A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E SUA POSSÍVEL FLEXIBILIDADE[1]

Daniela Rocha de Sá[2]

Irleivânda Castro Pereira[3]

Christian Barros[4]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 O instituto da penhora na execução por quantia certa; 1.1 A patrimonialidade na execução; 2 Os bens de família; 3 A possibilidade de penhora dos bens de família; Considerações Finais; Referências.

 

 

RESUMO

 

O presente trabalho se propõe a discutir a possibilidade do magistrado poder relativizar a impenhorabilidade dos bens de família, buscando conciliar o interesse tanto do executado como do exequente, através de um juízo de ponderação que objetive a satisfação da execução sem violar a dignidade do executado. Para tanto, serão analisadas as alterações que a Lei 11.382/06 trouxe para o processo de execução. A abordagem parte do conceito de responsabilidade patrimonial, impenhorabilidade processual absoluta, bem como a aplicação dos princípios da responsabilidade patrimonial, menor onerosidade, melhor interesse do credor e da adequação que norteiam o processo de execução e também as garantias individuais constitucionais e os princípios gerais do Direito.

 

PALAVRAS – CHAVE

Execução por quantia certa; Bem de família; Penhora; Flexibilidade.   

 

INTRODUÇÃO

Tem-se como regra que os bens do devedor na execução de obrigações são passíveis de serem penhorados, sendo que a lei prevê que alguns bens não podem estar à disposição para a penhora, impondo limites aos bens que podem ser executados pelo credor, como por exemplo, os bens de família.

Dessa forma é importante ressaltar que o interesse do credor deverá se protegido, visto que este não poderá ficar em desvantagem na relação obrigacional, afim de que seja mantido o equilíbrio das obrigações, garantido o melhor interesse do credor previsto no Art. 612 do Código de Processo Civil.

 Primeiramente o trabalho visa identificar a importância da penhora na execução das obrigações por quantia certa, analisando diante dos princípios da execução, do processo civil e dos princípios gerais do direito as garantias do credor e do devedor na execução da obrigação, citando as modificações trazidas pela Lei 11.382/06.

Em seguida serão feitas algumas considerações acerca do bem de família que envolve uma análise da legislação pátria e bem como sobre a opinião dos doutrinadores acerca do tema. Por último, discutir-se-á acerca da possibilidade de relativização da impenhorabilidade dos bens de família a fim de demonstrar a relevância da penhora na execução da obrigação.

A pesquisa se dará por meio de bibliografias, artigos científicos, lei e revistas que darão embasamento e fundamentação para a análise acerca da impenhorabilidade dos bens na execução por quantia certa. Será uma pesquisa de cunho teórico envolvendo princípios da esfera cível em que credores e devedores estão atrelados.

  1. 1.      O INSTITUTO DA PENHORA NA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA

A ação de execução inicia-se pela demonstração de um direito constante em um título executivo que pode ser judicial ou extrajudicial. A ação de execução é abstrata, pois pode ser promovida pela parte que tem o título executivo, porém possa ser verificada mediante embargos do executado ou impugnação ao cumprimento da sentença a insubsistência do crédito, em decorrência disso o devedor é sempre citado para pagar na execução de título extrajudicial por quantia certa. (FUX, 2008, p.22 – 23)

Os pressupostos para realizar a execução estão no inadimplemento (comprova a violação da obrigação) e no título executivo judicial ou extrajudicial (comprova a obrigação). Na execução a obrigação já foi assumida pelo devedor, estando à pretensão do credor não mais em ver o seu direito reconhecido, mas sim em vê-lo satisfeito mediante a atuação estatal. “[...] Uma vez descumprida a obrigação surge, para o credor, o direito de invadir o patrimônio do devedor para, às custas deste, obter o resultado prático que obteria se a obrigação tivesse sido cumprida” (FUX, 2008, p. 23).

