EDUARDO VERONESE DA SILVA

A IMPUTABILIDADE DO USUÁRIO DE DROGAS ILÍCITAS SOB A ÉGIDE DA NOVA LEI ANTIDROGAS

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade Batista de Vitória, do Instituto Batista de Educação de Vitória, como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Ms. Lécio Silva Machado.

VITÓRIA/ES

2008

EDUARDO VERONESE DA SILVA

A IMPUTABILIDADE DO USUÁRIO DE DROGAS ILÍCITAS SOB A ÉGIDE DA NOVA LEI ANTIDROGAS

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito, como requisito para obtenção do grau de bacharel.

Aprovada em ____ de _______________ de 2008

COMISSÃO EXAMINADORA

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Prof. Ms. Lécio Silva Machado

Orientador

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Prof. Ms. Rodrigo Aurélio

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Prof. Ms. Fabiano Lepre Marques

Ao meu saudoso pai - Adonel (in memoriam) por tudo que representou, representa, e continuará representando para mim.

AGRADECIMENTOS

Como primazia, queria agradecer a Deus, pois como afirma sua palavra: nada do que foi feito seria possível se não houvesse sua permissão.

Aos professores, que durante esses anos, com muita dedicação e brilhantismo, contribuíram para a construção de um novo saber, sem se negarem ao atendimento dos alunos, dentro e fora da sala de aula, quando solicitados a fornecerem explicações e informações acerca de temas divergentes e conflitantes durante as aulas.

A minha esposa – Ligia Mara, e ao meu Filho – Carlos Eduardo, que ficaram por longos períodos de tempo, sem poderem contar com minha companhia, tendo em vista estar desenvolvendo algum trabalho ou estudo acadêmico.

A minha querida mãe - Zulmira, que mesmo sem ter tido grandes oportunidades de estudo, não poupou seu saber e experiência de vida, para me educar e instruir-me a percorrer o caminho da correção e honestidade.

Aos meus irmãos – Adonias, Adilson, Adeilde e Ângela, que sempre me incentivaram e viram em minhas atitudes um bom exemplo a ser seguido.

Dedico agradecimento especial a minha sogra – Marliete, que no decorrer desses anos colocou-se à disposição para ficar com meu filho, possibilitando a mim e a minha esposa, trabalharmos e freqüentarmos as aulas da faculdade com perfeita assiduidade.

A todos os familiares, amigos, colegas de trabalho e funcionários da Faculdade Batista de Vitória pela colaboração e entusiasmo.

Gostaria de agradecer de forma especial aos professores orientadores Michelle Aurélio de Carvalho e Lécio Silva Machado, que no transcorrer dos encontros, não sonegaram informações e orientações para a elaboração do presente trabalho monográfico.

"A prisão não são as grades e a liberdade não é a rua. É uma questão de consciência". Neimar de Barros – Deus Negro.

RESUMO

A proposta inicial do trabalho monográfico é de mostrar um breve histórico acerca do uso de drogas pelas civilizações primitivas, até chegarmos à forma como se dá essa utilização nos tempos atuais. Como também, registrar algumas situações e momentos em que faziam uso dessas ervas naturais, mas que possuíam princípios ativos que promoviam mudanças comportamentais e psíquicas em seus usuários. Abordará em um de seus capítulos, a questão dos sistemas de políticas criminais que estão em voga no momento jurídico social contemporâneo. Em prosseguimento, trará uma abordagem acerca da imputabilidade penal em seu contexto geral. Para, por fim, reservar um capítulo especial para aprofundar melhor o debate sobre a imputabilidade penal do usuário de drogas ilícitas em consonância com a Lei Federal nº. 11.343/06 – Lei Antidrogas, tendo em vista que o novel legislativo entrou em vigor recentemente e tem gerado alguns debates doutrinários na seara jurídica brasileira.

Palavras-chave: drogas, usuário de drogas, política criminal, imputabilidade penal, descriminalização e despenalização.

ABSTRACT

The present study aims at showing a brief history about the use of drugs by primitive civilizations, up to how it happens nowadays. It also mentions some moments and situations when people used natural herbs which contained some substances that would cause people behavior and psychic changes. In one of its chapters, the study brings the criminal politics systems which are in vogue at the contemporary social and judicial moment. Besides it has an approach to penal imputation in its general context. Eventualy it contains a special chapter to better deepen the debate about the penal imputation of illegal drugs users In accord with the federal law n. 11.343/06 – Anti-drugs law, taking into consideration the new legislative model that has been adopted recently and it has brought out some doctrinal debates about the brazilian justice area.

Keywords: drugs, drug users, criminal politics, penal imputation, non-criminality and non-punishment.

LISTA DE ABREVIATURAS

AAP – Associação Americana de Psiquiatria.

CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicoativas.

CF – Constituição Federal.

CP – Código Penal.

ECRIAD – Estatuto da Criança e do Adolescente.

IMSCSP – Instituto de Medicina Social e Criminologia de São Paulo.

LICP – Lei de Introdução ao Código Penal.

OMS – Organização Mundial de Saúde.

ONU – Organização das Nações Unidas.

SNC – Sistema Nervoso Central.

STF – Supremo Tribunal Federal.

STJ – Superior Tribunal de Justiça.

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina.

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

UNIFESP – Universidade Federal do Estado de São Paulo.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: pesquisa sobre o consumo de drogas por estudantes – 48.

Tabela 2: estudo sobre as drogas mais consumidas no Brasil - 49.

Tabela 3: Características de cada substância psicoativas nos Estados Unidos - 50.

INTRODUÇÃO

Para situar o nobre leitor acerca da pesquisa jurídica que se realizou no decorrer do trabalho monográfico, apresentar-se-á, inicialmente, um breve contexto histórico sobre a utilização de ervas naturais pelas civilizações primitivas. Ervas estas, que promoviam mudanças comportamentais e psíquicas em seus usuários, mas, que, à época, não apresentavam perigos sociais, nem tampouco riscos a saúde de seus usuários.

Trará ainda nesse sentido, alguns registros prováveis da origem de determinadas drogas e em que circunstâncias eram usadas. Bem como, os momentos e as razões dessa utilização. Vale lembrar que num passado não muito distante o uso de drogas não detinha o caráter criminológico que recebem atualmente, tendo em vista serem, em grande maioria, plantas nativas encontradas em várias regiões do mundo e por não possuir nenhum regramento (penal, social, administrativo, civil etc.) escrito ou tácito, que proibissem o uso e o consumo de tais substâncias entorpecentes[1].

Será abordada em um de seus capítulos, a temática acerca dos sistemas de políticas criminal que difundiram e promoveram mudanças significativas na aplicação de sanções penais; destacando-se nesse ponto, que durante séculos foi aplicado primitivamente o direito consuetudinário, isto é, o direito fundamentado nos hábitos e costumes praticados reiteradamente por nossos antepassados.

Posteriormente, com o transcorrer dos anos, vieram às mudanças sociais, econômicas, políticas etc., dando margem ao surgimento de várias correntes ideológicas que contribuíram para a mudança punitiva no âmbito penal. Desta forma, serão destacadas três destas correntes; a saber: correntes liberal, igualitária e totalitária (autoritária). Essas teorias penais influenciaram e contribuíram sobremaneira para o surgimento de três grandes movimentos de política criminal contemporâneo: o direito penal mínimo e garantismo; o abolicionismo penal e o movimento de lei e ordem.

A pesquisa apresentará ainda, um contexto geral sobre a imputabilidade penal, destacando sua conceituação e colocando em relevo posicionamentos de renomados doutrinadores brasileiros, bem como, as distinções entre imputabilidade e responsabilidade penal; imputabilidade e capacidade penal e imputabilidade e dolo. E, como parte final desse capítulo, mencionará as excludentes de imputabilidade penal que são aplicadas hodiernamente no Direito Penal Brasileiro: doença mental, desenvolvimento mental incompleto, desenvolvimento mental retardado e a embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.

Como parte final do trabalho monográfico, será feita uma abordagem mais aprofundada acerca da imputabilidade penal aplicada ao usuário de drogas ilícitas sob a égide da nova Lei Antidrogas – Lei Federal nº 11.343/06. Na seqüência dessa abordagem, serão pontuados alguns posicionamentos doutrinários e divergentes sobre a temática em estudo, haja vista ter a matéria gerado grandes debates jurídicos sobre a possível descriminalização ou despenalização do tipo penal incriminador do usuário de drogas.

Feita algumas observações acerca da polêmica trazida pelo dispositivo do art. 28, da Lei nº 11.343/06, apresentar-se-à de forma conclusiva, algumas considerações do assunto pesquisado bibliograficamente, na tentativa de trazer de forma clara e objetiva melhor esclarecimento e profundidade acerca da temática legislativa penal.

1 BREVE HISTÓRICO SOBRE AS DROGAS

O uso de drogas pelo homem vem acompanhando sua evolução há milhares de anos, desde o surgimento dos primeiros grupos primitivos que se tem notícia, por exemplo, clãs, tribos e outras formas de agrupamento humano, evoluindo até a formação dos grupos sociais da atualidade. Certas drogas apresentadas são extraídas diretamente da natureza e têm sido usadas por muito tempo. Muitas delas eram usadas como medicamentos e de certa forma, como meio de sobrevivência daqueles povos e, em alguns casos, para o benefício do corpo, da mente e do espírito. Assim, é de se imaginar que as drogas há muito tempo fazem parte do cotidiano das civilizações humanas, mesmo antes da constituição dos mais rudimentares grupos sociais e dos primeiros textos legislativos que trouxessem qualquer tipo de proibição quanto a sua utilização.

Importa salientar as palavras de Gesina L. Longenecker que (2002, p.1):

As primeiras experiências ocorreram acidentalmente através do consumo de plantas que continham drogas. A ingestão dessas plantas demonstrou clara e enfaticamente que era possível aliviar a dor, dissipar o medo e, quem sabe, até ver a face de Deus.

Ensina o psicanalista Richard Emil Bucher (1972, p.87):

Em todas as sociedades sempre existiram drogas, utilizadas com fins religiosos ou culturais, relaxantes, curativos ou simplesmente prazerosos. Graças às suas propriedades farmacológicas, certas substâncias naturais propiciam modificações das sensações do humor e das percepções. Recorrer a drogas psicoativas representa uma das inúmeras maneiras de atingir este objetivo, presente na história de todos os povos, no mundo inteiro. Antigamente, tais usos eram determinados pelos costumes e hábitos sociais, e ajudaram a integrar pessoas na comunidade através de cerimônias coletivas, rituais e festas.

Nessas circunstâncias consumir drogas não representava perigo para a comunidade, pois estava sob o seu controle. Posteriormente, as drogas passaram a ter outra conotação, devido ao desregulamento destes costumes, em conseqüência das grandes mudanças sociais e econômicas.

Merece destaque o enfoque descrito por Longenecker (202, p.5):

Os primeiros consumidores tornaram-se peritos na arte de colher, preservar, cultivar e registrar as fontes das drogas, assim como seus diversos efeitos. [...]. As drogas receberam nomes que freqüentemente indicavam a magia a que elas deveriam induzir. Por exemplo, a palavra chandra significa lua na língua hindu. A droga chandra era usada para tratar a loucura, uma enfermidade cuja causa acreditava-se ser a lua.

Conforme o relato estima-se que as civilizações primitivas faziam uso de drogas em inúmeras ocasiões, seja para apresentarem oferendas aos seus deuses em rituais religiosos ou culturais, para tratamento de enfermidades; para celebração de casamento ou para comemorarem vitória diante de outro clã ou grupo tribal.

Destarte, as drogas além de fazerem parte do histórico do homem há milhares de anos, tiveram papel importante e fundamental para sua sobrevivência ante as adversidades naturais e as intempéries daquela época. Fato importante a ser destacado acerca das drogas, diz respeito ao seu uso medicinal, principalmente quanto à promoção na cura de doenças apresentadas que se não tratadas com certa urgência e com a utilização de ervas naturais, levaria perigo para a população com o risco de que pudesse resultar em grande número de mortos.

Com o passar dos anos e o grande desenvolvimento comercial, tecnológico e dos meios de transportes, mudou-se consideravelmente o comportamento humano em relação ao uso de drogas.

Nesse contexto elucida Juçara Machado Sucar que (2003, p.25)[2]:

[...]. As substâncias psicotrópicas naturais, utilizadas em rituais de celebrações religiosas ou festivas, passaram a ser comercializadas e sintetizadas por grupos à margem da lei do Estado como forma de obtenção de lucro fácil e/ou para o financiamento de atividades ilícitas, chegando ao ponto de serem utilizadas em larga escala mundial, de maneira crescente, atingindo cada vez mais a faixa etária de menor idade. (grifamos)

Destaca-se da transcrição retro a expressão substâncias psicotrópicas, comportando também o significado de substâncias psicoativas. São assim denominadas porque causam alterações no funcionamento cerebral, especialmente no sistema nervoso central, afetando o estado psíquico e comportamental do usuário.

Tem-se presente que durante toda a história das civilizações primitivas até chegarmos à modernização social em sua forma atual, as drogas passaram muito mais tempo liberadas para uso e consumo do que vedadas para sua utilização. Isso se deve ao fato de que naquela época não representavam perigo para a comunidade, tendo em vista haver grande controle social.

Nesse passo vale-se das palavras de Rodrigo Vergara (2002, p.48):

O pensamento único dos governos hoje em dia em relação às drogas faz parecer que elas sempre foram proibidas. Nada mais enganoso. Há apenas 80 anos, o uso das drogas hoje ilegais era tão comum que, até 1920, nos Estados Unidos havia lojas para quem quisesse fumar ópio. Maconha também podia ser fumada livremente até o início do século.

Atualmente, devido ao surgimento de uma nova ordem jurídico social e as grandes mudanças socioeconômicas, existe em grande parte dos países a proibição inserida em lei quanto ao uso, consumo e comercialização das drogas classificadas como ilícitas.

Relevo a ser destacado na era primitiva volta-se para a questão da responsabilidade penal, até então desconhecida, sendo que o violador do regramento social não respondia individualmente pela ação, mas toda sua família ou parentes de sangue. Dito de outra forma, a responsabilidade era estendida a toda sua família, sem qualquer distinção e sem qualquer dependência de responsabilidade e culpabilidade penal. Respondia o grupo, o clã, a tribo ou os parentes de sangue, pelo ilícito praticado.

Cumpre evocar as palavras de Paulo Dourado de Gusmão (2003, p. 288):

A noção de culpabilidade lhe é estranha, respondendo o criminoso pelos seus atos, independente de culpa, juntamente com sua família, sendo destruídos os seus pertences e tudo o que ele houver tocado com suas mãos. Da mesma forma, débito não pago significava pecado, sendo o devedor faltoso sacrificado pela prestação não executada.

Nesta breve introdução verificaram-se em especial, como as drogas eram usadas pelas civilizações primitivas, não havendo responsabilização e nem culpa atribuídas aos seus usuários. No entanto, ocorrendo qualquer violação a um dos regramentos sociais preestabelecidos, prevalecia à censura e uma reprovabilidade que poderia resultar na aplicação de uma pena de forma coletiva, isto é, atingiria não somente a pessoa do infrator, mas toda sua família ou seu grupo tribal.

Nesse tomo, infere-se que o período primitivo do direito penal remonta ao tempo em que o homem vivia reunido em clãs ou tribos. As regras sociocomportamentais não eram ditadas em lei escrita e muito menos conexa. A pena tinha apenas caráter de defesa social.

Importa realçar que o direito aplicado em sua forma primitiva, segundo arremata Fernando Capez, estava vinculado diretamente a questões religiosas e culturais. Assim, acreditava-se que a paz era uma dádiva assegurada pela vontade dos deuses e que o infrator deveria ser punido para satisfação da vingança divina, pouco importando se teve culpa ou não (2005, p. 299).

Diante dos posicionamentos de renomados doutrinadores, percebe-se que houve uma evolução sócio jurídico acerca da questão da responsabilidade e culpabilidade penal que era aplicada na era primitiva, onde prevalecia uma reprovação da conduta praticada pelo agente, mas que atingia coletivamente toda sua família, para anos mais tarde, essa censurabilidade e reprovação passar a ser aplicada somente na pessoa do agente causador do dano ou violador da lei.

1.1REGISTROS DO USO DE DROGAS PELOS POVOS PRIMITIVOS

Neste ponto, abre-se um parêntese para mencionar algumas ervas naturais próprias de determinadas regiões, que eram normalmente usadas pelas civilizações primitivas. Assim, entre os vários registros que afirmam a utilização de substâncias entorpecentes por esses povos, estima-se que provavelmente a primeira droga a ser usada tenha sido o ópio[3]. Esta afirmativa está fundamentada em registros que datam de há pelo menos 8.000 anos, confirmando os poderes psicoativos dessa erva natural.

A maconha, conhecida cientificamente como cannabis sativa, é outra das inúmeras substâncias que foram muito usadas pelas civilizações primitivas, havendo registro de seu uso medicinal em escritos chineses. Destaca-se, entretanto, que tanto o ópio como a maconha foram substâncias naturais utilizadas inicialmente como remédios tradicionais e valiosos durante muitos séculos, por vários grupos e culturas existentes no passado.

