2.1 A IMPORTÂNCIA DO CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CREAS)

 

De acordo com o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas – CREPOP (2013), o Centro de Referência Especializado de Assistência Social, mais conhecido como CREAS, é uma unidade de caráter público estatal, pertencente ao SUAS (Sistema Único de Assistência Social), localizado em regiões ou municípios, que tem como objetivo, prestar um trabalho social e humanizado a pessoas que, porventura, se enquadrem em situações de violação dos direitos humanos ou risco social. Esse trabalho é feito por uma equipe de profissionais capacitados e especializados que trabalham em prol do bem estar dos membros envolvidos.

A Constituição brasileira, em sua Lei nº 12.435, artigo 6º A de 2011, define o SUAS como um sistema responsável por organizar as ações sociais em duas vertentes. A primeira é a chamada Proteção Social Básica que se destina única e exclusivamente à prevenção de riscos pessoais e sociais através de benefícios que contemplem indivíduos em situação de vulnerabilidade seja através de programas, serviços ou projetos. A segunda vertente é denominada Proteção Social Especial, que se destina a pessoas que já foram atingidas por situações de conflito, como abuso e violência, por exemplo. Por isso, o CREAS, diferentemente do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), não faz um trabalho preventivo. Sua função é amparar pessoas que passaram por situações de violência e trauma, onde o risco já foi instalado. A Constituição Brasileira, em sua Lei nº 12.435, define o CREAS como:

[...] unidade pública de abrangência e gestão municipal, estadual ou regional, destinada à prestação de serviços a indivíduos e famílias que se encontram em situação de risco pessoal ou social, por violação de direitos ou contingência e que demandam intervenções especializadas da proteção social especial (BRASIL, 2011, art. 6ºC).

Bock (2008) considera que a violência é um fato ao qual o indivíduo foi exposto indiscriminadamente, sendo um tipo de coerção que pode vir a afetar o seu ser psíquico tanto no seu crescimento quanto no seu desenvolvimento, trazendo prejuízos a manutenção de sua qualidade de vida. Nesse sentido, CREAS atua de modo a resgatar e reintegrar seus membros à sociedade.

Para o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2011), o CREAS, além de desenvolver um trabalho de promoção e articulação, atuando expressivamente na inclusão e proteção de cidadãos que se encontram em situações de maus-tratos, abandono, negligência e discriminações, trabalha também resgatando vínculos. Este resgate, seja devido ao rompimento social ou familiar, auxilia o indivíduo a retomar seus projetos pessoais, projetando-o para o futuro.

O Centro, assim como relatado pelo CREPOP (2013), tem um caráter fortemente voltado à promoção de serviço social e, por pertencer ao Plano Brasil Sem Miséria, atende também àqueles que enfrentam condições de pobreza extrema. O CREAS possui mais de 2.155 unidades instaladas em todo o território nacional exercendo um trabalho importante ao oferecer serviços de acompanhamento a famílias que vivem em condição de ameaça ou vítimas de violência seja de ordem psicológica, emocional, física e sexual, além de vítimas de tráfico humano, drogas e pessoas em cumprimento de medidas socioeducativas. Segundo o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2009) as unidades do Centro tem a obrigatoriedade de ofertar: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI); serviço para pessoas com deficiência, pessoas idosas e seus familiares, e também realizar serviço de abordagem social.

Complementando os dados acima, Filgueiras (2006), assevera que as pessoas que buscam o CREAS, nem sempre são oriundas de situações econômicas precárias. Para o autor, a não observância e cumprimento dos direitos, o agravamento de risco pessoal, o distanciamento do núcleo familiar, entre outros conflitos, são fatores inerentes a todas as classes econômicas, sendo assim, o Centro atende a todos que precisarem de seus serviços.

 

2.2 A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CREAS

 

O psicólogo nem sempre teve espaço para realizar atividades voltadas a políticas públicas. Como citado pela Secretaria de Desenvolvimento Social (2011), foi a partir de 2005, após ser instituído o Sistema Único de Serviço Social (SUAS), que a Psicologia passou a ser amplamente inserida dentro de organizações de assistencialismo social. 

Oliveira e Paiva (2013), explicam que embora antes da criação do SUAS, o psicólogo já atuasse em ambientes relacionados à área da Assistência Social, tais como: orfanatos, casas de reabilitação e repouso, creches, entre outras, o seu trabalho era, muitas vezes, realizado informalmente e sem regime de contratação. Com o SUAS, surgiram o CREA, o CREAS e outros centros que permitiram ao profissional maior abrangência no campo de trabalho.

