A ILICITUDE DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL [1]

 

 

                                                           Bárbara Denise Silva [2]

                                                             Luane Índia do Brasil[3]

                                                                                    Maria do Socorro Almeida Carvalho[4]

 

Sumário: Introdução; 1 Natureza Jurídica do Art. 28 da Lei 11. 343/2006; 1.1 Despenalização do Art. 28 e reeducação do usuário de drogas; 2 Princípio Insignificância ou Crime de bagatela; 2.1 Art. 28 como infração sui generis; Conclusão; Referências.

RESUMO

Com o advento da lei 11.343/2006, que instituiu uma nova política criminal sobre as drogas, observa-se uma inovação no seu artigo 28, no qual estabelece uma nova forma de lidar com o consumo pessoal de drogas, antes criminalizada com pena privativa de liberdade. Essa descriminalização do consumo pessoal de drogas trouxe uma nova discussão sobre a ilicitude do porte de drogas para o consumo pessoal, afinal estamos diante da descriminalização dessa conduta. Para entendermos a nova política adotada pelo legislador, é preciso analisar a conduta à luz dos princípios do direito penal e da parte especial.

 

PALAVRAS-CHAVE:

Nova Lei de Drogas; Descriminalização; Porte de Drogas para o Consumo Pessoal; Princípio da Insignificância.

 INTRODUÇÃO

O artigo 28 da Lei 11.343/06 inaugurou uma nova visão sobre o consumo pessoal de drogas, ensejando numa punição mais branda desse consumo pessoal. A conduta ainda configura ilícito penal, mas não possui mais pena de prisão para quem consome, logo esse ilícito penal agora se utiliza de penas alternativas, entre elas a prestação de serviços à comunidade. Isso decorre de um Direito Penal mais humanizado, afinal por ser a tutela penal a mais severa, então sua utilização deve ser com cautela, em consonância com os princípios do Direito Penal e os pressupostos da parte especial, como a ofensa ao bem jurídico tutelado.

Com isso, a questão central gira em torno da pergunta:  será que estamos diante da descriminalização do porte de drogas para o consumo pessoal?  A princípio não consideramos essa hipótese, afinal a referida conduta ainda configura um ilícito penal, porém podemos estar diante de um despenalização, o que resulta numa resposta punitiva mais branda para a conduta. Entretanto, o que interessa é qual a intenção do legislador com esse novo tratamento penal e o que levou a essa conclusão, e isso será analisado neste trabalho à luz dos princípios do Direito Penal e dos pressupostos da parte especial, concomitante com uma nova visão da função do Direito Penal a respeito da ilicitude do porte de drogas para consumo pessoal.

1. Natureza Jurídica do Art. 28 da Lei nº 11.343/2006

A Nova Lei de Drogas foi instituída com o objetivo de avançar com a política criminal sobre o consumo pessoal de drogas, afinal a lei anterior, de nº 6.368/76, se baseava numa punição severa sobre a liberdade do indivíduo. Logo, a nova política penal sobre o porte de droga para uso pessoal, trouxe uma nova visão do Estado sobre a função do Direito Penal, que não é somente retirar a liberdade do individuo, com uma política criminal de punição severa, que na realidade, não é capaz de criar consciência no individuo sobre perigo e os malefícios que a droga traz.

A anterior política proibicionista sobre o consumo pessoal de drogas, não solucionou o problema, pois o consumo de drogas só aumenta em nosso país, logo a lei anterior se mostrou ineficaz, e muitos que portavam drogas para consumo próprio, diante da corrupção, acabam por não sofrer a pena de restrição de liberdade que lhes era cominada na lei, afinal as prisões brasileiras ainda sofrem com problemas de super lotação. A Lei de Drogas anterior também, não era capaz de reeducar e criar consciência nos indivíduos que portam e consomem drogas, pois a pena anterior de prisão, na realidade, não é capaz de promover essa ressocialização, logo assim que cumpriam a pena, retornavam a alimentar o mercado ilícito de drogas.

