INTRODUÇÃO

 

Este trabalho se destina a fazer uma análise acerca da caráter inconstitucional do nosso Sistema de Cotas Raciais para Concursos, procurando entender as raízes da sua implementação no nosso país e os ponto em que se choca com a Carta de 1988.

Iremos ressaltar o erro cometido em tomar a coloração da pele de um indivíduo como parâmetro para considerá-lo mais ou menos capacitado para o exercício de certas prerrogativas, também comprovando que o argumento da compensação histórica aos negros não constitui fundamento apto a justificar a reserva de vagas em detrimento de outros indivíduos com colorações epidermiais diferentes.

HISTÓRICO DAS COTAS RACIAIS NO BRASIL

No Brasil, o Sistema de Cotas Raciais começou a ser discutido após a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em 2001, na África do Sul.

Desde então, começaram os primeiros debates no âmbito social e político sobre a política de cotas, como forma de inclusão não só de negros, mas também os pobres de baixa renda relegados ao lastimável ensino público brasileiro. Tais debates tiveram o primeiro efeito concreto em 2004, quando a Universidade Nacional de Brasília implantou a reserva de vagas para afrodescendentes em seu processo vestibular.

Em 2012, a Lei 12.711 foi promulgada no sentido de constituir a reserva de 50% das vagas em processos seletivos de Universidades Públicas Federais em prol de interesses sociais e raciais.

Essa lei foi regulamentada pelo Decreto nº 7.824/2012 e Resolução 18/2012, que estabeleceram formas para a implementação gradativa dessa reserva de vagas, estabelecendo metas e prazos a serem cumpridos.

Em 2012, o DEM, Partido Democratas, ajuizou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental contra a reserva de vagas para negros no processo vestibular da Universidade Nacional de Brasília. O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reconheceu a constitucionalidade da reserva de vagas para afrodescendentes.

Em 2013, o Executivo Federal apresentou o projeto de Lei 6.738, voltado a reservar vagas raciais no âmbito de concursos para a Administração Pública Federal. Tal proposta foi aprovada e sancionada em 2014, tornando-se a Lei 12.990/2014.

CONFRONTO ENTRE O SISTEMA DE COTAS RACIAIS PARA CONCURSOS E A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Na análise da inconstitucionalidade da política racial para concursos, usaremos diversos argumentos que também servem para o questionamento do sistema de cotas para negros genericamente tratado. Dessa forma, nosso ponto inicial de crítica será a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Em sua análise, o STF fundamentou seu entendimento, basicamente, sob três pilares: a validade de uma divisão racial com base na cor da pele; a desigualdade material a que negros estão submetidos; e o papel social das cotas raciais. Todos esses argumentos são dignos de uma análise e de crítica, pois também podem ser usados para amparar a adoção no âmbito dos concursos.

Durante décadas, o movimento negro lutou para consagrar a ideia de que a divisão racial entre brancos e negros é inválida; a mera coloração da pele não seria um elemento apto a justificar uma divisão de indivíduos em raças diferentes.

A Ciência define que a divisão em raças pressupõe uma distinção entre as características fisiológicas ou biológicas, o que não acontece com negros, pardos ou brancos, já que são idênticos nesses aspectos. Os modernos estudos científicos já sinalizaram a premissa de que essa segmentação racial com base na coloração da epiderme é inválida.

Apesar do parâmetro científico, o Supremo Tribunal Federal e a Lei 12.990/14 desconsideraram tal aspecto, continuando a promover a tradicional e ultrapassada segmentação com base na cor da pele.

Outro argumento usado foi o da desigualdade material a que afrodescendentes estão submetidos, que está intimamente ligado à compensação histórica, por isso serão analisados conjuntamente.

Tal fundamento traz a premissa de que o sofrimento imposto aos negros ao longo dos séculos, por meio do regime escravista, teria colocado tal segmento sob uma desigualdade material, daí a necessidade de reservar vagas privilegiadas para que possam concorrer em condição de igualdade com os demais indivíduos.

No que se refere ao argumento da compensação, não é uma reserva de vagas que vai fazer com que afrodescendentes sejam efetivamente reparados por toda a crueldade a que foram submetidos ao logo de anos.