Uma das formas de execução prevista pela legislação vigente é aquela que se satisfaz pelo recebimento de quantia certa. Sempre que o devedor se obriga a pagar quantia determinada e não faz nasce para o credor o direito de receber forçosamente o valor. No entanto, como o objeto da dívida é o dinheiro o credor na execução não pode pretender receber de imediato um determinado bem patrimônio do devedor equivalente ao valor da dívida, deve haver a preferência pelo recebimento em dinheiro. Será necessário que o patrimônio seja atingido e este se transforme em dinheiro, totalmente ou apenas parte dele, se preferir pode o credor requerer a adjudicação do bem penhorado pelo seu justo valor (SANTOS, 2011, p.167).

A apuração do dinheiro será feita mediante expropriação dos bens do devedor, com a substituição pelo valor em dinheiro equivalente. A expropriação inicia-se pela alienação, ou seja, vendem-se bens do devedor para com o dinheiro pagar o credor. Pode ainda o credor se preferir adjudicar preferencialmente o bem ou ter o usufruto dos bens que permita o pagamento da dívida com os respectivos rendimentos (art. 647, IV, CPC).

Na execução por quantia certa contra devedor solvente, o primeiro ato expropriatório de bens é através da penhora que consiste na apreensão de bens que vão responder pela execução. Somente se considera feita a penhora com o deposito da coisa ou do dinheiro. A penhora também pode recair em créditos ou direitos patrimoniais do devedor (SANTOS, 2011, p.167).

Os bens penhoráveis são todos aqueles que podem ser alienados, já o contrário “a impenhorabilidade pode decorrer da natureza do próprio direito, ou de sua situação relativamente ao executado, como ocorre com os bens que estão previstos nos artigos 649 e 650 do CPC” (SANTOS, 2011, p.169).          

1.1  A patrimonialidade na execução:

A responsabilidade patrimonial está direcionada à garantia que é atribuída em favor do credor para protegê-lo contra o inadimplemento da obrigação do devedor que têm uma relação jurídica com este. Esta responsabilidade está voltada para a execução patrimonial em substituição da execução pessoal, em que o débito é satisfeito com bens do executado (RODRIGUES, 2009, p.67).

O princípio da patrimonialidade dá sustentação à interrupção do Estado no âmbito patrimonial do devedor que não adimpliu com sua obrigação, servindo para assegurar a satisfação desta nos casos em que não existiu tutela específica como a entrega de coisa ou a obrigação de fazer ou não fazer (RODRIGUES, 2009, p.71).

O princípio da responsabilidade patrimonial do executado encontra-se previsto no art. 591 do CPC. Conforme a disposição legal, responde pela dívida os bens presentes e futuros, não ficando excluídos os créditos pecuniários. “De fato, o princípio da responsabilidade patrimonial sublinha a sujeição dos bens do devedor à excussão para obter uma soma de dinheiro” (ASSIS, 2012, p.227).

Por consequência da aplicação desse princípio, o patrimônio do devedor enquanto a obrigação não for cumprida os bens do devedor ficam comprometidos até o limite necessário para satisfação da dívida. Em decorrência disto, como não há uma individualização dos bens que poderão responder pela dívida, todo o patrimônio do devedor será afetado, sendo qualquer tipo de alienação de bens potencialmente lesiva ao credor (FUX, 2008, p.25).   

Em relação à legitimidade passiva da demanda executória Araken de Assis (2012, p.228) explica que:

Seja como for, a noção da responsabilidade – devidamente situada, esclarece algumas situações legitimadoras passivas da demanda executória. Dissociando a dívida da responsabilidade, fica nítido que tanto o devedor (p. ex. o afiançado) quanto o terceiro responsável (p. ex. fiador) se ostentam partes legítimas, embora se possa distinguir, no plano material, entre o obrigado e o garante (afiançado e fiador, respectivamente).  

Entretanto, existem bens que não podem ser penhorados em nenhuma hipótese como o “seguro de vida e os livros, as máquinas, ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão” entre outros (art. 649, V e VI do CPC).

