A implementação da disciplina de Ofícios no 3º Ciclo do Ensino Básico em Moçambique: uma comparação das escolas urbanas e rurais.

O antigo Currículo do Ensino Básico em Moçambique foi duramente criticado pela qualidade do seu “out put” ou seja, pelo facto de não tirar “graduados” deste nível com alguma preparação para a vida e para a posterior poderem participar na produção social e na tomada de decisões para a escolha de uma actividade que lhes ajude a responder ao mercado de emprego ou mesmo para uma autonomia na vida produtiva.

O novo currículo do Ensino Básico no qual incorpora a disciplina de ofícios, preconiza a praticidade dos saberes nos quais permitem com que a criança ao terminar o 3º ciclo (6ª e 7ª ) classes, e que não tenham oportunidades de dar continuidade com os seus estudos possam realizar actividades manuais utilizando material e meios locais que lhes sirvam para a sua auto sustentação, das suas famílias ou da sua comunidade.

A inquietação reside no facto de actualmente, verificar-se que a maioria das escolas urbanas do ensino básico, as aulas da disciplina de ofícios leccionadas, são verbalistas, em que o processo de ensino e de aprendizagem não são realizados mediante a prática de trabalhos manuais, o que pode fazer com que as crianças continuem a sair do Ensino Básico sem nada saber-fazer. As razões destas situações encontram-se na inexistência de planos ou estratégias das escolas urbanas em encontrar espaços físicos e recursos existentes e a inexistência de planos de envolvimento da comunidade na implementação da disciplina de ofícios, a influencia da industrialização ou seja a maior parte dos objectos para a pratica da disciplina são industrializados, falta de professores formados para leccionarem a disciplina de oficio, não podendo criar condicionalismo de actividades praticas e útil para as crianças e suas comunidades, como preconiza o próprio currículo em detrimento das escolas rurais, em que as crianças conseguem tirar proveitos rentáveis para a sua auto-sustentação, das suas famílias ou comunidades.

Tomando em consideração a situação acima descrita, e se, tivermos em conta que a disciplina de ofícios preconiza não só “aprender como se faz” mas também “aprender a fazer” formula-se a seguinte questão: que factores estarão na causa do problema. Será que a implementação da disciplina de ofícios nas escolas urbanas não possibilita para que os alunos aprendam efectivamente ofícios que lhes possam ser úteis para a autonomia e escolha de um ofício para a vida?

Porém, o presente artigo tem por objectivo analisar a prática da disciplina de ofícios nas escolas do ensino básico, fazendo comparação da prática da disciplina entre escolas urbanas e rurais. Justifica-se como um instrumento que poderá trazer à superfície as dificuldades ou constrangimentos encontrados pelos gestores das escolas e os professores da disciplina no que refere à implementação da mesma nas Escola urbanas do ensino básico.

 

A preparação para a vida como função da educação escolar

A respeito da responsabilidade do sistema de Educação Básica em preparar as crianças para vida, a Associação Comercial de Moçambique (1996:2) apud Bonnet (2002:33), ao fazer avaliação de desempenho dos alunos, conclui que “na sociedade reclama-se que os alunos que terminam o Ensino Básico nada sabem fazer”. 

Por isso, o anterior Currículo do Ensino Básico foi constantemente criticado por diferentes segmentos da sociedade civil em como “não instruía” as crianças a “saber fazer” alguma actividade prática que lhe permitisse participar na produção social, ou decidir a escolha de um ofício para vida. Nisto, os órgãos da educação do país, em parceria com instituições e organizações de carácter educacional desencadearam a Transformação Curricular , acabando por introduzir a disciplina de ofícios como uma das inovações do actual Currículo do Ensino Básico para que as crianças adquiram bases para aprendizagem de um ofício e estejam preparados para encarar a vida.

Mas apesar disso o que se constata nas escolas urbanas é que no processo de ensino -aprendizagem da disciplina de ofícios os professores continuam a transmitir apenas a parte teórica, de forma improvisada e verbalista e reservam a parte prática (de aplicação), para que os alunos a façam em suas casas e tragam para escola os resultados de seus trabalhos (quando é possível). O perigo disto é que muitos desses instrumentos que se pensa que os alunos produzem em suas casas, afinal podem ser encomendados de amigos ou então comprados de artesãos, ou mesmo na sua maioria industrializados, e se a situação continuar assim, apesar da introdução desta componente curricular nos programas do Ensino Básico os objectivos pelos quais foi proposta podem ser inatingíveis em detrimento das escolas suburbanas (rurais) em que as crianças conseguem realizar as activadas praticas preconizadas pelo currículo e serve de sustento de si, suas famílias ou mesmo a comunidade.