Quanto à provável origem da maconha, destaca-se transcrição do historiador Nireu Cavalcanti (2008, p. 49):

Original da Ásia, a cannabis é usada na medicina chinesa há pelo menos quatro mil anos. Suas propriedades entorpecentes também são conhecidas no Oriente desde a antiguidade. Mas a planta só chegou à Europa muito tempo depois, e com outros fins.

Outra substância que aflige a sociedade na atualidade e que foi muita usada na era primitiva era o álcool. Nesse sentido o Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP)[4] destaca que (2003, p.1):

Toda história da humanidade está permeada pelo consumo de álcool. Registros arqueológicos revelam que os primeiros indícios sobre o consumo de álcool pelo ser humano datam de aproximadamente 6.000 a.C., sendo, portanto, um costume extremamente antigo e que tem persistido por milhares de anos.A noção de álcool como uma substância divina, por exemplo, pode ser encontrada em inúmeros exemplos do hábito de beber ao longo do tempo.

Corrobora com a transcrição supracitada, várias narrativas históricas encontradas na bíblia sagrada, confirmando o uso de bebidas fortes pelo povo hebreu[5], nesse caso, o vinho em especial. Importa destacar, que o teor alcoólico encontrado nessas bebidas era relativamente baixo, devido ao processo de fermentação que era processado naturalmente e de forma manual.

Conforme escreve Longenecker (2002, p.7):

[...]. Isto se devia ao teor alcoólico relativamente baixo que podia ser obtido em cervejas e vinhos fermentados naturalmente (menos de 10% e menos de 20%, respectivamente). O processo de destilação dessas bebidas fermentadas manualmente, só foi conhecido pelas civilizações passadas por volta de 1.250 d.C., permitindo a criação de bebidas com teor alcoólico superior a 50 % (cinqüenta por cento).

Sem esgotar o assunto, destaca-se que nos idos do ano de 1860 foi descoberta a cocaína[6], que passou a ser muito usada como anestésico cirúrgico de grande importância para o momento histórico-social.Destarte, novas descobertas sobre os efeitos que as drogas proporcionavam, fizeram com que aumentasse o numero de usuários e, simultaneamente, começaram a surgir inúmeros problemas de casos de uso, abuso e dependência química.

Dessa forma, por volta do século XVII, os médicos alertavam para os perigos e malefícios da utilização das drogas, em especial, do ópio e, no final do século XIX, muitos médicos pararam de prescrever a cocaína.Vale ressaltar que tanto o ópio quanto a cocaína eram normalmente prescritas como anestésico cirúrgico e para o alívio da dor.

Oportuno registrar as palavras de Nereu José Giacomolli (2008, p.184):

Mas, na contemporaneidade, a problemática não se situa mais, essencialmente, na ritualística religiosa, nos aspectos culturais e de protesto das décadas de 60 e 70. Diferentemente dessas décadas, na droga não mais se busca, com preponderância, a integração espiritual ou social; mas sim a maneira de sobreviver num mundo cada vez mais individualista, egoísta, competitivo, de produção e de consumo, onde tudo tem preço. Não mais se fala em solidariedade, em afetividade, em compreensão, em realização plena do ser humano, mas em poder, lucro e ganho.

Com o avanço tecnológico e as grandes mudanças sociais, comerciais, comportamentais e jurídicas, a Organização Mundial da Saúde (OMS), órgão este federal, fiscalizador e controlador de toda matéria que trata sobre a questão da saúde pública brasileira, tratou de classificar as drogas em duas categorias: lícitas e ilícitas.

Vale dizer que o trabalho monográfico reservará um capítulo especial para abordar a questão das drogas ilícitas, principalmente em relação ao usuário-consumidor e usuário-dependente, que são vedadas expressamente em nosso ordenamento jurídico.

2SISTEMAS DE POLÍTICA CRIMINAL

Após breve introdução acerca da utilização de drogas por nossos antepassados, como também sobre a responsabilização aplicada primitivamente de forma coletiva ao violador do regramento social e de toda sua família; faz-se mister registrar que nas décadas subseqüentes imperou em grande parte do mundo o Direito Consuetudinário. Direito este, alicerçado nos hábitos e costumes praticados reiteradamente pelas civilizações. Pode-se afirmar ser a ordenação penal mais antiga aplicada por nossos ancestrais. Entre elas destaca-se: o Código de Hammurabi[7], o Código de Manu[8] e a Lei das XII Tábuas[9].

Nesse passo aduz Paulo Dourado de Gusmão (2003, p.119):

O costume, no sentido jurídico, isto é, direito consuetudinário, é a fonte mais antiga do direito. Os próprios códigos da antiguidade, como o de Hamurabi ou a Lei das XII Tábuas, nada mais eram do que compilação de costumes tradicionais. Na sociedade arcaica era a única fonte de direito, isto por ser desconhecida a escrita. [...]. Forma-se sem a intervenção do Estado, ou seja, do legislador. Surge de maneira lenta e espontânea, emergindo de fatos, isto é, de condutas sociais reiteradas por largo tempo.

Com o avançar dos anos, mudanças significativas ocorreram no campo social e jurídico a nível mundial, surgindo inúmeros movimentos e teorias penais que influenciaram o modo de interpretação penal e as espécies de sanções aplicadas às pessoas que apresentassem a conduta desviante ou que violassem o regramento preestabelecido pelo grupo social. Destarte, oportuno destacar alguns expoentes pesquisadores e suas contribuições de grande relevância para o avanço do direito penal; são eles: Cesar Lombroso (1835-1909) criador da antropologia criminal; Enrico Ferri (1856-1929), com ele nascia à sociologia criminal, e, Rafael Garofalo (1851-1934) criador da criminologia, fenômeno que envolve o crime e o criminoso.

Acerca da criminologia, ressaltam-se as palavras de Luiz Regis Prado, (2004, p. 57):

A criminologia vem a ser uma ciência empírica, de cunho interdisciplinar, que estuda o fenômeno criminal utilizando-se do método causal-explicativo. Ocupa-se das circunstâncias humanas e sociais relacionadas com o surgimento, a prática e a maneira de evitar o crime, assim como do tratamento dos criminosos. [...], a criminologia tem como principal função o estudo das causas do delito e, secundariamente, busca alternativaspara responder ao fenômeno criminal, no sentido de preveni-lo e de controlá-lo.

No decorrer dos anos outros movimentos de política criminal surgiram. Para tanto, coloca-se em relevo um de seus renomados expoentes - Cesare Bonnesana, um dos primeiros propulsores para mudança radical do sistema punitivo. Nesse passo, vale evocar as palavras de Fernando Capez (2005, p. 301):

As penas cruéis continuavam a ser aplicadas, mas já sem tanta unanimidade ou subserviência. Durante esse período o jornalista Cesare Bonnesana (1738-1794), conhecido como marquês de Beccaria editou um pequeno livro Dei delitti e de la pena (1764), propugnando por uma radical mudança no sistema punitivo. Iniciava-se a derrocada definitiva das penas infames, degradantes e injustas e da responsabilização sem culpa.

Nesse ínterim surgiram os movimentos de política criminal que, paralelamente, tiveram fundamental importância para uma nova discussão legislativa e verdadeira mudança acerca da aplicação penal sobre a pessoa do agente-infrator. Nesse contexto, passa-se para uma abordagem conceitual acerca da política criminal, para, seqüencialmente, destacar três desses importantes movimentos: o direito penal mínimo e garantismo; o abolicionismo penal e o movimento de lei e ordem.

Acerca da política criminal vale registrar as palavras de Iuri Teixeira Brito (2008, p.2):

Segundo Franz Von Liszt, a política criminal nasce na segunda metade do século XVIII na Itália, fundamentalmente com o advento da publicação da obra de Beccaria Dei dellit e de La pena e sua preocupação com as formas eficazes de prevenção do delito e o conteúdo legislativo efetivo para alcançar tal finalidade.

Acrescenta Iuri Britto de que o questionamento de Beccaria projeta a teoria do direito penal de estrutura meramente descritiva e submissa às funções declarativas da lei penal à busca de soluções para o problema da criminalidade.  Seguindo o entendimento dominante, a política criminal seria o conjunto de princípios e recomendações para reagir contra o fenômeno delitivo através do sistema penal (instituições policial, judiciária e penitenciária), utilizando os meios mais adequados para o controle da criminalidade (2008, p.2).

Cumpre evocar definição dada por Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli acerca da política criminal, entendendo os ilustres autores, ser "a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que implica na crítica dos valores e caminhos eleitos" (2002, p. 132).

É imperioso acentuar as palavras de Miriam Guindani (2008, p.6):

[...], o corpo do direito penal deveria estar orientado por um sistema de política criminalseguindo os preceitos do Estado Democrático de Direito, sendo-lhe conferido, um caráter estritamente instrumental. [...] e falar em direito penal é falar, portanto, de um modelo de política normatizado que, em razão de múltiplas possibilidades de interpretação no contexto sócio-cultural, jamais será um modelo estático, mas dinâmico sempre, em permanente transformação.

Nesse passo leciona Mireille Delmas-Marty (2004, p. 42):

Tomar como objeto de estudo a política criminal compreendida como "o conjunto de procedimentos pelos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal" permite considerar os fenômenos anteriormente descritos: a perda da especificidade das categorias penais e a emergência de novas categorias jurídicas.

Vale ressaltar as palavras de Guindani (2008, p.6):

O debate sobre política criminal sempre esteve vinculado aos campos do direito e da criminologia. Muitos autores [...], defende que essas disciplinas deveriam caminhar a partir de um modelo integrado de referências, imposto pela necessidade de um saber interdisciplinar.

Nessa linha de pensamento, a criminologia forneceria o substrato analítico do fenômeno criminal (análise do crime/criminoso) aos operadores do sistema penal (polícias, ministério público, juízes, agentes e técnicos penitenciários); enquanto a política criminal se responsabilizaria por transformar a análise e orientações criminológicas em opções e estratégias concretas de controle da criminalidade.

Nesse diapasão Luiz Régis Prado leciona que (2004, p.57):

A política criminal objetiva, primordialmente, a análise crítica (metajurídica) do direito posto, no sentido de bem ajustá-lo aos ideais jurídico-penais e de justiça. Está intimamente ligada à dogmática, visto que na interpretação e aplicação da lei penal interferem critérios de política-criminal. Baseia-se em considerações filosóficas, sociológicas e políticas, e, de oportunidade, para propor modificações no sistema penal vigente, abrangendo, então, "o conjunto de procedimentos pelos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal".

Registrem-se as palavras de Gevan de Almeida (2004, p.80):

Tradicionalmente faz-se uma distinção entre criminologia e política criminal: enquanto aquela se ocupa do estudo do criminoso e das causas da criminalidade, esta estuda e recomenda os meios de prevenção e repressão à delinqüência. Nos dias atuais esta distinção praticamente deixou de existir, pois a criminologia já não se preocupa tanto em querer explicar as causas do comportamento criminoso, mas sim em fazer uma crítica do sistema penal e sugerir estratégias visando o controle da criminalidade, confundindo-se, por conseguinte, com a política criminal.

Destarte, tem-se presente abordar os sistemas de política criminal que imperam e influencia o direito penal contemporâneo, quais sejam: o direito penal mínimo e garantismo; o abolicionismo penal e o movimento de lei e ordem.

No que tange as teorias ou movimentos de política criminal, resta frisar que não se limitam aos três movimentos supracitados, logo, não se objetiva esgotar o assunto, tendo em vista que outros doutrinadores acrescentam novas classificações acerca da matéria criminal, entre elas, vale citar: a defesa social, política criminal alternativa e a nova criminologia.

Não obstante, para apresentação do estudo proposto neste capítulo, buscar-se-á uma abordagem voltada para colocar em relevo apenas as três teorias que encontram maior número de defensores: o direito penal mínimo e garantismo, o abolicionismo penal e o movimento de lei e ordem.

2.1DIREITO PENAL MÍNIMO E GARANTISMO

Muitas correntes doutrinárias defendem o garantismo, também denominado de direito penal mínimo ou minimalismo. Vale lembrar que se trata de uma concepção baseada na aplicação dos princípios constitucionais com o objetivo de assegurar os direitos fundamentais de todos os cidadãos.

O garantismo foi uma doutrina encabeçada por Luigi Ferrajoli, destacando algumas características desses direitos assegurados aos cidadãos, tais como o status de intangibilidade, sendo que eles estariam na esfera inegociável do indivíduo e funcionariam como limitadores do direito penal nas sociedades democráticas.

Nesse passo Baratta apud Leônidas Sossai leciona que (2008, p. 7):

Trata-se de redefinir a política pública, à luz do projeto constitucional, como política de exercício efetivo e de proteção integral dos direitos fundamentais. Uma política de justiça social e de igualdade pode ter um efeito sobre o controle da criminalidade e dos processos de criminalização independentemente das intervenções do direito penal.

Convém destacar as palavras de Gevan de Almeida (2004, p. 107):

A solução parece-nos, está na adoção de um direito penal mínimo, que reserve a pena privativa de liberdade para crimes realmente mais graves, embora cientes de que o problema não será resolvido, mas por absoluta falta de opções. [...], na direção de um direito penal mínimo, cuja proposta pode-se sintetizar em poucas palavras: a mínima intervenção com o máximo de garantias.

Quanto ao movimento em estudo, oportuno registrar denominação alcunhada por Delmas-Marty de políticas ideológicas subjacentes, ou seja, teorias que influenciaram os atuais sistemas de política criminal. Nesse passo, o autor cita três correntes principais: a corrente liberal; a corrente igualitária e a corrente totalitária ou autoritária (2004, p.45).

Por certo, insere-se aqui, como uma das garantias fundamentais a serem asseguradas pelo sistema minimalista – o direito a liberdade. Essa teoria coloca-o como absoluto na medida em que aparece como bem primeiro da humanidade, denominado doutrinariamente de bem jurídico de primeira geração, mas, todavia, baseada na lei. (2004, p. 46):

No entanto, cumpre evocar as palavras de Ferrajoli apudGevan de Almeida (2004, p. 112):

[...], que o garantismo não se restringe a um garantismo penal, devendo ser visto, antes de tudo, como uma teoria do estado de direito e que propõe um novo modelo de sociedade. Nasceu, é bem verdade, na luta pelo respeito aos direitos individuais da tradição iluminista, que hoje se costuma denominar de "primeira geração" (direito à vida, à liberdade, à propriedade, à livre locomoção etc.), mas tem atualmente um sentido muito mais abrangente.

Vale registrar a lição de Guindani: "[...] o garantismo se propõe a estabelecer critérios de racionalidade e civilidade para a intervenção penal, deslegitimando qualquer modelo de controle social maniqueísta que coloca a defesa social acima dos direitos e garantias individuais". (2008, p. 10)

Nesse sentido, frisem-se as palavras de Maria Nazareth Vasques Mota (2008, p.4):

A intervenção penal deve ser humana e pugna-se, na atualidade, por meios de punição mais benignos embora se verifique grande lentidão para alcançá-los. Devendo ser ainda considerado que o direito penal é subsidiário e fragmentário e por tal só devendo intervir em questões como ultima ratio, o que significa que só pode ser merecedora de pena a infração cujo bem jurídico necessite da proteção do direito penal, excluindo-se se realizado por outros meios protetores. Por fim, deve haver racionalidade, praticabilidade e efetividade na persecução penal, o que significa exigências de conformidade ética e exeqüibilidade, sendo inócuo estabelecerem medidas de difícil implementação.

.

Prossegue Mota realçando que o direito penal deve limitar sua atuação aos bens jurídicos de maior relevância. E, tratando do assunto em comento, cita as palavras de Nilo Batista que assim leciona (2008, p.5):

[...]. A subsidiariedade do direito penal, que pressupõe sua fragmentariedade, deriva de sua consideração como remédio sancionador extremo, que deve, portanto ser ministrado apenas quando qualquer outro se revele ineficiente; sua intervenção se dá unicamente quando fracassam as demais barreiras protetoras do bem jurídico predispostas por outros ramos do direito.

Essa corrente doutrinária defende que o direito penal somente se fará necessário quando houver o esgotamento dos outros ramos do direito. Dito com outras palavras, quando qualquer outro meio de solução para o problema não se mostre eficaz, aí sim, lança-se mão do direito penal.

Nessa linha de pensamento registrem-se as palavras de Rogério Greco: [...] o princípio da intervenção mínima penal conquistou rapidamente ampla adesão da maioria da doutrina, inclusive de alguns abolicionistas que passaram a enxergar nele um estágio em direção à abolição da pena (2006. p.15).

2.2 O ABOLICIONISMO PENAL

O abolicionismo penal além de apresentar-se contrariamente ao direito penal minimalista vai mais além, afasta toda a teoria do delito sobre a qual assenta a dogmática penal, que julga fundamentada em bases falsas, para lhe propor a radical supressão por outras instâncias formais e informais de controle social, ou, ainda, por intervenções comunitárias ou instituições alternativas.

Quanto ao movimento criminal vale lembrar as palavras de Greco (2006, p.10):

Foi seu idealizador o advogado e professor Fillipo Gramatica, que fundou em Gênova, em 1945, um centro de Estudos de Defesa Social. Gramatica adotava uma posição radical. Para ele a defesa social consistia na ação do Estado destinada a garantir a ordem social, mediante meios que importassem a própria abolição do Direito Penal e dos sistemas penitenciários vigentes.

