SUMÀRIO: Introdução. Breve histórico. A origem dos Tribunais de Contas no Brasil. Autonomia e importância dos Tribunais de Contas. Natureza jurídica dos Tribunais de Contas e de suas decisões. Ministério Publico de Contas. Ministério Público "especial" e Ministério Público "comum". Natureza jurídica do Ministério Público Especial. Ministério Público "especial" como Cláusula Pétrea. Conclusão. Referências.

1. Introdução

Em um trabalho científico, a análise histórica, quanto ao foco, pode ter um caráter principal ou incidental. Quanto aos objetivos, pode ter um caráter instrutivo ou, ainda, ser utilizado para subsidiar a defesa de uma tese de interpretação. No presente artigo, a breve análise histórica será abordada em aspecto incidental e terá como objetivo, além da instrução, embasar a atuação do Ministério Público que funciona junto aos Tribunais de Contas e da própria Corte de Contas.

2. Breve Histórico

Conforme relata Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a história da função de controle de gastos, provavelmente, remonta à França de Luís VII, onde, por ocasião da Segunda Cruzada e dos excessivos gastos bélicos, percebeu-se a necessidade da existência de um meio de controle. Contudo, os indícios confiáveis da existência de um efetivo órgão central de contas da realeza francesa, somente ocorreu no ano de 1190.
Em relação à história brasileira, apesar de o modelo de Tribunal de Contas não ter se espelhado no de Portugal , a ideia de controle remonta ao século XVII, ano de 1680, momento em que foram criadas as Juntas das Fazendas das Capitanias e a Junta da Fazenda do Rio de Janeiro, jurisdicionadas a Portugal. Assim, prima facie, passa-se a analisar, brevemente, a história dos Tribunais de Contas no Brasil.

3. A Origem dos Tribunais de Contas no Brasil

A necessidade de controlar a gestão pública já havia sido reconhecida na Constituição de 1824, cujo artigo 170 dispôs que: " A receita e a despesa da fazenda Nacional será encarregada a um Tribunal, debaixo do nome de "Thesouro Nacional", onde em diversas Estações, devidamente estabelecidas por lei, se regulará a sua administração, arrecadação e contabilidade, em recíproca correspondência com as Tesourarias e Autoridades da Província do Império".
Somente após o advento do Brasil-República, o Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, "Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil", com o grande incentivo do então Ministro da Fazenda Rui Barbosa, instituiu o Tribunal de Contas, através do Decreto 966-A, de 07 de Novembro de 1890, cujo artigo 1º dispôs: " É instituído um Tribunal de Contas, ao qual incumbirá o exame, a revisão e o julgamento de todas as operações concernentes à receita e despesa da República".
Apesar da criação do Tribunal de Contas em 1890, somente com o advento da Constituição Republicana, de 1891, houve a sua institucionalização constitucional, com competência para liquidar as contas da receitas e despesas públicas e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso Nacional. Na verdade, a Constituição de 1891 conferiu-lhe status magno e estabeleceu um vínculo funcional daquela Corte de Contas com o Poder Legislativo.
Com o advento da Constituição de 1934 , as competências do Tribunal de Contas foram ampliadas. Foi-lhe conferido, por exemplo, no artigo 99, o poder de julgamento das contas dos responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos.
Com a Constituição de 1937 e o autoritarismo da Era Vargas, o Tribunal de Contas perdeu força, sendo-lhe reservado um único artigo. Não obstante as previsões na Constituição de 1934, somente com o fim da Era Vargas e o advento da Constituição de 1946, pode-se falar que o Tribunal recuperou sua força e independência. Com esta Constituição, houve algumas modificações importantes, como a competência para julgar as contas dos administradores das entidades autárquicas e o registro das aposentadorias, reformas e pensões, além de expressa previsão para a emissão, pelo Tribunal de Contas, de parecer prévio sobre as contas do Chefe do Poder Executivo.
Durante o regime militar e a Carta de 1967, a Corte de Contas perdeu força novamente. Foram retiradas algumas competências da Corte que somente foram reconquistadas com a nossa atual Constituição Federal de 1988. Ressalte-se que foi com a Emenda Constitucional n º 1 de 1969 que os Tribunais de Contas Estaduais constaram, pela primeira vez, expressamente, no texto constitucional.
Finalmente, a Carta Maior de 1988, primando pelo Estado Democrático de Direito, Princípio Republicano e defesa do interesse público, ampliou, consideravelmente, a competência dos Tribunais de Contas, dando-lhes enfoque e competências especiais, a exemplo dos incisos III ( apreciação, para fins de registro, da legalidade dos atos de admissão de pessoal) e IV ( a realização, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, de inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público) do artigo 71 da Constituição Federal.