Os bens que não se sujeitam à penhora, por serem úteis ou necessários ao exercício da profissão, devem, realmente, relacionar-se com a profissão habitual do devedor. Pode um fazendeiro, por exemplo, por intermédio de terceiro, manter estabelecimento que produza sorvete. Nada impede penhora de máquina, no caso, já que seu proprietário, na realidade, faz delas tão somente fonte de renda e não exercício da profissão (SANTOS, 2011, p.174).

Esta limitação ao direito fundamental à tutela executiva do exequente visa proteger a dignidade do executado, são bens considerados juridicamente relevantes e indispensáveis para a sobrevivência digna de qualquer pessoa, pois ninguém pode ser levado ao estado extrema necessidade para satisfazer uma dívida, devendo ser preservado um patrimônio mínimo para o executado (DIDIER JR, 2009, p. 33-34).

  1. 2.      OS BENS DE FAMÍLIA

O art. 226 da Constituição Federal de 1988 diz que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Tal dispositivo vem resguardar o direito de proteção à propriedade familiar. Também no art. 1º diz: “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana”. Demonstra-se nesses artigos que a família, seus bens e sua dignidade são algo inerente à proteção.

Segundo Fux (2008, p.80), quando se fala em bens de família, não se trata apenas daqueles bens imóveis, mais também se estendem aos móveis que fazem parte da residência, como se expressa o art. 649 do Código de Processo civil que diz “São absolutamente impenhoráveis: II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida”.  O art. 1.712 do Código civil fala que “o bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família”.

Pode ser dito que um bem é impenhorável no que diz respeito à execução por quantia certa contra devedor solvente, quando este bem não está sujeito à responsabilidade patrimonial, tendo em vista o resguardo da dignidade do executado a fim de que seja conservado o mínimo de proteção ao patrimônio do devedor, evitando dessa forma, que haja satisfação da tutela jurisdicional executiva em virtude do atingimento da dignidade do executado (RODRIGUES, 2009, p.91).

No que se refere aos bens de uso pessoal, é preservada a dignidade do executado de modo que são resguardados aqueles bens essenciais à sobrevivência do executado de maneira que se possa evitar a má fé processual, impedindo a execução de forma abusiva (DIDER JR, 2011, p.559).

O art. 1.711 do Código Civil diz que “podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial”. Conforme dispõe Rodrigues (2009, p.102), os bens de família que o Código Civil se refere trata-se a de o patrimônio possuir um determinado valor para caracterizar-se como impenhorável.

Já a Lei 8.009/1990 em seu art. 1°, caracteriza bens de família como “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. “A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados”. A impenhorabilidade caracterizada pela lei não é determinada por um valor específico, basta somente que a família o resida (RODRIGUES, 2009, p.102).

O art. 5°, XXII da Constituição Federal também vem assegurar o direito à propriedade dizendo que “é garantido o direito à propriedade”. No inciso XXIII fala que “a propriedade atenderá a função social” e no inciso XXVI diz que “ a pequena propriedade rural, assim definida em lei,desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento”.

Diante do que elenca os artigos da Constituição, observa-se que o direito à propriedade deve ser resguardado em razão da sua utilidade para fins de sobrevivência, ou seja, o direito à propriedade é resguardado em razão de possuir caráter essencial para a sobrevivência da família, e neste caso não há que se falar em possibilidade de penhora (FUX, 2008, p.81).

No que tange a bens de família no escopo da penhora, este não é passível de ser penhorado, trata-se de um bem impenhorável por força da lei 8.009/90, não dependendo de ato legal diverso para que se adquira a condição de bem impenhorável; todavia, a impenhorabilidade pode restringida em algumas hipóteses prevista na referida lei (RODRIGUES, 2009, p.102).

  1. 3.      A POSSIBILIDADE DE PENHORA DOS BENS DE FAMÍLIA

A questão da impenhorabilidade dos bens de família é garantida pela Constituição Federal de 1988 que versa em seu Art. 5º, XXII que “é garantido o direito de propriedade”. Contudo, apesar de haver previsão constitucional que veda a penhora de bens de família, há que se falar que a Lei n° 8.009 de 29 de março de 1990 traz em seu corpo que é possível haver a flexibilização nos casos em que a família disponha de outro imóvel diferente daquele de sua residência dizendo que: Art. 5° “para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente”.