No que tange a supressão do sistema penal, registrem-se as palavras de Delmas-Marty inserindo-a na ideologia da corrente igualitária (2004, p.52):

É a segunda idéia-força, de uma autogestão pelo próprio grupo social, de uma resposta "da sociedade", à base de mediação mais do que de controle social ou de repressão, que inspira os movimentos contemporâneos abolicionistas, quando os mesmos propõem, através da supressão do direito penal, uma espécie de autogestão das situações-problemas, pelo próprio grupo social. [...]. A lei social se cumprirá por si mesma, sem supervisão nem comando, pela espontaneidade universal.

Os defensores dessa teoria fundamentam-se na argumentação primeira, de que um pequeno percentual dos crimes que ocorrem no mundo é efetivamente punido. E, pior, somente as pessoas de classes menos favorecidas da sociedade é que são atingidas pelas duras penas da lei.

Nesse tomo relevante destacar as palavras de Gevan de Almeida: "para que serve o sistema penal, se este atinge somente algumas pessoas, não conseguindo ressocializá-las, mas, sim, dessocializá-las cada vez mais quando apela para a reconhecidamente falida pena privativa de liberdade?". (2004, p. 81)

Filia-se a opinião de Almeida o doutrinador Rogério Greco (2006, p.12):

[...], como é conhecido de todos a "clientela" do direito penal é constituída pelos pobres, miseráveis, desempregados, estigmatizados por questões raciais, relegados a segundo plano pelo Estado, que deles somente se lembra no momento crucial de exercitar a sua força como forma de contenção das massas, em benefício de uma outra classe, considerada superior, que necessita desse "muro divisório" para que tenha paz e tranqüilidade, a fim de possa produzir e fazer prosperar a nação.

Prossegue Greco ao dizer que quando o estado consegue fazer valer o seu ius puniendi, com a aplicação da pena previamente cominada pela lei penal, essa pena não cumpre as funções que lhe são conferidas, isto é, as funções de reprovar e prevenir o delito (2006, p.13).

Por certo, constata-se que os defensores desse movimento criminal, empunham a bandeira da absoluta extinção do direito penal, por demonstrar total ineficácia no enfrentamento da criminalidade, por meio da prevenção e reprovação do delito.

As palavras de Paulo de Souza Queiroz deixam claramente transparecer essa concepção (1998, p.31):

Pode-se assim dizer, portanto, sem exagero, que o direito penal não é só a mais violenta forma de intervenção do Estado na vida dos cidadãos, mas é também, seguramente – e talvez por isso mesmo, a mais desastrosa forma de intervenção do Estado na vida social.

Diante das considerações doutrinárias apresentadas, constata-se que para essa teoria de política criminal a prisão passa a ser um instrumento inócuo e irracional, que somente pode ser aplicada ao agente caso outra forma de sanção se mostre ineficaz. Dito em outras palavras, o direito penal não pode se valer da prisão sem que se ofenda a dignidade da pessoa humana.

2.2O MOVIMENTO DE LEI E ORDEM

Essa teoria apresenta-se diametralmente em oposição aos movimentos anteriores apresentados - o direito penal mínimo e o abolicionismo penal, pugnando para a aplicação do direito penal em grau máximo, ou seja, passando a imagem de que o direito penal é a panacéia[10] de todas as mazelas e fenômenos criminais que afligem a sociedade.

Nesse tomo leciona Leonardo Sica apud Greco: "o terreno fértil para o desenvolvimento de um direito penal simbólico é uma sociedade amedrontada, acuada pela insegurança, pela criminalidade e pela violência urbana". Prossegue Greco ao dizer que "a finalidade do direito penal é proteger os bens jurídicos mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade" (2006, p.16).

Vale registrar as palavras de Vasques Mota quando cita Alberto Silva Franco, referindo-se ao intervencionismo penal aplicado na década de 90 (2008, p.5):

[...]. Há por toda parte, um intervencionismo penal cada vez mais intenso e abrangente. Criam-se novos delitos, em especial, na área socioeconômica e ambiental, e quase todos eles com a característica de crimes de perigo abstrato. Amplia-se o conteúdo de tipos já existentes. Alargam-se, sem nenhum critério idôneo e com total desrespeito ao princípio da proporcionalidade, as margens punitivas.

E acrescenta Mota:

[...], a intervenção penal não objetiva mais tutelar, com eficácia, os bens jurídicos considerados essenciais para a convivencialidade, mas apenas produzir um impacto tranqüilizador sobre o cidadão e sobre a opinião pública, acalmando os sentimentos, individual ou coletivo, de insegurança.

O ilustre Delmas-Marty assinala a influência exercida pela corrente ideológica autoritária, para o surgimento desse movimento de política criminal (2004, p. 59):

Quer sob a forma do fascismo[11] ou do integrismo[12], a corrente autoritária implica sempre, em política criminal, em uma tendência a reforçar o controle do Estado sobre as respostas ao fenômeno criminal – geralmente por um reforço paralelo dos poderes da polícia. [...]. Assim, todo desvio, sobretudo religioso ou político, pode ser considerado como infração e punido como tal. Correlativamente, a severidade das sanções quase sempre é aumentada.

Extrai-se ensinamento de Rogério Greco acerca desse movimento criminal (2006, p.20):

[...], o Direito Penal dever preocupar-se com todo e qualquer bem, não importando o seu valor. Deve ser utilizado como prima ratio, e não como ultima ratio da intervenção do Estado perante os cidadãos, cumprindo um papel de cunho eminentemente educador e repressor, não permitindo que as condutas socialmente intoleráveis, por menor que sejam, deixem de ser reprimidas. Os adeptos, portanto, do movimento de Lei e Ordem, optando por uma política de aplicação máxima do Direito Penal, entendem que todos os comportamentos desviados, independentemente do grau de importância que se dê a eles, merecem o juízo de censura e ser levado a efeito pelo Direito Penal.

Importa destacar que essa severidade penal ultrapassou as barreiras temporais e vem mantendo grande influência na contemporaneidade. Vale dizer, que a política criminal norte-americana, de maior rigidez, tem influenciado inúmeros países, principalmente através do movimento denominado Tolerância Zero, criado no começo da década de 90, na cidade de Nova York.

Acerca dessa política criminal americana, vale mencionar as palavras de Rogério Greco (2006, p.18):

A política de tolerância zero é uma das vertentes do chamado movimento de Lei e Ordem. Por intermédio desse movimento político-criminal, pretende-se que o Direito Penal seja o protetor de, basicamente, todos os bens existentes na sociedade, não se devendo perquirir a respeito de sua importância.

Infere-se que o pensamento dos adeptos desse movimento penal, volta-se para a ação delituosa praticada pelo agente, devendo ser rigorosamente combatida e reprovada por meio da aplicação do direito penal, independentemente de qual seja o valor socioeconômico do bem lesionado.

Depreende-se desse movimento que, devido ao momento atual vivido pela sociedade, que se sente refém dessa onda criminológica desenfreada, e, principalmente, pela demonstração de impotência e ineficácia estatal para o enfrentamento do crescente e assustador fenômeno criminal, vozes em massa clamarem por maior rigor na aplicação da lei penal.

Encerra-se a temática, na tentativa de compreender o clamor público demonstrado diariamente na imprensa escrita e televisiva, de pessoas do corpo social que foram vitimadas por ações criminosas, fazerem apologia, por exemplo, à redução da maioridade penal, a aplicação da pena de morte e tantas outras propostas, por entenderem que resolveria o problema criminal apresentado nos dias atuais.

No entanto, a questão não é tão simples assim. Por certo, há que se pensar em políticas públicas que agreguem a interdisciplinaridade e a multidimensionalidade sociojurídica, para o enfrentamento da crescente onda de criminalidade vigente. Talvez, assim, atinja-se maior êxito no combate ao fenômeno social relacionado à criminalidade.

3 A IMPUTABILIDADE PENAL

Devido à abrangência do assunto em tela, importa ressaltar que o estudo proposto neste capítulo limitar-se-á acerca da imputabilidade sob a ótica do direito penal brasileiro. Sendo assim, é imperioso acentuar conceituação dada por renomados doutrinadores pátrios.

Convém recorrer à definição apresentada por Luiz Regis Prado como sendo: "a censurabilidade pessoal da ação ou omissão típica e ilícita" (2004, p.404). Não obstante, extraem-se as palavras de Rogério Greco de que: "a imputabilidade penal é a possibilidade de se atribuir ou imputar o fato típico e ilícito ao agente" (2005, p.444).

Nessa esteira doutrinária necessária se faz mencionar as palavras de Fernando Capez (2005, p. 306):

É a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente dever ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade.

Sanzo Brodt apudGreco leciona que (2005, p. 444):

A imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato), e outro volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento). O primeiro é a capacidade (genérica) de compreender as proibições ou determinações jurídicas. Bettiol diz que o agente deve poder "prever as repercussões que a própria ação poderá acarretar no mundo social", deve ter, pois, a percepção do significado ético-social do próprio agir. O segundo, a capacidade de dirigir a conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico. Conforme Bettiol é preciso que o agente tenha condições de avaliar o valor do motivo que o impele à ação e, do outro lado, o valor inibitório da ameaça penal.

Do ensinamento supra citado, convém evocar as palavras de Capez (2005, p. 306):

A imputabilidade apresenta, assim, um aspecto intelectivo, consistente na capacidade de entendimento, e outro volitivo, que é a faculdade de controlar e comandar a própria vontade. Faltando um desses elementos, o agente não será considerado responsável pelos seus atos.

Nesse passo, vale mencionar Hans Welzel apud Capez (2005, p. 306):

A capacidade de culpabilidade apresenta dois momentos específicos: um cognoscitivo ou intelectual e outro de vontade ou volitivo, isto é, a capacidade de compreensão do injusto e a determinação da vontade conforme ao sentido, agregando que somente ambos os momentos conjuntamente constituem, pois, a capacidade de culpabilidade.

Diante das lições de renomados doutrinadores, depreende-se o entendimento de que para o agente ser responsabilizado penalmente por sua conduta, não basta apenas que tenha a capacidade de intelecção sobre o significado da conduta praticada, mas, também, que ele possua total comando sobre sua própria vontade. Em outras palavras, imputável é não apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade e de acordo com esse entendimento.

Destarte, da exposição conceitual apresentada acerca da imputabilidade penal, faz-se mister distingui-la de outras expressões técnicas e usuais na seara jurídica brasileira; a saber: capacidade penal, responsabilidade penal e dolo.

3.1 DISTINÇÃO ENTRE IMPUTABILIDADE E CAPACIDADE PENAL

Com efeito, diante da imputabilidade penal apresentada na visão dos penalistas brasileiros em relevo, abre-se espaço para a questão da capacidade penal. Assim, ressalta-se que, em direito civil, a capacidade vincula-se tanto a pessoa física ou a pessoa jurídica, o que significa dizer, que é a possibilidade da pessoa exercer pessoalmente os atos da vida civil, isto é, adquirir direitos e contrair deveres em nome próprio. Quanto a este último, entenda-se, ser responsabilizado (penal, civil, administrativamente etc.) pelos seus atos.

Nesse passo, vale-se das palavras de Giovani (2005, p.17):

A imputabilidade é um pressuposto da culpabilidade, e esta inexiste se ausente está, no agente, a capacidade psíquica de compreender a ilicitude do fato. [...].Culpabilidade é o termo escolhido majoritariamente pelos doutrinadores para designar a possibilidade de imputação do injusto penal (conduta típica e antijurídica) a seu autor. [...], pois o autor de um fato só poderá ser desaprovado quanto a sua conduta quando esta for considerada fato típico (previsto em lei), antijurídico (contrário à lei) e culpável (responsável pela vontade do agente).

O direito penal brasileiro prevê três estados de capacidade penal: capacidade plena; incapacidade relativa e incapacidade absoluta. A primeira está afeta a possibilidade plena de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Enquanto que a incapacidade relativa, é a situação legal de impossibilidade parcial de realização pessoal dos atos da vida civil, exigindo que outra pessoa o auxilie judicialmente, neste caso, destaca-se a figura do assistente. E, por fim, a incapacidade absoluta, sendo a situação legalmente imposta da impossibilidade de realização pessoal dos atos da vida civil, senão por um representante legal.

Feitas as considerações, ressalta-se distinção apresentada por Capez (2005, p.307):

A capacidade é gênero do qual a imputabilidade é espécie. Com efeito, capacidade é uma expressão muito mais ampla, que compreende não apenas a possibilidade de entendimento e vontade (imputabilidade ou capacidade penal), mas também a aptidão para praticar atos na órbita processual, tais como oferecer queixa e representação, ser interrogado sem assistência de curador etc. (capacidade processual).

Depreende-se desse entendimento que a imputabilidade penal vincula-se à seara penal, enquanto que a capacidade penal vai além, possibilitando ao cidadão capaz, praticar atos também no campo processual. Vale advertir, que tanto a capacidade penal quanto a capacidade processual é adquirida aos 18 anos de idade.

Nesse passo, importa relevar dispositivo Constitucional e Penal brasileiro acerca da matéria em comento, in verbis:

Art. 228, CF. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Art. 27, CP. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

É imperioso acentuar nesse ponto, as teorias acerca do momento do crime, nesse aspecto destacam-se: as teorias da atividade; do resultado e da ubiqüidade. Na primeira, o crime reputa-se praticado no momento da conduta comissiva ou omissiva. Quanto à segunda, o crime é praticado no momento da produção do resultado delituoso; e, na terceira, também denominada de teoria mista, o crime considera-se praticado no momento da conduta e no momento do resultado.

Salienta-se, que o ordenamento penal brasileiro adotou a teoria da atividade. Nesse passo, como conseqüência principal, a imputabilidade do agente deve ser aferida no momento em que o crime é praticado, pouco importando a data em que o resultado venha a ocorrer.

Para ilustrar uma das conseqüências jurídicas, vale-se do exemplo citado por Capez (2005, p. 66):

Um menor com 17 anos e 11 meses esfaqueia uma senhora, que vem a falecer, em conseqüência desses golpes, 3 meses depois. Não responde pelo crime, pois era inimputável à época da infração. No caso de crime permanente, como a conduta se prolonga no tempo, o agente responderia pelo delito. Assim, se o menor, com a mesma idade da hipótese anterior, seqüestrasse a senhora, em vez de matá-la, e fosse preso em flagrante 3 meses depois, responderia pelo crime, pois estaria cometendo na maioridade.

Destarte, encerra-se o tema, não o assunto, com o ensinamento deixado por Capez: "a imputabilidade é, portanto, a capacidade na órbita penal; [...]e a capacidade penal é, portanto, obtida por exclusão, ou seja, sempre que não se verificar a existência de alguma causa que a afaste" (2005, p. 307).

3.1.1 Imputabilidade e Responsabilidade Penal

Imputar é atribuir responsabilidade de alguma coisa a alguém. Como abaliza o psiquiatra Guido Arturo Palomba apud Camila Cristina Piovezani Giovani (2005, p.15):

Quando se imputa um ato a um determinado individuo, esse indivíduo pode tornar-se responsável pelo ato. Em direito penal, para que alguém seja responsável penalmente por um determinado delito, são necessárias três condições: 1. ter praticado o delito; 2. à época dele ter tido entendimento do caráter criminoso de sua ação; e, 3. à época ter sido livre para escolher entre praticar ou não praticar o ato.

Acerca da responsabilidade penal, assevera Fernando Capez que ela é mais ampla e acaba por compreender a imputabilidade. Com efeito, prossegue o doutrinador conceituando a responsabilidade penal como sendo "a aptidão do agente para ser punido por seus atos, e, nesse caso, exige três requisitos: imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa" (2005, p. 307).

Nesse tomo, a imputabilidade seria a possibilidade de se responsabilizar o agente pela prática de determinado fato previsto na lei penal. Quanto à consciência potencial da ilicitude, evoca-se a lição de Sanzo Brodt apud Rogério Greco que a conceitua como "a capacidade de o agente de uma conduta proibida, na situação concreta, apreender a ilicitude de seu comportamento" (2005, p. 459).

Por último, a exigibilidade de conduta diversa, embora muito abrangente e requerer maior estudo, têm-se presente apenas à intenção de apresentar breve conceituação sobre a mesma. Assim sendo, é a possibilidade que tinha o agente de, no momento da ação ou da omissão, agir de acordo com o direito, considerando-se a sua particular condição de pessoa humana. Destaca-se aqui, o livre arbítrio ou o ato volitivo, que distingue e coloca o ser humano em um patamar acima dos outros animais existentes no planeta.

Nesse passo, cumpre mencionar as palavras de Capez (2007, p.662):

Sabemos que, [...], para que se possa considerar alguém culpado do cometimento de uma infração penal é necessário que esta tenha sido praticada em condições e circunstâncias normais, pois do contrário não será possível exigir do sujeito conduta diversa da que, efetivamente, acabou praticando. Somente haverá exigibilidade de conduta diversa quando a coletividade podia esperar do sujeito que tivesse atuado de outra forma.

