A IMPORTÂNCIA DO  REGIME DE ADMINISTRAÇÃO ESPECIAL TEMPORÁRIA  – UM ESTUDO DE SEUS EFEITOS

 

Introdução

O sistema financeiro tem evidente importância estratégica para a economia de um país, por isso devem ser adotadas medidas para a sua proteção. Em função do alto nível de integração em que opera o sistema, a crise de uma instituição financeira resulta em prejuízos não apenas para seus credores, mas para o mercado financeiro como um todo pondo em risco a economia.

A Lei 11.101/2005, denominada nova lei da falência, trouxe importantes modificações ao sistema falimentar brasileiro, contudo, a referida lei não se aplica as instituições financeiras públicas ou privadas insolventes, sendo estas reguladas por legislação específica. Nesse contexto, verifica-se a existência de três instrumentos de intervenção que a lei atribuiu ao Banco Central: o Regime de Administração Especial Temporária – RAET (Decreto-Lei nº 2.321, de 25.2.1987), a Intervenção propriamente dita (Lei nº 6.024, de 13.3.1974) e a Liquidação extrajudicial (Lei nº 6.024, de 13.3.1974).

O presente estudo pretende analisar, especificamente o RAET, para, a partir de uma breve análise deste instrumento e de seus efeitos, verificar a sua importância para a proteção do sistema financeiro e como, ao adota-lo, pode-se evitar que se chegue a medidas mais drásticas. Para tanto, partiu-se de uma breve análise da nova lei de falências, passando, uma vez que esta não se aplica as instituições financeiras, à identificação dos instrumentos existentes na legislação específica.

1. Compreendendo o procedimento falimentar da Lei 11.101/2005 e a previsão de exclusão das instituições financeiras de seu âmbito de aplicação

A Lei 11.101/2005 tratou de estabelecer uma espécie de execução especial para os devedores insolventes, na qual todos os credores reúnem-se num único processo, em obediência ao princípio básico do direito falimentar, par condicio creditorium. Tal execução concursal, contudo, não se aplica a todos os devedores. Para que se submeta à legislação falimentar (Lei 11.101/2005), e não ao Código de Processo Civil, o devedor deve possuir a qualidade de empresário ou sociedade empresária. Assim, conceitua-se a falência como “execução concursal do devedor empresário” (MARTINS, 2010, p. 631-634).

Assim, percebe-se que o procedimento falimentar, pela sua especialidade, requer a existência de alguns pressupostos para a sua aplicação. André Ramos (2010, p. 635) aponta serem três: “o primeiro, denominado de pressuposto material subjetivo, consiste na qualidade de empresário do devedor; o segundo, denominado de pressuposto material objetivo, é consubstanciado na insolvência do devedor; e o terceiro, por fim, denominado de pressuposto formal, é a sentença que a decreta”.

Para o estudo aqui realizado, é de maior importância a análise do pressuposto material subjetivo, qual seja, a qualidade de empresário do devedor, pois este ponto é critério essencial para a definição do regime jurídico a ser aplicado. Isto porque não obstante a legislação falimentar tenha definido sua aplicação quanto aos empresários, tratou de excluir do seu âmbito de aplicação alguns agentes, dentre eles as instituições financeiras públicas ou privadas (art. 2º, II, Lei 11.101/2005). A análise da técnica legislativa, porém, há de ser feita com cautela, pois

não se deve entender, pela simples leitura do dispositivo acima transcrito, que os agentes econômicos nele referidos estão completamente excluídos do regime falimentar estabelecido pela Lei nº 11.101/05. Na verdade, a situação desses agentes, ao que nos parece, não sofreu alteração, uma vez que eles, de fato, também não se submetiam, em princípio, ao Decreto-lei nº 7.661/45, nosso antigo diploma falimentar. Tais agentes possuem, na verdade, leis específicas que disciplinam o tratamento jurídico de sua insolvência (...)

No caso das instituições financeiras, trata-se dos regimes especiais de liquidação, intervenção extrajudicial, regulados pela Lei 6.024/74, e Regime de Administração Temporária - RAET, regulado pelo Decreto 2.321/87, previstos pelo Banco Central. Importante notar que se diferenciam tais regimes. A liquidação extrajudicial é medida mais grave e definitiva, a operar quando há indícios de insolvência irrecuperável ou quando foram cometidas sérias infrações. A intervenção, por sua vez, tem o efeito de suspensão das atividades normais, bem como a destituição dos seus dirigentes. Esta última, assim como a administração especial temporária, pretende evitar o agravamento das dificuldades com vistas a afastar os riscos patrimoniais, que podem afetar toda a sociedade (SADDI, 2009).

