A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1° DA LEI 11.313/06

ADRIANA MARAMBAIA TAVARES RIOS

Resumo: Este estudo tem como escopo verificar, pela revisão doutrinária e jurisprudencial a inconstitucionalidade do artigo 1° da lei 11.313/06. Demonstrou que o princípio do juiz natural visa não só impedir a instituição de juízos de exceção, como coibir a afronta à delimitação constitucional de competência. Comprovou que a competência dos Juizados Especiais Criminais é estabelecida em função da matéria, e, portanto, tem caráter absoluto, não podendo em hipótese alguma ter a sua competência modificada através de uma lei infraconstitucional. Concluiu que no concurso, envolvendo duas infrações penais, sendo uma de menor potencial ofensivo, deve haver a separação de processo, tendo em vista que a competência para o julgamento do crime de menor potencial ofensivo é ditada pela Constituição da República.

PALAVRAS CHAVES: Inconstitucionalidade – Jurisdição – Competência – Princípio do juiz natural - Juizados especiais Criminais.


SUMÁRIO



1. INTRODUÇÃO

2. JURISDIÇÃO
2.1 Princípio do juiz natural
2.2 COMPETÊNCIA
2.2.1 Competência em razão da matéria
2.2.2 Conexão e continência
2.3 LEI 11.313 DE 2006

REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO:

O presente trabalho pretende demonstrar que a modificação legislativa proposta pela lei 11.313/06, no seu art. 1º, não foi uma medida eficaz, e muito menos uma medida constitucional. Para tanto, mister se faz tecer algumas considerações sobre a norma apontada.
A lei 11.313/06 foi publicada no dia 29 de junho de 2006, no Diário Oficial da União, a qual introduziu algumas alterações na redação de alguns dispositivos da lei 9.099/95.
O legislador infraconstitucional fez as seguintes modificações: a) Introduziu um novo conceito de infração de menor potencial ofensivo; b) Determinou a aplicação das regras da conexão e continência quando nos casos concretos surgirem infrações de menor potencial ofensivo e infrações comuns.
Com referência à primeira alteração, desnecessária foi a modificação, pois a alteração promovida só tem utilidade meramente didática, tendo em vista que há muito a doutrina e a jurisprudência pátrias já vinham reconhecendo que o novo conceito de infração de menor potencial ofensivo trazido pelo Lei 10.259/01 (consideram-se crimes de menor potencial ofensivo, aqueles a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos), também se aplica aos crimes de competência do Juizado Especial Criminal Estadual.
O problema, contudo, reside na 2° modificação: "Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis." Com essa normatização, o legislador ordinário limitou a atuação dos Juizados Especiais Criminais, que são competentes para julgar crimes de menor potencial ofensivo, conforme art. 98, inc. I da CF/88, modificando através de uma norma infraconstitucional a sua competência. Logo, urge o seguinte questionamento: Pode o legislador infraconstitucional promover as referidas alterações? A exclusão da competência dos Juizados Especiais Criminais, por parte do legislador ordinário em face das regras de conexão e continência é constitucional?
A inserção da lei 11.313/06 no ordenamento jurídico brasileiro, modificando a lei 9.099/95, fere o seguinte princípio constitucional: Princípio do Juiz Natural, elencado no art. 5°, LIII e XXXVII, da CF/88. Entende-se por esse princípio, como aquele em que estabelece o direito do réu de ser julgado por um juiz previamente determinado por lei e pelas normas constitucionais, acarretando, por conseqüência, um julgamento imparcial.
Ademais, além da violação da norma constitucional, a referida lei trouxe também alguns prejuízos aos acusados, pois por mais que se diga que foram preservados os institutos da transação penal e da composição dos danos cíveis, os mesmos perderam procedimentos previstos para serem aplicados nos juizados, como a oralidade e simplicidade.
Acredita-se, que a lei dos Juizados Especiais Criminais, deva ser interpretada no contexto de um movimento despenalizador, ou melhor desencarcerizador. Nesse sentido, qualquer medida que tenha como ponto de partida essa realidade, e com isso, busquem alternativas para as questões penais, devem ser recebidas, com boa vontade.
Para tanto, é imperiosa a análise sistemática do texto das leis 9.099/95, 10.259/01; bem como alguns institutos processuais penais, dentre eles: jurisdição, competência..., para ao final concluir pela inconstitucionalidade do artigo 1° da lei 11.313/06.
A própria prática, vivenciada no âmbito do direito penal, instiga os operadores da área jurídica a se debruçar sobre esse tema. O artigo visa assim, demonstrar que as modificações trazidas pela lei 11.313/06 possuem grande importância para os operadores do direito, em especial, os que militam na área criminal, diante das enormes alterações práticas, que a mesma vem trazendo no dia-a-dia desses profissionais, bem como a opinião pública, que a cada dia, se interessa mais pelo processo penal. Além disso, deve-se primar sempre pela hermenêutica constitucional, ou seja, pugnar pela filtragem constitucional das normas infraconstitucionais.
Logo, a solução jurídica mais adequada seria a cisão dos julgamentos dos crimes de menor potencial ofensivo e outro crime conexo ou continente, vez que a competência criminal para julgar os crimes de menor potencial ofensivo é absoluta, ou melhor, em razão da matéria. Ela foi fixada pelo legislador constitucional, no seu art. 98, I, da CF/88, por isso não prorroga.