Ainda é importante falar que a lei 8.009/90 prevê que se houver mais de um imóvel utilizado como moradia, se dará a impenhorabilidade sobre o imóvel que possui o valor inferior, como dispõe o Art. 5° Parágrafo único desta lei dizendo que “na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil”.  

De acordo com Rodrigues (2009, p.101), o bem de família previsto pelo Código civil não se confunde com o bem de família a que se refere a lei 8.009/1990, pois o Código civil trata como bem de família aquele que teve seu registro em cartório como tal, enquanto a lei 8.009/90 refere-se àquele bem de moradia ou seja residencial, que tem função social para a família.

Quando a lei 8.009/90 fala de bens de residência, ela não está se referindo apenas aos bens imóveis direcionados à moradia, mais também aos móveis que são necessários em uma casa, desde que não seja indispensável à sobrevivência do devedor e de sua família (CÂMARA, 2009, p.280).

Visto que existem bens que são dispensáveis ao uso da família cogita-se que os bens de família são passíveis de flexibilização. Nota-se que houve uma mitigação no que se refere à garantia processual do instituto da impenhorabilidade, uma vez que, deve ser levado em consideração o critério de essencialidade do bem (FUX, 2008, p.80-81).

Segundo Ernane Fidélis dos Santos:

Também são excluídos da impenhorabilidade obras de arte e adornos suntuosos (art.2, parágrafo único). Em tais casos, a impenhorabilidade vai, muitas vezes, depender do prudente arbítrio do juiz na distinção que se deve fazer entre adorno suntuoso e simples móvel de utilidade domestica. A geladeira e o freezer, o fogão, as maquinas de lavagem domesticas, o radio e a aparelhagem de som, a televisão e o videocassete já são, hoje, tidas tais peças em exagero, de numero e valor, há de se considerarem, com justiça, simples adornos suntuosos, a exemplo dos faqueiros de ouro ou prata, ou de quantidade excessiva de televisões, vídeos etc. (SANTOS, 2009, p. 176).     

Sendo que a propriedade é um direito fundamental, porém sua proteção pode ser flexibilizada quando não afetar o seu critério de essencialidade para a família, pode-se afirmar que a restrição do direito não pode atingir sua essência a ponto desta ser afastada, ou seja, o seu conteúdo essencial é que não pode ser afetado (ALEXY, 2011, p.296-297).

Vale destacar que na responsabilidade patrimonial, a propriedade do devedor, encontra-se limitada, a fim de que não seja inibido o livre exercício da propriedade (RODRIGUES, 2009, p.72).

Conforme disposto no Art. 649 do Código de Processo Civil “são absolutamente impenhoráveis: II- os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida”. Observa-se que na aplicação do referido artigo deve convir a exceção de que a impenhorabilidade não pode privilegiar o inadimplemento da obrigação e não deixar o credor em desvantagem, e para isso é necessário seguir o critério de essencialidade do bem (FUX, 2008,p.81).

No momento que o legislador estabelece o rol dos bens impenhoráveis está fazendo um prévio juízo de ponderação entre o direito do exequente e a proteção do executado, ocorre então a mitigação do direito daquele em beneficio deste. Entretanto, para uma melhor prestação jurisdicional é necessário que seja feito o controle de constitucionalidade in concreto da aplicação das regras de impenhorabilidade, devendo sua aplicação ser considerada inconstitucional sempre que se mostrar não razoável ou desproporcional diante do caso concreto (DIDIER, 2009, p. 34).

