A INCIDÊNCIA DE ITBI SOBRE A TRANSMISSÃO DE IMÓVEIS CUJOS VALORES ULTRAPASSEM O CAPITAL SOCIAL INTEGRALIZADO

 

Rafaela Coelho Rodrigues Lima

  • DESCRIÇÃO DO CASO

Em 2015, Hetfield Participações S/A iniciou os procedimentos necessários para integrar a sociedade empresária Metalúrgica Heavy Metal Ltda, situada em São Luís/MA. Para isso, tentou promover a integralização de sua parcela no capital social, que corresponde a 500 mil reais, por meio de um oferecimento de um bem imóvel, avaliado em 750 mil. A Secretaria de Fazenda do Município de São Luís negou-se a emitir a via de recolhimento de ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis) referente ao imóvel integralizado ao capital da empresa com imunidade total. Dessa forma, o município impôs a tributação sobre o valor do imóvel incorporado que excedeu o limite do capital social a ser integralizado, baseado no artigo 156, §2º, inciso I, da CF/88, onde a imunidade se restringe ao valor do imóvel suficiente à integralização do capital social e nesse caso, o valor da propriedade excedeu em muito o capital social.

 

  • IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
    • Descrição das decisões possíveis:
  1. Incide o ITBI, logo, não há que se falar na imunidade tributária presente no artigo 156, §2º, I, da CF/88 quando o imóvel superar o valor do capital social integralizado.
  2. Não incide o ITBI, logo, há a imunidade tributária prevista no artigo 156, §2º, I, da CF/88 quando o imóvel superar o valor do capital social integralizado.
  • Argumentos capazes de fundamentar cada decisão:

O artigo 156, §2º, I da CF/88 prevê a imunidade tributária sobre a “transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”, no caso em estudo a Hetfield Participações S/A tentou promover a integralização de sua parcela no capital social junto à pessoa jurídica Heavy Metal Ltda que tinha imunidade total, por intermédio de um bem imóvel que corresponde ao montante de 750 mil reais. É válido salientar, omo foi dito inicialmente na descrição do caso, que o valor do imóvel ultrapassa o valor do capital social e  como cabe aos Municípios, mediante a edição de lei ordinária municipal, a instituição do e a Constituição nada diz sobre essa possibilidade, cabe ao ente municipal completar o sentido da norma presente no artigo 156, §2º, I, CF.

O argumento utilizado a favor da incidência do ITBI, é que a imunidade estabelecida no artigo 156, § 2º, inciso I, da Carta da República atinge única e exclusivamente ao valor do imóvel suficiente à integralização do capital social, tendo em vista que o desejo do legislador foi facilitar a criação de novas sociedades e a movimentação dos bens correspondentes ao respectivo capital. (Recurso Extraordinário nº 796.376/SC)

Contudo, vem a tona o entendimento de que , no artigo 36 do CTN,ao tratar da não incidência do ITBI, o faz de forma  restrita ao capital subscrito, não sendo razoável a concessão de imunidade quanto ao valor total do imóvel incorporado, se excedente. OU seja, a imunidade diz respeito apenas no valor referente à parcela do imóvel necessária à integralização do capital social, incidindo o ITBI sobre a parte que exceder. Segue decisão nesse sentido:

TRIBUTÁRIO - ITBI - INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS PARA INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL DE PESSOA JURÍDICA - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA (ART. 156, § 2º, INCISO II, DA CF/1988) - VALOR DOS IMÓVEIS SUPERIOR AO DO CAPITAL SOCIAL INTEGRALIZADO E DAS COTAS DOS SÓCIOS RESPECTIVOS - IMUNIDADE QUE ALCANÇA APENAS O LIMITE DO CAPITAL E DAS COTAS INTEGRALIZADAS COM IMÓVEIS - EXCEDENTE SUJEITO À TRIBUTAÇÃO - SENTENÇA REFORMADA.

Nesse sentido, a imunidade tributária prevista no início do inciso II do § 2º do art. 156, da Constituição Federal de 1988 impede a incidência do imposto de transmissão de bens imóveis "inter vivos" somente sobre o valor do imóvel necessário à integralização da cota do capital social. Vale dizer, sobre o valor do imóvel incorporado que excede o limite do capital social a ser integralizado ou da própria cota do sócio respectivo, haverá incidência do tributo.

Portanto, A alternativa intentada pelo município do caso em questão, demonstra-se em consonância com esse entendimento: o valor do capital social tratava-se de 500 mil reais, enquanto o bem imóvel foi avaliado em 750 mil reais, fazendo o desconto entre os valores há um excedente de 250 mil reais, o qual seria utilizado para quitar o imposto, enquanto isso, o valor correspondente ao capital social receberia a imunidade.