JURISDIÇÃO

Etimologicamente, a palavra jurisdição vem de "jurisdictio, formada de jus, juris (direito), e de dictio, dictionis (ação de dizer, pronúncia, expressão), traduzindo, assim, a idéia de ação de dizer do direito." (MIRABETE, 2001, p.162).
Jurisdição é o poder atribuído, constitucionalmente, ao Estado de intervir junto aos jurisdicionados para aplicar a lei ao caso concreto. Via de regra, essa atividade jurisdicional é exclusiva dos integrantes do Poder Judiciário, embora a própria Constituição Federal estabeleça exceções. A jurisdição, é também uma manifestação do poder do estado, caracterizando-se pela imperatividade e imposição das decisões emanadas dos órgãos dela dotados.
Para Pedroso, Jurisdição "é o poder de proclamar e aplicar o Direito, estendendo as normas, leis e princípios jurídicos cabíveis às hipóteses ocorrentes, dirimindo-se os litígios e restabelecendo-se a harmonia social". (PEDROSO, 1998, p. 14). Manzini aduz que,
"jurisdição é a função soberana, que tem por escopo estabelecer, por provocação de quem tem o dever ou o interesse respectivo, se, no caso concreto, é aplicável uma determinada norma jurídica: função garantida, mediante a reserva do seu exercício, exclusivamente aos órgãos do Estado, instituídos com as garantias da independência e da imparcialidade (juízes) e da observância de determinadas formas (processo, coação indireta)". (MANZINI, 1931, p. 19). E, segundo Lopes Jr,

"Jurisdição é um direito fundamental..., ou seja, o direito fundamental de ser julgado por um juiz natural (cuja competência está pré-fixada em lei), imparcial e no prazo razoável. É nessa dimensão que a jurisdição deve ser tratada, como direito fundamental e não apenas como poder-dever do Estado." (LOPES JR., 2008, P. 413).

A jurisdição é una, pois a sua finalidade é a aplicação do direito objetivo público ou privado. Entretanto esse poder jurisdicional foi objeto de repartições de competências (parte do poder jurisdicional que cada órgão pode exercer), com o objetivo de melhor operacionalizar a administração da justiça. Assim, se vai provocar a aplicação de norma de Direito Penal, ou de Direito Processual Penal, a jurisdição se diz penal. Ademais, todo juiz investido na sua função, possui jurisdição, ou seja, "a atribuição de compor os conflitos emergentes na sociedade, valendo-se da força estatal para fazer cumprir a decisão compulsoriamente" (NUCCI, 2006, p.195), evitando-se assim os nefastos resultados da autotutela, exercendo o Poder Judiciário a jurisdição em caráter substitutivo às partes, agindo coativamente em prol da ordem, ou segurança jurídica.

Princípio do juiz natural

As garantias para aplicação da lei dão origem a certos princípios fundamentais na atividade jurisdicional, sendo alguns de natureza constitucional.
Dentre eles, está o princípio do juiz natural ou constitucional, o qual tem origem do direito anglo-saxão. Para Tourinho, o princípio do juiz natural, é aquele "cuja competência resulta, no momento do fato, de normas legais abstratas". (TOURINHO, 2001, p. 178). Nucci, pontifica com propriedade, que o princípio do juiz natural, "é aquele que estabelece o direito do réu de ser julgado por um juiz previamente determinado por lei e pelas normas constitucionais, acarretando, por conseqüência, um julgamento imparcial." (NUCCI, 2006, p. 55). Não estão aí incluídas, porém, as modificações de competência, as substituições, o desaforamento, e a prorrogação de competência previstas em lei, desde que obedecidas os parâmetros constitucionais, que não violam o princípio do juiz natural.
O art. 6º, I, do Pacto de São José da Costa Rica, deixou claro que "Toda pessoa tem direito a ser ouvida... por um juiz ou tribunal competente... reconhecido com anterioridade pela lei." A consagração Constitucional vem dada pelo texto do artigo 5°, LIII, da CF/88 "ninguém será processado nem sentenciado, senão pela autoridade competente.", reforçando a garantia de que "não haverá juízo ou tribunal de exceção" (art. 5º, XXXVII). Nesse sentido, observa-se o seguinte julgado do STF:
"O postulado do juiz natural representa garantia constitucional indisponível, assegurada a qualquer réu, em sede de persecução penal, mesmo quando instaurada perante a Justiça Militar da União (...). O postulado do juiz natural, em sua projeção político-jurídica, reveste-se de dupla função instrumental, pois, enquanto garantia indisponível, tem, por titular, qualquer pessoa exposta, em juízo criminal, à ação persecutória do Estado,e, enquanto limitação insuperável, representa fator de restrição que incide sobre órgãos do poder estatal incubidos de promover, judicialmente, a repressão criminal" (HC 81.963, Rel. Min. Celso Mello, DJ 28/10/04). No mesmo sentido: HC 79.865, DJ 06/04/01).