Corrobora com as palavras de Capez o doutrinador Rogério Greco (2005, p. 307):

Deste modo, o sujeito pode ser imputável, mas não responsável pela infração praticada, quando não tiver a possibilidade de conhecimento do injusto ou quando dele for inexigível conduta diversa. [...] todo agente é imputável, a não ser que ocorra excludente da imputabilidade (grifamos).

Resta destacar dos posicionamentos apresentados, tratar-se de causa de exclusão da culpabilidade, fundada no princípio de que só podem ser punidas as condutas que poderiam ser evitadas pelo agente. No entanto, acerca das causas excludentes de imputabilidade penal, será reservado ainda neste capítulo, algumas linhas para detalhar claramente quais são cada uma delas e como estão contempladas no ordenamento penal brasileiro.

Não obstante, Greco leciona que para que determinado resultado possa ser atribuído ao agente é preciso que a sua conduta tenha sido dolosa ou culposa. Destarte, cumpre evocar suas palavras acerca do assunto em comento (2005, p. 99):

Se não houve dolo ou culpa, é sinal de que não houve conduta; se não houve conduta, não se pode falar em fato típico; e não existindo o fato típico, como conseqüência lógica, não haverá crime. Os resultados que não foram causados a título de dolo ou culpa pelo agente não podem ser a ele atribuídos, pois que a responsabilidade penal, de acordo com o princípio da culpabilidade, deverá ser sempre subjetiva.

Conforme leciona Gevan de Almeida: "[...] o tipo penal tem uma função de garantia, ou seja, de segurança para o cidadão, porquanto ele só poderá ser punido se praticar uma conduta prevista na lei como infração penal (crime ou contravenção)". (2004, p. 12)

O nobre doutrinador fez menção aos termos jurídicos acerca do crime e contravenção penal. Nesse aspecto, oportuno indagar: existe diferença substancial entre as duas expressões jurídicas? Sobre o assunto em apreço, cumpre registrar que o legislador brasileiro inseriu a temática no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal de 1940 (LICP):

Art. 1º. Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Para efeito meramente comparativo, destacam-se dispositivos dos Códigos Penais anteriores ao de 1940, na tentativa dos legisladores definirem o crime, vejamos:

Código Criminal do Império - 1830:

Art. 2º. Julgar-se-á crime ou delito:

§ 1º Toda ação ou omissão voluntária contrária às leis penais.

Código Penal Republicano - 1890:

Art. 2º. A violação da lei penal consiste em ação ou omissão; constitui crime ou contravenção.

Para responder ao questionamento supracitado cumpre evocar a lição de Greco: "não existe diferença substancial entre contravenção e crime. O critério de escolha dos bens a serem protegidos pelo direito penal é político, da mesma forma que é política a rotulação da conduta como contravencional ou criminosa. Para o doutrinador, o que hoje é considerado crime amanhã poderá vir a tornar-se contravenção e vice-versa" (2005, p.152).

3.1.2 Imputabilidade e Dolo

Para distinguir os dois institutos de forma simples e objetiva, pode-se dizer que o dolo é a vontade do agente em cometer o injusto penal, e a imputabilidade é um dos elementos que compõe a culpabilidade. Assim, a imputabilidade é vista como a possibilidade de atribuir a alguém condição de responsável pela prática de um fato considerado ilícito. Dito de outra forma, a imputabilidade é a capacidade de o agente compreender essa vontade de praticar o fato tipificado como delito.

No entanto, evocam-se as palavras de Greco para buscar conceituação mais balizada acerca do tema em tela: "dolo é a vontade livre e consciente dirigida a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador. [...]. Assim, podemos perceber que o dolo é formado por um elemento intelectual e um elemento volitivo". (2005, p. 204).

Acrescenta Greco: "a regra, para o código penal, é de que todo crime seja doloso, somente sendo punida a conduta culposa quando houver previsão legal expressa nesse sentido" (2005, p.167).Prossegue o autor em afirmar que a imputabilidade é a regra: a inimputabilidade a exceção (2005, p. 444).

Dessa sorte importa ressaltar o dispositivo do parágrafo único, do art. 18 do Código Penal Brasileiro:

Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Feita uma análise superficial do dispositivo retro, observa-se que para ser atribuído ao agente responsabilidade penal, há que estar configurado a sua intenção em praticar o injusto penal, e, concomitantemente, compreender o caráter de reprovabilidade dessa ação.

3.2 CAUSAS EXCLUDENTES DA IMPUTABILIDADE PENAL

Acerca do assunto em pauta, vale mencionar classificação apresentada numericamente por Fernando Capez (2005, p.307):

As causas que excluem a imputabilidade são quatro:

1ª) doença mental;

2ª) desenvolvimento mental incompleto;

3ª) desenvolvimento mental retardado:

4ª) embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.

Com efeito, cumpre relevar dispositivo inserto no Código Penal Brasileiro, para, de forma abreviada, delinear cada uma das excludentes supracitadas pelo nobre doutrinador. Nesse passo, transcreve-se o art. 26, cabeça, do respectivo Diploma Penal, verbis:

Art. 26. È isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Por certo, o artigo retro deixa claro o entendimento de que não basta apenas o cometimento do injusto penal pelo agente, restando à necessidade de estar em circunstâncias e estado mental dentro da normalidade no momento da prática do fato delituoso, ou, caso contrário, poderá ser beneficiado pela isenção penal.

3.2.1 Doença Mental

Evoca-se lição de Luiz Regis Prado que assim a define: "É uma alteração mórbida da saúde mental, independentemente de sua origem" (2004, p.407).

Não obstante, Fernando Capez entende por doença mental (2005, p.308):

A perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou a de comandar de acordo com esse entendimento. Compreendem-se a infindável gama de moléstias mentais, tais como epilepsia condutopática, psicose, neurose, esquizofrenia, paranóias, psicopatia, epilepsias em geral etc.

Importam destacar, entre as moléstias elencadas no artigo retro, a epilepsia condutopática e a psicopatia. A primeira relaciona-se a transtornos neurológicos que podem estar associados a outros tipos de transtornos psíquicos. Quanto à psicopatia, muito embora o termo psicopata se utilize para descrever qualquer perturbação do desenvolvimento da personalidade, intelectual, emocional, social ou sexual, o termo sociopata reserva-se para as pessoas que apresentam transtornos da personalidade que se manifestam, principalmente, por um fracasso da adaptação às necessidades da sociedade.

Nesse sentido, cumpre evocar ensinamento trazido pela Associação Americana de Psiquiatria (AAP), apud Jorge Paulette Vanrell (2007, p.4):

O termo se utiliza para indivíduos de comportamento habitualmente anti-social, que se apresentam sempre inquietos, incapazes de extrair qualquer experiência dos fatos passados ou dos castigos recebidos. Soem ser insensíveis e hedonistas, de imaturidade emocional muito acentuada, carentes de responsabilidades e de juízo, e com muita habilidade para racionalizar seu comportamento de modo a que pareça correto, sensato e justificado.

Prossegue Vanrell definindo o comportamento anti-social com sendo (2007, p. 4):

A incapacidade de adaptar-se às normas sociais. Vale mencionar, nesse sentido, algumas características comportamentais, apresentadas por pessoas com esse tipo de anomalia; vejamos: a) não estabelece laços afetivos adequados e duradouros com outras pessoas; b) apresenta conduta conflitivarecidivante[13]; c) não sofre de ansiedade nem de sentimentos de culpa frente às situações que provoca (reações afetivas estas que seriam evocadas na generalidade das pessoas normais do entorno); d) cuja capacidade de autocrítica mostra egocentrismo associado com baixos valores ético-morais e poucas preocupações com as conseqüências de suas ações para com os demais; e) comete agressão explosiva, verbal ou física, com total indiferença das conseqüências da agressão (pode ser mascarada sob a forma de beligerância passiva), e, f) que não apresenta alterações mentais e/ou psicoses.

Nesse passo Bettiol apudCapez ressalta que (2005, p.308):

A imputabilidade cessa, também, na hipótese de enfermidade de natureza não mental que atinja "a capacidade de entender e querer". É o que verifica nas enfermidades físicas com incidências sobre o psiquismo, tal como ocorre nos delírios febris produzidos pelo tifo, na pneumonia ou em outra doença qualquer que atue sobre a normalidade psíquica.

Percebe-se, diante da breve exposição, que há divergências acerca dessa excludente de imputabilidade, devendo ser pontuado que não basta que a doença se manifeste no estado psíquico do agente, mas, também, em seu estado físico, desde que este estado venha sobremaneira afetar o seu estado mental.

Neste caso, pode-se configurar a inimputabilidade do agente nos termos do parágrafo único, do art. 26 do CP: "[...], não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento". Sendo assim, o agente poderá ser beneficiado pela redução de pena na fração de 1 a 2/3 (um a dois terços), conforme dispositivo supra citado.

Frise-se que, doutrinariamente, existem três sistemas para aferimento e mensuração acerca do cometimento do delito pelo agente; são eles: sistemas biológico, psicológico e biopsicológico.O primeiro leva em consideração a doença mental enquanto patologia clínica; o segundo considera apenas as condições psicológicas do agente à época do fato; e, o biopsicológico, vincula-se ao resultado da combinação dos dois sistemas anteriores, por isso é denominado por alguns doutrinadores de sistema misto.

3.2.2 Desenvolvimento Mental Incompleto

Vale-se inicialmente nesse ponto, das palavras de Capez apresentando conceituação acerca da temática em estudo (2005, p.308):

É o desenvolvimento que ainda não se concluiu, devido à recente idade cronológica do agente ou à sua falta de convivência em sociedade, ocasionando imaturidade mental e emocional. No entanto, com a evolução da idade ou o incremento das relações sociais, a tendência é a de ser atingida a plena potencialidade.

Ressalta-se do artigo citado, a questão da maioridade penal, insculpida no art. 27, caput, do Diploma Penal Brasileiro: "Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial".

Nesse sentido, necessário apresentar as palavras de Guilherme de Souza Nucci (2007, p.265):

Menoridade: trata-se da adoção, nesse contexto, do critério puramente biológico, isto é, a lei penal criou uma presunção absoluta de que o menor de 18 anos, em face do desenvolvimento mental incompleto, não tem condições de compreender o caráter ilícito do que faz ou capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Ressalta-se para tanto, que nos tempos atuais surgem vozes sociais clamando por uma redução da maioridade penal, pois não é mais aceitável que menores na faixa etária compreendida entre 15 e 17 anos, não tenham condições de compreender o caráter ilícito do ato que praticam. No entanto, a legislação penal brasileira, ainda mantém a fronteira fixada nos 18 anos.

Dessa sorte, assevera Luiz Regis Prado (2007, p.147):

Consagra-se aqui o principio da inimputabilidade absoluta por presunção (art.27, CP), com fulcro no critério biológico da idade do agente, e que, a partir da Carta de 1988, tem assento constitucional (art. 228, CF). Porém, ficam os menores de 18 anos sujeitos às disposições específicas do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 104, Lei nº 8.069/1990).

Vale dizer que o delito praticado por criança ou adolescente, recebe a denominação de ato infracional, estes sendo: crime ou contravenção penal. A Lei nº 8.069/90 ou Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD) prevê, nestes casos, medidas de proteção genéricas (art. 98) e específicas (art. 101).

No que é pertinente aos adolescentes, ressalta-se que o ECRIAD elenca algumas medidas sócio-educativas nos termos do art. 112, in verbis:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I – advertência;

II – obrigação de reparar o dano;

III – prestação de serviços à comunidade;

IV – liberdade assistida;

V – inserção em regime de semi-liberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional;

VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

Não obstante, convém registrar as palavras de Capez (2005, p.309):

Pode até ser que o menor entenda perfeitamente o caráter criminoso do homicídio, roubo ou estupro, por exemplo, que pratica, mas a lei presume, ante a menoridade, que ele não sabe o que faz, adotando claramente o sistema biológico nessa hipótese. Há uma presunção legal de que a deficiência ou doença mental impede o sujeito de compreender o crime ou comandar a sua vontade, sendo irrelevante indagar acerca de suas reais e efetivas conseqüências no momento da ação ou omissão.

Constatam-se, em consonância com a lição dos nobres doutrinadores, que o ordenamento penal brasileiro priorizou o sistema biológico para a interpretação penal acerca da maioridade do agente. Nesse passo, importa dizer que há uma presunção legal absoluta de que a deficiência ou doença mental impede que o indivíduo venha a compreender a ação ou omissão cometida, e, a de ter total condição em comandar a essa vontade.

3.2.3 Desenvolvimento Mental Retardado

O caso em estudo nesse item difere-se totalmente do apresentado anteriormente, haja vista que no desenvolvimento mental retardado a capacidade do agente não corresponde às expectativas para sua idade cronológica, ou seja, para aquele momento de sua vida. O que significa dizer, que ele jamais conseguirá atingir ou alcançar plena potencialidade mental.

No que tange ao assunto, busca-se conceituação apresentada por Capez (2005, p. 309):

O desenvolvimento mental retardado é o incompatível com o estágio de vida que se encontra a pessoa, estando, portanto, abaixo do desenvolvimento normal para aquela idade cronológica. [...] É o caso dos oligofrênicos, que são pessoas de reduzidíssimo coeficiente intelectual. Classificam-se numa escala de inteligência decrescente em débeis mentais, imbecis e idiotas.

Outras pessoas enquadram-se nesta condição, por apresentarem algum tipo de anomalia que não seja somente a oligofrenia. Cita-se, para tanto, os surdos-mudos, por não possuírem qualquer capacidade de entendimento e de autodeterminação. Desta forma, de acordo com esse déficit em suas faculdades sensoriais, o seu poder de compreensão é também afetado.

Oportuno registrar que havendo alguma dúvida acerca da integridade mental do agente-infrator, o juiz poderá ordenar de ofício ou a requerimento do representante do Ministério Público (MP), ou, ainda, por outras partes interessadas, desde que detenham capacidade penal, que o agente seja submetido a exame de insanidade mental.

Desta feita, importa acentuar dispositivo penal inserto no art. 149, do CP:

Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido à exame médico-legal.

Destaca-se do dispositivo legal, a preocupação do legislador voltada para a aferição do estado mental do agente, no momento da prática do injusto penal, assentando-se na Teoria da Atividade adotada por nosso sistema penal, conforme tratada em item anterior (3.1, p.33).

3.2.4 Embriaguez Completa Proveniente de Caso Fortuito ou Força Maior

Quanto à temática em exame, apodera-se das palavras de Luiz Regis Prado (2007, p. 153):

A embriaguez consiste em um distúrbio físico-mental resultante de intoxicação pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos, afetando o sistema nervoso central, como depressivo/narcótico. Comporta ela as espécies e graus seguintes: 1. Não acidental – voluntária (dolosa – querida) ou culposa (deflui de culpa – o estado de ebriedade é previsível), não exclui a imputabilidade penal (art. 28, II, CP); 2. Acidental – derivada de caso fortuito ou de força maior – na primeira, não há vontade ou culpa o agente não quis, nem a previu ou podia fazê-lo; na segunda, decorre de inevitabilidade – exclui a imputabilidade. penal.se completa; reduz a pena, se incompleta (art. 28, II, §§ 1ª e 2ª, CP).

Valem-se das palavras de Guilherme Nucci que a conceitua (2007, p. 269):

É uma intoxicação aguda provocada no organismo pelo álcool ou por substâncias de efeitos análogos. [...] produzem-se estados crepusculares com fenômenos de desorientação, perturbações humorais profundas, desordens psico-sensoriais sob a forma de fenômenos ilusórios e alucinatórios, alterações da forma e especialmente do conteúdo ideativo até ao delírio.

Nessa esteira doutrinária extrai-se lição apresentada por Capez (2005, p. 311):

Causa capaz de levar à exclusão da capacidade de entendimento e vontade do agente, em virtude de uma intoxicação aguda e transitória causada por álcool ou qualquer substância de efeitos psicotrópicos, sejam eles entorpecentes (morfina, ópio etc.), estimulantes (cocaína) ou alucinógenos (ácido lisérgico).

Relevante destacar do artigo retro, algumas expressões citadas pelo doutrinador; vejamos: a) efeitos psicotrópicos: é toda droga que possui atração pela mente (psicotropismo), modificando o comportamento do usuário; b) estimulantes: toda substância utilizada com a finalidade de obtenção de estados alterados de consciência, caracterizados por euforia decorrente da estimulação do Sistema Nervoso Central (SNC), entre elas destacam-se as anfetaminas[14]; c) os alucinógenos[15]; denominadas de perturbadoras do SNC, destacam-se entre elas o ecstasy[16] e o ácido lisérgico[17].

Depreende-se desse ensinamento que o CP não aborda somente a questão da bebida alcoólica, mas, sim, todas as substâncias que possuem efeitos inebriantes que podem levar seus usuários a alterações físicas e psíquicas.

Resta acentuar, que devido à atuação do álcool no organismo do usuário ou do grau de alcoolemia em seu sangue, a embriaguez divide-se em: incompleta, completa e comatosa.

A primeira está relacionada à fase de excitação que ocorre, segundo os especialistas, a partir de 0,8g por mil de sangue; a segunda vincula-se a fase de depressão, que se dá por volta de 3g por mil de sangue; e, a comatosa denominada de fase da letargia[18], sendo equiparada legalmente à embriaguez completa, envolvendo cerca de 3 a 5g por mil de sangue.

