Um dos pontos mais polêmicos trazidos pela nova legislação falimentar é o que faz referência à limitação dos créditos trabalhistas. Na legislação anterior, Decreto-Lei n. 7661/45, esses créditos eram considerados como últimos na ordem de pagamento. Tal injustiça só foi desfeita 15 anos depois, após aprovação da Lei n. 3726 de 11 de fevereiro de 1960, a qual deu nova redação ao artigo 102 da antiga lei falimentar.

No que se referia aos trabalhadores, o artigo 102 após, sua reformulação, regulamentava a seguinte a ordem: 1 ? créditos resultantes das indenizações por acidente do trabalho, artigo 102 caput ; 2 ? créditos dos salários e das indenizações dos empregados, no artigo 186 do CTN e artigo 449 da CLT. Também se equiparava a esta categoria os créditos devidos por comissões vencidas e vincendas, indenizações do aviso prévio e rompimento injusto do contrato, e outros créditos, referentes aos representantes comerciais.

A doutrina entende por crédito privilegiado todo aquele que em virtude de disposição legal, tem assegurado preferência em relação aos outros credores sobre todos os bens do devedor.

De Plácido e Silva relembra que este crédito deve ser pago primeiro "[...]não se encontrando sujeito a dividendos ou rateios, salvo quando ocorrem vários de sua classe e somente sobre eles." (DE PLÁCIDO E SILVA, 2005, p.398) assim, será permitido rateios apenas dentro própria classe privilegiada, nunca fora dela.

Sua diferença para com os o créditos quirografários, é que este não possui nenhuma preferência ou garantia, sujeitando seu titular aos azares da insolvência do devedor.

Pode-se observar que os créditos trabalhistas não possuíam nenhum tipo de limitação, já que eram considerados privilegiados diante de seu caráter alimentar, respaldado também pela CLT em seu artigo 449 que assim dispõe:

Art. 449. Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa.

§ 1º Na falência, constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito. (grifo nosso)

Mas, contrariando a CLT, a LFR instituiu um teto ao valor dos créditos trabalhistas, limitando-o quantitativa em 150 salários mínimos por cada credor-trabalhador, tornado-os desta maneira não mais privilegiados, mas sim diferenciados. O que exceder a esta quantia ou for cedido a terceiros, será equiparado aos créditos quirografários na classificação.

Assim dispõe o artigo 83, I, VI, c da LFR, in verbis.

Artigo 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I ? os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;

.....................

VI ? créditos quirografários, a saber:

.....................

c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;

Essa limitação acabou gerando várias reações em setores relacionados às empresas, aos trabalhadores e também na comunidade jurídica. Esse ponto não havia sido aprovado na Câmara dos Deputados, mas acabou sendo incluído no Senado pelo relator Senador Ramez Tebet.

Os que elogiam a limitação se baseiam no argumento de que ela se torna um meio hábil para coibir fraudes, visto que a falta de limites para o pagamento de dívidas trabalhistas incentiva outros credores a burlarem a lei, transformando seus créditos em créditos trabalhistas.

Como exemplo de tal manobra, foi citado o caso dos administradores das empresas, os quais habilitariam na classificação um alto valor de créditos trabalhistas correspondentes à sua prestação de serviços como funcionário. Dessa feita o crédito seria pago com preferência em relação aos demais, e abrangeria grande fatia do ativo da empresa falida.

3.1 AS CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS E ECONÔMICAS DA LIMITAÇÃO DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS PARA A CLASSE TRABALHADORA.

Como já supracitado um dos requisitos essenciais para a falência é a existência da situação fática em que o devedor empresário está em estado de insolvência, o seu ativo é menor do que seu o passivo, ou seja, deve-se mais do que se pode pagar.

Ao se limitar os créditos trabalhistas e eqüivaler seus saldos aos créditos quirografários, o legislador acabou prejudicando a classe trabalhadora, que já havia perdido seu posto de trabalho, e ainda não irá receber na integralidade a quantia referente aos seus direitos adquiridos, visto que não sobrará ativo para satisfazer todos os credores, amargando os trabalhadores assim com o prejuízo.

