A importância do ensino da cultura na aula de Língua Estrangeira 

* Carolina Girardello Ballardin[1] 

            Ao falarmos do ensino de uma língua estrangeira devemos ter em mente que esse processo envolve muito mais do uma mera transmissão de códigos já pré-estabelecidos pela sociedade, ou seja, há que se levar em consideração toda a bagagem cultural e histórica vivenciada por aquele povo para que assim possamos compreender a maneira como a linguagem influenciou e influencia os falantes.

Esse é o tema central do artigo: Ensino de Cultura na Aula de Língua Estrangeira, escrito por Simone Sarmento, baseando-se no capítulo 2 de sua dissertação de mestrado pela PUCRS/APIRS, no qual a autora se propõe a discutir a relevância da cultura, da comunicação intercultural e de como essas são importantes no aprendizado de uma língua estrangeira.

Ao conceituar linguagem, que é fundamental para compreender a prática de ensino de língua estrangeira, SARMENTO (2004:01) diz que, se compreendermos a linguagem como um fato social, ou seja, que possui uma função social, neste caso, aprendemos e ensinamos o código associado às suas possíveis ações, ou seja, considera-se linguagem, sociedade e cultura interligados, pois as línguas, assim como as conhecemos, não existiriam caso não desempenhassem seu papel social.

Assim, ao relacionarmos língua e cultura podemos dizer que todo uso da linguagem é compartilhado socialmente por um grupo e que não se dão em fatos isolados. Para PORTER E SAMOVAR (1993:16): “Uma língua é um sistema de símbolos aprendido, organizado e geralmente aceito pelos membros de uma comunidade. É usado para representar a experiência humana dentro de uma comunidade geográfica ou cultural. Objetos, eventos, experiências e sentimentos têm um nome especifico unicamente porque uma comunidade de pessoas decidiu que eles assim chamariam. Por ser um sistema inexato de representação simbólica da realidade, o significado das palavras está sujeito a uma variada gama de interpretações.”, ou seja, cada povo representará e utilizará sua língua em função de sua realidade e vivencias, logo, sua cultura.

Para discutir melhor o conceito de cultura, a autora cita, em seu texto, as palavras de GIDDENS (1996:58): “Cultura consiste em valores que os membros de um determinado grupo têm, as normas que seguem, e os bens materiais que criam”, ou seja, a cultura é formada por um conjunto de fatores que representam aquele povo, tais como, regras, padrões de comportamento, como se vestem, seus costumes, no casamento, na família nas cerimônias religiosas, no trabalho, entre outros.

Sabendo disso, fica nítida a importância de se relacionar linguagem e cultura nas aulas de língua estrangeira, pois o aluno precisa compreender que por detrás de uma língua, de um código, há um falante e a sua cultura, que são os responsáveis por essa língua. Segundo ERICKSON (1997:33) todas as pessoas possuem uma cultura, apesar de essas serem diferentes. E elas servem como uma condução da atividade humana, ou seja, isso não é uma característica de um grupo exótico, mas de todos, dominados ou dominadores. Assim a cultura passa a ser uma ferramenta que pode ser usada em diferentes situações de capacitação ou de limitação das atividades humanas.

Para SARMENTO (2004:08) “A sensibilização do aprendiz para a cultura invisível de sua própria comunidade e para as de outras culturas é, no meu entender, uma necessidade para que tenhamos alunos competentes comunicativamente”, assim conhecendo a cultura do povo com que se comunicar, o aluno conseguirá obter sucesso na comunicação, pois conseguirá, interagir de forma competente com aquela comunidade lingüística que é diferente da sua.

Outro fator relevante que Simone aponta em seu texto é a questão da comunicação intercultural, que ocorre sempre que uma elocução produzida por um falante de uma comunidade de fala e por um destinatário de outra comunidade, assim, qualquer interação entre duas pessoas que possuam o mesmo “background” lingüístico, como por exemplo, pessoas de diferentes classes sociais e grupos étnicos.

Há que se ressaltar também que é necessário ter noção dos aspectos da comunicação, que são determinados culturalmente, como por exemplo, quando falar ou quando não falar, o que é adequado, pausa, entonação, coesão, coerência, entre outros, pois ter conhecimento desses aspectos é o ponto de partida para que a interlocução entre diferentes comunidades possa ocorrer com sucesso.

Caso contrário, a elocução poderá não ocorrer como desejado e surgirão as chamadas “falhas”, que consistem em uma inadequação lingüística. Sarmento cita THOMAS (1983:105), o qual distingue três tipos de “falhas”. A primeira falha seriam as ocorridas pelo tamanho da imposição, ou seja, existem os produtos “livres” ou “não livres”, o que pode ser perguntado e o que não pode ser. É claro que, o que para uma cultura pode ser livre, para a outra pode não ser livre. Por exemplo, a informação salarial da classe média no Brasil não é considerada um produto livre, então, se alguém que conhecemos há pouco tempo e não temos muita intimidade nos perguntar a respeito de nosso salário com certeza nos sentiremos ofendidos.

A segunda falha seriam os tabus, que mesmo não sendo universais, se produzidos em uma interação com pessoas de outras comunidades lingüísticas pode ser considerado uma inadequação social grave. Como por exemplo, religião e sexo.

A terceira e última falha seria a de julgamento intercultural diferente quanto à distância social e ao poder relativo, ou seja, em certas culturas existentes status diferentes com relação a profissões e outros cargos. Se em uma determinada situação de comunicação não dermos o devido grau de formalidade exigido, estaremos causando constrangimentos.  