Em relação a disciplina de ofícios, durante os últimos anos de experimentação do novo currículo do ensino básico, foi notória a diferença entre as escolas nas zonas rurais e as urbanas. A diferença fundamental evidencia-se quanto ao apetrechamento em condições materiais para esta disciplina. Nas escolas das zonas rurais tem havido imensas dificuldades em angariar recursos tais como madeira, ferramentas e outros das comunidades para serem usados pelos alunos nas actividades práticas das aulas.

Em contrapartida, como prova um estudo realizado na província de Manica, diz que “nas zonas rurais há maior disponibilidades e abertura das pessoas das comunidades em termos de know how (recursos humanos locais) para contribuírem nas suas actividades manuais do que nas escolas situadas nas zonas urbanas.” (Castino, 2003). Salienta que nas zonas rurais, os ofícios são mais ligados à produção agrícola, ao tratamento de animais, a construção e cobertura de casas, artesanato, enquanto nas cidades a tendência é de solicitar actividades que tem a ver com electrónica ou aprendizagem de computadores.

A escola como instituição confiada pela sociedade para a transmissão e continuação do legado cultural, social, económico e histórico da velha à nova geração, tem, dentre outras funções, a função de preparar o aluno (a nova geração) para participação na produção social e para continuação do desenvolvimento económico e comunitário.

A preparação para a vida constitui uma função da educação escolar, que supostamente deve ser o objectivo essencial da escola. Na verdade, afirma Pires et al (2001:94) que, 

“Um conceito generalizado do que é educação é que se poderia traduzir por desenvolver as competências, o carácter e a personalidade de cada um, ajudar a descobrir e a desenvolver os talentos, permitir cada um atingir o seu máximo potencial de realização pessoal, levar a melhorar a qualidade de sua própria vida, por um lado, e integrar o indivíduo na sociedade, prepará-lo para vida activa, dando-lhe sentido de realização pessoal e tornando-lhe ao mesmo tempo socialmente útil”.

Esta refere-se a um tipo de função mais explícita, mais concreta até, e que podemos caracterizar como visando a preparação para vida activa, isto é, o trabalho produtivo, o emprego, a actividade profissional. De qualquer modo a formação envolvida visa preparar o indivíduo para ingressar na vida activa, para uma actividade ocupacional, que decorre e é regulada na e pela esfera económica. 

Neste ponto de vista, as escolas constituem locais de preparação para a vida, para integração do indivíduo na vida social e na comunidade a que pertence. De acordo com MINED (2003: 8),“As escolas do Ensino Básico são estabelecimentos de ensino que visam o desenvolvimento das capacidades do educando, de modo a permitir-lhe viver e trabalhar com dignidade, participando plenamente na melhoria da qualidade de vida e prosseguir com sua aprendizagem ao longo da vida”

Este ideal, subjacente na função das escolas do Ensino Básico só poderá ser materializado mediante a preparação dos alunos com base em disciplina onde seja possível aprender a fazer alguma coisas para suas próprias vidas e pela vida de suas famílias. Portanto, mediante a realização plena e eficiente das aulas de ofícios ministradas nas escolas.

Razões da introdução da disciplina de ofícios no novo currículo do Ensino Básico

A aprendizagem prática, relacionada ao saber – fazer e o desenvolvimento de habilidades nos educandos que preparem o aluno para a prática de actividades produtivas ou de rendimento, constituiu sempre uma preocupação dos órgãos da educação, a disciplina de ofícios, como uma inovação do actual currículo do Ensino Básico, vem preencher um vazio que à muito já existia no currículo do ensino básico, respondendo, deste modo às exigências da sociedade civil. Os seus conteúdos desenvolvem no aluno habilidades e capacidades de produzir utilitários, com finalidade de melhorar as suas condições de vida e da comunidade, através do uso e venda desses objectos. (INDE/MINED, 2001: 57)

No antigo currículo, existia uma disciplina chamada actividades laborais, cujos conteúdos eram de cerca de 30% similares aos que são propostos na disciplina de ofícios. Entende-se que um currículo relevante é aquele que considera e responde às necessidades básicas de aprendizagem dos alunos.