4. Autonomia e importância dos Tribunais de Contas

Conforme dito alhures, foi com a proclamação da República que ampliou-se a necessidade de um órgão de controle das contas públicas. O fato de o dinheiro público encontrar-se nas mãos de inúmeros governantes e administradores faz com que exista uma imensa instabilidade quanto à destinação e uso de tais recursos. Portanto, mister que haja um órgão que controle tanto a arrecadação de recursos como o dispêndio dos mesmos, com a finalidade primordial de observar se o interesse público está sendo atendido.
Em razão da fundamental importância atribuída às Cortes de Contas, foi extremamente necessário reconhecer a autonomia administrativa, financeira e funcional desses órgãos. A autonomia funcional do Tribunal de Contas poderá ser mais bem visualizada no artigo 73, parágrafo 3º da CF, que reza que os ministros da Corte de Contas da União terão as mesmas garantias, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça.
Conforme previsto no artigo 73, caput, da CF de 1988, as competências previstas no artigo 96 do mesmo diploma aplicam-se, no que couber, aos Tribunais de Contas ficando, dessa forma, patente a autonomia desses tribunais, visto que têm competência para eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e garantias processuais das partes, organizar suas secretarias e serviços auxiliares, conceder licenças, férias e outros afastamentos a seus membros, entre outras competências atribuídas pela própria Carta Constitucional.
Como previsto no artigo 70 da Constituição de 1988, o titular do Controle Externo é o Poder Legislativo, que o exerce com auxílio do Tribunal de Contas. Portanto, o artigo 71 da CF, ao enumerar as competências da Corte de Contas, o fez tanto prevendo atitudes auxiliares ao Poder Legislativo como também competências exclusivas, privativas e indelegáveis das Cortes, a exemplo do parecer prévio expedido pelo Tribunal no julgamento das Contas do Chefe do Executivo (julgamento este de competência do Poder Legislativo).