O artigo 28 da Lei 11.343/06 finalmente acabou com a confusão penal sobre porte para consumo pessoal de drogas, que baseado na Constituição Federal e na nova função do Direito Penal, o legislador optou por um processo de despenalização da conduta, com o fim de reeducar os indivíduos sobre o mal que o consumo pessoal de drogas traz, afinal é considerado pela lei, um crime contra a saúde pública. Logo, essa Nova Lei de Drogas traz uma nova vertente sobre a função do Direito Penal, que busca mudanças de impacto na sociedade, que culmine numa conscientização desses indivíduos, processo que foi iniciado na jurisprudência brasileira, e terminou na edição do artigo 28 da referida lei.

Nesse sentido, não obstante o disposto na Lei Penal, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLVI, apresenta um rol de penas que é meramente taxativo, visto que dispõe, no início do inciso, que "a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes". Logo, o fato de o art. 28 não mais prevê a aplicação de pena privativa de liberdade em caso de posse de droga para consumo pessoal, não lhe retira o caráter criminoso.

Diante disso, pode-se dizer que com o surgimento dessa “nova penalização”, existe uma descriminalização formal, que para o renomado autor Luís Flávio Gomes,  descriminalização significa retirar de algumas condutas o caráter criminoso, e tão logo haveria duas espécies de descriminalização: “a que retirar o caráter de ilícito penal da conduta, mas não a legaliza e a que afasta o caráter criminoso do fato e lhe legaliza totalmente. No primeiro caso pode ser chamado de descriminalização “penal” (“porque só afasta a incidência do Direto penal, mas o fato continua sendo ilícito”, já no segundo caso pode ser denominada de descriminação plena ou total (porque elimina o caráter ilícito do fato perante todo o ordenamento jurídico)”.

Em suma, a política criminal trazida pela Lei nº 11. 343/2006 vem para proteger e dar mais atenção ao tema, dando mais ênfase à proteção dos usuários de drogas, fazendo com que estes possam ser reinserido na sociedade, de tal modo explana Gomes:

Trata-se, portanto de uma importante mudança ideológica, principalmente porque a nova Lei determina “a observância do equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social, de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito, visando a garantir a estabilidade e o bem-estar social.

Conclui-se desta forma, que todos os aspectos sócio-jurídico estão voltados para os efeitos causados pela criminalização em face do uso de drogas. O legislador por sua vez buscou com essa Lei, amenizar ou neutralizar esses efeitos, para que então seja dada uma nova chance desses portadores serem inseridos na sociedade, sendo abandonada a política repressiva.

1.1  Despenalização do Art. 28 e a reeducação do usuário de drogas:

A Nova Lei de Drogas e seu artigo 28 iniciou um processo de despenalização do porte de drogas para o consumo pessoal, logo esse artigo focou bastante na prevenção e instituiu penas alternativas, que permitem uma reinserção social dos indivíduos infratores. O artigo 28 da Lei 11.343/06, foi editado da seguinte forma:

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1o  Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2o  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 7o  O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.

O núcleo do tipo do artigo 28 consiste em “adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trouxer consigo”, logo é evidente que a conduta incrimina somente o porte de drogas, portanto consumo pessoal de drogas não configura ilícito penal. O objeto material desse crime corresponde às drogas, que foram determinadas no artigo 66 desta lei, conforme: “[...] denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS no 344, de 12 de maio de 1998.” Sobre elemento normativo no artigo 28 temos “drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, ou seja, se por algum motivo a posse da droga for autorizada por uma autoridade competente, o fato se torna atípico.