Justifica-se que limitação de créditos seria a única forma de garantir o adimplemento de um maior número de créditos, evitando as fraudes costumeiras no processo falimentar.

Seguindo este raciocínio, seria elementar também a limitação dos créditos com garantias reais, ou seja, aqueles provenientes do mercado financeiro, dos bancos, os quais exorbitam em valores astronômicos, maiores do que os míseros 150 salários mínimos estipulados para os trabalhadores. (WALDRAFF, 2005, p.2)

A super proteção dos créditos de garantias reais em detrimento aos trabalhistas é explicitada por Roberto Luchezi:

O argumento fundamental dos bancos é que havendo maior garantia de recuperação por parte das instituições financeiras, o risco, por evidente, será menor, trazendo como conseqüência o barateamento dos encargos financeiros. Outra justificativa é a de que o sistema financeiro promove a produtividade através dos empréstimos. (LUCHEZI, 2005, p.1)

Discorda-se desta opinião, visto que mesmo antes da entrada em vigor desta lei, as entidades financeiras são talvez as únicas instituições que a cada ano batem recordes de lucros, que chegam a faixa dos bilhões, e mesmo assim nunca seus encargos foram barateados.

Da forma que foi apresentada esta lei, os empregados tornaram-se avalistas dos empréstimos feitos pelas empresas, caso estas não paguem os trabalhadores pagarão com os seus salários.

Existem aqueles que ainda ressaltam que a limitação é uma tentativa de se resguardar empregos dos demais credores, que ficariam também sem receber se a mesma não acontecesse. Contra esse posicionamento tem-se o Juiz Célio Horst Waldraff, que afirma o seguinte:

[...]imolando-se os direitos dos trabalhadores sob o falso pretexto da preservação de empregos, só se faz privilegiar o crédito bancário. Dados os balanços do ano de 2003 para esta área, é uma cortesia desnecessária. Imaginar que estas medidas criarão ou preservarão empregos é um exercício de otimismo que espanta mesmo os mais desatentos. (WALDRAFF, 2004, p.1)

Diante do que se expôs torna-se claro que o legislador cedeu às pressões internacionais do Banco Mundial, e do FMI, a fim de favorecer ao mercado financeiro. Outro fato que nos remete a esta situação foi o salto dado pelos créditos com garantias reais que saíram da sétima posição de pagamento na legislação revogada e passaram a ocupar o segundo lugar na ordem de preferência na LFR, estando na frente até dos créditos oriundos de dívidas tributárias, ou seja, receberão até mesmo antes do próprio Estado.

Outro prisma que deve ser analisado como discurso falacioso, é o que alega ser necessária a limitação dos créditos trabalhistas como forma de evitar que administradores e executivos das empresas se habilitem por meio fraudulento, com o intuito de receber quantias ilimitadas antecipadamente. O relator Senador Ramez Tebet, citado por Marcelo Papaléo de Souza se justifica na exposição de motivos da seguinte forma:

O objetivo da limitação à preferência do crédito trabalhista é evitar o abuso freqüente no processo falimentar, pela qual os administradores das sociedades falidas, grandes responsáveis pela derrocada do empreendimento, pleiteiam por meio de ações judiciais milionárias e muitas vezes frívolas, em que a massa falida sucumbe em razão da falta de interesse em defesa eficiente o recebimento de altos valores com preferência sobre os outros credores e prejuízos aos ex-empregados, que efetivamente deveriam ser protegidos, submetendo-os a rateios com ex-ocupantes de altos cargos. (SOUZA, 2006, p.234).

Na prática, raramente se vê administradores e executivos concorrendo com trabalhadores comuns nos créditos da massa falida, isto acontece porque estes são na verdade co-responsáveis pela quebra, assim ao vislumbrarem com anterioridade a descapitalização da empresa, os mesmos já retiram imediatamente as quantias que lhe interessam.