2. Conhecendo o RAET: conceito, aplicação, duração e cessação

O Regime de Administração Especial Temporária – RAET foi instituído pelo Decreto-Lei 2.321, de 25.02.1987 nas instituições financeiras privadas e públicas não federais autorizadas, pela Lei 4595 de 31 de dezembro de 1964, a estar em funcionamento. Ulhoa (2007, p. 400) leciona que o objetivo deste regime  é o mesmo que o da intervenção judicial, qual seja, “possibilitar a recuperação econômico-financeira e a reorganização da instituição financeira, evitando-se a sua liquidação extrajudicial (...)”. Embora mais adiante seja aprofundado o estudo dos efeitos do RAET, adianta-se que este, quando aplicado, não interrompe, tampouco suspende as atividades da empresa, porém, dá ensejo à perda do mandato dos dirigentes da instituição financeira. Estes serão substituídos temporariamente – enquanto durar o RAET – por um conselho diretor nomeado pelo Banco Central (BRITO, ano, p. 11).

O Banco Central decretará o RAET quando verificadas as situações expressa e taxativamente previstas no art. 1º do Decreto-Lei 2.321/1987. São elas: a) prática reiterada de operações contrárias às diretrizes de política econômica ou financeira traçadas em lei federal; b) existência de passivo a descoberto; c) descumprimento das normas referentes à conta de Reservas Bancárias mantida no Banco Central do Brasil; d) gestão temerária ou fraudulenta de seus administradores. O Decreto-Lei 2.321/1987 prevê, ainda, a possibilidade de instauração de RAET quando ocorrer qualquer das situações que autorizam a realização do procedimento de Intervenção Judicial, expostas no art. 2º da Lei 6.024 de 13 de março de 1974:  e) a entidade sofrer prejuízo, decorrente da má administração, que sujeite a riscos os seus credores;  f) forem verificadas reiteradas infrações a dispositivos da legislação bancária não regularizadas após as determinações do Banco Central do Brasil, no uso das suas atribuições de fiscalização; g) na hipótese de ocorrer qualquer dos fatos mencionados nos artigos 1º e 2º, do Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945 (Lei de Falências), houver possibilidade de evitar-se, a liquidação extrajudicial.

Quanto ao prazo de duração deste Regime Especial, logo no parágrafo único do art. 1º da lei em comento, tratou o legislador de deixar clara a inexistência de fixação de prazo. O ato que decretar o RAET é que ficará responsável por estabelecer o prazo de sua duração, prorrogável por período não superior ao primeiro prazo, se absolutamente necessário. Percebe-se, aqui, que foi atribuída certa dose de discricionariedade ao Banco Central, a qual foi potencializada pela utilização do conceito jurídico indeterminado “se absolutamente necessário” (ABRÃO apud BRITO, p. 20).

As causas de cessação do RAET estão expostas no art. 14 do Decreto-Lei e são assim sintetizadas por Fábio Ulhoa (2007, p. 403): “quando é decretada a falência ou a liquidação extrajudicial da instituição financeira, ou quando esta se reorganiza, inclusive através de cisão, fusão, incorporação, venda ou desapropriação do controle acionário, restabelecendo-se a normalidade de sua situação econômico-financeira”.

3. A importância do RAET como forma de evitar uma medida mais drástica – um estudo de seus efeitos

Dos três mecanismos à disposição do Banco Central a, a liquidação extrajudicial mostra-se como a mais gravosa, sendo seus efeitos e consequências deveras negativos e por isso sempre que possível deve ser feito uso dos mecanismos disponíveis para evita-la. Assim como a intervenção extrajudicial, o RAET é um instrumento que visa evitar que se chegue a liquidação da instituição financeira, contudo este apresenta-se como medida mais branda de enfrentamento da crise. Isto por que com a decretação da administração especial, diferente do que ocorre na intervenção, não se verifica a suspensão das atividades das instituições e, portanto, aqui não se verificam as consequências típicas da intervenção judicial, como: a suspensão da exigibilidade das obrigações vencidas; suspensão da fluência do prazo das obrigações vencidas anteriormente contraídas; inexigibilidade dos depósitos já existentes à data de sua decretação. (ULHÔA, 2007, p 402)

Nesse ponto, é válido destacar que, tanto o RAET como a intervenção atinge de forma direta a administração da instituição, contudo alguns pontos distinguem um instituto do outro, dentre os quais, BRITO (p. 16) destaca que: na administração especial, a administração passa a ser feita por um conselho diretor, órgão colegiado; já intervenção, fica nas mão de um interventor, gestor único; na intervenção, o funcionamento normal da instituição é interrompido, suspendendo-se a exigibilidade dos depósitos e das obrigações vencidas; na administração especial, a instituição financeira continua normalmente com as suas atividades; na intervenção, os administradores e membros do conselho fiscal são suspensos de seus cargos, ao passo que, no regime especial, perdem a sua qualidade; e por fim, com a decretação da administração especial temporária, fica o Banco Central autorizado a usar recursos da reserva monetária, na tentativa de recuperar econômica e financeiramente a instituição.