Destaca-se nesse ponto, que o CP assegura como causa de exclusão da imputabilidade penal (inimputabilidade), somente a embriaguez fortuita completa. Com efeito, relevante destacar dispositivo do § 1º, do art. 28 do Diploma Penal:

§ 1º É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (grifamos)

Acentuam-se os institutos do caso fortuito e força maior nas palavras de Guilherme Nucci (2007, p.272):

É fortuita a embriaguez decorrente do acaso ou meramente acidental, quando o agente não tinha a menor idéia de que estava ingerindo substância entorpecente (porque foi ludibriado por terceiro, por exemplo) ou quando mistura o álcool com remédios que provocam reações indesejadas, potencializando o efeito da droga, sem estar devidamente alertado para isso.

[...] Embriaguez decorrente de força maior é a que se origina de eventos não controláveis pelo agente, tal como a pessoa que, submetida a um trote acadêmico violento, é amarrada e obrigada a ingerir, à força, substância entorpecente. Ambas, no fundo são hipóteses fortuitas e acidentais.

Quanto ao § 1º do art. 28 do CP, importa registrar opinião adotada por Nucci (2007, p.271):

Há pessoas que bebem por beber, sem a menor previsibilidade de que cometeriam crimes no estado de embriaguez completa, de forma que não é cabível a aplicação da teoria da actio libera in causa nesses casos. De outra parte, se suprimirmos a responsabilidade penal dos agentes que, embriagados totalmente, matam, roubam ou estupram alguém, estaremos alargando, indevidamente, a impunidade, privilegiando o injusto diante do justo.

Observa-se do posicionamento apresentado pelo nobre doutrinador, haver certa divergência quanto ao assunto. O nobre doutrinador, juntamente com o magistério de Frederico Marques, Magalhães Noronha, Paulo José da Costa Júnior, entre outros, defendem que a actio libera in causa[19] somente é cabível nos delitos preordenados, isto é, em se tratando de configurar o instituto do dolo, ou, ainda, com flagrante imprudência no momento da ingestão da bebida alcoólica ou de substâncias de efeitos análogos pelo usuário.

Destarte, encerra-se a temática, registrando que o ordenamento penal brasileiro procurou afastar de forma expressa o benefício da isenção de pena ao agente para os casos de embriaguez voluntária ou culposa. Estas, nos termos do § 2º, do artigo 28, do CP, ensejam apenas a redução penal.

4 A IMPUTABILIDADE DO USUÁRIO DE DROGAS ILÍCITAS SOB A ÉGIDE DA NOVA LEI ANTIDROGAS

Busca-se nesse primeiro momento, trazer a origem etimológica acerca da palavra droga, como também apresentar sua conceituação atual. Nesse passo, evoca-se transcrição encontrada no site do Instituto de Medicina Social e Criminologia de São Paulo (IMSCSP)[20]:

De origem controversa, a palavra droga pode ter origem do persa droa (odor aromático), do hebraico rakab (perfume) ou do holandês antigo droog (folha seca, porque antigamente quase todos os medicamentos eram feitos à base de vegetais).

Importa destacar conceituação trazida pela OMS disposta no site citado anteriormente:

Qualquer entidade química ou mistura de entidades (mas outras que não aquelas necessárias para a manutenção da saúde, como por exemplo, água e oxigênio), que alteram a função biológica e possivelmente a sua estrutura. Ou, ainda, qualquer substância capaz de modificar a função dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento.

Acrescenta-se, que esse órgão federal é o responsável pelo controle e fiscalização das substâncias psicotrópicas ou psicoativas utilizadas no Brasil. Ele apresenta ainda, outro conceito acerca das drogas, como sendo: "toda substância natural ou sintética, produzida em laboratórios, quando introduzida em um organismo vivo, por qualquer via, pode modificar uma ou mais de suas funções".

O dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira apresenta outras definições acerca da temática em comento, vejamos: 1. Substância empregada como ingrediente em farmácia, química, etc. 2. Entorpecente. 3. Coisa ruim, sem valor. 4. Indicativo de frustração e desânimo. 5. Coisa de pouco valor; coisa enfadonha e desagradável.

Depreende-se da lição apresentada, de que as drogas se traduzem literalmente em algo ruim ou coisa negativa, principalmente se não for usada com acompanhamento e prescrição médica, podendo trazer sérias complicações físicas e psíquicas aos seus usuários. No entanto, há que se fazer distinção entre usuário, dependente e traficante.

4.1 DISTINÇÃO ENTRE USUÁRIO, DEPENDENTE E TRAFICANTE:

Para apresentar essa distinção, cumpre evocar matéria disposta no site do IMSCSP, recomendada pela OMS, e outras considerações sobre saúde pública, educacional e social, feitas com o aval da Organização das Nações Unidas (ONU) destacando quatro tipos de usuários:

1º. Usuário experimental: limita-se a experimentar uma ou várias drogas, por diversos motivos, como curiosidade, desejo de novas experiências, pressão de grupo etc. Na grande maioria dos casos, o contato com as drogas não passa das primeiras experiências.

2º. Usuário ocasional: utiliza um ou vários produtos, de vez em quando, se o ambiente for favorável e a droga disponível. Não há dependência, nem ruptura das relações afetivas, profissionais e sociais.

3º.Usuário habitual: faz uso freqüente de drogas. Em suas relações já se observam sinais de ruptura. Também conhecido como usuário funcional, tendo em vista que, ainda "funciona" socialmente, embora de forma precária e correndo riscos de dependência. É aquele usuário conhecido vulgarmente como "viciado".

4º.Usuário dependente: recebe outras denominações, tais como: toxicômano, drogadito, fármaco-dependente, dependente químico ou usuário disfuncional. Vive pela droga e para a droga, quase que exclusivamente. Como conseqüência, rompe os seus vínculos afetivos, profissionais e sociais, o que provoca isolamento e marginalização, acompanhados eventualmente de decadência física e moral.

Vale dizer, que existem outros tipos de usuários de drogas, além dos descritos acima, mas importa destacar a nítida diferença entre o usuário e o dependente. Enquanto os dependentesapresentam necessidades físicas e psíquicas muito fortes, quase irresistível para consumir a droga, inclusive chegando a manifestar sintomas dolorosos decorrentes da interrupção do uso ou da ingestão de determinada substância entorpecente, os usuários, em grande maioria, a consomem por mera opção, normalmente em momentos de entretenimento e lazer.

Teoricamente, pode-se dizer que o usuário mantém o seu livre-arbítrio intacto em relação ao consumo da droga, enquanto que o dependente não mais possui essa liberdade de escolha, haja vista não dominar seus desejos e vontades, tornando-se escravo da substância psicoativa consumida diariamente.

Importa destacar tabela abaixo para efeito ilustrativo, sobre o levantamento realizado no ano de 2001, pelo Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicoativas (CEBRID), acentuando o crescimento do número de usuários de drogas em algumas cidades brasileiras.

Tabela 1

Estudantes do Ensino Fundamental e Médio, Consumidores de Drogas Lícitas e Ilícitas, por ano do levantamento, segundo as cidades selecionadas (%).

CIDADE

1987

1997

Razão do crescimento

(1997-1987)

Belém

13,5

24,5

1,81

Fortaleza

17,6

28,1

1,59

Salvador

22,5

20,9

0,92

Recife

23,5

25,9

1,1

Rio de Janeiro

25,6

22

0,86

São Paulo

23,5

18,5

0,79

Curitiba

15,6

26,3

1,68

Fonte: Cebrid.2001.

Nota: Número Absoluto (N): 1987 = 16.149 e 1997 = 15.503

Vale mencionar que nem sempre o usuário de droga torna-se dependente. Embora a realidade venha demonstrando o contrário. É muito comum o usuário iniciar o uso com uma droga tida como mais fraca, para, posteriormente passar a usar uma mais forte. Portanto, em regra, o usuário não se converte em dependente.

Nesse passo, cumpre evocar as palavras de Luiz Flávio Gomes (2006, p. 4):

É preciso distinguir, prontamente, o usuário do "usuário e dependente de drogas". Nem sempre o usuário torna-se dependente. Aliás, em regra o usuário de droga não se converte num dependente. A distinção é muito importante para o efeito de se descobrir qual medida será mais adequada em cada caso concreto.

Destaca-se ainda, pesquisa feita pelo CEBRID em conjunto com a Organização das Nações Unidas para a educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), acerca das drogas mais consumidas no Brasil.

Tabela 2

AS DROGAS MAIS CONSUMIDAS

%

Cocaína

Anfetaminas

Ansiolítico[21]

Maconha

Solvente[22]

Tabaco

Álcool

80

             

70

65,2%

           

60

             

50

             

40

             

30

24,9%

           

20

15,5%

           

0 -10

2%

3,7%

4,1%

5,9%

     

Fonte: Cebrid/Unesco.2001. Pesquisa feita com 48 mil alunos da rede pública da 5ª série ao Ensino Médio.

Da mesma sorte, não se pode confundir o usuário e o dependente de drogas com a pessoa do traficante. Este é o indivíduo, usuário ou não de drogas, que planta, importa, exporta e/ou distribui a droga aos dependentes (viciados, drogaditos etc.) ou experimentadores. Pode-se dizer, literalmente, o proprietário, o administrador e o financiador de toda mercadoria relacionada à droga ilícita.

Importa evocar as palavras de Rodrigo Vergara (2002, p.42):

[...]. Drogas são substâncias usadas pra produzir alterações nas sensações, no grau de consciência e no estado emocional. [...]. Do ponto de vista legal e jurídico, existem as drogas livres, que qualquer um pode comprar sem controle (álcool e cigarro); as de uso controlado, que podem ser compradas com receita médica; e as ilegais.

Desse leque de substâncias psicoativas, importa inserir a tabela abaixo, acentuando o poder de algumas drogas, lícitas e ilícitas, conforme pesquisa realizada nos Estados Unidos, no ano de 2001.

Tabela 3

O Poder de Cada Droga

Características de cada substância, nos Estados Unidos, em 2001.

Substâncias

Acessibilidade

Poder de vício**

Letalidade

Precocidade***

Nicotina

Grande

80

Alta

15,5

Heroína

Pequena

35

Média

19,5

Cocaína

Média

22

Alta

21,9

Sedativos*

Média

13

Média

19,5

Estimulantes*

Média

12

Alta

19,3

Maconha

Média

11

Baixa

18,4

Alucinógenos

Grande

9

Baixa

18,6

Analgésicos*

Média

7

Média

21,6

Álcool

Grande

6

Média

17, 4

Tranqüilizantes*

Média

5

Média

21,2

Inalantes

Grande

3

Média

17,3

* Uso não médico de substâncias psicoativas. ** % De usuários que se tornam dependentes. *** Idade do primeiro uso, em anos. Fonte: Pesquisa doméstica nacional sobre uso de drogas 2001, do Departamento de Saúde dos Estados Unidos.

Cumpre ressalvar que ao juiz caberá determinar se a droga ilícita em posse do agente destinava-se ao consumo pessoal ou se objetivava ao tráfico. Devendo ainda, atentar para a natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, além das circunstâncias sociais e pessoais do agente, bem como sua conduta e seus antecedentes criminais (§ 2º do art. 28, da Lei nº 11.343/06).

Com efeito, embora a matéria trata-se de tráfico de entorpecente, importa registrar decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[23] acerca da quantidade de drogas ilícitas encontradas com o agente. Registre-se que esse fato determina significativamente o tratamento penal que será aplicado ao infrator. Portanto, dependendo dessa quantidade, o magistrado terá o respaldo legal para enquadrá-lo na pessoa do usuário-dependente ou do traficante de drogas.

TRÁFICO. ENTORPECENTE. DIMINUIÇÃO. PENA. LEI N. 11.343/2006.

Trata-se de habeas corpus em que se pretende a diminuição da pena imposta à paciente com a devida aplicação do art. 33, § 4°, da Lei n. 11.343/2006. Para tanto, sustenta-se que, no julgamento do recurso de apelação, já estava em vigor a referida lei que trouxe o benefício. A Turma, por maioria, e pelo voto médio da Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), concedeu a ordem ao entendimento de que, se a apelação foi julgada após a lei nova, em que se prevê a possibilidade da diminuição da pena, cabia ao Tribunal a quo examiná-la em favor da ré, ora paciente. Assim, com o julgamento do mérito do habeas corpus por este Superior Tribunal, não há supressão de instância, visto que o Tribunal de origem deveria ter examinado toda a matéria, o que não ocorreu. Contudo a paciente não tem direito ao regime aberto, pois que foi condenada à pena de quatro anos, ou seja, parte das circunstâncias judiciais foi tomada contra ela. O juiz levou em conta a quantidade da droga para determinar a pena, o que deve pesar também no quantitativo e no regime. Desse modo, reduziu-se a pena em 1/6, fixou-se o regime semi-aberto para o início do cumprimento, mas se negou a substituição da pena privativa de liberdade pela prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana. O Min. Nilson Naves (vencido em parte), diversamente, fixava a pena em um ano e quatro meses (redução de 2/3), somados a vinte e dois dias-multa, estabelecendo o regime aberto para o cumprimento da pena, concedida a referida substituição. HC 101.939-SP, Rel. originário Min. Nilson Naves, Rel. para acórdão Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), julgado em 14/10/2008. (grifamos)

Observa-se da Respeitosa decisão proferida pela Sexta Turma do STJ, que o julgador pautou-se na quantidade de drogas encontradas com o agente (configurando tratar-se de tráfico), para determinar o quantitativo penal a ser aplicado pelo injusto cometido, como também, por certo influenciou no comando decisório acerca do início do cumprimento do regime prisional.

Geralmente o traficante não faz uso de drogas, isto se deve ao fato de querer estar em perfeitas condições físicas e psíquicas para controlar seus comandados. Estas pessoas estão dispostas hierarquicamente no mundo do tráfico em uma estrutura similar ao organograma de uma empresa brasileira.

Nesse passo, pode-se destacar a composição dessa rede criminosa da seguinte forma:

Gerente: pessoa de confiança do traficante, responsável pela administração da boca de fumo ou dos pontos de drogas;

Soldado: aqueles que fazem a segurança pessoal do traficante e dos pontos de drogas e executam literalmente seus oponentes;

Vapor: encarregados do preparo e embalagem do produto para consumo;

Mula: indivíduos que geralmente não possuem passagens pela polícia e que se aventuram a realizar o transporte da droga;

Olheiro: pessoas que se posicionam em locais estratégicos, para vigiar acerca do acesso de algum carro suspeito (ou viatura policial) ou gangues rivais no território de atuação do traficante; e o

Aviãozinho: pessoas encarregadas do oferecimento e entrega das drogas ao cliente-usuário. Para ocupar esses dois últimos cargos costumam-se empregar crianças e adolescentes.

Vale ressaltar que outras figuras são empregadas no submundo do tráfico de drogas, no entanto, estas são as funções mais comuns e usuais das pessoas envolvidas com essa rede criminosa.

Vale registrar as palavras do advogado e pesquisador na área da segurança pública Carlos Coelho Pimenta (2008, p.3):

A União deve procurar movimentar o bem maior que o Estado não consegue mais assegurar, que é a vida. Foram mais de 200 mil jovens, com idades entre 15 e 24 anos, assassinados desde a década de 80 para cá, segundo um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). O Estado não consegue mais criar condições para que esses jovens sejam mantidos dentro da escola [...]. Em conseqüência disso, eles acabam sendo arrebanhados pelo crime, que cresce desordenamente.

Frise-se, para tanto, de que quem alimenta o tráfico de drogas são os usuários e os dependentes, pois, conforme antiga lei de mercado, havendo procura haverá oferta. E, conseqüentemente, para que haja diminuição do tráfico de drogas em qualquer lugar do país, há que se diminuir o número de usuários e dependentes. Assim, dentro de uma lógica consumista do mercado capitalista contemporâneo, não havendo demanda, por certo, esvairia a figura e a atuação do traficante de drogas.

4.2 LEGISLAÇÕES PENAIS ANTERIORES REVOGADAS PELA LEI 11.343/06.

Durante aproximadamente três décadas esteve em vigor no Brasil a Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976. Esta lei de drogas recebeu grande influência norte americana na época de sua elaboração e entrada em vigor. Esse Diploma penal trazia como destaque os artigos 16 e 12, dando tratamento penal similar para o usuário e traficante, classificando-os como criminosos. Assim, essa lei especial estava revestida de uma interpretação de caráter criminológico.

Nesse passo, destaca-se o art. 16, da lei 6.368/76, que tipificava a pessoa do usuário:

Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 a 50 dias-multa.

Quanto ao traficante, contemplava-o o art. 12, do mesmo Diploma Penal:

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 a 360 dias-multa.

Cumpre evocar as palavras de Samuel Miranda Arruda (2007, p.18):

[...], impingia-se, em tese, ao mero usuário da droga sanção privativa de liberdade, o que acarretava uma estigmatização do agente flagrado e propiciava inclusive a utilização do tipo penal como instrumento de constrangimento de pessoas dependentes.

Diante de questionamentos e das tentativas de se racionalizar os problemas jurídicos decorrentes da legislação de entorpecentes em vigor acerca do uso, consumo e tráfico ilícito de drogas, houve uma primeira tentativa de corrigir vícios legislativos aplicados ao usuário de drogas, diferenciando-o da pessoa do traficante, com a elaboração da Lei nº 10.409, de 11 de janeiro de 2002.

