Introdução

No esforço de verificar a força dos operadores argumentativos na carga semântica do discurso, é fundamental estabelecer conceitos acerca dos elementos estudados. Estes servem de parâmetros para a análise do discurso, diferenciando o que se diz do que se entende; ou o que se diz do que realmente se pretende dizer, mostrando que, em muitos discursos, o uso inadequado destes operadores pode distorcer todo o sentido de um texto construído com esmero.

Podemos, ainda, citar os PCN, que rezam que “a leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do conhecimento sobre o assunto, (...) de tudo o que sabe sobre a língua (...). Não se trata simplesmente de ‘extrair informação da escrita’ decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão” [1]. Justifica-se, portanto, a pesquisa dos operadores argumentativos como formadores do sentido, intimamente ligados à coerência e coesão textuais.

Importante, também, é salientar o quanto a atenção se faz necessária, pois a troca de um destes conectivos, além de modificar seu sentido original, pode trazer consequências inesperadas e, por vezes, desastrosas. Contudo, este não é o objeto deste trabalho, onde um texto foi escolhido para análise do uso dos operadores argumentativos. 

O texto escolhido foi veiculado na revista Você s/a, edição de número 89 (2005)[2], não por mero acaso, mas porque Max Gehringer, escritor e palestrante, usa aspectos da língua para falar de carreira profissional.

Abordando a assimilação, fenômeno linguístico que explica a maneira como muitas palavras são pronunciadas e, é possível acreditar, esteja intimamente ligado à lei do menor esforço, o autor mostra, em sua coluna, que a referida regra linguística é aplicável, também, a outras áreas da vida. O objeto de nosso estudo, entretanto, não é o fenômeno descrito pelo autor, mas a implicância da carga semântica dos operadores argumentativos para a compreensão do texto.

O artigo de Gehringer servirá de base, visto que, a partir do momento em que olharmos os operadores argumentativos pelo prisma da linguística e não como meros conectores, a construção do sentido nos textos, a partir de nossas leituras, jamais será a mesma.

Com estilo enxuto, frases curtas e de maneira simples, o autor faz uso de operadores argumentativos no início das frases, o que, ainda por questão estilística, outros autores empregariam como conectivos entre orações coordenadas e/ou subordinadas, mas não após ponto final. Desta forma, podemos observar a ênfase no emprego de tais termos lexicais, vista a quantidade e qualidade de exemplos presentes no texto.

 

1 Conceituando conectivos

 

De maneira abrangente, o léxico traz como definição, para o termo “conectivo, 1. adj. que une ou liga. 2. sm. Gram. Vocábulo que liga palavras, locuções, orações ou períodos (são eles: conjunções, preposições e pronomes relativos)” (XIMENES, 2001, p. 240). Analisados de forma meramente morfológica, os conectivos pertencem às classes gramaticais invariáveis, estabelecendo, entre os termos que liga, uma relação de dependência (CAMPEDELLI; SOUZA, 2001, p. 516). Contudo, é preciso analisar, também, sob o ponto de vista funcional: é a sintaxe das orações que fornecerá elementos de análise, visto que partiremos dela para tratar da disposição estrutural das palavras nas construções.

De acordo com Abaurre, Pontara e Fadel, os conectivos “têm a função de criar um sistema de relações e referências no interior do texto, garantindo, assim, a unidade entre as diversas partes que o compõem” (2001, p. 128). Podemos, então, concluir que essa ligação promovida pelos elementos linguísticos em questão diz respeito à coesão textual. Esta coesão, vista como articuladora de ideias e conceitos, pode ser entendida como coerência textual.

Através dos chamados recursos estruturais, a articulação entre os elementos do texto pode ocorrer de maneiras distintas, através de referências:

  • Anafórica – quando retoma um elemento anteriormente explícito no texto;
  • Catafórica – quando o termo pressuposto aparece depois do elemento que se refere a ele;
  • Endofórica – quando ocorre entre elementos do próprio texto;
  • Exofórica – ao estabelecer referência com dados da realidade exterior, ou mesmo com outros textos.

Entretanto, a referência ainda pode ocorrer por meio da substituição, onde um item lexical que expressa valor coesivo aparece em lugar de outro elemento do texto, ou mesmo de uma oração inteira. Ainda é possível utilizar a elipse, onde o elemento é omitido “em algum dos contextos onde deveria ocorrer” (ABAURRE; PONTARA; FADEL, 2001, p. 215). Pode-se afirmar que, em muitos casos, a elipse acontece para evitar a repetição de termos, impedindo certa falta de elegância no texto.

Abordando a coesão pelo léxico, podemos identificar o efeito obtido pela seleção de vocabulário, promovendo uma ênfase de elementos do discurso. Esse recurso pode ser obtido por meio da reiteração, para a qual utilizamos termos sinônimos, hiperônimos ou mesmo nomes genéricos. Essas retomadas com o uso de palavras do léxico que remetem a um mesmo sentido evitam, como na elipse, a repetição, mas reforçam a ideia do termo já expresso.