5. Natureza Jurídica dos Tribunais de Contas e de sua decisões

Conforme dito acima, o Tribunal de Contas é um órgão de extração constitucional, dotado de autonomia administrativa, funcional e financeira. No moderno constitucionalismo, tendo em vista a necessária independência de atuação das Cortes de Contas para a fiel execução de suas funções, qualquer visão que obstaculize o exercício daquelas autonomias, vai de encontro aos ideais da Constituição de 1988, sem falar que esse reconhecimento advém de uma interpretação sistemática dos artigos 70, IV da Lei Federal 8.443 de 1992 e do artigo 20, parágrafo 2º, II c /c o artigo 54, inciso II da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). Portanto, para que o Tribunal de Contas exerça as suas funções de maneira imparcial e eficiente, necessário se faz essa autonomia que a eles foi conferida.
Quando a Constituição diz que o Congresso Nacional exercerá o controle externo com o auxílio do Tribunal de Contas da União, tem-se como certo que está a falar de auxílio do mesmo modo como a Constituição fala do Ministério Público perante o Poder Judiciário. De fato, a palavra "auxílio?? não necessariamente coloca os Tribunais de Contas como elemento subordinado. Ademais, sem dúvida, pela relevância de sua atuação, não podem sofrer influxos externos, advindos de qualquer dos Poderes ou órgãos estatais. Esse auxílio significa cooperação, colaboração.
Saliente-se que o reconhecimento da natureza jurídica do Tribunal de Contas como órgão independente e autônomo, não lhe retira a possibilidade de figurar no pólo ativo de relações processuais em determinadas hipóteses. Isso porque a chamada capacidade processual é atribuída aos órgãos mais elevados do Poder Público, de envergadura constitucional, quando defendem suas prerrogativas e competências. Nesse sentido, cite-se acórdão do STF, no qual se reconheceu ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná legitimidade ativa para impetrar Mandado de Segurança contra o respectivo Estado-membro, in verbis: Mandado de Segurança. Legitimidade ativa de pessoa jurídica, mesmo de direito público. Superada pela praxe posterior, a interpretação restritiva de alguns acórdãos (R. F. 140 /275, R. T. 295 /108, R.D.A 70 /302, 72 /273). Recurso Extraordinário. Terceiro Prejudicado. Litisconsórcio necessário. Admissibilidade. RE 12.816 (1949), RE 41.745 de responsáveis por haveres públicos. Competência exclusiva, salvo nulidade por irregularidade formal grave (MS 6960, 1959), ou manifesta ilegalidade (MS 7280, 1960). Reforma do julgado anulatório de decisão dessa natureza, em que se apontavam irregularidades veniais. Ressalva das vias ordinárias.
Definida a natureza jurídica do Tribunal de Contas como órgão autônomo e independente, cabe esclarecer outro aspecto daquela, qual seja, se aquele órgão possui natureza meramente administrativa. Carlos Ayres Britto responde, categoricamente, que não e afirma: " Nenhum Tribunal de Contas é tribunal singelamente administrativo, pois não pode ser um tribunal tão-somente administrativo um órgão cujo regime jurídico é centralmente constitucional" . E, assim, o autor conclui: " É, portanto, um Tribunal político e administrativo".
O artigo 18 da CF de 1988 diz que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos nos termos desta Constituição. Ou seja, há organização política e, simultaneamente, administrativa, porque essas pessoas de base territorial, de caráter federado, diferentemente das autarquias, empresas publicas, sociedades de economia mista e fundações são pessoas, ao mesmo tempo, políticas e administrativas.

Apesar de serem instituições centenárias, os Tribunais de Contas continuam sendo objeto de discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Por exemplo, quanto ao aspecto funcional, há duas correntes doutrinárias principais: os que defendem o exercício de atividade jurisdicional pelas Cortes de Contas e, de outro lado, aqueles que afirmam que as atribuições são técnicas e administrativas.
Quanto à tese do exercício da função jurisdicional, o principal argumento é o de que a própria Constituição, ao estabelecer o termo "julgar" no inciso II do artigo 71, conferiu aos Tribunais de Contas parcela jurisdicional. Assim, apesar de as Cortes de Contas não comporem o Poder Judiciário, foram investidas parcialmente na função judicante quando julgam as contas dos responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos. Outro argumento dessa parcela doutrinária é que, nos processos perante os Tribunais de Contas, são asseguradas as mesmas garantias do Judiciário, a exemplo do Principio do contraditório, ampla defesa, devido processo legal, publicidade, motivação das decisões. Além disso, os membros dos Tribunais de Contas são dotados das mesmas garantias dos juízes e agem com a mesma imparcialidade no exercício de suas funções.
Já a segunda corrente, que é majoritária, confere natureza administrativa às decisões dos Tribunais de Contas, sob o argumento de que, no Brasil, vigora o Sistema de Jurisdição Una e o Princípio da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV, CF de 1988) e não o Contencioso Administrativo, havendo, portanto, monopólio da tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário. Logo, os Tribunais de Contas são órgãos técnicos, não jurisdicionais, sendo todas as suas decisões administrativas, não dotadas de definitividade e, portanto, sujeitas ao controle jurisdicional. Comunga desta posição o eminente administrativista José Cretella Júnior.
No entanto, ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já identificaram um caráter especial às decisões das Cortes de Contas, classificando-as como "impositivas?? e "vinculantes??. Destaca-se decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie, nos autos do Mandado de Segurança nº 23.996-4/DF, embasado em parecer da Procuradoria ? Geral da República, in verbis: " De acordo com os incisos III e IX do artigo 71 da Constituição Federal, inciso II e "caput?? do artigo 39 da Lei 8443/92 e Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, a Corte de Contas da União possui atribuição para fiscalizar os autos de concessão de aposentadoria das entidades da Administração Direta e Indireta. E, de acordo com as normas legais retromencionadas, quando constatar qualquer ilegalidade, deverá dar imediato conhecimento ao órgão de origem para que adote as medidas regularizadoras cabíveis, sendo essas decisões emanadas do Tribunal de Contas impositivas (de cunho obrigatório) para a Administração Pública. Portanto, o referido Tribunal tem legitimidade para compor o pólo passivo na presente ação mandamental " .
Registre-se que o STF determinou que o Poder Judiciário somente tem competência para rever decisão proferida pelos Tribunais de Contas em caso de manifesta nulidade decorrente de irregularidade formal grave ou de manifesta ilegalidade. Para a Suprema Corte, as decisões das Cortes de Contas são judicialiformes ou de colorido quase ? jurisdicional. Assim, em relação aos processos submetidos à análise das Cortes de Contas, a revisão do Poder Judiciário deve aferir, sob pena de evidente bis in idem , se houve graves irregularidades no processo de contas, como, por exemplo, no caso de ficar demonstrado que determinado Ministro ou Conselheiro teve a sua imparcialidade fortemente prejudicada e, por conta disso, proferiu voto em determinado sentido.

