A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA NA ESCOLA COMUM¹


Vamilson Souza D`Espindola²


RESUMO: A Educação inclusiva é hoje um dos desejos de uma sociedade que ainda estigmatizar e discrimina seus especiais. O maior desafio é transformar a mentalidade preconceituosa instalada, desencadeando um movimento coletivo de ao longo dos anos, através da ação de profissionais da educação, mudar e reverter esse quadro. Para incluir, destacamos que a inclusão das pessoas portadoras de necessidades educativas especiais é benéfica. No entanto, a inclusão escolar não é um processo rápido, automático e sim um processo gradativo, além de ser responsabilidade de toda sociedade, que deve sentir-se comprometida, viabilizando assim, a plena integração do indivíduo.

Palavras-chave: Inclusão, Integração, Educação.



INTRODUÇÃO

Nosso modelo educacional mostra há algum tempo sinais de esgotamento, faz-se necessária a transformação. As diferenças culturais, sociais, étnicas e religiosas já faz algum tempo que estão presentes na nossa escola (muito por ser o Brasil um pais de multiplicidade). Porém, hoje vivemos num mundo onde é impossível fechar os olhos a outra diferença. A diferença da igualdade. Todos nós temos o mesmo direito de ser diferentes na igualdade. Isto é, somos todos seres humanos, e como tais, iguais. Contudo, nunca antes se valorizou tanto o direito natural de cada um de nós se expressar conforme suas próprias caraterísticas individuais. Quer dizer, o fato de ser bonito ou feio, magro ou gordo, inteligente ou nem tanto, ter duas mãos ou não, poder andar com nossas próprias pernas ou com ajuda, ser a nossa visão inferior ao do nosso vizinho, nossa audição aquém do esperado, e assim por diante, nada disso nos faz diferentes, continuamos iguais. A diferença está em que cada um de nós pode elevar a sua mais alta potência suas particularidades. O que nos faz diferente é se conseguimos ou não sobressair ao explorar nossas particularidades. Um bom exemplo se dá nos esportes: o Brasil ganha mais medalhas nas para-olimpíadas do que nas olimpíadas.
Este é o lado positivo da diferença. Porém, assim como a igualdade, a diferença pode nos ajudar ou prejudicar. Por isso, temos o mesmo direito a sermos iguais e a sermos diferentes. "Temos direito de ser iguais quando a diferença não inferioriza e direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza". (Santos)
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1 - Trabalho apresentado ao Curso de Pedagogia na disciplina de Educação Especial no ano de 2009.
2- Graduado em Educação Física pela Universidade do Sul de Santa Catarina no ano de 2008.

Diante dessa realidade, a escola não pode mais continuar ignorando os acontecimentos (do Brasil e do mundo); ela é um espelho da sociedade, e se a sociedade muda, ela tem a obrigação de mudar também. Se a sociedade somos todos, a escola é para todos.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Temos de saber aonde queremos chegar para encontrar um caminho possível e viável. Não existe "o caminho", mas caminhos a escolher ou criar. E a escolha ou criação é sempre correr riscos. Mas falta um dado relevante, saber aonde queremos chegar é fundamental, mas para que o nosso trabalho/percurso seja viável, devemos, antes de começarmos a caminhada, saber de onde partiremos, onde nos encontramos, onde estamos (qual é a nossa situação atual). Por isso, devemos, primeiro, perguntarmos o que entendemos quando ouvimos falar de educação inclusiva. O que entendemos por Educação? O que entendemos por Inclusão?.
Educação: Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social (Aurélio).
Porém, mais do que seu significado, queremos saber do seu sentido, da sua utilidade. Para além do Quê e do Por quê, queremos saber do Para quê e do Como. Entendemos educação como um movimento orgânico e harmônico, um constante nascer, um aparecer, um eterno tornar-se, um devir na sua mais alta potencialidade. (REYES, Da Educação). Ou seja, educação não é um conceito ideal e imutável. O que se entendia ontem sobre educação pode não mais ser válido hoje. Aurélio falava de integração; hoje falamos de inclusão.
Inclusão: Ato ou efeito de incluir, isto é, de compreender (entender alguém, aceitá-lo como é), abranger (conter em si, mas também, apreender, perceber, entender, alcançar, atingir); em estudos da linguagem, inclusivo se diz da 1ª pessoa do plural, que inclui o falante e o ouvinte. (no nosso caso, professores e alunos).
Em educação especial é o ato de incluir pessoas portadoras de necessidades especiais na plena participação de todo o processo educacional, laboral, de lazer, etc., bem como em atividades comunitárias e domésticas. (Aurélio). Só que aqui não estamos falando em "educação especial", todos nós aqui fazemos parte da "educação", sem nenhuma restrição, sem nenhum favorecimento especial, sem nenhum preconceito. Ou seja, nossa educação não se restringe às pessoas chamadas "Portadoras de Necessidades Educacionais Especiais" (PNEE); é para todos. E se entendemos que todos somos especiais e que todos, por natureza, temos nossas necessidades, a educação especial é para todos. Isto é, deve ser chamada apenas de educação, não havendo a necessidade de uma outra educação, diferente do que a educação.
Obs. Não existem "necessidades educativas", necessidades "que educam, que servem para educar", não faz sentido; existem campanhas educativas, filmes educativos, etc. Educacional sim, "é o que concerne à educação, no âmbito da educação"; como em "política educacional", "direitos educacionais", etc. (Sassaki).
Segundo a Declaração de Salamanca (introdução 3):
"O termo "necessidades educacionais especiais" refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades educacionais especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem. Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e portanto possuem necessidades educacionais especiais em algum ponto durante a sua escolarização".
Lembrando de Marsha Forest, inclusão é "estar com o outro e cuidar uns dos outros", dizer "seja bem-vindo!". Inclusão trata de como nós lidamos com a diversidade, com a diferença de uma maneira positiva (provocando bons afetos). Sabemos que não somos todos iguais e tratamos a diversidade e a diferença com gratidão e respeito.