Segundo Lopes Jr., "o nascimento da garantia do juiz natural dá-se no momento da prática do direito, e não no início do processo." (LOPES, 2008, p. 416). Karam, tece as seguintes considerações:
"O princípio do juiz natural, revelado na presença no processo do órgão constitucional constitucionalmente competente, não se impõe por mera formalidade. Nascendo da necessidade inerente ao Estado Democrático de direito de fixação de limites ao exercício das funções estatais, com vista a garantir a dignidade e a liberdade da pessoa, é aí que o princípio do juiz natural – como todos os demais princípios constitucionais garantidores, atuantes no âmbito do direito penal e do direito processual penal – encontra sua razão de ser. Por isso, no processo penal, a tutela da liberdade prevalece sobre o poder de punir. Por essa razão, no Processo Penal, a segurança jurídica diretamente se vincula ao máximo respeito ao direito do réu".(KARAM, 2004, P. 190). Ademais,

"o princípio do juiz natural se desdobra, assim, em três aspectos, que dão o teor de seu conteúdo legitimador do exercício da jurisdição: Em primeiro lugar, só são órgãos jurisdicionais aqueles instituídos pela Constituição Federal; além disso, tais órgãos devem ser pré-constituídos, ninguém podendo ser processado ou julgado por órgãos instituídos após a ocorrência do fato ou especialmente escolhido para conhecer e decidir sobre determinada causa; e, terceiro, a jurisdição só pode ser exercida pelo juiz pré-constituído em âmbito previamente delimitado pela distribuição de competências constitucionalmente estabelecida". (KARAM, 1998, p. 41).

No direito brasileiro, somente se considera juiz natural ou autoridade competente, o órgão judiciário cujo poder de julgar derive de fontes constitucionais. "Fora do que vem previsto na Constituição, nenhuma competência nova pode ser dada a essas justiças, porque, então estaria violando o princípio do juiz natural." ( MARQUES, 2000, p. 219). Logo, o juiz natural para os crimes dolosos contra a vida é o júri (art. 5º, XXXVIII da CF), para os crimes comuns e de responsabilidade dos juízes federais, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, os Tribunais Regionais Federais (art. 108, I, da CF) etc.

COMPETÊNCIA

Como já dito, a jurisdição é una, e, investido no poder de julgar, o juiz exerce a atividade jurisdicional. Porém, um juiz não tem como julgar todas as causas e também a jurisdição não pode ser exercida ilimitadamente por qualquer juiz. Logo, esse poder de julgar é distribuído por lei entre os vários órgãos do poder judiciário através da competência. No sistema brasileiro, essa distribuição de competência, é determinada por dispositivos normativos de diversos graus hierárquicos. De acordo com Bomfim, "A Constituição Federal, norma superior do ordenamento, ao instituir os órgãos que detêm o poder jurisdicional, já determina em linhas gerais a distribuição de competência entre os órgãos." (BOMFIM, 2006, p.199). "Há ainda, uma série de regras sobre a competência dos órgãos judiciais contidas na legislação federal, nas Constituições de cada Estado-Membro, e finalmente, nas leis de organização judiciária (leis estaduais)." (BOMFIM, 2006, p.200).
Competência, "é, assim, a medida e o limite da jurisdição, é a delimitação do poder jurisdicional". (MIRABETE, 2001, p.167). Competência é "o espaço, legislativamente delimitado, dentro do qual o órgão estatal, investido de poder de julgar, exerce sua jurisdição." (RANGEL, 2006, p.289). Há ainda quem diga que competência é: "um conjunto de regras que asseguram a eficácia da garantia da jurisdição e, especialmente, do juiz natural." (LOPES JR, 2008, P. 418). Assim, é possível afirmar que a competência é a limitação da jurisdição que tem como objetivo evitar a ocorrência de conflitos entre os seus detentores. Essa delimitação pode ser estudada no âmbito constitucional e no campo das leis ordinárias.
A natureza jurídica da competência é de um pressuposto processual de validade, pois o juiz é investido no poder de julgar e sem a prévia delimitação legislativa de poder, acarretar-se-á a nulidade do processo. Melhor exemplificando, não pode, por exemplo, o Ministro do Pretório Excelso homologar uma separação consensual de casal proveniente de qualquer parte do País, embora possa apreciar um Habeas Corpus de pessoa presa em qualquer ponto do território brasileiro; já um juiz de uma pequena cidade pode tanto homologar a separação consensual de um casal residente no mesmo local, quanto analisar uma prisão ilegal por autoridade policial da sua comarca.
Conclui-se, portanto que todo magistrado possui jurisdição, já a competência, fica fixada a critério de normas constitucionais e através de leis infraconstitucionais; a redação do artigo 69, caput do CPP, menciona as hipóteses de competência jurisdicional. Assim, pode-se dizer, que enquanto abstratamente todos os órgãos do Poder Judiciário são investidos de jurisdição, as regras de competência é que concretamente atribuem a cada um dos órgãos o efetivo exercício da função jurisdicional.

A eleição do juiz natural implica na escolha do juiz mais adequado ou da melhor jurisdição para o julgamento do caso concreto. Diz-se, portanto, que uma competência é absoluta quando ela não admite prorrogação, não podendo ser flexibilizada, isto é, deve o processo ser imediatamente remetido ao juiz natural determinado por normas constitucionais, sob pena de nulidade do feito. O interesse é eminentemente público, indisponível e inafastável por qualquer decisão dos interessados que estejam integrando determinada relação processual. Como exemplo, encaixam-se nesse perfil, a competência em razão da matéria, assim como a competência em razão da prerrogativa de função. A competência relativa, em contrapartida, é aquela em que a fixação da competência admite prorrogação, podendo ser flexibilizada, ou seja, não invocada a tempo a incompetência do foro, reputa-se competente o juiz do feito, não se admitindo qualquer alegação posterior de nulidade, por ser fixada em sede infraconstitucional.
O CPP abre ensejo a que as partes processuais excepcionem a incompetência do juízo, por meio denominado exceção de incompetência. No processo penal, ao contrário do processo civil, permite-se também ao juiz, "ex officio" a declinação da competência relativa, de acordo com o art. 109 do CPP. Como exemplo, encaixa-se nesse perfil a competência territorial, tanto pelo lugar da infração, quanto pelo domicílio do réu.

