Introdução:


Este trabalho analisa, por meio da recorrência a fontes históricas e literárias, a construção da imagem do brasileiro em contos de Lima Barreto e romances de Eça de Queiroz. De um lado temos Afonso Henrique de Lima Barreto, escritor pré-modernista da Literatura Brasileira. Nasceu no Rio de Janeiro em 1881 e morreu em 1922. Considerado pelos críticos um escritor de estilo simples, Lima Barreto procurava escrever para as camadas populares, conscientizando-as sobre a situação de exploração a que eram submetidas, além de fazer uma crítica a preconceitos de qualquer espécie.

De outro lado temos José Maria Eça de Queirós (1845-1900), autor realista da Literatura Portuguesa. Sua obra é dividida em três fases: 1ª - primeiros textos do autor publicados em forma de folhetim; 2ª - fase realista, o autor se preocupa em mostrar a sociedade portuguesa; 3ª - fase pós-realista, marcada desilusão e o abandono aos ideais realistas. Segundo Martins (2004, p. 68) o que mais chama a atenção nas obras de Eça de Queiroz é a variedade de sus construção lingüística, na qual as frases são diversificadas e dá-se ênfase à linguagem popular, aos estrangeirismos e neologismos.

Tendo como norte o conto Numa e a Ninfa de Lima Barreto e o romance O Primo Basílio de Eça de Queirós, apresentaremos, no decorrer do trabalho, uma comparação da imagem do brasileiro construída pelos dois escritores. Sendo assim, selecionamos fragmentos das obras para uma análise dos fenômenos abordados.

Desenvolvimento:


Lima Barreto escreveu o conto Numa e a Ninfa em 1915 e nesta obra o autor critica as mazelas do governo republicano. Nicolau Sevcenko, na obra Literatura como Missão, apresenta, no capítulo V, um estudo sobre as obras de Lima Barreto, discorrendo sobre a linguagem, as obras e os fatos sociais. Segundo SEVCENKO, a função crítica, combatente e ativista ressalta por demais evidente dos textos de Lima Barreto. O temário de sua obra inclui movimentos históricos, relações sociais e raciais, transformações sociais, políticas econômicas e culturais; ideais sociais, políticos e econômicos; crítica social, moral e cultura; (...)  O crítico literário apresenta as personagens de Lima Barreto da seguinte forma: a galeria de suas personagens é uma das mais vastas e variadas da literatura brasileira. Destacam-se nela, em particular, os tipos excusos e execrados (...) são burocratas, apaniguados, padrinhos, influências, grandes, médios e pequenos burgueses, arrivistas, charlatães, almofadinhas (...) é praticamente todo o Rio de Janeiro do seu tempo que nos aparece agitado e tenso, condensado mais nos seus vícios do que nas suas virtudes.


O Primo Basílio romance da 2ª fase literária de Eça de Queirós foi publicado em 1878. Segundo MASSAUD (1994, p. 195), aderindo às teorias do Realismo iconoclasta a partir de 1871, Eça coloca-se sob a bandeira da República e da Revolução, e passa a escrever, em coerências com as idéias aceitas, obras de combate às instituições vigentes (Monarquia, Igreja, Burguesia) e de ação e reforma social. É neste contexto que Eça de Queirós escreveu O Primo Basílio. Segundo MASSAUD (1994, p.195) com O Primo Basílio, Eça desloca-se para a cidade, a sondar as moléstias degenerescentes no centro nevrálgico da Nação, a Capital: o ficcionista penetra agora no recesso dum lar burguês pretensamente sólido e feliz, e nele descobre a existência de igual podridão moral e física; (...) o núcleo da organização burguesa, o casamento, deixava-se atingir mortalmente pelo adultério.


Antonio Candido, na obra Literatura e Sociedade, apresenta a imagem do Brasil nesta época. Segundo CANDIDO apud NAXARA (1998, p. 113) o Brasil possuía uma cultura de raízes européias, voltada para os seus valores e movimentos e, no entanto, era habitado por um povo latino (...) etnicamente mestiço, situado no trópico, influenciado por culturas primitivas, ameríndias e africanas.


Análise

NUMA E A NINFA

1. O estudo de tais coisas eram suplício cruciante; mas Numa queria ser bacharel, para ter cargos e proventos.

2. Numa viu logo que o caminho mais fácil para chegar a seu fim era casar-se com a filha do dono daquela comarca longínqua.... (p.15)

3. Você deve ver se arranja algumas idéias e fazemos um discurso.

4. Formado em Direito, tentou advogar, mas, nada conseguindo, veio ao Rio de Janeiro, agarrou-se à sobrecasaca de um figurão, que o fez promotor de justiça do tal Serrambi, para livrar-se dele.  

5. Olhou ainda mais um instante e viu que os dois acabavam de beijar-se. A vista se lhe turvou; quis arrombar a porta, mas logo lhe veio a idéia do escândalo e refletiu. Se o fizesse, vinha a coisa a público; todos saberiam do segredo da sua inteligência e adeus câmara, ministério....

O PRIMO BASÍLIO

1. Basílio estava pobre; partiu para o Brasil. (p. 26)
 
2. A sua fortuna tinha sido feita com o negócio da borracha. (...) queriam resgatar as ações brasileiras, que eram um empecilho. Pretendia elidir os vínculos com o Brasil, pois, já havia conseguido seu objetivo. (p.227)

3. Luiza imaginava o Brasil como uma terra selvagem, com muitos escravos negros, em que ela não precisaria fazer nada, viveria num completo ócio. (p. 29)  

4. Nas pequeninas estrelas brancas bordadas nas suas meias de seda. A Bahia não o vulgarizava. (p. 63)

5. ...afirmavam amigos do Brasil que os negros eram muito bem tratados. Mas enfim a civilização era a civilização! (p.101)

6. ...quem queria negras trazias do Brasil! (p.272)

7. ... quando se tencionava punir alguém, enviava-se para o Brasil. (p.336)

Considerações finais:

Percebemos que no conto de Lima Barreto o brasileiro é aquele que sempre dá um jeitinho para tudo, que sempre sai ganhando, principalmente na política. Lima traça um perfil psico-social do brasileiro criticando essa imagem. No romance de Eça de Queirós a Brasil é visto como um lugar inferior, com uma população inferior, um lugar que servia para enriquecimento e exploração. Notamos que, mesmo em períodos literários diferentes, os autores denunciam a sociedade de suas épocas.

Referências bibliográficas:

·        BARRETO, L. Numa e a Ninfa. São Paulo: L&M Pocket, 2001.

·        MASSAUD, M. A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultriz, 1994.

·        NAXARA, Márcia. Estrangeiros em sua própria terra: representações do brasileiro 1870/1920. São Paulo: Annablume, 1998.

·        SEVSENKO, N. Literatura como Missão. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.

·        QUEIRÓS, Eça de. O Primo Basílio. In Ler e Aprender. São Paulo: Estadão, 1997.