Torna-se defensável esta tese, pois, ao órgão jurisdicional cabe observar a aplicação das normas garantidoras de direitos fundamentais e por consequência promover o controle de constitucionalidade das leis, uma vez que, em tese se mostrem constitucionais, mas diante do caso concreto revelem-se inconstitucionais. “Exatamente por tratar-se de uma técnica de restrição a um direito fundamental, é preciso que sua aplicação se submeta ao método da ponderação, a partir da analise das circunstancias do caso concreto” (DIDIER, 2009, p. 34).   

A possibilidade de relativizar a impenhorabilidade do bem de família mostra-se como uma forma de garantir um processo que beneficie ambas as partes. Hoje no processo civil brasileiro “[...] fala-se mesmo de ‘garantia de um processo justo’ mais do que de um ‘processo legal’, colocando no primeiro plano, ideias éticas em lugar do estudo sistemático apenas das formas e solenidades do procedimento” (THEODORO JR., 2007, p. 09).

Ao mencionar os bens de família que podem ser penhorados na execução o doutrinador Fredie Didier Jr (2009, p. 35) refere-se como exemplo ao imóvel que serve de moradia para a família do executado que o Código Civil trata como relativamente impenhorável, defendendo a venda judicial do imóvel, já que o imóvel pode ser vendido extrajudicialmente pelo próprio executado, sendo disponível, portanto. “Nada impede que o proprietário do imóvel o aliene voluntariamente, em prejuízo à família... Assim, é incoerente e inútil considerar inalienável judicialmente um bem que pode ser alienado extrajudicialmente” (DIDIER, 2009, p.41).

Exatamente em decorrência do poder que reveste o executado de se desfazer do bem a qualquer momento é que se torna possível falar em execução forçada desse bem, pois se o executado pode dispor livremente desse imóvel por que este não poder ser objeto de penhora na execução de uma dívida cujo valor não ultrapasse o valor do imóvel de modo a deixar uma quantia razoável para o executado adquirir outro imóvel para viver com sua família satisfazendo a pretensão do exequente sem atingir a dignidade do executado (DIDIER, 2009, p. 35).

A natureza que cerca a impenhorabilidade do bem de família consiste no direito que é facultado ao executado de opor essa impenhorabilidade a terceiros. Ou seja, é um direito que reveste o executado de não ver ser único bem de família atingido durante o processo de execução, direito esse que pode ser renunciado a qualquer momento, não sendo considerado como direito indisponível ou de ordem pública. “Se a impenhorabilidade é disponível, não pode ser considerada como regra de ordem pública” (DIDIER, 2009, p. 40). 

Nesse sentido Fredie Didier Jr. (2009, p.49):

Há regras de impenhorabilidade que servem para impedir o exercício abusivo do direito do credor. É o caso, por exemplo, da regra do parag. 2 do art. 659 do CPC: “não se lavará a efeito a penhora, quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução” se o valor dos bens penhorados não for suficiente sequer para ressarcir as despesas que o credor teve com a execução, a penhora desses bens tornar-se-ia um ato inútil e o prosseguimento da execução, abusivo. É impenhorabilidade que se presta da boa-fé processual.

Diante da utilização pelo legislador de conceitos jurídicos indeterminados por ex.: “elevado valor ou médio padrão de vida” surge a necessidade de cautela na aplicação do princípio da tipicidade como regente das regras da impenhorabilidade.  Ressalta-se que a possibilidade de penhora sempre recair sobre o bem impenhorável, mas disponível para venda pelo executado, estando afastados, portanto, os bens que estiverem, por qualquer motivo, indisponíveis para venda (DIDIER, 2009, p.39).

Preserva-se dessa forma, os direitos subjetivos de cada uma das partes no processo e se atinge o objetivo almejado com o procedimento jurisdicional que é satisfazer a pretensão executória com a máxima eficácia tanto para o executado quanto para o exequente. Assim, “[...] quanto mais adequado for para proporcionar a tutela aos direitos subjetivos de natureza substancial mais efetivo será o desempenho da prestação estatal operada por meio da técnica processual” (THEODORO JR., 2007, p. 20).