Dessa forma, passando para o conceito de capital subscrito, entende-se como aquele registrado em documento correspondente na junta comercial, é um “ato de declaração judicial feito pelo sócio de aquisição das cotas ou das ações, dentro de um prazo estabelecido” Marcio Morena. Logo, para integralizá-lo Hetfield Participações S/A teria que pagar apenas R$ 500.000,00.

Em sentido contrário ao que já foi explanado, o ITBI de acordo com o artigo 156, §2º, I não incidirá sobre a transmissão de bens incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização do capital. Para Ricardo Lobo Torres (2005, p.371), o contexto dessa desoneração liga-se a uma “não incidência constitucionalmente qualificada, ditada por motivos conjunturais, inconfundível com a imunidade, que protege os direitos humanos. O objetivo da norma superior é promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas. O CTN regulamenta o dispositivo constitucional descendo as minúcias (arts. 26 e 37)”.

Com base nos artigos 5º, inciso II, 37, caput e o já citado anteriormente, todos da Constituição Federal. “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade (...)”, dessa forma, não há na lei nenhum dispositivo que fale sobre a incidência do ITBI quando a transmissão do bem imóvel exceder o capital social, portanto, ampliar o grau de abstração do dispositivo positivo na Constituição, de forma que venha prejudicar é de certo modo dezarrazoado.

Partindo desse pressuposto, o intuito da não incidência do ITBI em determinados casos, visa fomentar a livre iniciativa, o que implica dizer que o fato de não haver dispositivo legal prevendo a incidência do ITBI à quantia que excede ao valor do capital a ser integralizado, fere o princípio da legalidade, princípio este que é norteador do Direito Tributário.

                                                                                    

2.2.1 Qual a regra-matriz de incidência tributária do ITBI?

A regra-matriz tem por definição uma equação lógica e condicional que revela a estrutura das normas jurídicas, há em sua estrutura elementos de hipótese e consequente, onde o primeiro especifica sua hipótese de incidência e o segundo ocorre quando acontece o fato previsto na norma e daí decorrem os efeitos jurídicos. É um instrumento aonde vamos verificar com o fato gerador do tributo a sua vinculação com a obrigação tributária, essa ferramenta auxilia no estudo do fato gerador e da obrigação tributária. (CARVALHO,2010)

São critérios da regra matriz:

  • Critério Material (Cm): é a essência do fato descrito na hipótese de incidência. É um verbo + o seu complemento, no caso do ITBI, o verbo seria “transmissão por ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso” + os complementos “de bem imóvel por natureza ou acessão física”; “de direitos reais sobre imóveis, exceto de garantia” e “bem como cessão de direitos à aquisição de bem imóvel”.
  • Critério Temporal (Ct): indica o momento que o fato ocorreu e isso irá determinar a lei que será usada, será usada a lei que estiver vigendo no município à época da transmissão do bem imóvel de Hetfield Participações S/A para a Metalúrgica Heavy Metal Ltda, ou seja, a lei vigente em 2015.
  • Critério Espacial (Ce): é o local onde ocorreu aquela relação jurídica, no caso em apreço, o espaço é São Luís e como o ITBI é um imposto municipal, conforme o artigo 156, §2º, II. A competência é de São Luís.

Como elementos de consequência, tem-se os critérios:

  • Critério Pessoal: “é o feixe de informações contido no consequente normativo que nos permite identificar, com exatidão o sujeito da relação jurídica a ser instaurada quando da constituição do fato jurídico”. (CARVALHO, p. 388, 2010). O sujeito ativo dessa relação em análise é o município de São Luís, pois é ele quem está apto a receber esse tributo e o passivo, seria a Hetfield Participações S/A que é quem está realizando o ato.
  • Critério Quantitativo (Cq): esse critério corresponde ao valor a ser pago por esse tributo, deve ser levado em consideração a base de cálculo + a alíquota, a base de cálculo é a grandeza para mensurar a materialidade, ou seja, quanto irá se pagar de tributo e a alíquota é um fator complementar aplicável sobre a base de cálculo. No caso do ITBI, seria aplicado alíquota de 2% sobre o valor do imóvel, de acordo com a Lei nº 5822/2013 que é a lei que rege a incidência do ITBI em São Luís.

2.2.2 Qual o conceito de imunidade tributária?

Imunidade significa está liberado, isento daquela prestação dessa forma, quando se fala em imunidade tributária, presume-se que, bens, pessoas e fatos deixam de ser alcançados pela tributação.

Sacha Calmon Navarro Coêlho (apud SABBAG, 2014, p.1035), aduz que “a imunidade seria a não incidência constitucionalmente qualificada, já a isenção trata-se da não incidência legalmente qualificada”.

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