A inadequação da linguagem normativa como causadora de equívocos quanto à obrigação da denunciação da lide[1]

Ana Carolina Trindade Medeiros Costa[2]

Caroline Duailibe Dos Santos[3]

Sumário: Introdução; 1 Formas de intervenção de terceiro, 1.1 A oposição, 1.2 A nomeação à autoria, 1.3 O chamamento ao processo, 1.4 Assistência simples como intervenção de terceiro; 2 A Denunciação da lide; 3 A “obrigatoriedade” da denunciação da lide; Conclusão; Referências. 

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo explicitar as formas de intervenção de terceiro, dando ênfase a uma destas – a denunciação da lide – e aos seus procedimentos, demonstrando a inadequação na linguagem normativa em relação à sua obrigatoriedade, nos casos citados no Código de Processo Civil, que acaba por resultar em equívocos quanto à sua interpretação e compreensão. 

PALAVRAS-CHAVE

Intervenção de terceiro. Denunciação da lide. Obrigatoriedade da denunciação. Evicção.

Introdução

De maneira simplificada, entende-se a relação processual como algo triangular; ou seja, tem-se o autor, o réu e o juiz. Entretanto, não há, necessariamente, apenas um sujeito em cada um dos pólos, pode-se observar isto a partir do litisconsórcio, onde existe mais de um indivíduo em pelo menos um dos pólos da demanda.

Além disso, observa-se também, a participação de terceiros na relação processual. Alguns apenas colaboram para o desenvolvimento do processo – escrivãos, peritos, oficiais de justiça, etc – e outros ingressam no processo por possuírem interesse em sua solução, ou para tornar mais completa ao conflito, ou pelo fato de sua solução os atingir de alguma maneira. O impacto causado pela decisão acaba por definir se a interferência do terceiro terá maior ou menor intensidade no processo, a fim de resolver o conflito; o que quer dizer que o interesse jurídico é que atribui ao sujeito a condição de parte legítima, de terceiro interessado ou de terceiro indiferente. Como formas de intervenção de terceiros, de acordo com o CPC temos: oposição, nomeação à autoria, chamamento ao processo e denunciação da lide.

Portanto, deve-se compreender que o terceiro não é uma parte no processo, mas sim, uma espécie de complementação a este. A partir do que foi dito anteriormente,

“pode-se concluir que será parte no processo aquele que demandar em seu nome (ou em nome de quem for demandado) a atuação de uma ação de direito material e aquele outro em face de quem essa ação deva ser atuada. O terceiro interessado será, por exclusão, aquele que não efetivar semelhante demanda no processo, mas, por ter interesse jurídico próprio na solução do conflito (ou ao menos afirmar possuí-lo) é autorizado a dele participar, sem assumir a condição de parte. ”[4]

Esclarecidas as partes da relação processual, o que se pode chamar de parte, a possibilidade da intervenção de terceiros no processo e sua abrangência, o próximo tópico esclarecerá as formas de intervenção de terceiro.

1 Formas de intervenção de terceiro

Como citamos na introdução do trabalho, como formas de intervenção de terceiros temos: a oposição, a nomeação à autoria, a denunciação da lide e o chamamento ao processo.

1.1  A oposição

O Código de Processo Civil traz como uma das primeiras formas de intervenção de terceiro a oposição. Esta é uma intervenção voluntária que tende a fazer com que a sua pretensão sobre o objeto do processo prevaleça. Por isso, essa intervenção acaba por modificar a idéia e a condição de terceiro, uma vez que o opoente, ao participar do processo, formula uma nova ação, tendo por objetivo excluir as pretensões do autor e do réu sobre o objeto litigioso do processo, o que quer dizer que o opoente entende que o direito que é objeto da relação processual o pertence, ao invés de pertencer aos sujeitos iniciais da relação.

 A principal característica e função desse tipo de intervenção é vincular ao processo, já implementado, à ação desse terceiro, que tem por finalidade o direito objeto desta. Essas duas ações são conexas e seriam distribuídas a apenas um juiz, mas para facilitar a sua solução, reúnem-se as ações em um só processo a fim de julgar as pretensões de uma só vez.