Pretendeu-se com o novel legislativo substituir integralmente o texto da Lei nº 6.368/76. No entanto, a Lei nº 10.409/02, veio a obter veto pelo Presidente da República, quase que em sua totalidade antes mesmo de entrar em vigor. Desta feita, gerou, a partir de então, grande frustração dos legisladores, como também, vários questionamentos acerca dos dispositivos remanescentes, ou seja, a parte processual que obteve total aprovação.

Nesse ponto cumpre evocar as palavras de Fernando Capez (2007, p. 680):

A legislação básica era composta das Leis n. 6.368, de 21 de outubro de 1976, e 10.409, de 11 de janeiro de 2002. Esta última pretendia substituir a Lei n. 6.368/76, mas o projeto possuía tantos vícios de inconstitucionalidade e deficiências técnicas que foi vetado em sua parte penal, somente tendo sido aprovada a sua parte processual.

Diante da situação legislativa apresentada, tivemos um momento inusitado no Brasil em relação à aplicação da Lei de Tóxicos, tendo em vista que durante bom tempo estava em vigor à parte penal da Lei nº 6.368/76, e, paralelamente, a parte processual da Lei nº 10.409/02.

Assim, vale registrar as palavras de Capez (2007, p.680):

Dessa forma a anterior legislação antitóxica se transformara em um verdadeiro centauro[24] do Direito: a parte penal continuava sendo a de 1976, enquanto a processual, a de 2002. Acabando com essa lamentável situação, adveio a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, a qual em seu art. 75 revogou expressamente ambos os diplomas legais.

Nesse sentido, passa-se a abordar de forma pontuada questões acerca da aplicação penal sobre a pessoa do usuário de drogas ilícitas, trazida pela Lei Antidrogas (Lei nº 11.343/06), realçando posicionamentos doutrinários e divergentes sobre o tipo penal incriminador disposto no art. 28 da respectiva lei.

4.3 TIPIFICAÇÃO TRAZIDA PELO ART. 28 DA LEI Nº. 11.343/06

A Lei Federal nº. 11.343, de 23 de agosto de 2006, denominada de Lei Antidrogas trouxe em seu Capítulo III – Dos Crimes e Das Penas, versando a respeito da imputabilidade do usuário de drogas ilícitas, estabelecendo em seu art. 28, verbis:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

O teor do dispositivo retro tem suscitado divergências doutrinárias acerca da aplicação penal ao agente flagrado com a posse de drogas para consumo pessoal. Para tanto, objetiva-se nesse tópico, aprofundar estudo legislativo e doutrinário, para melhor entendimento do assunto. 

Destarte, é imperioso acentuar os parágrafos 3º, 4º e 5º do art. 28:

§ 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

Neste diapasão, convém buscar as palavras de Luiz Flávio Gomes quando cita quatro tendências mundiais relativas às políticas criminais no tocante às drogas ilícitas, e, paralelamente, ao usuário e dependente (2006, p.4):

a)Modelo norte-americano: prega a abstinência[25] e a tolerância zero. De acordo com a visão norte-americana, as drogas constituem um problema policial e particularmente militar; para resolver o assunto, adota-se o encarceramento massivo dos envolvidos com drogas; "diga não às drogas" é um programa populista, de eficácia questionável, mas bastante reveladora da política norte-americana.

b)Modelo liberal radical (liberalização total): a famosa revista inglesa "The Economist", com base nos clássicos pensamentos de Stuart Mill, vem enfatizando a necessidade de liberar totalmente a droga, sobretudo frente ao usuário; salienta que a questão da droga provoca distintas conseqüências entre ricos e pobres, realçando que só pobres vão para a cadeia.

c)Modelo da "redução de danos" (sistema europeu): em oposição à política norte-americana, na Europa adota-se outra estratégia, que não se coaduna com a abstinência ou mesmo com a tolerância zero. A redução de danos causados aos usuários e a terceiros (entrega de seringas, demarcação de locais adequados para consumo, controle do consumo, assistência médica, etc.) seria o correto enfoque para o problema. Esse mesmo modelo, de outro lado, propugna pela descriminalização gradual das drogas assim como por uma política de controle (regulamentação) educacional; droga é problema de saúde pública.

d)Justiça terapêutica: propugna pela disseminação do tratamento como reação adequada para o usuário ou usuário dependente. É patente a confusão que faz entre o usuário e o dependente. "Assim como nem todos que tomam um copo de uísque são alcoólatras, também há quem use drogas sem ser dependente.

Segundo leciona Samuel Miranda Arruda (2007, p.22):

A norma do caput do art. 28 substitui o antigo artigo 16 da Lei nº 6.368/1976 como a principal descrição típica relacionada ao consumo/uso indevido de drogas. Aqui houve expressiva e importante alteração, com ampliação dos núcleos do tipo penal, que passou a albergar outras condutas que se relacionam ao consumo de drogas. [...], a nova lei contemplou ainda duas diferentes hipóteses não previstas na legislação revogada: o agente que tem a droga em depósito ou a transporta, com o fim de consumi-la.

Prossegue Arruda ao dizer que "de há muito se reclamava uma reformulação legislativa que alterasse o tratamento penal – voltado quase exclusivamente à repressão – dos usuários" (2007, p.18).

No que é pertinente ao ordenamento jurídico brasileiro, há que se relevar o estado de influência exercida pelo modelo penal norte americano, bem menos flexível quanto à matéria em estudo, mas, mesmo assim, essa discussão foi sempre influenciada pelas medidas penais adotadas por diversos países europeus ao longo dos últimos anos.

Destacam-se as palavras de Arruda "o legislador reformador parece ter atendido parcialmente a esses reclames – e inclusive à quase total ausência de reprovação social da conduta, embora não tenha dado passo mais largo em direção a uma completa descriminalização" (2007, p.18).

4.3.1 Advertência Sobre os Efeitos das Drogas

Essa sanção foi uma das novidades inserida no sistema penal brasileiro. Constata-se contemplar uma forma de advertir, alertar ou admoestar o agente encontrado com a posse de drogas ilícitas em pequena quantidade para uso pessoal, caracterizando ser o mesmo usuário ou dependente químico.

Oportuno evocar a lição trazida por Samuel Arruda (2007, p.25):

De toda forma, pode-se dizer que está presente nessa medida sancionatória uma função preventiva, que visa a evitar a ocorrência da prática de nova infração. Em uma análise muito ampla, é possível considerar que a advertência integra o rol das "restrições a direito".

A advertência surge como uma inovação jurídica penal transportada do direito administrativo. No entanto, essa medida sancionatória é muito comum no direito disciplinar, principalmente em se tratando de servidores públicos, quaisquer que sejam as esferas de suas atuações, federal, estadual ou municipal. Inclusive, após todo o trâmite processual, em caso de decisão desfavorável ao funcionário público, é transcrita a sanção de advertência em seus assentamentos[26] funcionais.

Importa registrar as palavras de Arruda (2007, p.25):

De qualquer maneira, seja qual for sua natureza jurídica, as espécies de pena previstas na Constituição e no Código Penal configuram relação exemplificativa, nada impedindo que o legislador crie novas espécies de sanções penais, para lá das citadas no art. 5º, XLVI, da CF e no art. 32 do CP. Seus limites serão apenas as sanções constitucionalmente vedadas (art. 5º, XLVIII).

Corrobora com a opinião do nobre doutrinador Sérgio de Oliveira Netto (2006, p.3):

Todavia, o Código Penal, desde então, vem sendo objeto de sucessivas modificações, com o intuito de atualizá-lo ao modo de vida contemporâneo. Dentre estas alterações, a Lei nº 7.209/84, promoveu a reforma de toda a intitulada Parte Geral (arts. 1º ao 120). Modificando, também, o rol de sanções penais existentes, inicialmente previstas pelo original.

Tanto que no art. 32 da vigente Parte Geral do Código Penal, ficaram sedimentados que as penas são: privativas de liberdade, restritivas de direitos, e de multa. Prevendo assim, como sanção penal, não apenas aquelas de privação de liberdade ou de multa. Mas também as alcunhadas penas alternativas, dentre as quais se inserem as restritivas de direito. Que, apesar de não redundarem em privação da liberdade, ostentam nítido caráter repressivo do ordenamento penal.

Como se pode vê, o ordenamento jurídico brasileiro possibilita ao magistrado aplicar outras sanções que não apenas aquelas que redundem em privação de liberdade do agente (reclusão, detenção e prisão simples).

Frise-se que o próprio texto Constitucional elenca em seu art. 5º, XLVI, outras formas de individualização da pena; a saber: "a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e, e) suspensão ou interdição de direitos".

4.3.2 Prestação de Serviços á Comunidade

Oportuno iniciar o assunto buscando as palavras de Sérgio de Oliveira Netto (2006, p.3):

Neste mesmo diapasão, veio a Lei nº 9.714/98, ampliando mais o rol das chamadas penas restritivas de direito. Nesta relação de penas alternativas, agora, aparece a "prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas", como uma das espécies de sanção penal, no inciso IV, do art. 43, do Código Penal.

Segundo leciona Samuel Miranda Arruda: "a pena de prestação de serviços à comunidade é espécie do gênero pena restritiva de direito e é regulada genericamente por meio do art. 46 do Código Penal Brasileiro" (2007, p.26).

Nesse passo, convém acentuar o art. 46, caput, § 2º, do CP:

Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação de liberdade.

§ 2º A prestação de serviços à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários e estatais.

Registrem-se a lição de Arruda, de que "esta sanção (prestação de serviços à comunidade) passa a ser a mais severa das sanções que podem ser impostas aos agentes que praticarem a conduta descrita no artigo 28 da nova Lei de Tóxicos" (2007, p.26).

Relevante buscar as palavras de Sérgio de Oliveira Netto (2006, p.3):

[...], se as penas restritivas de direitos são consideradas como sanções penais pela redação do Código Penal, incluindo nesta relação a "prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas" (arts. 32, e 43, IV), não há porque dizer-se que a mesma estirpe de sanção prevista na Lei nº 11.343/06, art. 28, II (prestação de serviços à comunidade) não tem natureza penal.

Extrai-se do ensinamento apresentado pelo doutrinador, de que o tipo penal está completo, comportando o preceito primário, isto é, o descritivo da conduta incriminada de portar drogas ilícitas para uso próprio, como também, se encontra presente o preceito secundário, ou seja, o estipulador da sanção penal cabível. Neste caso, pelo prazo máximo de cinco meses (§ 3º, da Lei nº 11.343/06).

4.3.3 Medida Educativa de Comparecimento a Programa ou Curso Educativo

Esta pena foi duramente criticada por alguns doutrinadores, haja vista apresentar redundância aplicada pelo legislador na sua redação "medida educativa de comparecimento a [...] curso educativo".

Importa evocar a lição de João José Leal (2007, p.2):

[...]. O texto contém um pleonasmo[27]: se a medida é de natureza educativa, não havia necessidade de se acrescentar o adjetivo educativo ao substantivo curso, conforme consta do inciso III, do referido art. 28. De qualquer forma, deve o programa ou curso ser previamente habilitado para que a nova medida possa ser aplicada pelo juiz.

Seguindo análise feita por Samuel Miranda Arruda, destaca-se (2007, p.26):

Em uma primeira análise, entendemos que esta medida do inciso III será indicada aos casos de maior gravidade, sempre que a advertência prevista no inciso I não se mostrar suficiente. Note-se que a medida tem duração variável, podendo mesmo constituir-se em um programa de auxílio a dependentes consistentes na freqüência a vários e diferentes eventos.

Presume-se, embora o artigo não traga expressamente, que o curso ou programa a ser freqüentado pelo usuário ou dependente de droga deve, preferencialmente, ser voltado à prevenção contra o uso de drogas e ao esclarecimento das conseqüências em relação à dependência física e psíquica.

O doutrinador Samuel Arruda ao interpretar esse tipo de sanção penal aplicada ao usuário de drogas ilícitas, ressalva que "tem-se aqui uma sanção bastante apropriada à natureza da infração praticada. A medida tem propósito claramente dissuasório e visa facilitar a reinserção social do agente; nestes aspectos assemelha-se bastante à sanção prevista no inciso I do mesmo artigo" (2007, p.26).

Oportuno inserir aqui o seguinte questionamento: e se houver o descumprimento injustificado das penas pelo agente? Para responder a essa pergunta, cumpre evocar lição trazida por Fernando Capez (2007, p.691):

O juiz, atendendo à reprovação social da conduta, fixará o número de dias-multa, em quantidade nunca inferior a 40 (quarenta) nem superior a 100 (cem), atribuindo depois a cada um, segundo a capacidade econômica do agente, o valor de trinta avos até três vezes o valor do maior salário mínimo (cf. art. 29). Tais valores serão creditados à conta do Fundo Nacional Antidrogas.

Diante da exposição apresentada acerca das inovações legislativas aplicadas aos usuários de drogas ilícitas, resta salientar que no caso de aplicação de multa pelo não cumprimento da pena pelo agente, esta deverá ser executada no próprio Juizado Especial Criminal. Este é um tema para uma próxima monografia, sendo assim, não faremos maiores abordagens.

4.4 DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS ACERCA DO ART. 28 DA LEI Nº 11.343/06.

Como a entrada em vigor da Lei nº 11.343/06, denominada Lei Antidrogas, mudou-se consideravelmente o tratamento penal aplicado ao usuário e/ou dependente dedrogas ilícitas. Por certo, este fato ensejou acirrado debate doutrinário acerca da natureza jurídica do novel legislativo, em especial, quanto ao dispositivo inserto no art. 28 do Diploma penal.

Nesse sentido, Fernando Capez elenca algumas dessas mudanças (2007, p.694):

Manteve as dezoito condutas típicas constantes do revogado art. 12, caput da Lei n. 6.368/76;

Substituiu "substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica" por droga.

As condutas de "fornecer ainda que gratuitamente" ou "entregar de qualquer forma a consumo" tiveram a redação modificada para "entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente".

Aumentou à pena, que era de 3 a 15 anos para 5 a 15 anos, e impôs uma multa mais pesada (500 a 1.500 dias-multa).

Acerca dessas mudanças, Samuel Miranda Arruda destaca que: "como uma das alterações fundamentais promovidas pela Lei Antidrogas, diz respeito à nova disciplina jurídica das condutas associadas ao consumo indevido de drogas, objeto exclusivo de todo o Capítulo III do Título III da Lei 11.343/06" (2007, p.17).

Nesse tomo, passa-se a abordar alguns pontos relevantes sobre as divergências doutrinárias, pontuando-se as seguintes temáticas: descriminalização penal, matéria de saúde pública ou penal, abolitio criminis, despenalização, conversão de pena restritiva de direito em privativa de liberdade, cabe prisão em flagrante do usuário de drogas.

4.4.1 Descriminalização

Luiz Flávio Gomes foi o primeiro doutrinador a escrever sobre o tema, acentuando que a nova lei antidrogas trouxe como inovação a descriminalização penal do usuário e/ou dependente de drogas, por não mais prever a pena de prisão.Sua argumentação está fundamentada por força do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro, in verbis:

§ 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Para Gomes, a conceituação do tipo penal acerca do crime assenta-se na infração penal punida com reclusão ou detenção. Sendo assim, para o doutrinador, não resta dúvida de que a possede droga para consumo pessoal (com a novaLei) deixou de ser crime porque as sanções impostas para essa conduta, elencadas no art. 28 não conduzem a nenhum tipo de prisão (2006, p.2).

Prossegue Gomes, afirmando que: "tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal, pois esta comporta a imposição de prisão simples ou multa" (2006, p.3). No entendimento do doutrinador, a Lei Antidrogas descriminalizou a conduta dapossede droga para consumo pessoal, isto é, retirou-lhe a figura de infração penal porque de modo algum permite a pena privativa de liberdade ao usuário.

E acrescenta o doutrinador, de que o art. 28 por não ensejar pena de reclusão ou de detenção ao usuário de drogas configura-se numa infração "sui generis", isto é, outra sanção que não seja pena de reclusão ou detenção. Nesse passo, vale registrar suas palavras (2006, p.3):

[...]: diante de tudo quanto foi exposto, conclui-se que a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui generis. Não se trata de "crime" nem de "contravenção penal" porque somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão. De qualquer maneira, o fato não perdeu o caráter de ilícito (recorde-se: a posse de droga não foi legalizada). Constitui um fato ilícito, porém, "sui generis". Não se pode de outro lado afirmar que se trata de um ilícito administrativo, porque as sanções cominadas devem ser aplicadas não por uma autoridade administrativa, sim, por um juiz (juiz dos juizados ou da vara especializada). Em conclusão: não é "crime" nem é "contravenção" nem é um ilícito "administrativo": é um ilícito "sui generis".