Neste sentido o doutrinador Sérgio Pinto Martins não concorda com o exposto no relatório, visto que:

Mesmo o trabalhador que ganha salário mais elevado, não sendo exatamente hipossuficiente, deve receber a totalidade dos seus créditos decorrentes do seu suor, pois este trabalhador e sua família também vivem do que a empresa lhe paga. (.....) Se existem fraudes no recebimento de verbas trabalhistas elevadas na falência, por pessoas que sequer são empregados e acabam tendo preferências sobre outros créditos trabalhistas, elas devem ser combatidas. O Ministério Público vem ajuizando ações rescisórias contra pessoas que não são empregados e que pretendiam receber créditos fraudulentos nas falências, obtendo excelentes resultados. (.....) A exceção não pode ser tomada como regra. A fraude não pode ser presumida sempre, mas, ao contrário, deve ser provada. A boa-fé se presume e não o contrário. Deve ser observado o interesse público e da coletividade em relação ao interesse particular, especialmente de créditos bancários (MARTINS, 2004, p. 4.)

Waldo Fazzio Junior sugere a limitação apenas dos salários dos altos cargos da empresa:

Se a intenção do legislador é fazer justiça social, ate porque para ser justiça tem que ser social, a melhor solução seria estabelecer um limite para o pagamento preferencial dos créditos dos altos funcionários se não estabelecer limite para os trabalhadores de baixa renda. Como se sabe, a regra que pretende igualar, invariavelmente, carece fazer distinções. Da forma como a LFR estipulou o limite para os créditos trabalhistas, colocou no mesmo patamar o desempregado que auferiu na empresa falida elevada remuneração e o que recebeu , durante a relação empregaticia, parcos salários. Diferentemente dos bem pagos administradores, os trabalhadores são hipossuficientes e o que recebem tem sem dúvida, caráter alimentar. (FAZZIO, 2005, p.90)

Outro argumento utilizado pelos defensores da LFR é de que o valor estipulado em 150 salários por cada trabalhador não prejudica a maioria da classe trabalhadora porque os mesmos não possuiriam créditos necessários para extrapolar o teto preestabelecido, sendo esta medida utilizada com sucesso em diversos países.

O sofisma desta afirmação é latente, sendo que a ANAMATRA através de várias notas técnicas buscou argumentar ao Parlamento tal injustiça, não logrando êxito. Dentre as notas transcreve-se o trecho elaborado pelo membro desta associação, Juiz Guilherme Guimarães Feliciano, com o seguinte conteúdo:

Com relação ao teto para a preferência do crédito trabalhista, é relevante observar que a fixação do limite de 150 salários mínimos -- superior à média de indenizações pagas pela Justiça do Trabalho (12 salários mínimos) -- funda-se em uma estatística que desumaniza a pessoa trabalhadora, pois inclui as inúmeras conciliações que se consumam todos os dias nas Varas e Tribunais do Trabalho (em que, a bem da satisfação mais expedita, o trabalhador renuncia, não raro, a mais de cinqüenta por cento dos créditos reclamados) e perde-se em uma abstração que não pode ser imposta como regra a todo trabalhador brasileiro, sob pena de vulneração ao princípio da dignidade humana (artigo 1o, III, da CRFB) [?]. (FELICIANO, 2004, p.2)

O referido jurista ainda fez uma estatística sobre a media de valores que um trabalhador com salário mediano deveria receber, chegando as estes dados:

 [?] Se a estatística considerasse não os pagamentos realizados, mas o valor inicial das causas trabalhistas durante o último ano (2003), ter-se-ia quadro significativamente diverso, apontando para lesões de direitos que usualmente superam a marca de R$ 36.000,00 (150 x R$ 240,00) . E não se fala, aqui, de executivos e ocupantes de altos cargos, mas de trabalhadores rurais em atividade informal por mais de dez anos (sem registro em CTPS ou recolhimento de FGTS e excluído do direito a férias, trezentos salários, horas extras ou adicionais noturnos), de trabalhadores sujeitos a danos estéticos (que dificilmente serão pagos à conta de "créditos decorrentes de acidente de trabalho") ou morais (e.g., imputações falsas, assédio sexual e assédio moral) ou de industriários sujeitos a regime horário 12 x 36 por cinco anos ou mais, sem autorização legal ou convencional (supondo-se salário de R$ 1.000,00, fruição de intervalo não computado nas doze horas, excesso diário em relação à 8 a hora, adicional de 50% e repercussões contratuais nos demais títulos à base de 30%, chega-se, por simples estimativa, a R$ 1.500,00 : 220h x 1,5 x 4h x 15d x 12m x 5a = R$ 36.818,18 x 1,3 = R$ 47.863,67) [?].(FELICIANO, 2004, p.2)

O que, após tais cálculos, chegou à seguinte conclusão:

Em geral, o limite de 150 salários mínimos só bastará para tantos quanto recebam até o equivalente a 350 dólares por mês (em geral, isentos de imposto de renda), excluindo os trabalhadores de renda média. Nas lesões extraordinárias (como, e.g., em casos de danos morais e estéticos ou de estabilidades convencionais até os prazos mínimos para aposentadoria), desamparará até mesmo os trabalhadores de baixa renda". (FELICIANO, 2004, p.2)

No parecer supracitado, observa-se que o jurista teve o cuidado de fazer um trabalho minucioso, abordando os vários desdobramentos que surgem ao conceito de créditos trabalhistas, na qual incluí-se além dos salários mensais os encargos trabalhistas, gratificações, multas rescisórias, indenizações, FGTS , dentre outros adicionais. Dessa feita torna-se claro que o valor pré-estipulado pela lei será facilmente extrapolado, tornando-se assim uma regra, e não uma exceção como sugerido pelo relator do projeto.

Quando o projeto de lei foi aprovado no Congresso Nacional e encaminhado para sanção presidencial, a ANAMATRA redigiu uma carta buscando sensibilizar o Presidente da República, lembrando-o do histórico de lutas pelos direitos dos trabalhadores, que aliás era o lema do partido o qual ajudou a fundar, e ainda solicitou que o mesmo vetasse no artigo 83, inciso I da LFR o termo "limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor", ficando o seguinte redação:

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I ? os créditos derivados da legislação do trabalho (vetado) e os decorrentes de acidentes de trabalho;

Infelizmente o pedido não foi acatado, e no que tange a este artigo o texto foi aprovado na íntegra, o que demonstra mais um reflexo da constante flexibilização nas leis trabalhistas, que vem acontecendo no país com os últimos governos. Dada a aprovação da lei, tem-se ainda uma possibilidade de se retirar sua aplicação, por via de um Ação Direta de Constitucionalidade da qual tratar-se-á no item seguinte.

3.2- CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.

Hans Kelsen em sua obra, Teoria pura do Direito, sobre o controle de constitucionalidade:

O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito.(KELSEN, 1985, p.288)

Assim busca-se limitar o poder do Estado, evitando-se abusos dos que estão no poder, tendo um órgão fiscalizador das leis que possam vir a ferir a Carta Magna, a qual estabelece os direitos e deveres fundamentais que o Estado deve seguir, não podendo ele extrapolar sua esfera de poder através de leis que contrariem a constituição. Neste mesmo sentido lecionam Leda Pereira da Mota e Celso Spitzcovsky citados por Juarez de Oliveira, é o "exame da adequação das normas à Constituição, do ponto de vista material ou formal, de maneira a oferecer harmonia e unidade a todo o sistema".(OLIVEIRA, 2000, p.38).