1.2  A nomeação à autoria

A nomeação à autoria ocorre a partir da substituição do pólo passivo do processo, em que um sujeito ilegítimo dá lugar a um sujeito legítimo, ou seja, esse tipo de intervenção por finalidade corrigir um vício de legitimidade passiva[5]. 

A nomeação à autoria é um tipo de “intervenção de terceiro” provocada, pois a participação do terceiro não ocorre por sua vontade, e sim, pela indicação do réu da ação. Dessa maneira, não constitui uma faculdade; mas sim, um dever que se não for cumprido resulta em perdas e danos.

­De acordo com o CPC, certas situações justificam o erro na determinação do sujeito passivo do processo, em razão das circunstâncias trazidas pelo caso concreto. A presença desse sujeito ilegítimo na ação, em regra, resultaria na extinção do processo sem julgamento do mérito; porém, estas situações autorizam a continuação deste desde que haja substituição do réu originário por aquele que é legítimo para assumir tal posição.

O CPC vem autorizar essas situações que possibilitam a nomeação à autoria de duas formas: a primeira é a daquele que detém a coisa em nome alheio, que sendo demandado em nome próprio, deverá nomear à autoria o proprietário ou possuidor (art. 62, CPC); a segunda é daquele que for demandado em ação de indenização intentada pelo proprietário ou por um titular de um direito sobre a coisa, toda vez que o responsável pelos prejuízos alegar que praticou o ato por ordem ou em cumprimento de instruções de terceiros. Nestes casos, o sujeito passivo primitivo deverá nomear ao autor que o sujeito considera que deveria realmente integrar o pólo passivo da ação.

1.3  O chamamento ao processo

O chamamento ao processo é uma forma de criar litisconsórcio passivo facultativo. Este parte da vontade do réu, e não, do autor como ocorre em regra geral, em que isto é de sua responsabilidade. No entanto, no chamamento ao processo é admitida a iniciativa do réu para promover esse tipo de litisconsórcio, no qual outros sujeitos legítimos também são necessários para figurarem como réus, sem que seja necessária a aderência do autor.

De acordo com o art. 77 do CPC é admissível o chamamento ao processo do devedor na ação em que o fiador for réu; e os outros fiadores quando para a ação for citado apenas algum deles; de todos os devedores solidários quando o credor exigir de um ou de uns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum. O que quer dizer que esta intervenção ocorre apenas em questões obrigacionais, pelo fato de que quando um dos co-devedores é acionado, pode-se chamar ao processo os demais co-obrigados para também responder pela dívida.

Esta é uma intervenção provocada e se opera apenas no pólo passivo da demanda, uma vez que depende da iniciativa do réu para acontecer.

1.4  Assistência simples como forma de intervenção de terceiro

Além das formas citadas anteriormente, a assistência simples é uma forma exata de intervenção de terceiro, pelo fato de que o assistente simples não perde sua condição de terceiro ao ingressar no processo. Essa intervenção é feita de maneira voluntária e o assistente pode auxiliar tanto no pólo passivo quanto no ativo da demanda.

O assistente simples, não sendo titular da relação jurídica de direito material, será sempre terceiro em relação ao litígio. Pelo fato do direito não pertencer a ele, a coisa julgada não o atingirá, uma vez que apenas os efeitos reflexos da sentença o fazem. Para ingressar no processo o assistente simples deve ter interesse jurídico, não basta qualquer tipo de interesse.

Como dito no começo do tópico, a denunciação da lide também é uma forma de intervenção de terceiro. Porém, ao ser tema principal do presente trabalho, esta será apresentada em um tópico a parte.