 

Objectivos específicos da disciplina de ofícios

Mazive, Boane e Zandamela (2005:6), referem que a disciplina de ofícios como uma das inovações do actual currículo do ensino básico tem os seguintes propósitos:

“Aplicar o método de resolução de problemas; Valorizar o património cultural, participando nas manifestações culturais do meio; Preservar o ambiente na perspectiva de melhoria da qualidade de vida; Identificar as matérias-primas; Usar correctamente os utensílios de ofícios; Desenvolver aptidões manuais e técnicas, usando os recursos disponíveis de forma criativa; Adquirir hábitos de higiene e segurança no trabalho; Colaborar com os outros em tarefas colectivas, com abertura e sentido crítico; Apoiar os projectos de todas disciplinas do currículo; Desenvolver conhecimentos e habilidades de criação de uma indústria caseira simples, mas lucrativa; Edificar construções rurais simples no sector familiar; Conhecer a importância económica, alimentar e social da exploração de animais domésticos: Ter noções gerais sobre a prática piscícola e apícola, de forma a desenvolver o interesse por estas actividades; Conhecer os métodos de prevenção e tratamento de doenças nas plantas e nos animais”.

 

Considerações finais

A educação para vida e a preparação da nova geração para participação activa na vida social ou da comunidade, constitui a função da educação em geral e da escola em particular, confiados pela sociedade a que se destina actuar, mas com o propósito de proporcionar aprendizagens de actividades laborais a partir de trabalhos manuais e fabrico de objectos com os quais se pode angariar os meios de subsistência, assim, se introduziu no actual currículo do Ensino Básico do país a disciplina de ofícios, leccionada de 1ª à 7ª classes, mas em contrapartida existe uma divergência na praxis desta disciplina, porém, o que acontece nas escolas urbanas ao contrario das escolas suburbanas, é que as aulas de ofícios, preconizadas para que sejam dadas na e pela prática, afinal são improvisadas e verbalistas, na qual não se realizam actividades práticas que sirvam de auto sustentação para a vida das crianças, suas famílias ou comunidades como preconiza o próprio currículo, uma vez que tais aulas desenvolvem-se em contexto de sala de aulas, desprovidas de qualquer recurso didáctico capaz de proporcionar o mínimo de prática e exercitação do aprendido, pelo facto de a maior parte dos objectos usados nestas escolas para a praticidade da disciplina de ofícios serem meramente industrializados, o que faz com que as crianças terminem este nível sem desenvolverem as habilidades e destrezas manuais para a sua auto-sustentação, da sua família e ou comunidade.

Na planificação das aulas, o critério para previsão dos conteúdos de aprendizagem a leccionar nas aulas baseia-se rigorosamente nos livros de alunos, programas oficiais e nos livros de professores ao invés de se basear na realidade concreta do contexto escolar ou seja podendo explorar o material local com vista a criar hábitos valorativos do material local. As avaliações de aprendizagem na disciplina de ofícios são realizadas a partir de provas escritas, não existindo espaços para avaliar o domínio e aquisição técnico/prático dos conteúdos das aulas de ofícios. 

As direcções das escolas urbanas junto a comunidade devem repensar sobre a implementação e prática da disciplina de ofícios por formas a criar condições para que as crianças aprendam a realizar actividades que lhes sirvam de e para a auto sustentação, suas famílias e comunidade ao invés de apenas as aulas de ofícios centrarem-se na verbalização tendo como factor o material usado para a pratica da disciplina ser na sua maioria industrializado, e que coloca as crianças a não serem criativos, e não criarem condições para a sua auto sustentação, da sua família ou mesmo da sua comunidade. 

                                     

Bibliografia

BOLIVAR, António. Como melhorar as escolas. Estratégias e dinâmicas de melhoria das práticas educativas. 1 Ed. Porto editora ASAS, 2003.

BONNET, João A. de Sá e, Ethos local e currículo oficial: educação autóctone tradicional macua no Ensino Básico em Moçambique. Tese de Doutoramento, PUC/São Paulo, 2002.

CASTIANO, José P. Estudo sobre as Percepções dos Professores sobre o Currículo Local e sobre o Processo de Implementação. O caso da Província de Manica GTZ/PEB, Manica 2003. 

MAZIVE, L. et al. As condições da inserção sócio-económica dos jovens moçambicanos no meio urbano. Draft. Maputo, Abril de 2005.

MINED – Moçambique. Regulamento geral das escolas do Ensino Básico. Direcção Nacional das escolas do Ensino Básico, Maputo, 2003.

INDE/MINED-Moçambique. Plano Curricular do Ensino Básico: Objectivos, Estrutura, Plano de estudos e estratégias de Implementação, 1996.

INDE/MINED-Moçambique. Programas das disciplinas do Ensino Básico - 3° ciclo. Editora Académica Lda, 2003.

PERRENOUD, Philippe. Ofício de aluno e sentido de trabalho escolar. Lisboa: Porto, 1995.

PIRES, Eurico Lemos et al. A construção social da educação escolar. 3 ed. Lisboa: Grafasa, 2001.