rigor formal existente no ordenamento jurídico brasileiro, chega a um ponto em que se clama por uma ruptura com essa mentalidade dita como ultrapassada, e os anseios sociais passa a ser o centro da produção do Direito. Frente a isso, Sabadell:

Nos anos 1960e 1970 desenvolveu-se um movimento que tentou promover mudanças sócias através do direito. Na Itália este movimento denominou-se “uso alternativo do direito”. Consistia na interpretação e aplicação do direito com uma finalidade “emancipadora”, favorecendo as classes e os grupos sociais mais fracos. A aplicação do direito deveria tornar-se um instrumento de solidariedade social. (2000; p.115.)

 O contexto onde surgem as reflexões doutrinárias acerca do Direito são semelhantes, mas não se pode confundir “uso alternativo do direito” com Direito Alternativo, quanto a isso, a pesquisadora Cavalcanti, traça a distinção:

 O movimento do uso alternativo do direito voltou-se para a postura dos juízes e sua função social, elevando-os à condição de “verdadeiros protagonistas da justiça” preocupando-se com sua formação, que deveria deixar de ser estritamente legal e formal, como normalmente o é, para passar a ser voltada aos problemas e anseios da sociedade. O Direito Alternativo, por outro lado, tem sua origem na América Latina, principalmente a partir da década de oitenta, e é marcado por ter como protagonista dos ideais de justiça não o juiz, mas a própria comunidade, que é incentivada a lutar e adotar medidas práticas que possibilitem a defesa de seus direitos, especialmente os humanos, independentemente da garantia dada a estes pela ordem jurídica. (2008; p.5)

 A ideologia do Direito Alternativo acredita que será possível um rompimento com a escola jurídica positivista, que é vista por Lyra Filho como sendo uma tendência a enxergar todo o Direito na ordem social estabelecida pela classe e grupos dominantes, diretamente ou através das leis do Estado. Assim a partir do rompimento supracitado é que irá surgir um novo paradigma centrado na vida da sociedade, atendendo aos anseios sociais.

Essa nova forma é fruto da conscientização da própria classe dominada que passará a lutar de forma incessante pela efetivação de seus direitos. E para a efetivação desses, a sociedade pode lançar mão de um artifício que se encontrava “sucumbido” desde à época da ditadura militar e seja ele a coletivização dos sujeitos de direito, bem como a utilização da assessoria jurídica – esta com conteúdo para além do mero assistencialismo - para a criação de uma consciência coletiva, que viabilize a perquirição daqueles direitos que são inerentes à pessoa humana.

Mas para que todo esse movimento seja viabilizado, é necessário que haja uma tomada de consciência crítica em relação ao Direito. Tal consciência poderá ser viabilizada dentro dos próprios cursos de graduação de Direito, através da implementação de uma grade curricular com disciplinas que venham a traçar críticas a fim de explorar as deficiências existentes. Quanto à tomada da consciência crítica, diz Wolkmer, a teoria crítica provoca a auto consciência dos agentes e dos movimentos sociais que estão em desvantagem e/ou em desigualdades e que sofrem as injustiças por parte dos setores dominantes, das classes ou elites privilegiadas (2001; p.153).

 Conclusão

 Frente à complexidade do que seria Direitos Humanos, torna-se mais difícil ainda o debate que proporcionará a sua correta concepção bem como meios que podem ser adotados para de fato concretizá-los. Quando se fala na complexidade do conteúdo de Direitos Humanos, é que este por ser considerado como direitos fundamentais universais acaba pondo em conflito vários ordenamentos jurídicos. Devido ao fato de que cada ordenamento possui a sua própria concepção de direitos fundamentais, e desta forma como é possível falar em direitos fundamentais universais? Talvez uma saída para chegar-se à dificuldade de tal debate é utilizar o diálogo intercultural, a fim de chegar-se a um acordo comum.

O diálogo intercultural por sua vez, pode ser viabilizado pela hermenêutica diatópica, considerando cada cultura – e assim cada ordenamento jurídico - a partir de sua idiossincrasia, e através desse inter-relacionamento cultural é que será viável a construção dos direitos fundamentais universais.

Em se tratando de outras dificuldades apresentada pelo tema Direitos Humanos, também podemos citar a própria estruturação do Estado que acaba por assegurar, mas não garante de forma efetiva a concretização desses direitos e isso mostra a fragilidade de direitos ditos universais.

A tomada de consciência da sociedade, em relação a seus direitos, é condição primordial para a efetivação dos mesmos, visto que quando grupos sociais estão unidos, eles se percebem mais fortes para adquirirem o almejado. O Estado mostra de maneira formal que esses direitos existem, mas o que deve acontecer é uma mudança de mentalidade no próprio Judiciário, responsável pela eficácia desses direitos, que o Direito deixe de ser usado como instrumento de poder e passe a agir da maneira a qual foi criado, que este não seja classista, segregador ou excludente, mas sim, igualitário.

 Referências

 ARAUJO FILHO, Aldy Mello de. A Evolução dos Direitos Humanos: Avanços e perspectivas. São Luís: EDUFMA; AAUFMA. 1997.

 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995.

 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico.3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

 CAVALCANTE. Geilza Fátima. A efetivação dos direitos humanos por meio do Direito Alternativo e do Uso Alternativo do Direito. Capturado de http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_147/r147-22.PDF. Acesso em: 05/10/2008.

 CAPPELLETI,Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988.

 FARIA, José Eduardo. O Judiciário e os Direitos Humanos e sociais: Notas para uma avaliação da justiça brasileira. In: Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo: Malheiros, 2002.

 LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo: Brasiliense, 2003.

 SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

 SCHWARTZ, Bernard. Os grandes direitos da humanidade “ the bill of rights”. Tradução de A B. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1979.

 SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros. 2008.

 WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico. São Paulo: Alfa Omega, 2001.