2        A denunciação da lide

A denunciação da lide e os seus procedimentos estão previstos do art. 70 ao art. 76 do Código de Processo Civil. Discorrendo sobre a sua admissibilidade temos o art. 70 que diz:

Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:

I – ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta;

II – ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatório, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;

III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

A denunciação é uma das formas de intervenção de terceiro, na qual se tem como pretensão a inclusão de uma nova ação no processo, que vem a ser observada no caso de sucumbência do denunciante na ação principal; e por isso, é uma ação subsidiária à ação primitiva. O que quer dizer que, tendo por base a figura do direito de regresso, aquele que sofrer prejuízos diante da decisão judicial, pode recuperar sua perda a partir de terceiros, em momento posterior. Na denunciação, então,

“inclui-se nova ação, justaposta à primeira, mas dela dependente, para ser examinada caso o denunciante (aquele que tem, frente a alguém, direito de regresso em decorrência da relação jurídica deduzida na ação principal) venha a sofrer prejuízo diante da sentença judicial relativa à ação principal.”[6]

Visto isso, conclui-se que:

“O instituto da denunciação da lide é típico do processo de conhecimento, uma vez que pressupõe uma ação na qual esteja sendo discutida a sorte de determinada relação jurídica, cujo desfecho possa fazer surgir para uma das partes direito regressivo contra terceiro. A denunciação da lide também é uma ação de conhecimento (de natureza condenatória), objetivando a formação de título executivo judicial contra o responsável (em caráter regressivo). Assim, com a denunciação da lide teremos uma cumulação de ações de conhecimento, cuja solução virá na mesma sentença. Logo, não é concebível a denunciação da lide no processo de execução, porque ele não se destina a definir a relação jurídica sobre o qual controvertem as partes, mediante a prolação de uma sentença.”[7]

Além disso, a denunciação da lide pode ser entendida como uma “demanda incidente, regressiva, eventual e antecipada[8]”. Dessa maneira, “a denunciação é demanda nova em processo já existente; pela denunciação, não se forma processo novo. É, pois, um incidente no processo. Trata-se de hipótese de ampliação objetiva ulterior do processo[9]”. Este novo processo pode ser instaurado tanto por iniciativa do autor, quanto pelo réu.

A denunciação “tem a natureza de uma ação movida contra o garantidor e é inserida no mesmo processo, de modo a ser julgada em conjunto com a ação principal[10]”. Esta tem por objetivo alcançar os princípios da economia e da celeridade processual.

3   A “obrigatoriedade” da denunciação da lide

Traz o caput do art. 70 do CPC, as hipóteses nas quais a denunciação da lide seria obrigatória. Porém, esta expressão torna-se inadequada, partindo da linguagem processual, devido ao que efetivamente ocorre neste âmbito; pois ao se falar na obrigatoriedade dessa uma prática jurídica, refere-se à possibilidade de ter o seu direito de regresso tolhido, no mesmo processo cuja relação jurídica principal é questionada.

A não obrigatoriedade da denunciação da lide é observada ao se pensar que:

“A denunciação é exercício de direito de ação, portanto não é um dever: não há um dever de exercitar o direito de ação. É, na verdade, um ônus processual: conquanto diga a lei que a denunciação da lide é obrigatória, na verdade ela é facultativa. Trata-se de ônus absoluto, caracterizado como encargo atribuído à parte e jamais uma obrigação[11]”.

O ônus seria um dever, que não sendo cumprido, resultaria em prejuízos, desvantagens perante o direito, que não se pode entender como a perda do direito material; mas sim, como a perda do direito de regresso a ser apreciado no mesmo processo - o que quer dizer que não serão atendidos os princípios da celeridade e da economia processuais - uma vez que não compete à lei processual regulamentar os casos de aquisição, de modificação ou de extinção desse direito material.

A não obrigatoriedade da denunciação pode ser observada nos incisos II e III, visto que, como citado no parágrafo anterior, a sua não-denunciação não resultaria na perda do direito de regresso.

Apenas no inciso I, que traz os casos de evicção, é que a denunciação torna-se obrigatória. A evicção é conceituada como:

“uma garantia, natural aos contratos comutativos, onde há obrigação de transferir domínio de determinada coisa, pela qual o alienante se obriga a reparar os prejuízos do adquirente (valor do preço pago, indenização dos frutos que tiver de devolver, despesas com o contrato e ainda despesas judiciais), caso este venha a perder o domínio sobre a coisa em virtude de decisão judicial (que reconheça direito de terceiro anterior à aquisição)[12].”