SOCIEDADE INCLUSIVA

Vivemos hoje, no Brasil, numa sociedade democrática, capitalista e de uma consciência de vida como nunca antes se viu. Todos estes fatores reunidos acabam gerando um campo propício para a chamada inclusão social. Seja por ideais ou por motivos financeiros ou mesmo morais, a verdade é que existe uma tendência a incorporar (incluir) todas as pessoas na vida social, principalmente nas grandes cidades. Quanto maior o número de eleitores, maior a representatividade do político eleito, o que lhe concede maior legitimidade; quanto maior o número de trabalhadores, maior o volume de comércio, o que acarreta numa economia mais estável; quanto maior o número dos incluídos (e menor o dos excluídos ou esquecidos ou marginalizados), mais justa e feliz será a sociedade. Parece uma questão matemática. Quanto maior o número de elementos, maior fica o conjunto. Ganha-se força e diversidade (a diversidade é fundamental para a sobrevivência de um grupo ou sistema).
A inclusão, muito mais do que submeter (que geralmente é feito pelo uso da força), é abranger, acolher. A tendência hoje é de uma sociedade inclusiva, porque, pelos valores que seguimos na atualidade, é a via que melhor satisfaz ao indivíduo em particular e à sociedade em geral. Quando o indivíduo está e se sente incluído, tem mais chances de vencer na vida, por se sentir mais seguro e ter de fato mais oportunidades. Por sua vez, uma sociedade onde seus cidadãos conseguem se realizar como indivíduos, tem mais chances de sucesso e estabilidade.
Para construir uma sociedade com mais aceitação, mais amor, mais cuidado e compaixão, devemos nos esforçar por incluir, acolher a todos, sem exceção. "Acreditamos que as comunidades com diversidade sejam mais ricas, melhores e lugares mais produtivos para viver e aprender. Acreditamos que comunidades inclusivas tenham a capacidade de criar o futuro. Queremos uma vida melhor para todos. Queremos a inclusão!" (Forest).

INCLUSÃO OU INTEGRAÇÃO?