O sinal de uma crise dentro de uma instituição financeira desencadeia enorme temor entre os seus clientes e consequentemente a quebra da confiança popular. A interrupção das atividades da instituição, que ocorre quando é decretada a intervenção judicial, contribui para esse cenário de pânico. Nesse contexto, BRITO (ANO, p.13), aponta que “é bem verdade que o instituto da intervenção é bem mais traumático, invasivo e prejudicial à instituição financeira e ao próprio sistema financeiro, sendo que o RAET veio amenizar, ou melhor, evitar os efeitos colaterais que sempre advieram da intervenção”.

No RAET, como já fora exposto, embora ocorra a perda do mandato dos administradores e a administração da instituição, que passa a ser feita por um conselho diretor nomeado pelo Banco Central, não ha qualquer interferência no curso normal das atividades. Segundo Ivo Waisberg (apud BRITO, p. 14) o RAET propicia a tomada da administração pelo supervisor e seus nomeados sem interromper a atividade da empresa bancária, mantendo-se o curso regular dos negócios e o normal funcionamento da instituição e, por isso, sem provocar pânico. Motivo pelo qual ser considerado um instrumento muito mais eficaz que a intervenção no cumprimento de sua função, sendo melhor inclusive para os credores.

Com isto, podemos concluir que a intervenção, só deverá preceder o RAET quando os problemas que afetam a instituições financeiras se mostrem mais sérios. Como bem pontua SIMÃO (2005, p. 538), a lei permite ao Banco Central postergar a decretação da intervenção, o que não acontece com o RAET, que deve ser decretado sempre que se verificar uma má situação econômica ou financeira evitando que se chegue a intervenção ou até mesmo a liquidação.

Cumpre frisar que todas as causas de intervenção e liquidação podem também justificar o RAET, que como já foi dito, ao preencher os pressupostos torna-se obrigatório. Contudo, é importante que se saiba que o regime de administração especial não substitui a intervenção. Nesse sentido, SIMÃO (2005, P. 545) leciona, que o “O RAET e a intervenção coexistem, podendo a autoridade monetária optar segundo a gravidade da situação da entidade pelo primeiro, mais brando, ou pelo segundo que é mais severo”. O que se verifica, portanto, que são regimes distintos, com procedimentos e efeitos diferentes, cabendo, assim, ao Banco Central optar por um ou pelo outro.

Conforme, bem aponta ULHÔA (2007, p. 402) a recuperação e a reorganização da instituição financeira pode e deve ocorrer sem maiores ônus para os seus credores. E nesse contexto, o RAET revela-se como o principal mecanismo para se chegar a esse objetivo, afastando, em um primeiro momento, a hipótese de intervenção que pode se revelar muito mais drástica e gravosa.

Considerações Finais

A legislação falimentar atual em nada inovou ao não incluir em seu âmbito de aplicação a insolvência das instituições financeiras públicas ou privadas, visto que a antiga lei também o fazia. Assim, estas instituições continuam sujeitas aos regimes especiais previstos em leis específicas. Diante disto, o presente trabalho propôs-se a analisar o Regime de Administração Especial temporária, sobretudo seus efeitos, ao mesmo tempo em que se buscou traçar um comparativo entre este e o regime de Intervenção Extrajudicial.

Percebeu-se que a suspensão da exigibilidade dos depósitos e obrigações vendidas à época da instauração da Intervenção Extrajudicial é uma das principais diferenças em relação ao Regime de Administração Especial, e esta distinção influencia diretamente nas chances de preservação da instituição bancária. Isto porque, conforme aponta Paulin (apud BRITTO, p. 7) é pouco provável que os depositantes e investidores, depois de superada a crise, voltem a manter negócios com a instituição. Por outro lado, a continuidade dos negócios e o funcionamento normal da entidade financeira, ainda que esta esteja sob o regime de administração especial temporária, é fator positivo que ajuda na preservação da instituição financeira e na normalização dos seus negócios, colaborando para que este principal objetivo seja alcançado.

Contudo, não obstante os benefícios na adoção do RAET, não há que se prescindir que, estando diante de uma insolvência ou na iminência desta, é necessário que se realize uma análise pormenorizada caso a caso a fim de que se verifique o perfeito enquadramento da situação fática aos requisitos dispostos em lei para a aplicação de cada um dos regimes especiais. Isto porque por mais que, como demonstrado, o RAET possua diversas vantagens em relação aos demais regimes, a sua aplicação em determinados casos, em que forem mínimas as chances de recuperação da instituição financeira devido ao alto grau de insolvência, poderá não surtir os efeitos desejados, sendo mais adequado optar pela instauração dos outros regimes previstos em lei.