O professor Ricardo Cunha Chimenti cita a referência feita pelo ex-ministro do STF Michel Temer que diz o seguinte , A idéia de controle está ligada, também, à de rigidez constitucional. De fato, é nas constituições rígidas que se verifica a superioridade da Norma Magna em relação àquela produzida pelo órgão constituído. O fundamento do controle, nestas, é o de que nenhuma lei ou ato normativo ? que necessariamente dela decorre ? pode modificá-la" (CHIMENTI,2003, p.36)

O controle de constitucionalidade possui diversas classificações, podendo ser dividido em: Preventivo, quando se tem por finalidade impedir que um projeto de lei inconstitucional venha se tornar uma lei; será Repressivo quando esta lei já estiver em vigor. Caso haja um erro do lado preventivo, pode se desfazer essa lei que escapou dos trâmites legais e passou a ser uma lei inconstitucional.

Quanto ao órgão que exerce o controle de constitucionalidade, este pode ser Político, quando os próprios representantes políticos governam em prol do interesse público. Pode ser também jurisdicional, quando exercido por um órgão do Poder Judiciário, somente o juiz ou tribunal pode apreciar o controle constitucional sob o aspecto jurisdicional. Ou finalmente Misto, porque é exercido tanto sob o âmbito difuso quanto pelo concentrado, tanto pelo órgão jurisdicional quanto pelo político (abstrato).

 No Brasil o sistema é misto, ou seja, difuso e concentrado. Possui sua origem no modelo americano, criado em 1803, que possuía como premissa a decisão arbitrária e inafastável

O Controle Difuso é aquele exercido no âmbito do caso concreto, tendo portanto, natureza subjetiva, por envolver interesses de autor e réu. Assim, permite a todo e qualquer juiz analisar o controle de constitucionalidade. Este por sua vez, não julga a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, apenas aprecia a questão e deixa de aplicá-la por achar inconstitucional àquele caso específico que está julgando.

 Já o Controle Concentrado ou por via de ação direta, foi utilizado pela primeira vez pela Constituição Austríaca de 1920, a qual criava um Tribunal Constitucional, que por sua vez tinha como atribuição o controle de constitucionalidade.

 Hans Kelsen justifica a criação de um Tribunal Constitucional da seguinte forma:

 [?] se a Constituição conferisse a toda e qualquer pessoa competência para decidir esta questão, dificilmente poderia surgir uma lei que vinculasse os súditos do Direito e os órgãos jurídicos. Devendo evitar-se uma tal situação, a Constituição apenas pode conferir competência para tal a um determinado órgão jurídico[?].

[?]se o controle da constitucionalidade das leis é reservado a um único tribunal, este pode deter competência para anular a validade da lei reconhecida como inconstitucional não só em relação a um caso concreto mas em relação a todos os casos a que a lei se refira - quer dizer, para anular a lei como tal. Até esse momento, porém, a lei é válida e deve ser aplicada por todos os órgãos aplicadores do Direito [?] (KELSEN, .1985, p. 290)

No Brasil o controle concentrado de constitucionalidade é previsto desde a Emenda Constitucional n.16 de 06.12.1965, concedendo ao STF esta competência. Uma vez declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em discussão, pelo STF, a decisão terá os seguintes efeitos:

 ? Ex tunc, retroativo, como conseqüência do dogma da nulidade, que por ser inconstitucional, torna-se nula, por isso perde seus efeitos jurídicos;

? Erga omnes, será assim oponível contra todos;

 ? Vinculante, relaciona-se aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública Federal, Estadual e Municipal. Uma vez decidida procedente a ação dada pelo STF, sua vinculação será obrigatória em relação a todos os órgãos do Poder Executivo e do Judiciário, que daí por diante deverá exercer as suas funções de acordo com a interpretação dada pelo STF. Esse efeito vinculante aplica-se também ao legislador, pois esse não poderá mais editar nova norma com preceito igual ao declarado inconstitucional;

 ? Represtinatório, em princípio vai ser restaurada uma lei que poderia ser revogada.