Renato Marcão posiciona-se opostamente ao argumento apresentado por Gomes, ou seja, para ele não houve descriminalização penal (2007, p.2):

O Direito Penal daquela época era outro, bem diferente do que agora se busca lapidar, e bem por isso a definição fechada e já desatualizada do art. 1º daLeide Introdução ao Código Penal não resolve a questão, segundo entendemos. As molduras estreitas que decorrem do referido dispositivo legal não permitem uma melhor visão da realidade atual e, em decorrência, não se prestam a uma completa, acabada e irretocável classificação do que seja ou não crime ou contravenção, nos limites que a Leide Introdução cuidou de definir. A ausência de cominação privativa de liberdade não afasta, nos tempos de hoje, a possibilidade de a conduta estar listada como crime ou contravenção. Em tempos de responsabilidade penal da pessoa jurídica, de novas discussões acerca da responsabilidade objetiva e outros tantos temas, a definição acima apontada se mostra incompatível com o Direito Penal do século XXI.

Importa ressalvar do texto supracitado, que o autor apresenta argumentação pautada no Código Penal de 1940, destacando que o mesmo encontra-se dissonante com a realidade jurídica contemporânea, necessitando de há muito de uma reformulação completa.

Prossegue Marcão argumentando em sua defesa de que (2007, p.2):

Deve ser levado em conta, ainda, que o art. 28 se encontra no Título III (Das Atividades de Prevenção do Uso Indevido, Atenção e Reinserção Social de Usuários e Dependentes deDrogas), Capítulo III, que cuida "Dos Crimes e das Penas", e que a Lei n. 11.343/2006, lei federal e especial que é, cuidou de apontar expressamente tratar-se de crimes as figuras do art. 28 (caput e § 1º), não obstante a ausência de qualquer pena privativa de liberdade cominada.

Diante dos posicionamentos apresentados, se houve ou não descriminalização do tipo penal quanto à posse do uso de droga ilícita para uso pessoal, vale evocar as palavras de Paulo de Souza Queiroz (1998, p. 143):

Descriminalizar significa retirar de certas condutas o caráter de criminosas. Não o caráter de ilicitude. Exclui-se tão-somente a competência da Justiça Penal para decidir sobre tais comportamentos, que, por razões de política criminal, passam a ser penalmente indiferentes. Corresponde, enfim, à desqualificação de uma conduta como crime.

Acrescenta Queiroz (1998, p.143):

Disso resulta que [...]; descriminalizar não significa liberalizar os descriminalizados, e sim reconhecer que tais condutas já não mais se revestem de dignidade penal ou que possam ou que devam ser melhor disciplinados pela ordem jurídica extra penal ou que simplesmente se lhes deva confiar a prevenção às instâncias informais, não jurídicas, de controle social.

Nesse passo, extrai-se do ensinamento doutrinário de que a descriminalização pode dar-se por uma lei posterior, não necessariamente penal, tanto na forma expressa ou tacitamente que revogue as prescrições anteriores, ou, que simplesmente se dê ao tipo penal incriminador redação menos genérica ou menos abrangente.

Aduz Queiroz ao dizer ainda que: "pode se dá por interpretação judicial como ocorre com a declaração de inconstitucionalidade de lei penal e, em geral, sempre que se interpretam as disposições penais restritivamente, de modo a afastar a incidência da norma penal incriminadora" (1998, p.144).

Como abaliza Samuel Miranda Arruda (2007, p.21):

A distinção tradicional teria reflexo apenas em eventual definição da competência jurisdicional, já que as contravenções são sempre processadas no juízo estadual. Contudo, não nos parece haver qualquer elemento a embasar o entendimento de que a conduta do artigo 28 passou a constituir contravenção penal, pois essa não foi à escolha do legislador, e, mesmo à luz do que diz a Lei de Introdução ao Código Penal, não se está diante de ilícito apenado com multa.

Acrescenta Arruda ao dizer que: "[...], o importante é compreender-se que a conduta descrita no Capitulo III da Lei nº 11.343 é infração penal de menor potencial ofensivo, sujeita à normação geral da Lei nº 9.099/95 e classificada como crime pelo legislador reformador" (2007, p.21).

Percebe-se, de acordo com os posicionamentos doutrinários apresentados, que a conduta da posse de drogas ilícitas para consumo pessoal continua sendo ilícito penal. A mudança trazida pela nova lei, diz respeito à espécie da pena a ser aplicada, que deixou de ser privativa de liberdade para restritiva de direito. Como também, acerca da competência legislativa, passando-se da Justiça Comum para o Juizado Especial Criminal.

4.4.2 Questão Penal ou de Saúde Pública?

Para responder ao questionamento proposto, busca-se a lição de Sergio Luiz Queiroz Sampaio da Silveira: "a novel legislação pretende que o porte de drogas para uso sequer passe pela polícia (sempre que possível) procurando tratar os usuários e os dependentes como vítimas, não como criminosos "(2007, p.1).

Convém recorrer às palavras de Nereu José Giacomolli (2008, p.186):

A Convenção de Viena de 1971 sobre as substâncias psicotrópicas enfatiza que o problema das drogas diz respeito à saúde pública e que a política acerca do abuso das substâncias psicotrópicas, para serem eficazes, devem ser coordenadas e universais.

O penalista Capez aborda o assunto em tela, destacando a questão da objetividade jurídica (2007, p.682):

O objeto jurídico desse crime é a saúde pública, e não o viciado. A lei não reprime penalmente o vício que não tipifica a conduta de "usar", mas apenas a detenção ou manutenção da droga para consumo pessoal. Dessa maneira, o que se quer evitar é o perigo social que representa a detenção ilegal do tóxico, ante a possibilidade de circulação da substância, com a conseqüente disseminação.[...]. Quem traz consigo a droga pode vir a oferecê-la a outrem, e é esse risco social que a lei pune.

Respalda o posicionamento apresentado por Capez o § 7º, da Lei 11.343/06: "o juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado".

Importa buscar decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF)[28] acerca de funcionário militar flagrado dentro do âmbito militar, com a posse de drogas ilícitas para consumo pessoal:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar portando, para uso próprio, pequena quantidade de entorpecentes. 2. Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não-aplicação do princípio da insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares. 3. A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância. 4. A Lei n. 11.343/2006 --- nova Lei de Drogas --- veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado. Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas. 5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. 6. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade da pessoa humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III). 7. Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei que, em lugar de apenar --- Lei n. 11.343/2006 --- possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta. 8. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de qualquer instituição militar.

A Respeitosa decisão se refere a legislação específica, destaca-se para tanto, o entendimento daE. Corte acerca de que o caso em concreto, não diz respeito à pessoa do traficante, mas, sim de usuário de drogas ilícitas. Desta sorte, destaca a necessidade de serem oferecidas às pessoas nestas condições, políticas públicas eficientes para promoção de tratamento e reinserção social, e não a pecha de criminoso com o seu respectivo encarceramento (neste caso, exclusão das fileiras militares).

No entanto, o novel legislativo não pôde ser aplicado em prol do usuário-militar. Restando críticas dos E. Julgadores, apresentada de forma comparativa ao cidadão civil comum que, flagrado nas mesmas circunstâncias, estaria sujeito somente as penas elencadas no art. 28, da Lei 11.343/06.

Interessa acentuar dessa decisão o Princípio da Insignificância, buscando a lição de Luiz Regis Prado ao anotar Jurisprudência proferida pela Corte Mineira (2006, p.41):

Princípio da insignificância – Entorpecente para uso próprio – Crime de perigo abstrato – Possibilidade presumida de dano ao bem jurídico tutelado – Quantidade ínfima de droga em poder do usuário – Irrelevância – Inviabilidade de aplicação daquele princípio para beneficiá-lo.

O ilícito de posse de entorpecente para uso próprio é de perigo abstrato, o que vale dizer, a possibilidade de dano ao bem jurídico tutelado (saúde pública) é presumida, pela prática de conduta tipificada na norma penal incriminadora, o que torna irrelevante o fato de ser ínfima a quantidade de droga encontrada em poder do usuário. É o bastante a inviabilizar a aplicação em seu benefício (dele usuário), do Princípio da Insignificância. (TJMG – AC 1.0024.03.188483-6/001 – 2ª C.Crim. – Rel. Hyparco Immesi – j. 02.02.2006).

Notam-se posicionamentos de julgados conflitantes e divergentes quanto às mudanças da aplicação penal em relação ao usuário de drogas ilícitas. Com efeito, cumpre acentuar a lição de Nereu José Giacomolli (2008, p.191):

A lei continua punindo o consumidor, aumentando o uso clandestino e a marginalização social. [...]. Ao punir o consumo, a lei está punindo o desejo dos indivíduos, o direito de disponibilidade de si próprio. Ao admitirmos que o bem jurídico tutelado é a saúde pública, desaparece a razão da punição ao usuário. Isso porque o consumo pode atingir a saúde própria, a saúde individual, mas não a saúde pública e nem a saúde coletiva.

Erika Fernanda Tangerino Hernandez e Rogério Moreira Orrutea Filho apropriam-se das palavras de Vicente Greco Filho, ao dizer que (2006, p.2):

[...] a toxicomania, além da deterioração pessoal que provoca, projeta-se como problema eminentemente social, quer como fator criminógeno, quer como enfraquecedora das forças laborativas do país, quer como deturpadora da consciência nacional.

Por certo, os legisladores pátrios, estão preocupados em proteger a saúde pública do cidadão brasileiro. Nesse passo, adotando posicionamento contrário ao de Giacomolli e favorável ao de Greco Filho, vale dizer as palavras de Capez: "A disseminação ilícita e descontrolada da droga pode levar à destruição moral e efetiva de toda a sociedade, solapando as sua bases e corroendo sua estrutura" (2007, p. 695).

Desse posicionamento, suscita-se a questão do fornecimento ou o compartilhamento para o uso de drogas, de forma gratuita ou onerosa, colocando em risco não somente a saúde individual de quem detém a posse, mas poderá alcançar número maior de pessoas.

4.4.3 Abolitio Criminis

A nova lei antidrogas teria consagrado o instituto do Abolitio Criminis? Vale-se da lição de Luiz Flávio Gomes: "a Lei 11.343/06 aboliu o caráter criminoso da posse de drogas para consumo pessoal. Esse fato deixou de ser legalmente considerado crime (embora continue sendo um ilícito, um ato contrário ao direito). Houve, portanto, descriminalização, mas não legalização. Estamos, de qualquer modo, diante de mais uma hipótese de abolitio criminis[29] (2006, p.6)".

Nesse tomo, pode-se valer das palavras de Guilherme de Souza Nucci ao dizer que: "abolitio criminis trata-se do fenômeno que ocorre quando uma lei posterior deixa de considerar crime determinado fato (exemplos: a Lei 11.106/2005 deixou de considerar condutas criminosas o adultério, a sedução e o rapto consensual). [...], segundo o disposto no art. 107, III, do Código Penal, extingue-se a punibilidade do agente" (2007, p.58).

Corrobora com o ilustre doutrinador Fernando Capez (2005, p. 45):

Abolitio criminis – lei posterior deixa de considerar um fato como criminoso. Trata-se de lei posterior que revoga o tipo penal incriminador, passando o fato a ser considerado atípico. Como o comportamento deixou de constituir infração penal, o Estado perde a pretensão de impor ao agente qualquer pena, razão pela qual se opera a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, III, do Código Penal.

Diante dos posicionamentos, Importa relevar o dispositivo do art. 107, inciso III, do CP, verbis:

Art. 107. Extingue-se a punibilidade:

III – pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso.

No que tange ao artigo em comento, cumpre registrar a lição de Prado (2007, p.363):

Perfaz-se a abolitio criminis quando a lei posterior não mais tipifica como delito fato anteriormente previsto como ilícito penal. A lei posterior mais benigna (Lex mitior) retroage para alcançar inclusive fatos definitivamente julgados (art. 2º, CP). Assim, são afastados por completo os efeitos penais da condenação, persistindo unicamente os efeitos civis.

Nesse tomo, convém evocar dispositivo do art. 2º, parágrafo único, do CP:

Art. 2º. Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Capez acrescenta algumas conseqüências sobre a aplicação do Abolitio Criminis: o inquérito policial ou o processo são imediatamente trancados e extintos, uma vez que não há mais razão de existir, se já houve sentença condenatória, cessam imediatamente a sua execução e todos os seus efeitos penais, principais e secundários; os efeitos extra penal, no entanto, subsistem, em face do disposto no art. 2º, caput, do Código Penal, segundo o qual cessam apenas os efeitos penais da condenação (2005, p.45).

No entanto, para Cesar Dario Mariano da Silva "Na parte penal, [...]. Também houve abolitio criminis em relação a dois tipos penais, que deixaram de viger em nosso ordenamento jurídico. Eles estavam previstos no art. 12, § 2º, inciso III, e art. 17 da Lei nº. 6.368/76".

Oportuno acentuar os dispositivos da legislação revogada pela Lei 11.343/06:

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

§ 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem:

III - contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

Art. 17. Violar de qualquer forma o sigilo de que trata o art. 26 desta Lei:

Art. 26. Os registros, documentos ou peças de informação, bem como os autos de prisão em flagrante e os de inquérito policial para a apuração dos crimes definidos nesta Lei serão mantidos sob sigilo, ressalvadas, para efeito exclusivo de atuação profissional, as prerrogativas do juiz, do Ministério Público, da autoridade policial e do advogado na forma da legislação específica.

Parágrafo único. Instaurada a ação penal, ficará a critério do juiz a manutenção do sigilo a que se refere este artigo.

A 1ª Turma do STF cuidou do assunto no dia 13 de fevereiro de 2007, ao apreciar o RE-QO 430105/QO/RJ, de que foi relator o Min. Sepúlveda Pertence, que assim se posicionou quanto à matéria:

A Turma, resolvendo questão de ordem no sentido de que o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Nova Lei de Tóxicos) não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal, então previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, julgou prejudicado recurso extraordinário em que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro alegava a incompetência dos juizados especiais para processar e julgar conduta capitulada no art. 16 da Lei 6.368/76. Considerou-se que a conduta antes descrita neste artigo continua sendo crime sob a égide da lei nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. Afastou-se, também, o entendimento de parte da doutrina de que o fato, agora, constituir-se-ia infração penal sui generis, pois esta posição acarretaria sérias conseqüências, tais como a impossibilidade de a conduta ser enquadrada como ato infracional, já que não seriam crime nem contravenção penal, e a dificuldade na definição de seu regime jurídico. Ademais, rejeitou-se o argumento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a novel lei criasse crime sem a imposição de pena de reclusão ou de detenção, uma vez que esse dispositivo apenas estabelece critério para a distinção entre crime e contravenção, o que não impediria que lei ordinária superveniente adotasse outros requisitos gerais de diferenciação ou escolhesse para determinado delito pena diversa da privação ou restrição da liberdade. Aduziu-se, ainda, que, embora os termos da Nova Lei de Tóxicos não sejam inequívocos, não se poderia partir da premissa de mero equívoco na colocação das infrações relativas ao usuário em capítulo chamado 'Dos Crimes e das Penas'. Por outro lado, salientou-se a previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido pela Lei 9.099/95. Por fim, tendo em conta que o art. 30 da Lei 11.343/2006 fixou em 2 anos o prazo de prescrição da pretensão punitiva e que já transcorrera tempo superior a esse período, sem qualquer causa interruptiva da prescrição, reconheceu-se a extinção da punibilidade do fato e, em conseqüência, concluiu-se pela perda de objeto do recurso extraordinário (STF, 1º Turma, RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007. Informativo n. 456. Brasília, 12 a 23 de fevereiro de 2007.

O posicionamento adotado pelo STF, para julgar o caso em concreto, fez menção de ter ocorrido o instituto da despenalização, tema este ao qual passaremos a abordar a seguir.

4.4.4 Despenalização

Característica marcante do instituto da despenalização seria a exclusão das penas privativas de liberdade como sanção principal aplicadas ao usuário de drogas ilícitas. Desta feita, Importa trazer conceituação assinalada por Luiz Flávio Gomes (2006, p.2):

Despenalizar é outra coisa: significa suavizar a resposta penal, evitando-se ou mitigando-se o uso da pena de prisão, mas mantendo-se intacto o caráter ilícito do fato (o fato continua sendo uma infração penal ou infração de outra natureza). O caminho natural decorrente da despenalização consiste na adoção de penas alternativas para a infração. A lei dos juizados criminais (Lei 9.099/1995), por exemplo, não descriminalizou nenhuma conduta, apenas introduziram no Brasil quatro medidas despenalizadoras (processos que procuram evitar ou suavizar a pena de prisão).

Prossegue Gomes em sua argumentação "[...], paralelamente também se pode afirmar que o art. 28 retrata uma hipótese de despenalização. Descriminalização formal e despenalização (ao mesmo tempo) são os processos que explicam o novo art. 28 da lei de drogas (houve um processo misto – mencionado por Davi A. Costa Silva)". (2006, p.1).

O nobre doutrinador destaca na citação supracitada, ter ocorrido uma descriminalização formal. Nesse passo, importa acentuar três espécies de descriminalização: a formal, a penal e a substancial ou total.

A descriminação formal retira o caráter criminoso do fato, mas não o retira do âmbito do direito penal, denominada pela doutrina de descriminalização puramente formal. A descriminalização penal elimina o caráter criminoso do fato e o transfere do direito penal para outros ramos do direito. E, por fim, a descriminalização substancial ou total, que afasta o caráter criminoso do fato e lhe legaliza totalmente.