Competência em razão da matéria

A verificação da competência para o processo e julgamento das infrações depende da verificação da seguinte classificação:
a) Competência em "ratione materiae": estabelecida em razão da natureza do crime praticado;
b) Competência "ratione personae": de acordo com a função pública exercida por determinadas pessoas;
c) Competência "ratione locci": de acordo com o local em que foi praticado ou consumou-se o crime, ou o local da residência do autor.
Feitas as considerações preliminares, a primeira constatação a ser realizada no momento da fixação da competência diz respeito à natureza do crime investigado, ou seja, se o respectivo julgamento concerne à jurisdição especial (subdividida em Eleitoral ou Militar) ou à jurisdição comum (Federal ou Estadual). Essa, pode-se dizer que é a competência em razão da matéria, a qual nos interessa no presente trabalho. Qualquer distinção que se faça entre uma e outra jurisdição é explicada em razão das diferentes matérias atribuídas à competência de cada uma delas. Vejam a seguir:
- Competência da Justiça Eleitoral: Prevista na Constituição Federal, nos artigos 118 a 121, é considerada uma justiça especial, competindo o julgamento dos crimes eleitorais e conexos, bem como os Habeas Corpus, Mandado de Segurança, Habeas Data, ou Mandado de Injunção referente a tais crimes. Nesse sentido:
Art. 35, II. STJ. Competência. Crime eleitoral. Boca de urna. Crime previsto no art. 39, § 5º, da Lei 9.504/97. Julgamento pela Justiça Eleitoral. CE, art. 35, II."A Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar crimes eleitorais. O crime do art. 39, § 5º, da Lei 9.504/97 - propaganda eleitoral irregular - se integra na competência da justiça eleitoral." (...)

Em primeiro grau, a justiça eleitoral é composta pelos juízes eleitorais, que, são, na verdade, juízes estaduais investidos temporariamente dessa função. Em segundo grau estão os Tribunais Regionais Eleitorais, e, acima deles, a Tribunal Superior Eleitoral.
Deve-se destacar que, em relação à justiça eleitoral frente às justiças comuns, (Federal e Estadual), existe uma prevalência da especial com a comum (art. 78, IV, do CPP), O mesmo não ocorre entre a justiça Militar e a Eleitoral, pois além de ambas serem justiças especiais, as mesmas atuam em esferas distintas, não havendo aí uma hierarquia de uma para com a outra, e sim uma cisão.
- Competência Militar: A justiça Militar, divide-se em Justiça Militar Estadual, bem como Justiça Militar Federal.
Compete à Justiça Militar Federal, o julgamento dos militares pertencentes às forças armadas (exército, marinha e aeronáutica), que possuem atuação em todo o território nacional. A competência dessa justiça está prevista no art. 124 da Constituição.
Art. 124. À justiça militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.
Quando a CF/88 fala em "crimes militares definidos em lei", a mesma acaba por remeter para o Código Penal Militar, o qual o seu art. 9° defini o que seja um "crime militar".
Na jurisprudência é comum encontrar-se decisões afastando a competência da justiça militar, como, por exemplo:
PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A VIDA. LEI 9.229/96. CIRCUNSTANCIAS. – "É da competência da Justiça Comum o julgamento dos crimes contra a vida cometidos por policial militar contra civil, por força da aplicação imediata da Lei n° 9.299/96 c/c o artigo 2° do CPP. A questão acerca dos antecedentes carece de suporte legal, visto que sua apreciação existe tanto na Justiça Castrense como na Justiça Comum. Ordem Denegada.". (STJ – 5° T. – HC 12.360 – Rel. Félix Fischer – j. 18.04.2000 – DJU 15.05.2000, p. 177).

Ainda:
"A atividade, desenvolvida por militar, de policiamento naval, exsurge como subsidiária, administrativa, não atraindo a incidência do disposto na alínea d do inciso II do artigo 9° do Código Penal Militar. A competência da Justiça Militar, em face da configuração de crime de idêntica natureza, pressupõe prática contra militar em função que lhe seja própria.Competência da Justiça Federal – strictu sensu"
(CC 7.030, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 31/05/96).