Outro conceito para a evicção encontra-se no livro do Cândido Rangel Dinamarco[13], que diz que:

“Evicção é a perda de um bem por força de decisão judicial. Diz-se evicto o sujeito que o perde e o evictor aquele que, vencedor em juízo, causa-lhe a perda. Responsabilidade por evicção é a obrigação, que em princípio tem o alienante, de compor perdas e danos ao adquirente em caso de vir este a perder o bem em juízo (CC, art. 447).”

No caso de evicção há para o adquirente o ônus de chamar à autoria o alienante na demanda sobre o bem, porque assim o exige o art. 456 do Código Civil como condição para obter indenização pelos prejuízos causados pela evicção. “Assim, nesta hipótese, entende-se que, por força da lei material, a denunciação ao alienante é ‘obrigatória’, ou seja, a sua inobservância impedirá ao adquirente, em outro processo, obter a reparação dos prejuízos sofridos[14].”

Mesmo na evicção, a jurisprudência e a doutrina entendem que a perda do direito regressivo não pode ocorrer em todas as ocasiões, uma vez que, em alguns deles, a própria legislação processual não permite a denunciação; e dessa forma, o adquirente não pode ser prejudicado pelo seu não-exercício. Temos como exemplo o rito sumário e os juizados especiais, que não admitem, no caso de evicção, a denunciação da lide.

Desta forma, podemos perceber as falhas que o texto normativo traz em sua redação, falha essa que pode conduzir o intérprete a uma aplicação errônea da lei ao caso concreto. 

Conclusão

Partindo de todas as informações contidas no trabalho, deve ser compreendido que nem tudo que o ordenamento jurídico estabelece em seus textos normativos, é o que ocorre na prática; pois as normas servem como base para a resolução dos problemas concretos, não devendo ser interpretadas de maneira literal. Portanto, os casos devem ser resolvidos a partir de uma conciliação entre os princípios gerais do direito e os textos normativos, como forma de melhor atender à demanda e de se chegar a uma melhor resolução ao conflito.

Como exemplo da necessidade de adequação do texto normativo aos princípios e casos concretos, temos o tema principal do presente trabalho, que é a denunciação da lide. Em sua previsão nos textos normativos, traz uma inadequação ao discorrer sobre a sua obrigatoriedade, provocando equívocos quanto à sua compreensão, causando diferentes entendimentos, inclusive doutrinários, à seu respeito e à sua aplicação.

 

REFERÊNCIAS

 

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. vol I, 9ª. edição, 2ª. Tir. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2004.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de terceiros. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. Questões importantes de processo civil: teoria geral do processo. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

JR., Fredie Didier. Curso de direito processual civil. 7ª ed. V. I. Salvador: Edições Podivm, 2007.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 7ª ed. 3ª tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 



[1] Paper elaborado à disciplina de Processo de Conhecimento I, ministrada pelo Professor Christian Barros Pintos, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do curso de Direito noturno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[3] Aluna do curso de Direito noturno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 7ª ed. 3ª tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

[5] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. vol I, 9ª. edição, 2ª. Tir. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2004.

[6]MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 7ª ed. 3ª tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

[7]MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 7ª ed. 3ª tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

[8]JR., Fredie Didier. Curso de direito processual civil. 7ª ed. V. I. Salvador: Edições Podivm, 2007.

[9]JR., Fredie Didier. Curso de direito processual civil. 7ª ed. V. I. Salvador: Edições Podivm, 2007.

[10]FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. Questões importantes de processo civil: teoria geral do processo. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

[11]FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. Questões importantes de processo civil: teoria geral do processo. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

[12] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 7ª ed. 3ª tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

[13] DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de terceiros. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

[14] FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. Questões importantes de processo civil: teoria geral do processo. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.