A IMPORTÂNCIA DO PLANO DIRETOR PARA O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE¹

 

 

 Laryssa Bianca Monteiro Freire e Camila Araújo Martins²

Viviane Oliveira³

 

 

RESUMO

O presente artigo tem por escopo apresentar uma breve análise sobre a função social da propriedade, bem como características e aspectos desse direito individual. Analisando sua natureza de direito fundamental, uma vez que disposto na Constituição Federal no art. 5º, inc. XXIII . E por fim, explanar a responsabilidade dos proprietários e do Estado quanto a melhor utilização dos bens imóveis particulares.

Palavras-chave: Propriedade; Princípio da Função Social; Plano Diretor; Estatuto da Cidade; Responsabilidade; Constituição Federal.

  1. 1.    INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, trouxe uma nova imposição, a vinculação do direito à propriedade, que já constava nas demais constituições anteriores, ao bem-estar social. O direito que é fundamental e tem faceta individual agora deve ser exercido apenas na medida em que não prejudique ninguém, e ainda de forma a trazer algum beneficio para a sociedade em geral.

Com a edição do Estatuto da Cidade, a Lei 10.257/01, essa exigência constitucional se concretizou, não só com regras mais específicas, mas também com discussões que alcançam todos os setores da sociedade, tanto as áreas técnicas que trabalham com isso como também a população, diretamente interessada.

  1. 2.    DIREITO FUNDAMENTAL À PROPRIEDADE

Colocado como um direito fundamental, o direito à propriedade vem previsto no art. 5º, inc. XXIII, pela lógica de disposição dos artigos da CF, ele seria classificado como um direito individual. E é certo que tem esta faceta, uma vez que é absoluto, perpétuo e exclusivo, sendo que devido a esse fato, proporciona a posse, o uso, o gozo, a livre disposição e ainda o direito de reavê-lo de quem injustamente o detenha.

Contudo esta não é a única faceta deste direito, pelo princípio da função social ele deve ser garantido sempre em observância do bem comum, de toda a sociedade. Ele é garantido exclusivamente ao proprietário, pois este não pode perder seu direito nem tê-lo diminuído, apenas há uma imposição constitucional que o vincula ao bem-estar social, e é de se ressaltar que essa vinculação não tem como objetivo cercear o direito inerente ao dono, mas apenas condicionar o uso da coisa de forma a garantir que ninguém seja prejudicado e ainda que traga algum beneficio para a coletividade.

Antes da Lei 10.257/01 e da Constituição de 1988 o direito à propriedade era um sem limites, exercido de acordo com a livre vontade do proprietário. Apesar de antes de 88 já haver previsão do exercício em função do bem social, apenas com a atual constituição que se pôde observar esta condição efetivada. Sendo que isto é condizente com o histórico brasileiro onde os proprietários tinham grandes extensões de terra, e também os setores que trabalham nessa área como imobiliárias, no séc. XX isto ainda era observado, e exerciam seu direito de forma extremamente individualista, pois não havia regras especificas que os impedisse ou que regulassem suas atividades. 

Portanto não se pode deixar de dizer que a propriedade sofreu um processo de evolução com o passar do tempo, a mudança do contexto social brasileiro e as novas disposições trazidas pela Constituição de 88 compradas as Constituições anteriores. A propriedade evoluiu de individual para social, e essa mudança é observada pela consolidação do princípio da função social da propriedade que consta na carta magna, e que tão somente garante o direito exclusivo a propriedade àquele que o exercer de forma a não prejudicar os outros ao seu redor tendo em vista a Lei Federal 10.257.

Ainda como previsão constitucional da propriedade é possível encontra no artigo 170, que versa sobre a ordem econômica, o princípio da propriedade privada e também da própria função social da propriedade, como formas de assegurar uma organização adequada da economia e do trabalho. Outro artigo que ratifica essa função social são os que pertencem ao capítulo que trata sobre a propriedade agrícola. Portanto, tem-se a extrema importância e relevância que deu a CF de 88 para a função social da propriedade e não só  para o mero cumprimento de um direito, apesar de se tratar de um direito fundamental.

 3. ESTATUTO DA CIDADE E DEMAIS REGRAS APLICÁVEIS

Na Constituição há um inteiro capítulo tratando de política urbana, arts. 182 183. A disposição de um capítulo inteiro na carta maior dá uma nova conotação de importância e prioridade quando se trata da função social da propriedade com a tradução de seus princípios que não mais têm conotação de direito público e privado puramente da esfera civil, mas sim uma visão de abrangência também e principalmente ambiental.

Contudo devido ao procedimento no que diz respeito a organização do estado a própria CF declarou a competência de cada estado-membro e cabe aos municípios legislar sobre a ocupação do solo urbano. Competência esta que segundo a constituição é prioritariamente dos da autoridade publica municipal.