Aury Lopes Jr., afirma que "quando não estiver presente o interesse militar ou não for a conduta inerente a função militar, competência da justiça militar (federal ou estadual) será afastada." (LOPES JR., 2008, p. 425).
Com relação a possibilidade de um civil ser julgado pela Justiça Militar Federal, é possível, uma vez que a CF/88, em seu art. 124 ao se referir a "crimes militares definidos em lei", acaba por transferir para o art. 9° do CPM a definição da matéria e pessoa, e como o art. 9° abre a possibilidade de um civil cometer um crime militar, não restam dúvidas que pode um civil ser julgado na justiça militar federal.
No que tange à competência da justiça militar estadual, sua previsão encontra-se no art. 125, parágrafo 4° da Constituição. A competência da justiça militar estadual também remete ao conceito de crime militar do artigo 9° do CPM.
Importante destacar, que se um policial militar (estadual) cometer um crime doloso contra a vida de civil, será julgado na justiça comum (federal ou estadual) pelo tribunal do júri. Somente quando cometido por militar contra militar é que será julgada na justiça militar estadual. Assim,
COMPETÊNCIA. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA COMETIDO POR MILITAR CONTRA CIVIL. ART. 9° DO COM. LEI 9.299/96. APLICABILIDADE IMEDIATA: "- É competente para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida, cometidos por militar contra civil, a Justiça Comum Estadual, conforme disposto na Lei 9.299/96, mesmo que ocorridos antes de sua vigência por força do princípio da aplicação imediata da lei processual (art. 2° do CPP). – 'Habeas corpus" denegado" (STJ, 6° T., HC 21.865/DF, rel. Min. Vicente Leal, j. 26-11-2002, DJ, 3 fev. 2003, p. 370).

- Competência da Justiça Federal: Definida nos artigos 108 e 109 da CF, para apuração em especial, das infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções penais, mesmo quando praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da união, autarquias ou empresas públicas. A competência da Justiça Federal é residual em relação às especiais, porém, prevalece sobre a outra justiça comum, a Estadual.
Importante destacar que quando a Constituição fala em empresa pública, não se pode ampliar para alcançar as empresas de economia mista. Observe-se o seguinte julgado:
HC n° 68.895 HABEAS CORPUS. RELATOR MINISTRO CELSO DE MELLO. PUBLICAÇÃO DJ: 21/2/1992. JULGAMENTO: 10/12/1991. PRIMEIRA TURMA.
Hábeas Corpus – Crime contra a Caixa Econômica Federal – Condenação emanada da justiça local – Incompetência absoluta – Invalidação do procedimento penal – Ordem concedida.
Os delitos cometidos contra o patrimônio da Caixa Econômica Federal – que é empresa pública da União – submetem-se à competência penal da Justiça Federal comum ou ordinária. Trata-se de competência estabelecida ratione personae pela Constituição da república. É, pois incompetente a Justiça do Estado-membro para processar e julgar crime de roubo cometido contra a Caixa Econômica Federal. Disso resulta a nulidade absoluta da persecução penal instaurada contra o paciente, a partir da denuncia, inclusive, oferecida pelo Ministério Público local. Unânime.


Quanto à Empresa Brasileira de Correios e telégrafos, eventual delito que ocorra em seu detrimento, será o mesmo de competência da Justiça Federal, porém se for uma loja dos correios franqueada, caberá à justiça estadual o processo e julgamento, pois não haverá prejuízo efetivo a União, mas do particular. Como exemplo, decidiu o STJ:
COMPETÊNCIA. ROUBO. AGÊNCIA. CORREIOS. Trata-se de paciente condenado pela prática de roubo a Empresa Brasileira de Correios. Aduz o paciente que a ECT é empresa pública federal e os crimes praticados contra ela devem ser processados e julgados pela justiça Federal, sendo assim, pugna ver reconhecida a nulidade do processo. O Min. Relator explicou que este tribunal tem posição definida quanto à competência, fundando-se as decisões na constatação da exploração direta da atividade pelo ente da administração indireta federal – em que a competência é da Justiça Federal (art. 109, IV CF/88) – ou se existe franquia - que é a exploração dos serviços de correios por particulares -, quando a competência é da Justiça Estadual. Isto posto, a Turma concedeu a ordem para declarar nulo todo o processo desde o recebimento da denúncia e remeter os autos para a vara criminal federal na qual a impetração indica haver a apuração inicial dos fatos. Precedente citado: CC 46.791 – AL, DJ 6/12/2004. HC 39.200-SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 29/11/2005.

Compete a Justiça Federal processar e julgar o crime que tiver como autor ou vítima um servidor público federal, no exercício de suas funções. Nessa linha, insere-se a Súmula n° 147 do STJ:
Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra o funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função.
Com relação a internacionalidade do tráfico de drogas, a competência será da Justiça Federal. Aury Lopes Jr. pontifica com propriedade que "não se pode presumir a internacionalidade do tráfico e que a competência somente será da justiça federal quando estiver comprovado nos autos que a substância veio do exterior ou para lá se destina". (LOPES JR. 2006, p. 434). É ainda competência da Justiça federal, os crimes contra a organização do trabalho, sistema financeiro nacional (Lei n° 7.492) e a ordem econômica-financeira (Leis n° 8.018, 8.137 e 8.176).
No que tange a crimes praticados a bordo de navios ou aeronaves, os mesmos serão de competência da Justiça Federal. Nesse sentido:
COMPETÊNCIA. HOMICÍDIO CULPOSO. LANCHA
A questão consiste em saber em saber se o crime ocorreu a bordo do navio ou não, segundo a interpretação que se der à expressão "a bordo de navio" contida no art. 109,IX da CF/88. No dizer do Min. Rel., essa expressão significa interior de embarcação de grande porte e, numa interpretação teleológica, a norma visa abranger as hipóteses em que tripulantes e passageiros, pelo potencial marítimo do navio, possam ser deslocados para águas territoriais internacionais. No caso dos autos, a vítima não chegou a ingressar no navio, ocorrendo o acidente na lancha quando da tentativa de embarque. Sendo assim, a vítima não foi implementado esse potencial de deslocamento internacional, pois não chegou a ingressar no navio e não se considera a embarcação apta a ensejar a competência da Justiça Federal. Com esse entendimento, a Seção declarou competente o juízo estadual suscitante. Precedente citado: CC 24.249-ES, DJ 17/4/2000. CC 43.404-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 14/2/2005.