6. Ministério Público de Contas

O constituinte originário afirmou no artigo 130 da Constituição Federal de 1988 que junto aos Tribunais de Contas atuará um Ministério Público, de modo que a atuação deste está ligada à daquele órgão.
No entanto, o que muitas vezes não se compreende, é que o Ministério Púbico especial, é de fato, Ministério Público ? e aqui a redundância se faz necessária, pois ainda há vozes ultrapassadas que o consideram como simples órgão de consultoria jurídica, juntamente com as demais procuradorias. Contrário a esse entendimento, traz-se à baila os dizeres de José Afonso da Silva. O referido autor afirma expressamente em sua obra Comentário Contextual à Constituição que ao Ministério Público "especial" não cabe a representação das Fazendas Públicas, pois tal função compete aos respectivos Procuradores, nos termos dos artigos 131 e 132 da CRFB de 1988.
A importância social desse órgão no controle das contas públicas é inigualável, pois ele atuará em todos os processos sujeitos às Cortes de Contas e essas, por sua vez, foram as escolhidas constitucionalmente para a manutenção de um equilíbrio financeiro que dará sustentáculo a todos os projetos de governo, a refletir diretamente a eficiência da Administração Pública. Aliás, nesse contexto está inserido o conceito anglo-saxão de accountability , que inclui a prestação de contas da gestão da coisa pública à sociedade, vinculada à responsabilização dos administradores em caso de violação do dever legal e da adoção de medidas ilegítimas e antieconômicas.
Assim, se "o Tribunal de Contas é o pulmão através do qual o povo respira a moralidade das finanças públicas" , o Ministério Público é o órgão vital que o mantém funcionando com regularidade, ou seja, em consonância com a ordem jurídica e demais interesses constitucionais .

