A IMPORTÂNCIA DO MATRICIAMENTO NA SAÚDE MENTAL INFANTO-JUVENIL NA VISÃO DAS ASSISTENTES SOCIAIS DO CAPS INFANTIL DE RIO CLARO, SP                                   

Edinalva Souza Barreto Da Silva

Paula Fernanda Agus

RESUMO

Este artigo tem como objetivo mostrar a importância do matriciamento em saúde mental, junto às Equipes de Saúde da Família (ESF), Educação e os demais serviços da rede do município de Rio Claro, no intuito de oferecer atendimento de melhor qualidade ao público infanto-juvenil que necessite de atendimento em saúde mental. Enfoca-se a historicidade da saúde mental no mundo, no Brasil e no município de Rio Claro, bem como o trabalho oferecido no município ao público infanto-juvenil, através do Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi). Mostramos ainda como são desenvolvidos os trabalhos voltados ao público infanto-juvenil e, através dos questionários respondidos pelas Assistentes Sociais do CAPS Infantil de Rio Claro, observamos a importância do matriciamento em saúde mental junto às ESF e Escolas, para que, em conjunto, todos possam trabalhar com um só objetivo, atender ao indivíduo na sua totalidade.

  1. Introdução

Atender ao público infanto-juvenil, especificamente na  área de  saúde mental, como é o caso do público que estamos estudando, nem sempre foi uma tarefa fácil  para os profissionais envolvidos. Embora, o atendimento  a crianças e adolescentes com transtornos mentais severos e persistentes vá muito além do tratamento e da atenção desses profissionais, independentemente da experiência e dedicação de cada um deles, ou de sua especialização. Diante disso, faz-se necessário que os serviços em rede do município, mais especificamente a atenção básica em saúde e a educação, se articulem junto à equipe de saúde mental, através de matriciamento, visando melhor conhecer a problemática da saúde mental e, consequentemente, oferecer atendimento tanto à saúde física quanto  psíquica, ou seja, atender ao indivíduo na sua totalidade.

Segundo Dimenstein (2009), matriciamento é um método de trabalho cujo objetivo é viabilizar a interconexão entre os serviços primário, secundário e terciário em saúde,  alcançando os diversos setores e secretarias do município, visando um acolhimento integral ao cidadão, na sua saúde física, psíquica e social.

O estudo aborda a necessidade de se realizarem reuniões com equipes das  Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades de Saúde da Família (USFs), Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e  Escolas, para que todos possam compartilhar casos, numa rede bem articulada, não dando margem a erros e desentendimentos futuros.

Conforme nos diz Saraceno (vol. 9, nº1. São Paulo, 1998, pp. 26-31):

Eu creio que temos que buscar uma clínica diferente. Alguns falam de uma clínica do sujeito. Eu falo de um artesanato da clínica do sujeito, eu creio que é uma clínica de escuta, de acompanhamento também do real material do paciente....é uma clínica cujo objetivo final é a produção de sentido.

 No Brasil, a partir da década de 1970, a influência da teoria Marxista, a luta contra o regime militar e denúncias contra maus tratos nos hospitais psiquiátricos, cada vez mais comuns, fizeram com que a prática quanto à saúde mental fosse revista. Mas foi na década de 1980, com a Constituição Federal de 1988, que o tratamento mental se legitimou como direito de todos, ao mesmo tempo em que se começou a desenvolver uma nova prática, baseada no senso crítico.

Com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), começou a se efetivar a participação social como uma diretriz, conduzindo os trabalhadores da saúde mental para a criação da  reforma psiquiátrica. Na década de 1990,  a  lei 10.216/01 passou a nortear uma ação mais humanitária em relação ao tratamento dos portadores de saúde mental, visando à proteção dos mesmos por todos. Assim, os hospitais psiquiátricos foram sendo desconstruídos, implementando serviços extra-hospitalares e a internação com critérios mais minuciosos e por períodos mais curtos.

Com todo esse processo visando melhorias para a saúde mental, conforme Tófoli e Fortes (2007), o matriciamento se expandiu após o ano 2000,  quebrando a tradição de hierarquização, de demanda de responsabilidade a outros serviços e de comunicações de atendimentos defasadas. Esse novo norte visa integrar os serviços garantindo, por vias horizontais, interligar saberes e uma comunicação dinâmica.

No Município de Rio Claro, foram iniciados os trabalhos de matriciamento nas USFs, há aproximadamente um ano. Porém, esse trabalho foi interrompido devido às equipes de Saúde da Família possuírem um número reduzido de Agentes Comunitários de Saúde, sendo estes os principais protagonistas do contato entre paciente, USF e CAPS Infantil.

Devido à grande demanda que chega ao CAPS Infantil, de casos que às vezes nem precisariam chegar até lá, talvez pela falta de conhecimento ou até pela necessidade de maior engajamento entre os serviços, vê-se a necessidade emergente da volta desse trabalho conjunto através de matriciamento. Isto porque, a criança e o adolescente devem ser vistos na sua totalidade, conforme preconiza a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 227.