Basicamente a diferença é simples: na inclusão é a escola que abre os braços para acolher todos os alunos; na integração é o aluno que tem de se adaptar às exigências da escola. Na primeira, o fracasso escolar é de responsabilidade da escola, ou melhor, de todos (autoridades, professores, pais, alunos); na segunda, o fracasso é do aluno que não teve competência para se adaptar às regras inflexíveis da escola, que presta mais atenção aos impedimentos do que aos potenciais das crianças. A inclusão é estar com o outro; a integração é estar junto ao outro (que não necessariamente significa compartir nem aceitar, estamos junto dele, mas não estamos com ele).
Mas, a integração é ainda mais cruel, pois, nem todos os alunos com "deficiência" têm a chance de entrarem numa turma de ensino regular, já que a escola faz uma seleção prévia dos candidatos que estariam, ou não, aptos (segundo critérios da própria escola, que nem sempre são claros, pelo menos para o candidato). Mesmo assim, no melhor dos casos, a integração escolar acaba sendo o deslocamento da educação especial para dentro da escola regular; muitas vezes, criando "turmas especiais" para atenderem os "alunos especiais", e permanecendo as "turmas normais" para "alunos normais". Ou seja, a discriminação e preconceito continuam, só que desta vez, dentro da própria escola.
Já a inclusão é incompatível com a integração, visto que, ela defende o direitos de todos, sem exceção, a freqüentarem as salas de aula de ensino regular. Não se trata apenas de todos freqüentarem a mesma escola, e sim, de freqüentarem as mesma salas de aula. Todos os alunos juntos, independente das suas necessidades ou particularidades (já que, a rigor, todos temos nossas necessidades, que constituem nossas particularidades). Preferimos falar de particularidades em vez de necessidades; já que esta última dá a impressão de carência (soa negativamente), e a primeira ressalta nossas qualidades específicas (soa positivamente). Então, a escola inclusiva é aquela que tem salas de aulas inclusivas, e mais, bibliotecas inclusivas, banheiros inclusivos, acessos inclusivos, projeto pedagógico inclusivo, e, principalmente, alunos e professores inclusivos.
Na escola inclusiva não há mais a divisão entre ensino especial e ensino regular; o ensino é um e o mesmo para todos, respeitando as particularidades, as diferenças. Trata-se de um ensino participativo, solidário e acolhedor. Formas mais solidárias e plurais de convivência. Uma educação global, plena, livre de preconceitos, e que reconheça e valorize as particularidades (diferenças) de cada um dos outros iguais.
Para sermos mais poéticos, diremos que a metáfora da inclusão é o caleidoscópio (de Marsha Forest). O caleidoscópio é constituído por vários pequenos pedaços coloridos; todos eles são necessários para a produção de múltiplas figuras. Se retiramos alguns deles, teremos menos possibilidades de figuras, e estas serão menos complexas, menos coloridas, menos fecundas. Assim, também, as pessoas se desenvolvem, aprendem e evoluem mais e melhor quanto mais rico e variado for o ambiente em que se encontram.

HISTÓRICO DA INCLUSÃO ESCOLAR

Em resumidas contas, antes do século XX não existia a idéia de inclusão, a maioria das pessoas (principalmente mulheres, deficientes físicos e mentais, de outras raças que não a branca, e pobres) não tinha o direito ou as condições mínimas para freqüentarem a escola.
No século XX, começa a chamada segregação (isolar, separar), mais pessoas tem acesso à escola, porém dificilmente se misturam com os alunos representantes da classe dominante. Na segunda metade do século surgem as "escolas especiais" (que atendem crianças "deficientes") e mais tarde as classes especiais dentro das "escolas comuns". Surge assim uma aberração pedagógica, a separação de dois sistemas educacionais, por um lado a educação comum e do outro a educação especial.
Já na década de 70, aparece a integração (da qual acabamos de falar na seção anterior). As escolas comuns aceitavam alguns alunos, antes rejeitados ou marginalizados, que poderiam freqüentar classes comuns desde que conseguissem adaptar-se (o que na prática raramente acontecia). Em termos legais tínhamos "preferencialmente na rede regular de ensino".
Finalmente chegamos aos anos 90, e com eles a inclusão (na verdade, os primeiros movimentos que apontavam para o surgimento da inclusão escolar são do final da década de 80). Só há um tipo de educação, e ela é para todos sem restrição nem separação.
A inclusão começou como um movimento de pessoas com deficiência e seus familiares na luta pelos seus direitos de igualdade na sociedade. E como a maioria desses direitos começa a ser conquistado a partir da educação (da escola, lugar onde se ensina cidadania), a inclusão chegou até a escola (espelho da sociedade). Hoje a inclusão é de todos sem discriminação, sem rótulos.

APRENDENDO A LIDAR COM A DIFERENÇA.