7. Ministério Público "especial" e Ministério Público " comum".

A Constituição Federal de 1988 dispõe que junto ao Tribunal de Contas funcionará um órgão denominado Ministério Público. Saliente-se que a locução adverbial "junto ao" não integra a natureza jurídica do órgão e nem faz nascer, em essência, uma instituição diferente daquela disposta na Seção I, Capítulo IV, da Carta Magna. Apenas destaca que, pela especialidade da matéria, há a previsão de um Ministério Público "especial" que atuará ao lado das Cortes de Contas. No entanto, o reconhecimento dessa especialidade relacionada ao controle financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial, sempre foi objeto de controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.
Diante disso, a arquitetura estrutural do Ministério Público "especial" necessitou ser reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Em 26 de maio de 1994, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 789 /DF, em acórdão da lavra do Relator Ministro Celso de Mello, em votação unânime, aquela Corte Maior julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade em face de artigos da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, Lei 8.443 /1992, os quais consideraram o Ministério Público especial não como uma especialização do Ministério Público, mas sim com uma estrutura institucional incluída dentro daquela, inerente às Cortes de Contas.
De acordo com a Suprema Corte Brasileira, o Ministério Público que funciona junto ao Tribunal de Contas não dispõe de fisionomia institucional própria e, não obstante as expressivas garantias de ordem subjetiva concedidas aos seus procuradores pela própria Constituição encontra-se consolidado na ?intimidade estrutural? dessa Corte de Contas, que se acha investida ? até mesmo em função do poder de autogoverno que lhe confere a Carta Política (artigo 73, caput, in fine), da prerrogativa de fazer instaurar o processo legislativo concernente à sua organização, à sua estruturação interna, a definição do seu quadro de pessoal e a criação dos cargos respectivos. A especificidade do Ministério Público que atua perante o TCU, e cuja existência se projeta num domínio institucional absolutamente diverso daquele em que se insere o Ministério Público da União, faz com que a regulação de sua organização, a discriminação de suas atribuições e a definição de seu estatuto sejam passíveis de veiculação mediante simples lei ordinária, eis que a edição de lei complementar e reclamada, no que concerne ao Parquet, será tão somente para a disciplina normativa do Ministério Público "comum".
A cláusula de garantia inscrita no artigo 130 da CF de 1988, não se reveste de conteúdo orgânico-institucional. Acha-se vocacionada, no âmbito de sua destinação tutelar, a proteger os membros do Ministério Público especial no relevante desempenho de suas funções perante o Tribunal de Contas. Esse preceito da Lei Fundamental da República submete os integrantes do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas ao mesmo estatuto jurídico que rege, no que concerne a direitos, vedações e forma de investidura, os membros do Ministério Público "comum".
Não podem restar dúvidas de que foi a especialidade da matéria, a competência ratione materiae das Cortes de Contas, que tornou obrigatória a previsão de um órgão ministerial independente, voltado para a defesa dessa específica ordem jurídica, pois, não fosse assim, estaria legitimado o Ministério Público "comum" para atuar nas matérias sujeitas a apreciação das Cortes de Contas.
A Suprema Corte já se manifestou nesse sentido, in verbis: " Impende considerar que o preceito consubstanciado no artigo 130 da CF /88 reflete uma solução de compromisso adotada pelo legislador constituinte brasileiro, que preferiu não outorgar ao Ministério Público " comum ", as funções de atuação perante os Tribunais de Contas, optando, ao contrário, por atribuir esse relevante encargo a agentes estatais qualificados, deferindo-lhes um "status" jurídico especial e ensejando-lhes, com o reconhecimento das já mencionadas garantias de ordem subjetiva, a possibilidade de atuação funcional independente perante as Cortes de Contas".