3.2.1 - Ação Direta De Inconstitucionalidade

O doutrinador Alexandre de Moraes em sua obra ensina o que e uma ADI:

O autor da ação pede ao STF que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual em tese (não existe caso concreto a ser solucionado). Visa-se, pois, obter a invalidação da lei, a fim de garantir-se a segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais. (MORAES, 2004, p.628)

Entende-se por ADI como sendo o procedimento judicial pelo qual a parte legítima requer ao STF que este analise se a lei em questão é contrária ou não à Carta Magna vigente. O procedimento da ADI esta regulamentada pela Lei n.9868 de 10 de novembro de 1999, a qual utiliza subsidiariamente o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Os legitimados para proporem este tipo de Ação, estão dispostos no art. 103 da Constituição Federal de 1988, dentre as quais tem-se no inciso IX o seguinte:

Artigo 103 ? Podem propor a ação de inconstitucionalidade:

....

 IX ? confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

E a jurisprudência pátria reafirma:

- No âmbito da estrutura sindical brasileira, somente a Confederação Sindical ? que constitui entidade de grau superior ? possui qualidade para agir, em sede de controle normativo abstrato, perante a Suprema Corte (CF, art. 103, IX)." (ADI 3.195-MC/ES, Rel. Min. Celso de Mello)

Diante dessa prerrogativa que lhe foi concedida e perante a situação de insegurança jurídica trazida pela LFR, a Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), no uso de suas atribuições legais impetrou em 04 de março de 2005 no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, (ADI) sob o protocolo ADI 3424-3/600, questionando o artigo 83, inciso I da LFR.

Neste tribunal a ação teve em um primeiro momento, como relator, o Ministro Carlos Veloso, que foi substituído na função de relator da ação em 17 de março de 2006 pelo Ministro Ricardo Lewandowski.

Obedecendo a determinação do artigo 103, § 1o , da Constituição Federal, foi encaminhado ao Procurador- Geral da Republica a ADI 3424-3/600 para que o mesmo pudesse proferir seu parecer.

Para o Procurador-Geral da República, Claudio Fonteles, a Nova Lei de Falências é constitucional. Ele deu parecer desfavorável contra a Ação Direta de Inconstitucionalidade, na qual transcreve-se suas justificativas:

[?] 24. A nova lei não excluiu nenhum direito trabalhista, mas tão-somente estabeleceu uma ordem diferenciada de preferência entre os créditos de até 150 salários-mínimos e aqueles cujo valor sobejar a essa quantia. Nesse sentido, são as informações do Congresso Nacional, prestadas por meio da Advocacia do Senado Federal:

 "Sobre o limite de 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos constante da norma supra-indicada, equivoca-se a Requerente ao confundir limite de preferência com reconhecimento de crédito.

Como todos os demais credores, o trabalhador de empresa que vem a falir terá o direito de receber seu crédito, que continua reconhecido e respeitado pela legislação. Não ocorrerá perecimento automático desse sagrado direito.
O limite estabelecido, vale frisar, refere-se à preferência de pagamento e não ao direito trabalhista em si. O que sobejar ao limite poderá ser cobrado, todavia sem a preferência legal ? ou seja, em regime de igualdade com os demais credores quirografários" (fls.417).
25. De igual modo, a alegação de ofensa ao que se infere do artigo 100, caput, da Constituição, não deve prosperar, visto ser inadmissível considerar o valor excedente a 150 salários-mínimos como crédito de caráter alimentar.
26. O princípio constitucional da isonomia, cuja ofensa se argúi, também permanece incólume. A autora sustenta que os trabalhadores com rendas mais modestas perceberiam os seus créditos integralmente, visto que o valor destes não ultrapassaria o limite de 150 salários, enquanto os empregados com melhor renda não os receberiam na totalidade, dada a natureza quirografária do crédito remanescente. Considerando isso, é certo dizer que o legislador nada mais fez do que tratar desigualmente os desiguais. (FONTELES, 2005, p.5 )

Com a devida vênia, o parecer diverge com a linha de raciocínio adotada neste trabalho. Refutar-se-à a seguir cada item apresentado pelo respeitável procurador:

Discorda-se do Procurador ao alegar que o valor de 150 salários-mínimos não tem caráter alimentar. A doutrina já está bastante sedimentada no sentido de entender que os créditos de natureza alimentícia são aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil.