Há de se falar também que, quanto ao índio, seja ele autor do delito ou vítima, a tendência é a aplicação da súmula n° 140 do STJ, vejam:

Compete à justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor da vítima.
Aury Lopes Jr., aduz que: " a matéria tem sido objeto de constante debate, com forte tendência a passar para a competência da Justiça Federal, pois toda a estrutura da Constituição coloca o índio, sua cultura, terras, direitos e interesses, como sendo de interesse da União." (LOPES JR., 2008, p. 441).
A União, pode criar "juizados especiais" para o julgamento de "infrações penais de menor potencial ofensivo" nessa área de competência. Para que um crime seja de competência dos JEC´s federais, deverão respectivamente: Se encaixar em alguma situação prevista no art. 109 da CF/88, e que o crime tenha uma pena máxima não superior a dois anos.
- Competência da Justiça Estadual: Trata-se de competência residual, abarcando tudo aquilo que não for de competência das jurisdições especiais e da jurisdição comum federal. E os crimes dolosos contra a vida, que também obedecem a regras especiais disciplinadas em razão da matéria. Esses deverão ser julgados pelo Tribunal do Júri.
Vide súmulas do STJ e do STF, respectivamente:

Súmula 42. Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.

Súmula 522. Salvo ocorrência de trafico para o exterior, quando então a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e o julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.

Também cabe ao Estado a criação de "juizados especiais" para infrações de menor potencial ofensivo na área da sua competência. Para que um crime seja de competência dos JEC's estaduais, deverão ser observados os seguintes critérios cumulativamente: Que o delito praticado seja de competência da justiça estadual; que o crime ou contravenção tenha pena máxima não superior a dois anos.

Conexão e continência

Muitas vezes, pode haver entre dois ou mais fatos de relevância penal, alguma espécie de liame, de ligação, seja de natureza subjetiva, seja ainda de natureza objetiva. Daí, pode haver hipóteses de conexão e continência, caso que entre elas haverá uma força atrativa, determinando-se a competência pela jurisdição prevalente.
Nos artigos 76 a 82, do Código de Processo Penal, estão previstas as normas sobre a competência por conexão e continência, que a legislação processual as elencou de forma taxativa, exaustiva e exauriente, inserindo-as em rol constitutivo de numerus clausus. Estas, porém não são causas determinantes da fixação de competência, como são o lugar do crime, o domicílio do réu, e a função pública, mas motivos que determinam a sua alteração ou modificação, tal como a prevenção, atraindo para a atribuição de um juiz ou juízo o crime que seria da atribuição de outro.
Por economia e maior segurança processual, aconselha-se que haja um só processo nos casos de conexão e continência, evitando-se assim, discrepância e contradições entre os julgados. Nesse sentido. Tourinho Filho ensina que:
"Nas hipóteses de conexão e continência, deve haver um "simultaneus processus" de molde a propiciar ao juiz uma visão completa dos fatos, também para impedir que as provas se escoem, a até para facilitar a aplicação da pena, como no caso de conexão material e "aberratio ictus" e aberratio delicti, quando além do resultado pretendido, se obtém um não desejado, e mesmo no caso de concurso formal". (TOURINHO, 2001, p. 206).

Mougenot aduz que,
"certas causas são tão intimamente relacionadas entre si que se torna desejável, por questão de economia processual – pois que a prova a produzir e os argumentos a deduzir em um poderiam ser aproveitados nos demais – e de efetividade jurisdicional – porquanto processos relacionados clamam por decisões harmônicas, a fim de satisfazer a finalidade de pacificação sócia. Que permite a função jurisdicional -, sua reunião sob a competência de um único juízo. A esses casos se aplicam as regras relativas à conexão e continência". (MOUGENOT, 2006, p. 220).

Conexão significa nexo, vínculo, união, ou seja, a idéia de que a coisa está ligada à outra. No processo penal, no entanto, ganha contornos especiais, significando o liame existente entre infrações, cometidas em situações de tempo e lugar que as tornem indissociáveis, bem como a união entre delitos, uns cometidos para, de alguma forma, propiciar, fundamentar, ou assegurar os outros, o cometimento de atos além de poder criminosos de vários agentes reciprocamente.

Diz-se que há continência, no contexto processual penal, quando um fato criminoso contiver outros, não sendo possível a separação. Já "na continência, como o próprio nome está a indicar, uma causa está contida em outra, não sendo possível a cisão." (TOURINHO FILHO, 2001, p. 205).
Em síntese, "é possível dizer que se diferem tais institutos porque, na conexão, haverá necessariamente, pluralidade de condutas, ao passo que na continência, haverá uma só conduta, gerando um ou vários resultados. Em uma e outra, não importa o número de agentes." (AVENA, 2006, p.115). Para Aury Lopes Jr.,
"na conexão, o interesse é evidentemente probatório, pois o vínculo estabelecido entre os delitos decorre da sua estreita ligação. Já na continência, o que se pretende é, diante de um mesmo fato praticado por duas ou mais pessoas, manter uma coerência na decisão, evitando o tratamento diferenciado que poderia ocorrer caso o processo fosse desmembrado e os agentes julgados em separado." (LOPES, 2008, p. 459).