Contudo há uma omissão da União com relação a efetivação das políticas urbanas previstas em fora de principio e leis gerais em seu respectivo capítulo. Daí notou-se a necessidade de uma lei federal que assim o fizesse, que colocasse em prática o que declara a carta magna nos arts. 182 e 183. Proposta pelo Projeto de Lei 181/1989 a Lei Federal nº 10.257/2001 inaugurou o chamado Estatuto da Cidade, que colocou enfim na realidade material o que até então era posto apenas na teoria.

Recheado de instrumentos jurídicos e urbanísticos destinados a efetivação da política urbana, o Estatuto da Cidade proporcionou uma verdadeira mudança de paradigma, uma vez que trouxe normas especificas e passiveis de aplicação imediata em todo pais após anos de espera, já que eram previstas, mas não tinham eficácia, o que era possível se perceber ao se observar as cidades e a estrutura do direito de propriedade que se tinha antes.

Estrutura que se modificou e se vinculou seu exercício a função social da propriedade. Que está diretamente ligada a proteção jurídica ambiental, com objetivo da proteção e manutenção do bem-estar coletivo. Então, tem-se uma nova ordem no âmbito civil, a proteção ambiental e não mais direitos exclusivamente particulares e públicos. Portanto pode-se concluir que o direito a propriedade, com o advento do Estatuto da Cidade, perdeu seu cunho de exclusivamente individual e tornou-se precipuamente um direito difuso, com abrangência a todos os indivíduos e não só àquele que o possui.

É fácil observar a grande importância de que se revestiu a propriedade nesta lei, pois esta tem como objetivo efetivar diretrizes sobre a função social da cidade e da propriedade urbana (art. 2º, 10.257/01), e com isso garantir no plano fático a função social da propriedade. Tendo em vista que o problema nunca foi a falta de uma lei, ou de diretrizes, pois esta já existem há um certo tempo, o trabalho a que se deu o legislador por produzir esta lei federal é tão somente fazer com que estas leis já vigentes e outras tantas efetivas, dada a importância da matéria cidade para toda a coletividade. 

A cidade tem por sua vez a função de proporcionar direito como moradia, educação, lazer, segurança, etc. Contudo não tem objetivo de garantir o direito à propriedade em si, mas sim que esta não suprima os demais supracitados. O escopo maior da cidade é a proteção dos direitos fundamentais de cunho coletivo e difuso, conjunto indivisível no âmbito das cidades que não deve nem pode ter a propriedade como superior.

 4.      PLANO DIRETOR E RESPONSABILIDADE

         As Constituições anteriores a de 1988 não haviam feito menção a expressão “Plano Diretor”, apenas na Carta Magna atual que tal instituto ganhou formas porem ainda sem uma definição concreta. Tal conceito só veio a ser explicitado com o Estatuto da Cidade que em seu artigo 40 apregoa que Plano Diretor “é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”.

        Plano Diretor pode ser definido como” lei sistematizadora do desenvolvimento físico ,econômico, social e administrativo do Município ,em função do bem-estar de sua população “. Autores de renome apregoam que sua natureza de “plano” é oriunda das metas que deverão ser atingidos como os prazos  e atividades a serem executadas.  O sentido de “diretor”  decorre das diretrizes e princípios que tal instituto fixa para o desenvolvimento do Município.

             A obrigatoriedade  do Plano Diretor é imposta pelo artigo 41 do Estatuto da Cidade . Cabe ao Executivo a iniciativa dessa lei, não pode em hipótese alguma tal poder ser omisso quanto a instituição do Plano Diretor afinal as normas do Estatuto da Cidade possuem natureza de “ordem pública e interesse social” como mostra o paragrafo 1°  da referida lei.

             Portanto, a omissão do Prefeito Municipal quanto a instituição do Plano Diretor configura crime de responsabilidade por negar-se a executar o que dispõe lei federal  como mostra o art. 1° ,XIV do Decreto-lei  federal n° 201/67( dispõe sobre a responsabilidade de Prefeitos e vereadores).

         Observa-se obrigatoriedade também na revisão do Plano Diretor , este como já dito anteriormente deve adequar-se as exigências do Estatuto da Cidade ,princiopalmente se este já possui mais de dez anos em vigor, como impõe o § 3°, do art. 40 da mesma lei. Da mesma forma se dá a obrigação quanto aos Municipios com mais de vinte a . mil habitantes que fazem parte de região metropolitana ou de aglomeração urbana (art. 50). A pena é a mesma dos casos anteriores: a improbidade administrativa.

       A obrigatoriedade também é observada quanto aos Municípios dotados que possuem Plano Diretor, mas não está compatível com o Estatuto da Cidade, afinal possuir tal instituto e não observar as diretrizes para a execução da política de desenvolvimento e expansão urbana é o mesmo que não tê-lo.