A colocação ou contiguidade usa termos pertencentes a um mesmo campo semântico, podendo ser observada em diversos tipos de textos como, por exemplo, nas colunas policiais, onde viatura, bandido, roubo e delegacia integrariam um mesmo campo da semântica (ABAURRE; PONTARA; FADEL, p. 132).

O sentido do texto é depreendido da maneira como este é articulado, sendo os elementos conectivos de suma importância, pois formam a base da coerência e da coesão textual.

 

2 Analisando o texto

 

No texto O que é assimilação, Max Gehringer intitula uma afirmação seguida de uma explicação como subtítulo. Ousamos afirmar que, por questão de estilo, o verbo de ligação ser aparece no início da frase que compõe o subtítulo, pois ela poderia ser introduzida por dois pontos, indicando a continuidade da ideia expressa anteriormente. Como abordado na introdução deste estudo, o autor inicia parágrafos com elementos que podem ser vistos, em outras construções, ligando frases. Suas sentenças curtas prenunciam um texto enxuto, e logo no primeiro parágrafo, em sua sentença de abertura, o termo “embora” já faz uma referência catafórica: ele enuncia a época à qual se refere depois da primeira ideia, em um estilo que envolve o leitor. Após esta primeira exposição, Gehringer retorna ao recurso de relação catafórica, pois busca novos elementos alusivos à ideia de abertura.

Na frase “[...] aconteceu quando tínhamos meros 7 anos de idade [...]”, percebe-se a elipse do pronome pessoal do caso reto nós, o qual vem a aparecer mais adiante, na construção “[...] e nós nem perguntamos por quê”, fazendo uma reiteração para mostrar, de maneira simples, a quem se refere a ideia exposta, mais uma vez utilizando o recurso catafórico. Novas elipses podem ser percebidas no caso deste pronome, resultando em um texto elegante e, ao mesmo tempo, coerente, pois todas as frases em que o autor faz uso deste recurso aparecem na conjugação que permite perceber a quem a ideia se refere.

No caso da conjunção coordenativa adversativa mas, que abre o parágrafo seguinte, percebemos que, mais uma vez, seu estilo de tecer as ideias por meio de sentenças curtas se faz presente para mostrar que os argumentos expostas não são únicos, sendo, portanto, necessária a alusão de novos elementos. Até então, Max Gehringer falara do caminho mais fácil. Agora, o seu mas inicia nova argumentação: a qualidade daquilo que se assimila. Entre as frases curtas da construção textual do autor poderiam aparecer diversos conectivos. As conjunções aditivas poderiam se fazer presentes em diversos momentos. Na quarta frase do segundo parágrafo, o autor faz uso da conjunção aditiva e, mas ela aparece depois do ponto final da frase anterior. Podemos crer, então, que este recurso estilístico serve para enfatizar a ideia anterior, mesmo sem lançar mão de elementos anteriormente elencados na fundamentação teórica deste estudo, pois vimos que não há ocorrência de quaisquer deles: sinônimos, parônimos ou nomes genéricos; sequer elementos que acusem contiguidade. Contudo, quando lança mão do “de quebra”, remete à soma dos elementos pospostos ao que já afirmara acerca dos romanos. Essas ocorrências só aparecem na frase seguinte, pois a pergunta acerca da qualidade da cultura grega reforça argumentos anteriores por meio de palavras pertencentes ao mesmo campo semântico. Ainda no mesmo parágrafo, o autor fala da necessidade de aceitação e utiliza o questionamento para inserir a ideia. O pronome relativo que remete a termos que aparecem depois, quando enumera os hábitos dos índios e dos europeus, mostrando, como argumentação, a necessidade de aceitação de nossos antepassados. As referências são claramente catafóricas – quando este apresenta o elemento de conexão antes dos vocábulos que expõem a ideia e, também, exofórica, pois passa a elencar novos argumentos que ainda não apareceram no texto, mas condizentes com o que se disse antes, referências para fundamentar suas ideias.

O autor leva a análise, então, para o campo profissional, sem mudar o estilo de escrita, acrescentando outro recurso: a retórica - por meio dos questionamentos, até concluir seu ponto-de-vista.

3 Considerações finais

 

            A principal função da língua é comunicar. Desta forma, tudo o que se diz ou que se escreve pressupõe um interlocutor ou um leitor. Entretanto, é necessário considerar que nem sempre o objetivo principal da língua é alcançado: a comunicação precisa da compreensão do interlocutor. Para tanto, é necessário que este entenda o que o autor – da fala ou escrita, deseja comunicar.

            O autor faz uso de um estilo elegante, didático e, ao mesmo tempo, de fácil compreensão. O texto de Gehringer aproxima-se da linguagem falada, sem perder a essência acadêmica. Quando usa frases curtas com conectivos abrindo-as, faz com que o leitor não habituado com a linguagem técnica prenda-se no texto, como se esse fosse um diálogo, visivelmente percebido no recurso retórico em que lança questionamentos. O autor não pode conversar com o leitor, mas pode pressupor o interlocutor por meio da retórica, fazendo-o pensar nas respostas.