Sobre o elemento subjetivo, tem o dolo que corresponde a vontade livre e consciente de praticar qualquer uma das condutas elencadas no elemento objetivo, sejam elas: adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo drogas sem autorização. Temos também um fim especial de agir, que é para fins de consumo pessoal, logo se não houver esse finalidade específica, é possível que o agente recai na conduta do artigo 33 da Lei 11.343/06, conforme:

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

É interessante notar, que a pena cominada no crime do artigo 33 da Nova Lei de Drogas, corresponde ao comércio ilegal de drogas, é significativamente maior do que a estabelecida para o consumo pessoal de drogas, notando-se como a resposta penal vai do máximo ao mínimo sobre essas condutas. O que denota também, a intenção do legislador, quando editou o artigo 23 da Lei, de instaurar uma nova política-criminal sobre o porte de drogas para o consumo pessoal, afinal a restrição de liberdade não se mostrava uma lição eficaz. O bem jurídico protegido no crime do porte ilegal de drogas para consumo pessoal seria a saúde pública, que será questionado mais adiante neste trabalho.

Sobre as penas cominadas no artigo 28, temos a medida sócio educativa de advertência sobre os efeitos das drogas, a pena restritiva de direito como prestação de serviço à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, logo é notável uma nova política criminal que incidem sobre a pena do porte ilegal de drogas para consumo pessoal, que culminam num provável processo de despenalização dessa conduta advindo do legislador. Afinal é necessário ponderar o princípio da proporcionalidade no direito penal, afinal o porte de drogas para consumo pessoal não ofende o bem jurídico protegido e não possui o mesmo impacto na sociedade como o comércio ilegal consegue fazer.

É notável ao analisar as penas do porte ilegal de drogas para o consumo pessoal, a incidência também de medidas sócio educativas, o que representa inovação no direito penal brasileiro, que demonstra a intenção não somente de punir a conduta, mas reeducar o usuário ou dependente de drogas, seja advertindo sobre os malefícios que ela traz ou comparecimento a programa ou curso educativo. Essas medidas podem trazer grandes benefícios para os usuários e para toda a sociedade, pois educar e conscientizar esses indivíduos pode representar uma medida bem mais eficaz, do que punir eles com pena restritiva de liberdade, que como bem se sabe anda em crise, ainda mais considerando a realidade carcerária brasileira.

Complementando essa medidas sócio educativas, conforme o § 7o  do referido artigo 28, o juiz pode colocar a disposição do infrator, de forma gratuita, tratamento especializado em estabelecimento de saúde, o que denota a intenção de reeducar esse individuo, permitindo, no caso do dependente, que ele se cure e saia dessa situação, culminando numa real inserção dele na sociedade. Conforme o § 1o do artigo 28, pratica esse delito quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas a produzir pequenas substâncias de drogas, desde que seja para consumo pessoal. É responsabilidade do juiz ao analisar o caso concreto, observar se o porte de drogas, de fato, era para consumo pessoal, senão, como dito anteriormente, recai na hipótese do artigo 33 da Nova Lei de Drogas.

O porte ilegal de drogas para consumo pessoal é considerado crime de menor potencial ofensivo, o que justifica a despenalização que a conduta criminal sofreu com edição do artigo 28 da Lei 11.343/06. O paternalismo penal do Estado, que intervém na conduta do indivíduo que porta droga para consumo pessoal, tem o intuito de proteger o bem jurídico, saúde pública, porém, com a edição da Nova Lei de Drogas, faz isso de forma racional e humana, despenalizando a conduta com o fim de recuperar a saúde e a consciência desses indivíduos, e de fato, reinseri-los na sociedade.