8. Natureza jurídica do Ministério Público "Especial".

Não é simples tratar sobre a natureza jurídica do Ministério Público "especial", visto que apesar de ser órgão de extração constitucional e de suma importância no controle das contas públicas, a Suprema Corte retirou-lhe a autonomia administrativa, financeira e funcional, determinando que esse órgão encontra-se na ?intimidade estrutural? da Corte de Contas.
Tradicional é o pensamento de Hely Lopes Meirelles, no sentido de considerar o Ministério Público, juntamente com o Tribunal de Contas , como órgão independente e, assim sendo, são colocados no ápice da pirâmide governamental, sem qualquer subordinação hierárquica ou funcional, e só sujeitos aos controles constitucionais de um poder pelo outro. Inerente à idéia de órgão independente, adviriam as autonomias administrativa, financeira e funcional.
Ao contrário, Emerson Garcia, dentro de um conceito de instituição, refuta a ideia de classificar o Ministério Público como simples órgão administrativo, pois, diversamente da concepção clássica deste, aquele não é mero plexo de atribuições, que integra e compõe um corpo principal e com feição nitidamente acessória. O plus em relação ao mero órgão administrativo reside nas múltiplas vertentes de autonomia, permitindo que a Instituição esteja desvinculada de qualquer estrutura hierárquica, inexistindo subordinação em relação a autoridades estranha aos seus quadros.
Adotando-se qualquer das posições, o certo é que não se pode negar a natureza de órgão ministerial ao Ministério Público que funciona junto às Cortes de Contas, com legitimidade para exercer as atribuições do artigo 129 da Constituição federal, desde que relacionadas às atividades exercidas pelos Tribunais de Contas. Caso fosse negado o exercício dessas competências ao Parquet "especial", seria negar a existência do Ministério Público de Contas e, consequentemente, da própria Constituição Federal. O constituinte, para não se utilizar de palavras inúteis, ao se referir no artigo 130 da CFRB de 1988, a um Ministério Público, quis-lhe conferir a mesma missão de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, tanto o Ministério Público indicado no artigo 128, I, CF, quanto o do artigo 130 desse mesmo diploma, possuem o mesmo significado e mesma finalidade. Tal posição tem amparo na doutrina mais atualizada, a qual reconhece que " não é porque o Ministério Público que atua junto ao Tribunal de Contas não foi contemplado no artigo 128 da Carta que ele deixará de ser Ministério Público na acepção mais restrita da palavra" .
Outra não foi a decisão do Supremo Tribunal federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 789 do DF, citada anteriormente, que teve como relator o eminente Ministro Celso de Mello, deixando assentado que: " O Ministério Público que atua perante o TCU qualifica-se como órgão de extração constitucional, eis que a sua existência decorre da própria Constituição, sendo indiferente, para efeito de sua configuração jurídico-institucional, a circunstância de não constar no rol taxativo do artigo 128 da Carta Política, que define a estrutura orgânica do Ministério Público da União".


9. Ministério Púbico "especial" como Cláusula Pétrea.

Ao se falar em Ministério Público como cláusula pétrea, não se quer tratar da sua ligação com o Tribunal de Contas, mas sim de um Ministério Público, ele próprio, órgão essencial ao perfeito funcionamento do controle externo, da ordem jurídica, do Princípio Republicano e da defesa de um Estado Democrático de Direito como o Brasil.
Segundo Jorge Miranda, o princípio da separação de poderes possui uma dimensão positiva, como princípio de organização ótima das funções estatais, de estrutura orgânica funcionalmente adequada, de legitimação para a decisão, e de uma dimensão negativa, de controle e limitação do poder.
Diante do exposto, o Ministério Público deve ser entendido como essencial ao Princípio da Separação dos Poderes e ao Sistema de Freios e Contrapesos, tal como delineado pelo constituinte originário, ora zelando pela proteção e pelo interesse da sociedade, ora auxiliando na atuação dos três Poderes da República, observando a independência e harmonia entre eles. Exemplo clássico do Sistema de Freios e Contrapesos consagrado pela Constituição da República é a declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário de leis editadas pelo Poder Legislativo. Outro exemplo, marcadamente constitucional, é o veto do Chefe do Executivo aos projetos de lei criados pelo Poder Legislativo. Isso demonstra que a atuação independente dos poderes conforme preceituado no artigo 2º da Carta Magna é relativa, podendo haver a interferência de uns nos outros, desde que para assegurar a proteção da sociedade, os princípios constitucionais e a Constituição como um todo.
Ora, se a própria fiscalização é essencial à sobrevivência de um sistema, essa própria fiscalização torna-se imutável. E, se de acordo com a Constituição Federal, há um órgão que atua junto aos Tribunais de Contas no exercício de seu mister de fiscalizar, este órgão, consequentemente, considera-se também imprescindível á ordem jurídica e ao Estado Democrático de Direito.
Diga-se, por oportuno, que não é somente o Princípio da Separação dos Poderes que torna o Parquet "espeial" uma Cláusula Pétrea. Esse órgão também é essencial na consagração dos Direitos e Garantias Fundamentais. Se o que se procura defender com o estabelecimento de cláusulas superconstitucionais é a essência da Constituição ? direitos e princípios básicos que buscam estruturar a democracia e o Estado de Direito, na perspectiva da emancipação e da dignidade humana -, a fundamentalidade é intrínseca a elas, devendo-se ressaltar que esse aspecto de fundamentalidade está relacionado à essencialidade, à indisponibilidade, os quais incidem, segundo a melhor doutrina, sobre as dimensões da liberdade, democracia, participação política, direitos sociais e direitos dos povos.
Quanto ao Ministério Público em geral, ele é agente impulsionador da promoção dos direitos fundamentais. Como bem salientado por Cláudio Chequer, no Estado Social vislumbra-se a atuação do Ministério Público em busca da efetivação dos direitos fundamentais prestacionais, tanto na tutela de interesses individuais homogêneos, como interesses coletivos e difusos.
Especificamente em relação ao Ministério Público "especial", ele fiscalizará os processos submetidos às Cortes de Contas, além de conferir eficácia real aos comandos emergentes deste órgão responsável pela fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da Administração Direta e Indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas. Em suma, é o fiscal do fiscal. Registre-se a atuação desse Ministério Público de Contas na função de custos legis, atuação esta essencial aos objetivos das Cortes de Contas brasileiras.
Não se pode negar que o controle dos gastos é fundamental para a implementação de políticas públicas eficazes, as quais constituem nascente de concretização dos direitos fundamentais. O Ministério Publico, principalmente o "especial", que diariamente tem acesso aos atos administrativos negociais e contas públicas dos governantes, sem dúvida, é o órgão mais apto à defesa da democracia nessa perspectiva.