A pretensão executiva assim como todos os outros procedimentos estatais deve sempre estar vinculada as diretrizes constitucionais com o objetivo de propiciar ao jurisdicionado a segurança jurídica típica de um Estado Democrático de Direito que busca sempre preservar os direitos individuais dos litigantes “[...] é somente à luz da CF, isto é, com absoluto respeito aos princípios constitucionais, que se pode organizar todo o aparato legislativo infraconstitucional relativo ao processo civil” (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2006, p. 42).

A Constituição Federal de 1988 em seu Art. 226 vem dizendo que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, aqui se pode observar que a propriedade como um bem de família é protegida constitucionalmente, porém, os bens protegidos por meio de direitos fundamentais são passíveis de restrições, sendo que a proteção de um direito fundamental na Constituição é um campo vasto, pois se trata de um âmbito ideal, no entanto, quando esse direito é transferido para a realidade, esse âmbito que era amplo se restringe, por que a realidade estabelece limites (ALEXY, 2011, p.281).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que se dê início a uma ação de execução far-se-á necessário haver um título que comprove a relação obrigacional e o devido descumprimento desta. Partindo da premissa de que há um título que comprove a não satisfação da obrigação, poderá o devedor, ou seja, o executado ter seus patrimônios penhorados para fins de satisfação da obrigação não cumprida anteriormente.

Essa satisfação da obrigação por meio da penhora ocorre através da expropriação do bem para que seja arrecadado o dinheiro para então efetuar o pagamento da parte credora. Porém, não pode ser dispensado dizer que para fins de penhora, o bem do devedor não pode ser um bem de família pelo qual o devedor tem a serventia de moradia para sua família.

 A Constituição Federal de 1988 e o código Civil tratam de garantir proteção à dignidade da família e de seus bens; determinando que esses bens não possam servir e penhora para satisfação de dívidas, resguardando o direito à propriedade.

 Entretanto a Lei 8.009/90 flexibiliza a possibilidade de esses bens serem penhorados nos casos em que o patrimônio do devedor não ocupe papel essencial para garantir a sobrevivência da família, pois se o executado tiver vários imóveis um deles poderá ser penhorado e dessa forma não atingirá o direito à propriedade da família.

Também deve ser assegurado o direito de o credor ter sua obrigação adimplida, pois o direito de propriedade do devedor não pode estar acima do direito do credor ter sua obrigação satisfeita, visto que não tendo a obrigação satisfeita o credor também terá seu patrimônio atingido. Para equilibrar essa relação entre exequente e executado a lei 8.009/90 veio instituir acerca da possibilidade de penhora de bens de família.

 

REFERÊNCIAS:

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad.: Virgílio Afonso da Silva. 2º ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 14 ed. rev. atual e amp. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2012.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 17 ed. vol. 2. Lumen: Rio de Janeiro, 2009.

DIDIER JR, Fredie. Subsídios para uma teoria das impenhorabilidades. In: Revista de Processo. Repro 174. Ano 34. Agosto 2009. Revista dos Tribunais. P. 30-50.

_______________. Curso de Direito Processual Civil: execução. Vol.5. 3 ed.  Juspodivim, 2011.

FUX, Luis. O novo processo de execução: O cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. Forense: Rio de Janeiro, 2008.

HUMBERTO Jr, Theodoro. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo Civil e Processo de Conhecimento. V. I, 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

LEI n° 8.009 de 29 de março de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8009.htm>.Acesso em 30 de Abril de 2013.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Execução Civil. 4ª ed. rev. e atual. Forense Universitária: Rio de Janeiro, 2009. 

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 14ª ed. vol.2, Saraiva: São Paulo, 2011.

WAMBIER, Luiz R; ALMEIDA, Flávio R. C. de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, vol. I, 8 ª ed. rev. atua. amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.



[1] Paper apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina de Processo de Execução, do curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB).

[2] Acadêmica do 7º período, noturno, do curso de Direito da UNDB.

[3] Acadêmica do 7º período, noturno, do curso de Direito da UNDB.

[4] Professor, orientador.