Ne verdade, entendemos que a real compensação que o Estado pode dar é oferecer uma educação de qualidade, para que negros tenham a oportunidade de, em igualdade com os demais, obter êxito em processos seletivos independentemente da separação de vagas por causa da cor da sua pele. Entendemos que essa é a melhor forma de indenizar negros pelas mazelas que lhes foram impostas.

Um dos princípios constitucionais quanto à atuação Administração Pública é o da Eficiência, que pode ser visto sob diversas facetas. Uma delas se refere ter os profissionais mais capacitados para a prestação do serviço público, permitindo que seja prestado com o máximo de qualidade possível.

A política racial para concursos se choca frontalmente com tal princípio, pois promove uma seleção com base na cor da pele do indivíduo, não no seu mérito, desclassificando candidatos mais capacitados em prol da escolha de outros por causa da coloração da sua pele.

A partir do momento em que a meritocracia, de alguma forma, é colocada em segundo plano no que se refere ao ingresso no Poder Público, temos, inevitavelmente, um impacto sobre a prestação do serviço, já que este estará sendo administrado por indivíduos selecionados em razão da sua cor, não da sua capacidade.

Além disso, ressaltemos, a política racial para concursos traz uma contradição dentro de si, pois, sob um falso pretexto de combater o racismo, acaba fomentando-o, pois reúne coloca afrodescendentes para ingressarem em razão da sua cor, estimulando uma divisão interna entre os que ingressaram em razão do seu mérito e os que entraram pela sua cor; isso é o verdadeiro racismo. Temos um confronto imediato com os artigos 3º e 4º da Costituição Federal, que assim dispõem:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

[...]

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

[...]

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo.

Em um outro ponto extremamente questionável das cotas, temos um questionamento extremamente simples: o que é ser negro? Em um país miscigenado como o nosso, qual o critério para definir se alguém terá vagas privilegiadas; meramente fenotípico, ou de ascendência genética.

Vejamos o que André Vinícius Carvalho Meira fala sobre o assunto:

Na verdade, nada impede que aquele estudante de pele mais escura seja, por exemplo, descendente de um ex-escravo que se tornou depois proprietário de escravos, ou ainda que sua ancestralidade seja mais européia do que africana. Do mesmo modo, é perfeitamente possível que o estudante de pele mais clara possua, entre seus ascendentes, africanos escravizados, sendo, portanto, pelo raciocínio da reparação histórica, legítimo detentor do direito de compensação.

Para finalizar a exposição, também trazemos os ensinamentos da professora Célia Maria Marinho de Azevedo:

Mas, afinal, o que queremos? Abolição do racismo ou criação de direitos de “raça”? Espero ter deixado claro ao longo deste artigo que, em minha opinião, o combate ao racismo significa lutar pela desracialização dos espíritos e das práticas sociais. Para isso é preciso rechaçar qualquer medida de classificação racial pelo Estado com vistas a estabelecer um tratamento diferencial por raça, ou, para sermos mais claros, os direitos de “raça”. Tal como na atual discussão sobre o desarmamento de população, minha posição é que não se combate a arma com outra arma, ou seja, não se pode pretender combater o racismo com a racialização oficial da população. Muitos que enveredam pela defesa da cota racial consolam-se com a idéia de que “se trata de uma política emergencial”, temporária. Mas, evidentemente, não se convoca oficialmente a população para ela definir-se em termos de raça negra/branca, em termos de usufruto de direitos para um belo dia decretar a todos: “esqueçam a raça, ela não passa de uma invenção! ”

CONCLUSÃO

Após esse estudo, pudemos perceber a essência inconstitucional da nossa política racial para concursos, chocando-se frontalmente com preceitos basilares da Constituição Federal de 1988.

Percebemos que o sistema de cotas, além de não combater o racismo e não ser o instrumento adequado para a reparação histórica de negros, acaba promovendo uma diferenciação interna em razão do ingresso com base na cor ou no mérito, situação contrastante com os princípios da nossa Carta Magna.

Acreditamos que o Supremo Tribunal Federal, apesar de não ter se pronunciado sobre o tema, irá reconhecer a Inconstitucionalidade da Lei 12.990/2014, respeitando os parâmetros de combate ao racismo que nosso texto normativo estabeleceu.

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