Por alimentos entende-se ser a "Subsistência prestada a uma pessoa por outrem, que está obrigada a isso em virtude da lei".(DE PLÁCIDO E SILVA, 2005, p.95), vale ressaltar que neste conceito não está compreendida apenas a manutenção alimentícia propriamente dita, mas também a toda e qualquer utilidade que necessite o alimentado, inclusive habitação, vestuário e educação.

Neste mesmo conceito foram enumerados alguns rendimentos que são considerados como de "subsistência" os quais serão transcritos a seguir: "Pensões, ordenados, ou outras quaisquer quantias concedidas ou dadas, a título de provisão, assistência ou manutenção, a uma pessoa por uma outra que, por força de lei é obrigada a prover [...]" (DE PLÁCIDO E SILVA, 2005, p.95).

A inconstitucionalidade da LFR está latente ao passo que essa limitação conflita com o artigo 7º, X, da Constituição Federal de 1988 que dispõe:

 Art. 7o São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais , alem de outros que visem a melhoria de uma condição social:

...............................

 X ? proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa.

Tem-se aqui a proteção constitucional do salário. Desta forma torna-se inadmissível a posição adotada pela LFR que estabelece um duplo tratamento para o crédito trabalhista na falência, pois as verbas que compõem o crédito trabalhista são de natureza alimentar e algumas especificamente salariais.

Assim, não cabe ao legislador limitar esses créditos que possuem caráter alimentar, visto que estes são a contrapartida legal dos serviços prestados pelos empregados, classe que possui como característica a hipossuficiência, pois além de ter perdido seu emprego não irá receber o que lhe é de direito.

Permitir a limitação dos créditos na falência abrirá precedente para limitar, por exemplo, créditos oriundos do FGTS, baseando-se na frágil justificativa de prevenção de fraudes.

Repudia-se a justificativa de se fazer justiça ao tratar os trabalhadores desiguais desigualmente, pois se assim fosse a intenção da lei, deveria ser aplicado limitação aos créditos provenientes de garantias reais, que caracterizam valores milionários.

Justifica-se a afirmação ao se analisar que tais dívidas são originadas de transações financeiras feitas pelos administradores ou proprietários das empresas que se utilizam destes empréstimos quando percebem a iminência da quebra, fraudando assim a falência, pois retiram grandes quantias nos bancos, e quando a empresa falir receberão a totalidade de seus créditos.

 Outro item a ser questionado é o que faz referência ao trabalhador que não perdeu seu crédito, pois o recebera em igualdade com os quirografários. Discorda-se, pois como já explicitado, se a falência trata da presunção de ativo menor do que passivo.

Partindo do princípio que a discrepância entre ativo e passivo da empresa não seja elevado, basta um plano de recuperação judicial para tornar novamente a empresa viável. Mas se esta não se recuperou ou se convolou diretamente em falência, chega-se a uma realidade onde se tem uma impossibilidade matemático-financeira do adimplemento das obrigações com todos os credores.

Na esfera jurídica é por todos sabido acerca da impossibilidade do ativo realizado ser suficiente para pagar créditos quirografários, nem os saldos trabalhistas.

Outra evidência, que deixa claro que o interesse do legislador não era de manter o super privilégio do crédito trabalhista, está no fato de transformar o excedente dos 150 salários mínimos em crédito quirografário. Se existisse a intenção de proteger os trabalhadores, na pior das hipóteses de limitação, os saldos dos créditos deveriam ser igualados aos de garantia real.

Assim deixa-se bem claro que foi adotado neste trabalho um posicionamento contrário a esta limitação, sendo mister retirá-la do nosso ordenamento jurídico, por conter vários vícios materiais quanto formais, assim não sendo justa. Os mandamentos do advogado nos ensina que lute pelo direito, mas quando o direito estiver em confronto com a justiça, escolha lutar pela justiça. A justiça de os trabalhadores receberem o que lhe e de direito na integralidade.