"Vivemos em um mundo onde queremos ser simultaneamente iguais e diferentes. Pensamos uma cidadania planetária que respeite as diferentes culturas como a muçulmana, hindu, indígena ou africana. Não queremos um falso universalismo que destrói todas as diferenças e que impõe a cultura branca, masculina e ocidental como um padrão universal". (Santos).
Para aprender a lidar com a diferença precisamos: primeiro, reconhecer que ela existe, o que não existe é a homogeneidade; segundo, estar dispostos à aceitá-la, afirmá-la e valorizá-la; e, terceiro, conviver com ela, viver em comunhão, com intimidade, familiaridade. Só assim aprenderemos a lidar com ela. Por isso, é de suma relevância que as crianças tenham essa oportunidade de convívio desde cedo.
Não devemos confundir diferença com deficiência. Por esta última se entende: falha, imperfeição, defeito; em medicina: insuficiência: incapacidade, maior ou menor, de um órgão para executar a função que lhe cabe. Como se na natureza alguém tivesse a obrigação de corresponder a um padrão (idealizado não se sabe por quem nem para que), ou ser igual à maioria. A natureza não é democrática, nem precisa; pelo contrário, para sua sobrevivência faz-se necessária a diversidade, a mudança, a adaptação. Por isso, devemos mais é afirmar a diferença, as particularidades, para "com" elas aprendermos.
Não existem normais e deficientes; existem os diferentes, que somos todos, existem as pessoas, seres humanos com o direito a uma vida digna e feliz. Com a diferença aprendemos a relevância da diversidade, como fim e meio pelos quais aprendemos mais sobre o outro e também sobre nós mesmos; aprendemos mais sobre a vida.

CONCLUSÃO

O ser humano antes de ser racional, ou qualquer outra coisa, é um ser VIVO, por isso, o assunto que cumpre um papel de relevância nas inquietações da alma de qualquer pessoa deve ser a VIDA, e qualquer outro assunto estudado só faz sentido se estiver, de uma maneira ou outra, ligado à VIDA.
Como nos ensinou Marsha Forest: "acolher pessoas com diferenças desafiantes em nossas escolas e comunidades não é simplesmente para o bem delas; é antes para o bem de nossa própria saúde e de nossa própria sobrevivência". O que será de mim quando eu estiver velho? Se eu, agora, não ensinar as crianças a serem inclusivas, acolhedoras, quando chegar a minha velhice, provavelmente, elas me esquecerão.
Metáfora da gravidez. "Não se pode estar um pouco grávida, assim como não se pode estar um pouco incluída". Quando a mulher engravida, muda tudo: seu corpo, seu estado de ânimo, seus desejos, etc. Não há como incluir e não mudar. É muito difícil, mas também é maravilhoso. Se alguém não tivesse ficado grávida, nós não estaríamos aqui; se alguém não nos tivesse incluído, nós não estaríamos aqui. Se nós não incluímos agora, talvez, ninguém nos incluirá no futuro.

REFERÊNCIAS

FOREST, Marsha e PEARPOINT, Jack. Exclusão: um panorama maior. Disponível em: http://www.associacaosaolucas.org.br/educacao_inclusiva_12.htm Acesso em: 30 ago. 2005.

FREIRE, Paulo.Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1978.

PEARPOINT, Jack e FOREST, Marsha.Inclusion: It's About Change!. Disponível em: http://www.inclusion.com/inclusion.html Acesso em: 30 ago. 2005.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.
__________ Fala, Mestre! Entrevista com Maria Teresa Eglér Mantoan por Meire Cavalcante. Revista Escola, p. 24-26, mai. 2005.

GÓMEZ-MARTÍNEZ, José Luis.La pedagogía libertadora del brasileño Paulo Freire y el hipertexto .Hispanistas 86.1, p. 9-16, 2003. disponível em: http://www.ensayistas.org/critica/teoria/hipertexto/gomez/ Acesso em: 28 jul. 2005.

ONU.Declaração de Salamanca.Disponível em: http://www.educacaoonline.pro.br/doc_decl_salamanca.asp . Acesso em: 30 ago. 2005.

REYES CELEDON, Esteban.Da Educação: um estudo sobre o sentido da educação hoje. Disponível em: geocities.com/profestebanpolanco Acesso em: 08 ago. 2005.

SANTOS, B. S.Entrevista com o professor Boaventura de Souza Santos. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/boaventura/boaventura_e.html Acesso em: 27 ago. 2005.

SASSAKI, Romeu. As escolas inclusivas na opinião mundial. Disponível em: http://www.entreamigos.com.br/textos/educa/edu1.htm Acesso em: 09 ago. 2005.