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente, ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

    No início do Serviço Social na área de saúde mental brasileira, as assistentes sociais eram subordinadas aos médicos e, como a profissão era acrítica,  seu papel profissional demandava mais a higiene social do que a mediação de direitos.

Atualmente, com a nova prática de trabalho em equipe multidisciplinar, o profissional em Serviço Social trabalha em nível de igualdade,  cada um na sua especificidade.

  1. Organização Mundial da Saúde (OMS)

A partir da criação da Organização das Nações Unidas (ONU), foi visualizada a importância de uma organização voltada somente à saúde. Em sete de abril de 1948, foi fundada a Organização Mundial da Saúde (OMS). 

O propósito da OMS é a garantia de saúde para todos os seres humanos, sendo esta garantia não  apenas para tratamento de enfermidades, já que a OMS entende a saúde como um estado de bem estar físico, mental e social.

A OMS preconiza o acesso universal à saúde, sugerindo atividades dos técnicos em conjunto, para capacitações na área de saúde;  melhorias do saneamento nos locais de acesso das pessoas; fortalecimento das pesquisas biomédicas e formulações de políticas voltadas aos medicamentos. Responsabiliza-se também pela definição de agendas voltadas à saúde, por orientações de políticas com evidências atuais, apoios técnicos, estabelecimento de padrões, monitoramento e avaliação das ações realizadas.  

 O órgão responsável pelas decisões gerais da OMS é a Assembleia Mundial da Saúde, que acontece na cidade de Genebra, na Suíça, e visa determinar as políticas e supervisionar os recursos financeiros da OMS. Esta reunião determina para onde o orçamento se destinará naquele ano.

  1. Interpretação sobre doença mental ao longo da história da humanidade.

Na Idade Antiga, embora o “louco”, como era chamado o portador de sofrimento psíquico, pudesse ser considerado uma pessoa fora da razão, estranho, ameaçador e excluído, na maioria das vezes, na Grécia Antiga, por mais estranho que pareça, a loucura nem sempre era vista de forma negativa, tão pouco considerada uma doença. Na verdade, a loucura era considerada um privilégio.

Os filósofos Sócrates e Platão ressaltavam a loucura como forma divina, utilizando-se da palavra manikê, designando tanto o “divinatório” quanto o “delirante”, acreditando que através do delírio alguns privilegiados tivessem acesso a verdades divinas.

Nesse período, a loucura era vista como paranormalidade, prevalecendo essa experiência mística e consciência crítica durante muito tempo. Esta ideia veio  a se dissolver na chamada Antiguidade Clássica, quando aconteceu o rompimento entre o místico e o racional. Com isso, a loucura foi deixando o seu papel de portadora da verdade e tomando direção totalmente oposta.

Pode-se perceber, na tão fascinante obra intitulada “História da Loucura”, de Michael Foucault (1972), esse corte entre o misticismo e a razão, percebido em vários âmbitos da experiência humana.

 Nas obras: Nau dos Loucos, A Tentação de Lisboa e O Jardim das Delícias, destacam-se  imagens figurativas  que, embora carregadas de fantasmas,  exerciam mais poderes de atração  sobre o homem do século XV do que a própria realidade. Esta atração, entretanto, não se transformava em fascínio.

 Durante o Renascimento, ocorreu uma brecha entre a experiência mística e a consciência crítica, deixando um vazio entre o trágico e o crítico, que nunca mais seria preenchido. A loucura deixou de ser porta-voz da verdade divina, passando a ser simbologia do mal.

Na Idade Média, mais especificamente no seu final, surgiu uma nova figura, representada pelo leproso, mazela  entendida como castigo divino.  A doença se alastrava com rapidez, ocasionando a exclusão dos seus portadores. Porém, com o fim das Cruzadas e a redução de focos orientais de infecção, a lepra foi abrindo espaço para  um novo personagem vítima de exclusão. A partir de então, as estruturas de exclusão social passaram a ser protagonizadas pela figura do louco.

Embora  desde a Idade Média já existissem mecanismos de exclusão do louco, ainda nesse momento  a loucura não era percebida como fenômeno que requeria um saber científico. Com a instalação dos primeiros estabelecimentos de cuidados com a loucura, os quais simplesmente retiravam do convívio social as pessoas que supostamente não se adaptavam a ele, começou um novo tempo para os indivíduos considerados loucos. Na Idade Moderna, a partir do século XVIII, o fenômeno da loucura passou a ser objeto do saber médico, quando então foi caracterizado como doença mental,  passível de cura. Neste século, conhecido como o “Século das Luzes”, deu-se um lugar de destaque à razão, pois se considerava que através dela o homem conquistava a liberdade e a felicidade.

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