No CREAS, o psicólogo trabalha em função da proteção social “seja por meio de projetos destinados à geração de emprego e renda, seja por acompanhamento das famílias no Sistema de Garantia de Direitos” (OLIVEIRA; PAIVA, 2013, p. 143). E, sobretudo, dos grupos minoritários ou que estejam reconhecidamente em risco.

O psicólogo é o profissional que trabalha também em prol da saúde. Para Contini (2001), a promoção da saúde através da atuação psicológica só é possível quando existe a socialização do saber. Essa socialização produzida por meio da psicologia acontece quando o psicólogo passa a ter uma postura interdisciplinar junto a outros interlocutores. Bock (2008) relata que o trabalho do psicólogo pode acontecer em hospitais, centros de saúde, ambulatórios, clínicas psicológicas, consultórios, escolas, centros de reabilitação, ONGs, orfanatos, empresas públicas ou privadas e em diversas organizações realizando um trabalho de diagnóstico e intervenção.  Para o conselho que regula a profissão, o psicólogo é aquele que:

O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. (Conselho Federal de Psicologia, 2011).

O psicólogo, por trabalhar com pessoas, tem que lidar com um universo de emoções e sentimentos. Seu papel é promover o desenvolvimento humano, trabalhando o autoconhecimento de seus pacientes, verificando a personalidade, a singularidade e as complexidades de cada um (PENSO, M.A et al.,2008). O Código de Ética Profissional do Psicólogo (2014, p.07) determina que:

O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Para o CREPOP (2013), o papel do psicólogo dentro das políticas públicas de assistencialismo social, tais como o CREAS, é a de produzir suas intervenções nos mais diversos serviços, programas e projetos de modo a garantir proteção e o cumprimento dos direitos humanos. Para realizar esse trabalho de agente interventor, o psicólogo baseia-se numa perspectiva interdisciplinar, pois seu cotidiano estará pautado em várias funções e ocupações, exigindo uma postura crítica, analítica e ao mesmo tempo humanista. A cada dia, novas situações e conflitos se formam, e o profissional, junto ao Assistente Social, deve estar preparado para lidar com as particularidades de cada caso.  

Do mesmo modo, o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome (2011), determina que o exercício de atividades psicológicas ofertados nos CREAS deve ser desenvolvido em concomitância, não apenas com a rede de serviços da assistência social, mas também com os demais órgãos de defesa e políticas públicas. O psicólogo dentro do CREAS, não trabalha exclusivamente com o indivíduo de forma isolada, pois o serviço, na maioria dos casos, envolve toda a família sendo necessário uma análise de todo o histórico da situação vivenciada. Nesse caso, é necessário que o profissional crie um ambiente de acolhimento e escuta na promoção do estreitamento de vínculos que, por ventura, foram rompidos. O primeiro contato com o paciente ou grupo de pessoas é crucial para o desenvolvimento do trabalho:

A primeira entrevista é a porta de entrada, o “cartão de visitas” do psicólogo para seus clientes. Neste primeiro contato são trocadas muito mais do que apenas informações e queixas iniciais. São estabelecidos vínculos de suporte fundamentais para o desenvolvimento do processo psicoterapêutico (ESTARQUE PINHEIRO, 2007, p. 138).

De acordo com o Conselho Federal de Psicologia - CFP (2011) e o Ministério de Desenvolvimento Social de Combate à Fome (2011) existem várias possibilidades de atuação dos psicólogos nas Políticas Públicas de Assistência Social. No CREAS, é papel do psicólogo:

1- trabalhar com o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), assistindo grupos familiares e pessoas que tiveram, por algum motivo, seus direitos violados. Nesse caso, o psicólogo atua na ampliação da autoconfiança e capacidade das vítimas de enfrentarem problemas de ordem pessoal e social. É dever do psicólogo amparar-se nas leis para garantir a proteção desses indivíduos buscando auxílio junto aos órgãos competentes para que os infratores sejam punidos de acordo com a lei, eliminando assim, nova infringência aos direitos.  

2- trabalhar com o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP) atuando diretamente com pessoas em situação de abandono e andarilhos. De acordo com o CREPOP (2013) o trabalho dos psicólogos com moradores de rua é um trabalho dificultado, pois muitas vezes eles não retratam fielmente o cotidiano e a história de vida, podendo interferir no trabalho a ser realizado. Porém, para dar prosseguimento ao trabalho, num primeiro momento o indivíduo é acolhido e encaminhado para um abrigo, depois, no caso de usuário de álcool e drogas, o mesmo é direcionado para um tratamento.