10. Conclusão

O presente trabalho teve como objetivo central a demonstração da importância dos Tribunais de Contas para a realidade brasileira e do Ministério Público que atua junto a eles. Em um Estado Democrático de Direito, como o Brasil, a responsabilização na gestão da coisa pública, a transparência dos atos dos detentores do poder e a fiscalização de todos os órgãos, entidades e agentes que têm acesso a recursos públicos tornam-se fundamentais para a boa gestão. Esse controle é feito sob vários aspectos, tais como: legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas. Sabe-se que a legalidade não é a única forma eficiente de controle a ser realizado sobre tais atos, no entanto, conforme preceitua o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Antônio Roque Citadini, a legalidade é a base de toda boa gestão orçamentária.
Conforme dito, o Tribunal de Contas é órgão com autonomia administrativa, financeira e funcional, além de ser instrumento de equilíbrio entre os Poderes, necessário ao Sistema de Freios e Contrapesos (checks and balances). Ademais, como órgão constitucional responsável pelo julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, o mérito de seus atos não poderá ser revisto pelo Poder Judiciário. O que poderá ser revisto pelo órgão jurisdicional são aspectos ligados à ilegalidade ou irregularidades formais graves, a exemplo da ausência do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, consideradas garantias fundamentais num Estado Democrático de Direito.
Quanto ao Ministério Público que atua junto às Cortes de Contas, em razão dos interesses que tutelam e das funções a ele atribuídas, consideram-se essenciais na prestação de contas, visto que auxiliam o trabalho das Cortes de Contas, conforme mandamento constitucional. Há, inclusive, posição isolada do Ministro da Suprema Corte, Marco Aurélio, consubstanciada no julgamento da ADI 2378-GO, determinando que "o Ministério Público que funciona junto aos Tribunais de Contas é órgão que deve atuar com absoluta independência. É órgão que, a teor da Carta de 1988, para bem atender aos anseios da sociedade, precisaria de autonomia, a qual se faz presente no campo financeiro e, também, no campo administrativo" .
Finalmente, está nítida a fundamental importância desses dois órgãos na obediência aos Princípios da legalidade, legitimidade, eficiência, moralidade, entre outros, essenciais ao bom convívio em sociedade.

11. Referências

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