   Para GARCEZ (1993 apud SARMENTO 2004:10): “O ensino de LE (especialmente inglês) é bastante restrito a áreas de competência lingüística, ou seja, gramática, na maioria dos casos. Desta forma, profissionais de negócios altamente inclinados a se envolverem em interações interculturais, não têm treinamento em habilidades discursivas que provavelmente facilitariam suas vidas profissionais”.  

Por isso, mais uma vez, é importante afirmar que é de fundamental importância que os alunos aprendem a cultura do povo da língua que estão estudando, para compreender além de noções gramaticais e de códigos, ou seja, para que compreendam que o uso efetivo da língua requer conhecimentos reais de empregar a mesma, que não é apenas um “debulhar” de palavras e, sim, uma troca de interesses, de valores e de respeito.

Segundo a autora, a falta de ensino de cultura nas aulas de língua estrangeira, acontece porque os professores veem a linguagem como algo fora do indivíduo, da sociedade. E, é a partir dessa premissa que Simone passa a discutir competências interlinguística e intercultual, ensino e aprendizagem de cultura nas aulas de LE como fatores importantes para a sala de aula. Para ela uma das principais tarefas dos professores de língua, sobretudo o língua estrangeira, seja, de acordo com BAGNO (1999:130) mostrar ao aluno que uma língua é um grande “guarda-roupa”, onde podemos encontrar diferentes e variados tipos de roupas.

Para conceituar o temo competência linguística SARMENTO faz uso das palavras de HYMES (apud ERICKSON & SHULTZ, 1981) quando diz: “Competência lingüística deve necessariamente envolver competência social, uma vez que a fala aceitável exige a habilidade de produzir elocuções que sejam somente apropriadas a cada situação”, assim, para nos comunicarmos devemos levar em consideração o contexto na qual estamos inseridos, juntamente com um comportamento social adequado.

Ao tratar sobre competência comunicativa intercultural, a autora cita um trecho de THOMAS (1983) que define essa pode ser entendida como a habilidade que um falante tem de usar uma língua de forma adequada em uma determinada comunidade lingüística que não seja a sua comunidade linguística nativa, desta forma para que o falante consiga ter sucesso em seus atos comunicativos ele deve saber, além da gramática, o conhecimento as regras culturais que regem o comportamento da cultura alvo, ou seja, o contexto no qual está inserido no momento da fala.

De acordo com THOMAS (apud SARMENTO 2004): “O papel do professor não é o de fazer com que os alunos se comportem como as pessoas da cultura alvo, mas de dar espaço para que os alunos interpretem significados dessa cultura. Os alunos devem ser capazes de tornarem-se responsáveis por suas próprias palavras”, ou seja, ele deve conseguir se expressar  de forma natural e saber que poderá optar sobre como se comportar em determinada situação de forma consciente das conseqüências que poderá desencadear a partir de suas atitudes.

Quanto ao ensino e aprendizagem de cultura nas aulas de língua estrangeira há que se ressaltar o trecho do texto de Simone no qual ela utiliza a concepção de ensino e aprendizagem de cultura nas aulas de LE de BEX (1994:60): “A consciência quanto à diversidade cultural deve ser gradualmente introduzida em sala de aula. Primeiramente deveríamos desenvolver a percepção dos alunos quanto a diferenças mai salientes entre a sua própria cultura e a da língua estrangeira. O segundo passo seria comparar a variação lingüística dentro da cultura alvo”, ou seja, os aprendizes de uma LE deveriam ser conscientizados sobre o vasto número de variedades da língua que eles podem encontrar ao interagirem com falantes nativos, como por exemplo, podemos citar a variação lingüística existente no Brasil nos estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia, entre outros.

São quatro as habilidades a serem desenvolvidas em um processo de aprendizagem de uma LE: a convenção que ajuda a definir e entender como as pessoas de uma cultura geralmente se comportam em situações diárias; a conotação que trata dos inúmeros significados culturais associados às palavras; o condicionamento no qual as pessoas agem de uma maneira condizente com seu quadro cultural de referência e todas as pessoas respondem de maneira culturalmente condicionada a necessidades humanas básicas e a compreensão que inclui habilidades como: análise, formação de hipóteses e tolerância à ambiguidade.

Assim, fica clara a necessidade de trabalhamos com a cultura nas aulas de língua estrangeira de forma consciente em sala de aula, pois o que não pode acontecer é trabalhar a cultura de forma estereotipada na qual os valores e os costumes da comunidade não são respeitados pelos indivíduos. A partir do momento em que o aluno consegue aceitar e respeitar a cultura de outros povos ele passa a compreender e a valorizar ainda mais a cultura a qual faz parte.  

Para concluir, ressalto que o artigo livro é recomendável para todos os professores de língua, principalmente os de língua estrangeira, pois os assuntos abordados nele são de extrema relevância para a qualificação dos profissionais que atuam nessa área, pois discute temas funcionais para a vida de nossos alunos.

REFERÊNCIAS: 

SARMENTO, Simone. Ensino de Cultura na Aula de Língua Estrangeira. Revista Virtual de Estudos da Linguagem ReVEL. V. 2, n. 2, março de 2004.


[1] Carolina Girardello Ballardin é formada em Letras - Língua e Literatura Brasileira e Letras - Língua e Literatura Inglesa pela Universidade de Caxias do Sul.