            Os operadores argumentativos, neste caso, os conectivos, configuram um trunfo do autor para a compreensão do texto, e a escolha deles na construção das sentenças é de suma importância para a compreensão. Suas referências catafóricas e exofóricas mostram, ainda, pleno domínio não apenas do assunto abordado, mas de uma cultura abrangente que permite uma relação de escopo que vem a facilitar a compreensão do leitor, prendendo-o pelo interesse através da intertextualidade.

            Os operadores argumentativos são imprescindíveis na construção dos textos, principalmente quando se direcionam a interlocutores sem o hábito da leitura, que se veem forçados a compreender certos textos, por razões diversas.  

            Pode-se concluir, portanto, que a produção textual, seja ela técnica, literária ou de periódicos – científicos ou não – pode adaptar-se ao público leitor ao qual se destina, visto que uma grande quantidade de pessoas encontra dificuldades de compreender textos semelhantes aos que eles mesmos produzem: parágrafos longos, pouco articulados e, muitas vezes, altamente técnicos.

 

Referências

ABAURRE, MB.; PONTARA, MN; FADEL, T. Português: língua e literatura. São Paulo: Moderna, 2001.

ABRALIN - Associação Brasileira de Lingüística - <http://www.unb.br/abralin/index.php?id=4&destaque=4> acesso em 28.11.05.

CAMPEDELLI, SY.; SOUZA, JB. Português-Literatura: Produção de textos & gramática. São Paulo: Saraiva, 2001.

XIMENES, S. Minidicionário de Língua Portuguesa. São Paulo: Ediouro, 2001.

 

ANEXO – O que é assimilação – É escolher o caminho mais fácil, por necessidade de aceitação ou conveniência

Max Gehringer

Embora naquela época nenhum de nós suspeitasse, nosso primeiro contato com o conceito de assimilação aconteceu quando tínhamos meros 7 anos de idade. Foi logo no primeiro ano do primeiro grau. Um belo dia, a mestra determinou que antes de P e B deveríamos escrever M, e não um N. E nós nem perguntamos por quê. Acatamos a determinação, sem discutir.  Se tivéssemos perguntado qual a razão daquela aparente discriminação literal, teríamos descoberto, precocemente, o que era assimilação. Em muitas palavras, para facilitar a pronúncia, um som se torna similar a outro som vizinho. As letras P e B são bilabiais (para pronunciá-las, nossos lábios se fecham). A letra M também é bilabial. Mas o N não é. Nós o pronunciamos de boca aberta, com a língua tocando o espaço entre os dois dentes centrais superiores. Então, para facilitar a vocalização, o som do N vira som do M antes do P e do B. Essa é a primeira regra da assimilação: nós assimilamos porque é mais fácil.

Mas há outros motivos para assimilarmos coisas. Um deles é cultural. Os romanos assimilaram boa parte do vocabulário dos gregos. E, de quebra, também os deuses e os mitos. A assimilação, nesse caso, se deu por pura conveniência. Se a cultura grega era melhor e mais avançada, por que não copiá-la? E há a assimilação por necessidade de aceitação. Num país tropical como o Brasil, o que teria sido mais lógico há 500 anos? Assimilar os hábitos dos índios, que andavam bem à vontade, ou os hábitos dos europeus, que usavam trajes apropriados para climas gelados? Para não serem vistos como selvagens pelos empertigados europeus, nossos ancestrais decidiram assimilar um traje pouco apropriado ao nosso clima.

Nas empresas brasileiras, estamos assimilando a cultura corporativa americana. Usamos termos que não precisaríamos, porque temos palavras em nosso idioma com igual significado. Adotamos gurus alienígenas, em detrimento dos nacionais. Essa assimilação seria do tipo 3 (somos um povo em busca de aceitação), do tipo 2 (a cultura de lá é melhor que a de cá) ou do tipo 1 (é fácil)? Já no caso de um subordinado que assimila o jeito do chefe, seria uma sábia emulação, uma cópia conveniente ou puro puxa-saquismo? Há três versões: a de quem assimilou (e acha que é certo), a de quem está observando (e acha que está errado) e a do chefe (que fica todo orgulhoso).

Em maior ou menor escala, carreiras são construídas por assimilação. Raros são os profissionais que tentam criar o próprio estilo. E estes sofrem, porque descobrem como é difícil ser autêntico. Por facilidade, preguiça ou conveniência, 99 de cada cem aceitam que a assimilação é inevitável. Justificam que, num mundo globalizado, se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Apenas um centésimo deles percebe que existe, sim, uma saída. Ela é ousada, mas é bem mais arriscada: ser o bicho. O bicho que não imita, é imitado.



[1] Extraído do artigo LINGÜÍSTICA TEXTUAL E PCNs DE LÍNGUA PORTUGUESA, veiculado pela ABRALIN – Associação Brasileira de Lingüística, da pesquisadora Ingedore G. Villaça Koch (UNICAMP/CNPq).

[2] O texto também está disponível em: <http://www.sinprorp.org.br/Clipping/2005/338.htm>.