Tereza de F. Mascarin [1]

 

            Neste momento da história em que se discute a crise de paradigmas, Boaventura de Souza Santos discute a transição entre paradigma da ciência moderna e um novo paradigma.  Para este autor, a prática científica deve buscar conhecimentos para além da consciência ingênua, oficial, dos cientistas ou das instituições da ciência. Deve buscar aprofundar o diálogo da prática científica com outras práticas de conhecimentos.

Este texto pretende, diante a afirmação acima, abordar um tema recorrente nas camadas populares, cuja prática e conhecimento empírico subsiste e se mantém resistente.

Utilizaremos como exemplo o caso da menina Ana, de 4 anos, seus pais procuraram uma benzedeira, pois, estavam muito preocupados com a saúde da filha.

 Esteve internada, porém, os exames não davam causa a doença. Mesmo assim foi medicada, entre outros procedimentos aplicaram-lhe soro, no entanto ela continuava definhando. Sem ânimo para brincar, quase não comia, a feição de seu rosto era de pessoa doente, com os olhos fundos e dores pelo corpo.

Quando chegaram à casa da benzedeira Ana foi recebida para o benzimento. Com seu rosário a benzedeira iniciou as rezas e constatou que era o mal de “espinhela caída”, confirmados também pelo relato dos tipos de mal estares apresentados pela menina e um detalhe, na parte frontal e terminal de sua caixa torácica havia um osso sobressaltado. Este detalhe não deixava dúvidas à benzedeira, era “espinhela caída”.

 Esta doença é considerada por benzedores que possuem conhecimento na área, como sendo de ordem espiritual grave a qual traz consequências preocupantes para o físico. Ela se manifesta advinda de sentimentos de tristeza íntima e profunda, de maneira tal que desequilibra o lado emocional da pessoa afetando seu corpo e seus sentidos. Paulatinamente vão aparecendo dores no corpo, dor de cabeça, moleza no corpo, falta de apetite (neste momento podem entrar outras doenças, pela falta de alimentação), tontura frequente, num período de dez a doze dias causa vômito, diarréia e falta de ar. Quando não cuidado pelo benzimento vai sendo agravado dia-a-dia e pode levar a pessoa a óbito, pode acontecer com criança ou adulto. Ana já estava numa dessas fases avançadas desta doença. Entretanto, não é qualquer benzedor, ou benzedeira que consegue eficácia para resolver este tipo de doença com êxito. O preparo espiritual e físico daquele que benze também se faz necessário para o exercício desta prática. A concentração em entes espirituais reforçados pelas concentrações na mata, água, lua, pedra, entre outros elementos da natureza, além de jejuns alimentares, sexuais, de sono ajudam o médium benzedor a se preparar, adquirindo força espiritual para tratar de doenças desta ordem, as quais afetam o corpo da pessoa. Além do benzimento, o tratamento exigiu que a menina tivesse alimentação à base de caldo ralo de fubá e/ou caldo de feijão, ambos temperados com cheiro verde, incluindo o coentro, além de coalhada e suco de laranja lima. A menina visivelmente foi se recuperando, voltou a brincar e a fazer suas peraltices de criança, em poucos dias restabelecera totalmente sua saúde.

            Este tipo de conhecimento empírico, denominado benzimento, advindo do meio popular é legitimado por sua prática e por seu êxito. É um saber mediúnico que perpassa pelo campo da saúde espiritual e física, o qual pode ser estudado pela ciência fenomenológica.

           



[1] Doutoranda DIVERSITAS USP.