Nesse sentido, destaca-se julgado prolatado pelo STF:

HABEAS CORPUS Nº 73.432 - MG (2006⁄0283417-4)

EMENTA

PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 16, DA LEI Nº 6.368⁄76 (ANTIGA LEI DE TÓXICOS). PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 11.343⁄2006. CRIME DE POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PESSOAL. NÃO INCIDÊNCIA DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. OCORRÊNCIA DE DESPENALIZAÇÃO. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. RETROATIVIDADE.

I - Hipótese em que o paciente foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 16, da Lei nº 6.368⁄76 (antiga Lei de Tóxicos) a uma pena privativa de liberdade (09 meses de detenção, em regime semi-aberto).

II - A superveniência da Lei nº 11.343⁄2006, mais especificamente em seu art. 28 (posse de droga para consumo pessoal), contudo, ensejou verdadeira despenalização, "cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal" (cf. consignado no Informativo nº 456⁄STF, referente à questão de ordem no RE 430105⁄RJ, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence).

III - Vale dizer, o crime de posse de substância entorpecente para consumo pessoal, em razão da lexnova, não mais está sujeita a pena de prisão, mas sim às seguintes penas: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28 e incisos, da Lei nº 11.343⁄2006).

IV - Dessa forma, tratando-se, ao menos neste ponto, de novatio legis in mellius, deve ela retroagir (art. 5, XL, da CF e art. 2º, parágrafo único, do CP), a fim de que o paciente não mais se sujeite à pena de privação de liberdade.

Writ concedido. (grifamos)

Ressalta-se da decisão proferida, o instituto da novatio legis in mellius, isto é, a edição de lei mais benéfica ao agente-infrator. Nesse passo, vale acentuar as palavras de Nucci (2007, p.58):

Por vezes, o legislador prefere alterar determinado tipo penal incriminador, variando a descrição da conduta, de forma a excluir certas maneiras de execução, bem como modificando a sanção penal, conferindo-lhe abrandamento ou concedendo-lhe benefícios penais antes inexistentes.

Não obstante, vale acentuar que no caso de flagrante de posse de drogas ilícitas, o juiz, atentará para a prescrição do § 2º, do art. 28 da nova lei antidrogas: "[...], o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente".

4.4.5 É Possível a Conversão da Pena Restritiva de Direito em Privativa de Liberdade?

Na lição de César Dario Mariano da Silva não há essa possibilidade (2008, p.1):

Ao usuário de drogas será dado tratamento especial. Inovando nosso ordenamento jurídico a essas pessoas que poderão ser impostas penas restritivas de direito cominadas abstratamente no tipo penal (art. 28). Não mais será possível a aplicação de pena privativa de liberdade para o praticante dessa conduta, que continua sendo tipificada como crime.

Convém evocar a opinião do advogado e doutrinador Damásio Evangelista de Jesus (2008, p.34):

Inadmissível. Não se aplica às penas alternativas cominadas no art. 28 da lei o disposto no art. 44, §§ 4.º e 5.º, do CP, que regulam a conversão de penas restritivas de direitos em privativas de liberdade, tendo em vista a disciplina especial dada pela lei (princípio da especialidade). Ocorrendo o descumprimento injustificado das penas cominadas no caput do art. 28, o Juiz deverá submeter o condenado, sucessivamente, à admoestação verbal e ao pagamento de multa (§ 6.º), fixada nos parâmetros estabelecidos no art. 29 (40 a 100 dias-multa, com valor unitário de um trigésimo até o triplo do salário mínimo).

Valem-se das palavras de Luiz Flávio Gomes: "com a novíssima lei de tóxicos, admiti-se a impossibilidade da pena de prisão para o usuário e pretende-se que o assunto nem sequer passe pela polícia" (2006, p.5).

Prossegue Gomes ao dizer que: "o novel legislativo apresenta-se como um avanço jurídico brasileiro e está em consonância com o movimento de política criminal da redução de danos, adotada por alguns países Europeus". Tema este, abordado no presente trabalho monográfico em item anterior (4.3, p.57).

Acerca desse movimento de política criminal, acentuam-se algumas medidas adotadas; entre elas: a entrega de seringas ao usuário, a demarcação de locais apropriados para o uso e consumo da droga, o controle desse consumo e o devido acompanhamento médico, entre outras.

4.4.6 Cabe prisão em flagrante delito do usuário de drogas?

Para responder a essa pergunta, vale-se das palavras de João José Leal (2008, p.1):

No entanto, de maior significado penal foi, sem, dúvida a opção por uma Política Criminal de rejeição da prisão como instrumento válido de resposta punitiva à conduta do consumidor de drogas. Assim é que, de conformidade com o disposto no § 2º, do art. 48, tratando-se de consumidor, "não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor de o fato ser imediatamente encaminhado ao Juízo Competente". Portanto, em hipótese alguma, o usuário de drogas poderá ser levado à prisão.

Nesse passo, importa registrar negativa apresentada por Damásio E. de Jesus (2008, p.2):

Não. De notar-se que o art. 48, § 2.º, da lei é categórico: "Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, [...]". Ressalte-se que a redação do dispositivo difere daquela relativa às demais infrações de menor potencial ofensivo, uma vez que a Lei dos Juizados Especiais Criminais condiciona a não-imposição de prisão em flagrante ao encaminhamento imediato do agente aos Juizados Especiais ou à assunção do compromisso de comparecer a um deles (ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança – art. 69, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95).

Em suma, vale assinalar o ensinamento de Fernando Capez (2007, p.692):

Conforme expressa determinação legal, tratando-se da conduta prevista no art. 28 dessa Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessárias (cf. § 2º).

Nessa esteira interpretativa, deve ser ressaltado que o enfrentamento do conflito jurídico sem a aplicação de prisão em flagrante ao agente, já era prevista no parágrafo único, do art. 69, da Lei nº 9.099/95, in verbis:

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.

Frise-se em relação ao artigo retro, que se o agente se recusar a assumir o compromisso de comparecer à sede dos Juizados Especiais Criminais, poderá a autoridade judiciária (juiz) impor-lhe a prisão em flagrante.

No entanto, quanto ao usuário que for surpreendido com a posse de pequena quantidade de droga para consumo pessoal, de acordo com expressa determinação legal, somente estará sujeito às medidas educativas assentadas no art. 28 da nova lei antidrogas – 11.343/06. Portanto, conclui-se que jamais poderá ser-lhe imposta a pena privativa de liberdade.

CONCLUSÃO

Na pesquisa bibliográfica que norteou a presente monografia, foi apresentado inicialmente como se deu o uso de ervas naturais pelas civilizações primitivas, evoluindo-se até o surgimento das primeiras vedações legislativas. Posteriormente, essas substâncias psicoativas passaram a receber algumas restrições quanto ao uso, consumo e comercialização. Desta feita, adquiriu natureza de infração penal quem fosse flagrado usando ou comercializando determinadas substâncias que pudessem levar o usuário a alterações físicas e/ou psíquicas.

Buscou-se ainda, abordar os sistemas de política criminal que, de certa forma, contribuíram e influenciaram para a mudança da aplicação do Direito Penal Brasileiro. Resta destacar, a grande influência exercida pela política criminal norte-americana, bem menos flexível, como também à aplicada por alguns países Europeus.

Nessa linha de abordagem, a pesquisa bibliográfica pautou-se no que é pertinente ao uso e consumo de drogas ilícitas, enfatizando de forma superficial as legislações brasileiras anteriormente aplicadas ao usuário de drogas e agora revogadas (Lei 6.368/76 e Lei 10.409/02). Tendo estas sofrido grandes influências, direta e indiretamente, da política criminal norte-americana, tratando penalmente às pessoas do usuário, usuário-dependente e traficante de drogas como figuras criminosas.

No entanto, os legisladores pátrios tentaram corrigir esse erro legislativo com a elaboração da Lei 10.409/02, mas, antes mesmo de sua vigência teve grande parte vetada pelo Presidente da República (parte penal). Ressalta-se nesse ponto, que durante algum tempo, esteve em vigor no Brasil à parte penal da Lei 6.368/76 e a parte processual da Lei 10.409/02. Para acabar com essa inusitada e lamentável situação jurídica, adveio a Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, a qual em seu art. 75 revogou expressamente ambos os diplomas legais.

Cumpre frisar, que a Lei 10.409/02, já demonstrava em seus artigos os primeiros passos para mudança penal em relação ao usuário de drogas, inserindo-o não mais como criminoso, mas sim como um indivíduo doente que precisa de assistência e tratamento médico-hospitalar.

Com a entrada em vigor da nova Lei Antidrogas, muita celeuma se criou acerca da posse de drogas ilícitas para consumo pessoal. Nesse passo, várias divergências doutrinárias surgiram, sendo que boa parte da doutrina defendia ter havido a descriminalização penal, haja vista que o novel legislativo não trazia para a pessoa surpreendida nesta situação, pena de reclusão ou de detenção.

Em contrapartida, outras vozes influentes na seara jurídica brasileira apresentam argumentação oposta, entendendo ter ocorrido uma despenalização moderada, isto é, descriminalização formal.Com a defesa assentada no fato de se ter retirado o caráter criminoso da posse do uso de droga ilícita para consumo pessoal.

Não obstante, surgiram outras argumentações no sentido de afirmar ter havido descriminalização e, ao mesmo tempo, despenalização. Essa corrente trouxe como fundamentação a assertiva de que o legislador evitou aplicar ao usuário de drogas ilícitas a pena privativa de liberdade (prisão), substituindo-a por medidas alternativas dispostas no art. 28, I a III, da Lei 11.343/06.

Prossegue essa última corrente doutrinária, seguindo uma linha interpretativa de que a posse de drogas para consumo pessoal deixou de ser crime (formalmente), por não ensejar a pena de reclusão ou detenção, e, muito menos contravenção penal, por não apresentar como forma punitiva ao usuário a prisão simples (art. 1º, da LICP).

Diante da proposta apresentada pela pesquisa bibliográfica, e após estudo e análise dos posicionamentos doutrinários dos ilustres penalistas brasileiros, é de nosso sentir e entendimento, filiar-se a corrente que defende não ter havido a descriminalização da posse do uso de drogas para consumo pessoal, isto é, retira-se da conduta a etiqueta de crime, mas o fato continua revestido de ilicitude penal, ou seja, a infração cometida pelo agente continua sob a órbita do Direito Penal.

Neste diapasão, deve ser ressaltada posição pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, de que a conduta de posse de drogas ilícitas para consumo pessoal, inserta no art. 28 da nova Lei Antidrogas, continua sendo crime. Não obstante, os E. Julgadores asseveram ter havido uma despenalização do fato delituoso que, anteriormente era tratado com maior rigor legislativo.

Essa despenalização assenta-se na exclusão da pena privativa de liberdade ao usuário de drogas ilícitas, suavizando a pena por entender tratar-se matéria de saúde pública. Resta destacar que o uso e a dependência de drogas estão vinculados a uma série de problemas de outras ordens que perturbam a paz social, entre eles destacam-se: a violência, a prostituição infantil, o narcotráfico, o crime organizado, a lavagem de dinheiro etc.

Infere-se, que os legisladores brasileiros ao elaborarem a Lei nº 11.343/06, tiveram o entendimento de forma acertada quanto à mudança do tratamento penal dispensado ao usuário e dependente de drogas. Com efeito, destaca-se nosso posicionamento de que o fato alusivo a temática das drogas reveste-se de natureza epidêmica, isto é, uma doença contagiosa que, se não tratada rapidamente, atingirá muitas e muitas pessoas de uma região, nesse caso, podendo alcançar todo o território brasileiro.

E esta epidemia, o uso de drogas psicoativas, deve ser combatida e enfrentada com políticas públicas maciças de caráter preventivo e assistencial acerca do usuário, usuário-dependente e de sua família. Quanto à pessoa do traficante e financiador do narcotráfico, políticas públicas repressivas rigorosas para o esvaziamento total de sua atuação social.

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[1] Entorpecentes. É toda droga capaz, depois de introduzida no organismo vivo, de provocar torpor (entorpecimento), causando diminuição das atividades gerais psicomotoras do usuário.

[2] UFSC. Universidade Federal de Santa Catariana. Formação de multiplicadores de informações preventivas sobre drogas, 2003.

[3] Ópio. Palavra originária do idioma grego que quer dizer suco. É extraído da cápsula da papoula, planta originária do Oriente, que é cultivada principalmente na Turquia, no Egito e no Irã, e cujo nome científico é Papaver somniferum album.

[4] Disponível em:http://www.unifesp.br/dppsicobio/cebrid/folhetos/alcool_htm

[5] Hebreu. O nome pelo qual as nações designavam os filhos de Israel.

[6] Cocaína. É o mais potente estimulante do sistema nervoso central (SNC) de origem natural que se tem notícia. É produzida a partir da planta de coca, cujo nome é erythoxylon coca, originária dos Andes. Sua aparência é de um pó fino branco, cristalino, com odor aromático e sabor amargo que deixa sobre a língua uma sensação anestésica.

[7] Código de Hammurabi. Versava sobre matéria civil, comercial, penal, de processo e de organização judiciária, contendo 282 artigos. O povo babilônico acreditava ter Hammurabi recebido esta lei do deus sol (Shamash).

8Código de Manu. Aplicado na Índia antiga e de cunho religioso, destinando-se a proteger e a consolidar o regime de castas. Nesse regime, o nascimento marcava a posição social do homem até a morte, era inalterável.

[9] Lei das XII Tábuas. Em latim, Duodecim Tabulae. Constituía uma antiga legislação que está na origem do direito romano. Formava o cerne da Constituição da República Romana e dos mos maiorum (antigas leis não escritas e regras de conduta).

[10] Panacéia. Remédio para todos os males pretendido pela alquimia ou, ainda, recurso empregado para remediar dificuldades.

[11] Fascismo. Movimento político instaurado na Itália por Mussolini. Repousa em uma vontade de dominação da nação à qual é sacrificada a liberdade de seus membros, afirmando a preeminência do Estado, que ele coloca acima do direito.

[12] Integrismo. Movimento que se fundamenta em uma base teocrática e marca a recusa do principio de laicidade do Estado e do direito. Coloca a religião como valor supremo, implicando em uma estrutura fortemente centralizada e hierarquizada, na qual a autoridade emana do chefe religioso.

[13] Recidivante. Origina-se da raiz recidivo. 1. significando a pessoa que torna a cair em erro ou culpa. 2. Que reaparece.

[14] Anfetaminas. Comumente chamada de bolinha, rebite etc., muito utilizada como inibidora do sono pelos estudantes, motoristas, donas-de-casa, e outros usuários eventuais que diluem em água e ingerem; sendo reconhecidos pelo seu comportamento violento e incomum.

[15] Alucinógenos. Substâncias que produzem distúrbios da percepção, do pensamento do humor com efeitos mínimos na memória e na orientação do usuário.

[16] Êxtase ou Ecstasy. Nome científico Metilenodioximetanfetamina (MDMA). Desenvolvido primeiramente como supressor do apetite em 1914, mas nunca foi comercializado. A partir de 1983, tornou-se uma substância de uso recreacional, principalmente entre estudantes.

[17] Ácido Lisérgico ou LSD_25. Também denominado de Dietilamida do Ácido Lisérgico. É o mais conhecido e estudado alucinógeno sintético. Foi sintetizado pela primeira vez em 1938 pelo químico alemão Albert Hoffmann. O número 25, segundo alguns autores indica que ele é o 25º produto de uma série de transformações básicas da molécula de ergotamina, ou, ainda, corresponde a data em que foi descoberto, 2 de maio. (2/5).

[18] Letargia. Do latim lethargia. 1. Estado mórbido em que as funções da vida estão atenuadas por forma tal que parece estarem suspensas. 2. Sono profundo; estado de apatia moral e intelectual.

[19] Actio libera in causa. Ação livre na sua origem.

[20] Disponível em: http://www.imsc.sp.gov.br/infodrogas/droga.htm

[21] Ansiolítico. Calmante usado para tratar a ansiedade, possuindo o efeito de causar no usuário bem-estar e relaxamento muscular.

[22] Solvente. Líquido volátil e aromático usado em produtos como cola de sapateiro, benzeno e lança-perfume.

[23] Informativo de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de nº 0372. HC 101.939-SP, Rel. originário Min. Nilson Naves, Rel. para acórdão Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), julgado em 14/10/2008.

[24] Centauro. Monstro mitológico fabuloso, metade homem e metade cavalo.

[25] Abstinência. Interrupção do comportamento aditivo progressivo e ativo do uso de substâncias psicoativas.

[26] Assentamentos. Ficha individual do funcionário, onde é lançado todo seu histórico durante o tempo em que estiver trabalhando naquela instituição pública.

[27] Pleonasmo. Do latim pleonasmu e do grego pleonasmós. Significa o emprego de palavras inúteis para a expressão do pensamento, mas que, em certos casos, podem dar mais colorido, vigor ou graça ao estilo; por exemplo, subir para cima ou sair para fora etc.

[28] HC 94524/DF - DISTRITO FEDERAL. HABEAS CORPUS. Relator (a):  Min. EROS GRAU. Julgamento:  24/06/2008  - Órgão Julgador:  Segunda Turma.

[29] Abolitio Criminis. Abolição do crime.