3- trabalhar com pessoas que foram afastadas do núcleo familiar ou núcleo comunitário. Nesse sentido, o CREPOP (2013), garante que o psicólogo vai atuar garantindo a acolhida desses indivíduos para que os mesmos se sintam seguros. O seu trabalho é voltado para a reaproximação dos laços familiares e/ou culturais, preparando os indivíduos para resgatar as relações rompidas. No caso das crianças, em se tratando de negligência familiar ou abuso, elas são encaminhadas para o Conselho tutelar. Há um trabalho de análises, investigação e acompanhamento para assegurar ou não, o regresso das crianças para seus lares.

Retomando as diretrizes aplicadas no Código de Ética Profissional (2014), são responsabilidades do psicólogo no CREAS: fornecer prestação de serviços psicológicos; prestar informações contundentes ao trabalho a ser realizado; garantir o cumprimento dos objetivos profissionais; orientar e realizar os encaminhamentos apropriados e fornecer, sempre que necessário, os documentos relacionados ao atendimento.  Murta (2008) assevera que o trabalho do psicólogo no CREAS quando realizado em grupo, promove resultados mais significativos. Para o autor, quando reunidas, as pessoas conseguem compartilhar experiências, há uma troca, que culmina em transformações sociais profundas. Relatar sua trajetória, seus problemas e ouvir o outro, promove novos posicionamentos diante da situação vivida, diante de si próprio e diante da sociedade. O enfrentamento se torna mais fácil ao ser compartilhado. Dessa forma, a intervenção do psicólogo pode ocorrer por meio de oficinas de escuta; oficinas lúdicas, principalmente quando se tratam de crianças; oficinas de arte e grafite, para adolescentes; entre outras oficinas culturais. O que vai determinar a escolha do método serão a pré-análise e a entrevista feita pelo psicólogo, além de levar em conta a idade, os traumas sofridos e o objetivo da intervenção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

BOCK, Ana Mercês Bahia. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social – PNAS. Distrito Federal: Brasília, 2011.

BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Brasília, DF. 2009.

BRASIL. Lei Nº Federal Nº 12.435, de 06 de julho de 2011, que altera a Lei Federal Nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Brasília, DF, 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12435.htm. Acesso em: 10 mai. 2016.

CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO. Princípios Fundamentais. Disponível em: < http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf>. Acesso em: 12 mai. 2016.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referências técnicas para Prática de Psicólogas (os) no Centro de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS. Distrito Federal: Brasília, 2011.

CONTINI, M. L. J. O Psicólogo e a Promoção de Saúde na Educação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

CREPOP – Centro de Referência de Políticas Públicas. Disponível em: <http://crepop.pol.org.br/novo/1725_crepop-lanca-documento-de-referencias-tecnicas-sobre-a-pratica-de-psicologas-os-no-centro-de-referencia-especializado-da-assistencia-social-creas>. Acesso em 11 de mai. 2016.

ESTARQUE PINHEIRO, M. C. A primeira entrevista em psicoterapia. Revista Virtual IGT Na Rede, v. 4, p. 116, 2007.

FILGUEIRAS, C. A. C. Exclusão, risco e vulnerabilidade: desafios para a política social. In: CARNEIRO, Carla Bronzo Ladeira; COSTA, Bruno Lazzarrotti Diniz. Gestão social: o que há de novo? Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2006.

MURTA, Sheila Giardini (Org.). Grupos psicoeducativos: aplicações em múltiplos contextos. Goiânia: Porã Cultural, 2008.

OLIVEIRA, I. F; PAIVA, I. L. Os desafios para a articulação entre o sistema de garantia de direitos e o Sistema Único de Assistência Social. In: CRUZ, L.; GUARESCHI, N.; RODRIGUES, L. (Org.). Interlocuções entre a Psicologia e a Política Nacional de Assistência Social. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2013.

PENSO, M.A. et al. Aspectos teóricos da transmissão transgeracional e do genograma. In: PENSO, M.A.; COSTA, L.F. A transmissão geracional em diferentes contextos da pesquisa à intervenção. São Paulo: Summus, 2008.

SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Disponível em:

<http://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/portal.php/assistencia_sistema>. Acesso em: 11 mai. 2016.