2        Princípio Insignificância ou Crime de bagatela

“Para se constatar a legitimidade de um tipo penal, a questão primeira que deve nortear o intérprete circunscreve-se ao bem jurídico tutelado pela norma [...] na hipótese da conduta estudada, apenas se assevera que o bem jurídico tutelado é a saúde pública” (SOUZA, 2011, p. 169). Analisando a Lei 6.368/76, percebe-se que a mesma já tratava da proteção da saúde pública, e que a Lei 11.343/2006 veio para reforçar tal proteção, mas na continuidade do pensamento de SOUZA, nota-se considerações acerca da aplicação do Princípio da Insignificância:

O Art. 12 da Lei 6.368/76 não distingue, na configuração do delito, o tráfico de quantidade maior ou menor de maconha. A repressão ao uso e tráfico de substâncias entorpecentes capazes de causar dependência física e psíquica, que a lei tutela, não visa ao dano estritamente individual, mas ao coletivo, pela traficância que possa despertar  ou ocasionar. Sua punição leva em conta o perigo que as substâncias entorpecentes representam para a saúde pública, e não a lesividade comprovada em caso concreto (STF – RE 109.435-4 – Rel. Célio Borja – RT 618/407).

Ainda segundo o pensamento de SOUZA (2011, p. 171), a análise da ofensividade e a aplicação do Princípio da Insignificância devem ter certa prioridade a depender de cada caso.

Dito de outro modo, não há qualquer lesividade na conduta de porte de entorpecentes para uso pessoal, sendo ausente a identificação correta de qualquer ofensa à saúde pública in casu. Assim, ainda em outras palavras, não se comprova a presença de um bem jurídico neste tipo de criminalização.

Luis Flávio Gomes (2010) expõe alguns entendimentos sobre a posse de droga para consumo próprio:

A posse de droga para consumo pessoal, do ponto de vista formal, transformou-se (com a nova lei de drogas – Lei 11.343/2006) numa infração penal sui generis (art. 28, que não comina pena de prisão). Para o STF trata-se de um “crime” punido com penas alternativas (STF, RE 430.105-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence). Alice Bianchini (no nosso livro Lei de Drogas Comentada, RT, 3. ed., 2008) entende que se trata de uma mera infração administrativa (nessa mesma linha hoje anda toda política criminal européia, a Corte Suprema da Argentina, assim como a Corte Suprema da Colômbia).

“Para os formalistas, na posse de droga para consumo pessoal aplica-se, isolada ou cumulativamente, uma série de medidas alternativas [...] A posse privada de droga para uso pessoal não afeta terceiras pessoas e afasta-se, nesse caso, a concepção do perigo abstrato,  não havendo assim, o que se falar em infração penal” (GOMES, 2010).

Tudo isto exposto, há de ser perceber o caminho traçado por vários doutrinadores para reforçar a aplicação do Princípio da Insignificância no Art. 28 da Lei 11.343/2006, nesse caso, porque o resultado jurídico não tem valor, pois não há capacidade ofensiva da conduta. Assim, temos o exemplo de posse de uma quantidade irrelevante de droga, que não oferece perigo a terceiros, sendo a finalidade desta apenas para uso pessoal, não poderia então, ser uma conduta com relevância penal.

HABEAS CORPUS. - Princípio da insignificância. - Ordem concedida.

CABIMENTO, TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL, CRIME, PORTE DE ENTORPECENTE, MACONHA, PEQUENA QUANTIDADE, INEXISTENCIA, DANO, PERIGO, SAÚDE PÚBLICA, APLICAÇÃO, PRINCIPIO DA INSIGNIFICANCIA.  (STJ - HABEAS CORPUS: HC 21672 RJ 2002/0045774-2, Relator: Ministro Fontes de Alencar.)

Em contrapartida à aplicação do Princípio da Insignificância ao Art. 28 da Lei de Drogas, temos o fato do “princípio da precaução supostamente justificar uma incriminação por meio da vedação de uma conduta que pode vir a lesionar um bem jurídico” (SOUZA, 2011, p. 171), mas percebe-se que quando alguém porta uma pequena quantidade de droga, apenas para uso pessoal, não há lesão à saúde pública e esse é o posicionamento minoritário da doutrina.