O artigo 76, do CPP, traz as hipóteses em que a competência será determinada pela conexão:
"I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, uma com as outras;
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstancias elementares influir na prova de outra infração."
A doutrina processual penal costuma se referir as várias classificações das espécies de conexão, porém a única característica em todas as modalidades de conexão examinadas é a existência de pluralidade de condutas.
No artigo 77 do CPP, encontram-se as hipóteses de competência determinada pela continência:
"I – duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;
II – no caso de infração cometida nas condições previstas dos artigos 51, segunda parte, e 54 do CP."
Como nas hipóteses de conexão e continência, se determina a unidade de processos, é necessário que a lei determine qual o foro competente para apreciar os fatos, ou seja, o juízo que deverá prevalecer a sua jurisdição quando em concurso com outras. Exemplo disso é o artigo 78 do CPP que prevê expressamente os casos de modificação de competência em razão da conexão e continência. Assim, no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri.
A existência da conexão e continência, como dito acima, importa na unidade de processo e julgamento perante o juízo prevalecente. Entretanto, prevê a lei processual exceções a esse princípio, com a separação de processos obrigatórios, ou de maneira facultativa. As hipóteses estão previstas no artigo 79 e 80 do CPP.

LEI 11.313/06

Como se sabe,
"a própria Constituição Federal, no seu art. 98, I, tratou de prever a criação dos Juizados Especiais Criminais, com competência para processar e julgar as infrações de menor potencial ofensivo, delegando, contudo, à lei ordinária estabelecer o próprio conceito, e também definir assim, as diversas figuras típicas que poderiam estar compreendidas nessa categoria." (DUCLERC, 2008, p.534).

Mesmo nas comarcas onde não haja Juizado Especial criado, deve o Juiz da Vara Criminal aplicar a lei especial porque a mesma é mais benéfica para o réu.
Esta competência dos Juizados Especiais Criminais, determinada pelo menor potencial ofensivo das infrações penais, estende-se tanto aos juizados originalmente previstos atuantes no âmbito das justiças Estaduais e do Distrito Federal, quanto aos Juizados que, posteriormente foram introduzidos com a regra do parágrafo único do art. 98 da CF/88, atuantes no âmbito da Justiça Federal.
Em junho de 2006, foi criada a Lei 11.313/06, que alterou a redação de alguns dispositivos da Lei 9.099/95, lei essa dos Juizados Especiais Criminais. Vejamos inicialmente a questão concernente à modificação da competência para o julgamento em caso de conexão e continência envolvendo duas infrações penais, ou dois ou mais agentes, sendo uma de menor potencial ofensivo e a outra que não o seja.
A ocorrência dos fenômenos da conexão e continência, levam que as ações entre si relacionadas, a princípio sejam reunidas, para correrem em um único processo perante o mesmo órgão jurisdicional, a fim de que as causas sejam decididas simultaneamente. Entretanto, quanto já exposto ao longo do presente trabalho,
"a competência dos juizados especiais criminais, como visto, tem assento constitucional. A regra do art. 98, I, da Carta de 1988, que a estabelece, assim materializa o juiz natural, dizendo que este é o órgão jurisdicional atuante nos juizados especiais criminais, quando tiver causa relacionada a infrações de menor potencial ofensivo."(KARAM, 2004, p.0188).

Logo, deverá haver a quebra da unidade processual, quando houver conexão ou continência entre um crime comum, e um de menor potencial ofensivo.
conexão ou continência se confrontarem com regra constitucional sobre competência, as mesmas deixam de ser fator determinante da competência, não podendo prosseguir com a reunião das ações, salvo quando o próprio texto constitucional expressamente autorize a reunião das ações.
Moreira (2003, p. 218), pondera que:
"No caso de concurso de infrações penais ou de pessoas (e em sendo o caso de conexão ou de continência), entendemos que deve haver a separação de processos (como permite o artigo 80, do CPP), tendo em vista que a competência para o julgamento do crime de menor potencial ofensivo é ditada pela constituição, afastando-se, portanto, a regra do artigo 79, do CPP. Damásio de Jesus, contrariamente entende que deve prevalecer o "Juízo Comum". Como frisamos, a competência dos Juizados especiais Criminais, é ditada pela natureza da infração penal, estabelecida em razão da matéria, e portanto, de caráter absoluto, ainda mais porque tem base constitucional (art. 98, I, da Constituição Federal)."

Assim, ainda que a separação não fosse ditada pelo artigo 98, I da CR/88, deveria sê-lo por força do art. 80 do CPP, por ser conveniente a separação, pois o rito sumaríssimo, dos juizados Especiais Criminais é mais benéfico para o réu. Ademais, a medida em que desloca-se os processos dos juizados para o juízo comum, estes aumentam numa verdadeira progressão geométrica, acumulam-se nas prateleiras dos cartórios e passam a ter uma duração excessiva, não só no que se refere ao tempo em si, mas também em relação a maior complexidade do procedimento no juízo comum, pois princípios como simplicidade, informalidade, oralidade, celeridade e economia processual, são próprios do rito sumaríssimo, rito esse dos Juizados Especiais Criminais.
No que tange a competência dos Juizados Especiais Criminais sabe-se que a mesma é ditada pela natureza da infração, estabelecida em razão da matéria e, portanto, de caráter absoluto, ainda mais porque tem base Constitucional (art.98, I, da CF/88), nesse sentido:
A própria lei 11.313/06, no particular trouxe consigo a sua própria inconstitucionalidade, ao pretender alterar a competência estabelecida constitucionalmente a partir de uma alteração da lei ordinária, restringindo a jurisdição dos Juizados especiais onde o constituinte não restringiu. (Idem. p.535).