         Em suma, o Prefeito que deixa de cumprir o que esta imposto pelos artigos. 40, incisos I a III do § 4°, art. 50 e art. 52, VII do Estatuto da Cidade atenta contra princípios basilares da administração pública como os princípios da legalidade , da publicidade e da transparência . Portanto se subsume ao art. 11,caput, da Lei fereal 8.429/92. A obrigatoriedade da instituição do plano diretor é expressa portanto ,é evidente que seu descumprimento pelo Prefeito Municipal culmina em processo de improbidade administrativa e sanções previstas no art. 12, III, da Lei federal n° 8.429/92.

         Quanto ao servidor ou agente publico que descumprir as regras previstas nos incisos II e III do § 4° do art. 40 do Estatuto da Cidade de modo a deixar de observar os requisitos garantidos em tais incisos também são acometidos de sanções pois infringem o artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa . Tais sanções tem caráter político, administrativo e civil previstos no artigo 12 , III, da Lei n ° 8.429/92.

5. A IMPORTANCIA DO PLANO DIRETOR PARA O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

           Nossa Carta Magna em seu artigo 182 ,parágrafo segundo prevê : “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Da mesma forma o Estatuto da Cidade no art. 39 apregoa que : 

“a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta lei”.

 

           Na leitura de tais dispositivos podemos concluir que nosso ordenamento jurídico ao definir a política urbana preza pelo cumprimento da função social da propriedade e elenca o Plano Diretor como instrumento fundamental para atingir tal meta.  Tal instituto indicará como exercer o direito individual de propriedade de forma a não dificultar o acesso aos espaços habitáveis de parte da população desprovida de terra.

           De acordo com Jose Afonso da Silva (2006, p.140), o Plano Diretor é um instrumento com o objetivo geral de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e com objetivos específicos que variam de acordo com a realidade, ou seja, com os valores de cada cidade.

           Portanto tal instituto mostra-se como capaz de assegurar o cumprimento da função social da propriedade uma vez que é instrumento de planejamento urbanístico que define a forma de ocupação dos espaços habitáveis. Sua efetividade para a sociedade pode ser assegurada com a participação da comunidade por meio de audiências publicas.

          A garantia da participação da população deve vir dos Poderes Executivo e Legislativo sob pena de invalidade do devido processo legislativo. O Ministério Publico deve assegurar o cumprimento das obrigações impostas pelo Estatuto da Cidade mantendo a fiscalização junto aos  Poderes Legislativo e Executivo .

       A formação do Plano Diretor segue o processo legislativo e se da pela aprovação da Câmara de vereadores após a formulação pelo prefeito. Seu tramite se iguala ao processo legislativo de leis municipais.  A participação popular é indispensável pois o Plano deve atender as necessidades da sociedade local e somente com o apoio da sociedade tal instrumento pode ter sintonia com a realidade . Portanto, para que seja efetivo o plano diretor precisa determinar os critérios físicos, econômicos e sociais para que seja atingida sua função social. O autor Leal apregoa:

“alguns planos diretores como o de Recife, o de João Pessoa e o de Natal, adotaram dois critérios para apurar se a propriedade urbana atende à sua função social. Primeiro é o da intensidade do uso desta propriedade, o segundo, a compatibilidade de seu uso com as condições de preservação da qualidade do meio ambiente, da paisagem urbana, da segurança e da saúde de seus usuários e vizinhos.”

         Em suma, o Plano Diretor serve para balizar o cumprimento da função social da propriedade. Esta precisa atender aos interesses coletivos que devem impor-se em relação aos interesses individuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

         Pelo exposto podemos concluir que o Plano Diretor representa um instrumento essencial de política publica para fazer com que a vida dos cidadãos seja minimamente confortável quanto ao seu ambiente prevendo normas de crescimento da cidade, atendendo as peculiaridades sociais, culturais, econômicas e geológicas sempre observando os interesses coletivos. Não encontramos o conceito de função social no corpo do Plano diretor, mas sim os critérios que precisão ser observados para o cumprimento desta.

        Concluindo, é evidente que o PDM é instituído para atender os anseios sociais, determinando as diretrizes para o crescimento das cidades observando os interesses coletivos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BLANC, Priscila Ferreira. Plano Diretor Urbano e Função Social da Propriedade. Coritiba: Juruá, 2003.

BRASIL. Lei n° 10.406. Código Civil: promulgado em 10 de Janeiro de 2002.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de Outubro de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm acessado em 04 de Setembro de 2009.

BRASIL. Lei n° 10.257 (2001). Estatuto da Cidade: promulgado em 10 de Julho de 2001.

GASPARIN, Diógenes. . Título: Aspectos jurídicos do Plano Diretor. Revista da Faculdade de Direito. Disponívelem:<https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/RFD/article/viewFile/488/486>

 

LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades de constituição do espaço urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

MOREIRA, Rebeca Eleres Cortez. As funções sociais da cidade e do plano diretor urbano. Monografia (graduação em Direito)  – Curso de Direito, Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, 2009.

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 4ª Ed. SP: Malheiros, 2006.