Ainda com base na inconstitucionalidade da lei 11.313/06, eis a lição da doutrina:
Aliás, a referida lei também é inconstitucional sob o aspecto material, pois afronta o dispositivo no art. 98, I, da Carta Magna. Não se pode, por outro lado, afirmar que a transação penal e a composição civil dos danos seriam tentadas no Juízo Comum, razão pela qual não adviria qualquer prejuízo para o réu. Esta objeção não procede, pois a Constituição Federal é explícita ao garantir ao autor da infração penal de menor potencial ofensivo o procedimento oral e sumaríssimo. Ora, esta garantia não é somente á transação penal e à composição civil dos danos, mas, também, ao próprio procedimento que é, muita vez, mais benéfico que o ordinário. Não esquecemos que está prevista na Lei 9.099/95 a resposta preliminar (art. 81), o interrogatório como último ato da instrução criminal (art. 81, in fine), prazos maiores para apelar e oferecer embargos de declaração (arts. 82, par. 1°)... (MOREIRA, 2006, p. 4).

Observe que deve-se interpretar as leis ordinárias em conformidade com a Carta Magna, e não o contrário. Assim entende:
PENAL. PROCESSO PENAL. PLURALIDADE DE DELITOS. CONEXÃO E CONTINÊNCIA. UNIDADE DE PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. COMPETÊNCIA PREVISTA NA CF\88. - "Sendo inquestionável a prevalência de norma constitucional sobre qualquer legislação infraconstitucional, não pode o Código de Processo Penal, na parte que regula as hipóteses de unificação de processos pela conexão e continência, sobrepor-se às regras constitucionais de competência. Havendo previsão, na Constituição Federal, da competência dos Juizados Espaciais Criminais, na hipótese de conexão ou continência entre delito de competência destes e outro de procedimento ordinário, cada qual devera ser processado e julgado pelo respectivo juízo, não sendo possível a unificação. Negado provimento ao recurso" (TRF 4º R. – 8º T. – SER – Recurso em Sentido Estrito – 3591\RS – Rel. Juiz Luiz Fernando Wowk Penteado – j. 30.04.2003 – DJ 21\05\2003, p. 815).

Sabe-se que as regras sobre competência contidas na Constituição Federal, além de fixarem parâmetros para a elaboração das demais, tem um valor maior, visando sempre preservar aqueles interesses mais relevantes, de ordem pública no processo. A partir do momento que a mesma diz qual órgão ou grupo jurisdicional constitucionalmente competente, acabam por gerar garantias, diretamente relacionadas com a fórmula do devido processo legal.
Destarte, subtraindo a competência dos Juizados Especiais Criminais, a referida lei incidiu em flagrante inconstitucionalidade, pois a competência determinada expressamente pela Constituição Federal não poderia ter sido reduzida por lei infraconstitucional (inconstitucionalidade formal).
Por fim, no tocante à definição de infração de menor potencial ofensivo, andou bem o legislador da Lei nº 11.313/2006, em unificar (na Lei nº 9.099/95) o respectivo conceito, pois sepultou quaisquer dúvidas acaso existentes quanto àquela definição (que quase já não existia).

CONCLUSÃO:

Do estudo, podemos extrair que a jurisdição é uma função básica do estado, através da qual exerce uma atividade que decorre da sua soberania, em substituição as partes, com imparcialidade, visando à aplicação do direito material para solução de situações litigiosas, bem como a pacificação do meio social.
A competência, decorre da divisão feita a nível constitucional ou legal, acerca da parcela de causas que é dada a cada órgão do Poder judiciário atuar no exercício da jurisdição.
A delimitação de competência, está ligada ao postulado do juiz natural, e este, visa impedir primeiramente a instituição de juízos ou tribunais de exceção, e em segundo, impede que seja desobedecida a discriminação constitucional prévia no âmbito de atuação do órgão jurisdicional.
Que o artigo 1° da Lei 11.313/06, é inconstitucional, na medida que alterou a competência dos Juizados Especiais Criminais, pois, a competência do mesmo é em razão da matéria, e possui caráter absoluto, não podendo ser alterada por uma norma infraconstitucional.
Assim, sugiro que haja a quebra da unidade processual, quando houver conexão ou continência entre um crime comum, e um de menor potencial ofensivo, pois fere o princípio do juiz natural. Logo, se há meio mais adequado de se reparar a microcriminalidade, por que privar o condenado de sua liberdade, aplicando uma pena privativa de liberdade, dentro da realidade do nosso sistema penitenciário, que somente deveria ser usado para aqueles que cometeram crimes graves, e cuja recuperação é mais difícil?
Como se viu, o assunto é bem instigante. Esperamos que o presente estudo, tenha servido para reacender a polêmica e despertar a curiosidade do leitor sobre sua relevância, haja vista que se trata de hipótese que ocorre com certa freqüência no dia-a-dia dos que militam na área criminal.



REFERÊNCIAS

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