2.1  Art. 28 como infração sui generis

Acompanhando o pensamento de GOMES e SANCHES (2010), temos a seguinte indagação: “nesse dispositivo teria o legislador contemplado um crime, uma infração penal sui generis ou uma infração administrativa?”

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento de Questão de Ordem suscitada nos autos do RE 430.105 QO/RJ, rejeitou as teses de abolitio criminis e infração penal sui generis para o delito previsto no art. 28 da Lei 11.343/06, afirmando a natureza de crime da conduta perpetrada pelo usuário de drogas, não obstante a despenalização. (MACABU, STJ - HABEAS CORPUS: HC 114766 SP 2008/0194422-1).

Ainda no entendimento de Gomes e Sanches (2006), vemos que:

 

Conceber o art. 28 como "crime" significa qualificar o possuidor de droga para consumo pessoal como "criminoso". Tudo que a nova lei não quer (em relação ao usuário) é precisamente isso. Pensar o contrário retrataria um grave retrocesso punitivista (ideologicamente incompatível com o novo texto legal). Em conclusão: a infração contemplada no art. 28 da Lei 11.343/2006 é penal e sui generis. Ao lado do crime e das contravenções agora temos que também admitir a existência de uma infração penal sui generis.

No processo RE – 430105 do informativo nº 465 do STF com o título “Art. 28 da Lei 11.343/2006 e Despenalização (Transcrições)” percebemos a caracterização deste delito como sendo uma infração administrativa:

Art. 28 da Lei 11.343/2006 e Despenalização (Transcrições) (v. Informativo 456) RE 430105 QO/RJ* RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE Relatório: RE, a, do Ministério Público, em matéria criminal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que julgou ser o Juizado Especial o competente para o processo e julgamento de crime de uso de drogas, previsto à época dos fatos no art. 16 da L. 6.368/76 (f. 114/120). Alega-se violação dos 2º; 5º, XL; e 98, I, todos da Constituição, sob o fundamento de que, ao contrário do afirmado pelo acórdão recorrido, o art. 2º, par. único, da L. 10.259/01, nos casos de competência da Justiça estadual, não ampliou o conceito de crime de menor potencial ofensivo previsto no art. 61 da L. 9.099/95. Dada a superveniência da L. 11.343/06 (art. 28), submeto à Turma questão de ordem relativa à eventual extinção da punibilidade do fato (C.Penal, art. 107, III). É o relatório. [...] a etiqueta dada ao Capítulo III, do Título III, da Lei 11.343/2006 (“Dos crimes e das penas”) não confere, por si só, a natureza de crime (para o art. 28) porque o legislador, sem nenhum apreço ao rigor técnico, já em outras oportunidades chamou (e continua chamando) de crime aquilo que, na verdade, é mera infração político-administrativa.

Corrente minoritária defendida por Alice Bianchini, afirma que o “art. 28 não
pertence ao Direito Penal, mas sim, é uma infração do Direito judicial sancionador, no entanto, este não foi o posicionamento adotado pelo STF.”

Há posicionamentos divergentes a respeito do delito previsto no Art. 28 da Lei de Drogas ser ou não uma infração penal sui generis. O STF, em alguns julgados, rejeita a tese de infração penal sui generis, mas a maioria da doutrina sustenta a ideia que houve despenalização formal, pois a posse de droga para consumo pessoal deixou de ser tipificada como crime com pena de reclusão ou detenção.

De acordo com o entendimento de Luís Flavio Gomes, muita das vezes o agente é um mero usuário, não havendo, no entanto prova suficiente para incriminá-lo, sem contar que por se tratar de uma quantia pequena encontrada com o usuário, levando em conta também outros fatores, pode-se aplicar o Princípio da Insignificância, como defende:

“A posse de droga para consumo pessoal transformou-se, com a nova Lei nº 11.343/2006, numa infração "sui generis" (art. 28, que não comina pena de prisão). A ela se aplica, isolada ou cumulativamente, uma série de medidas alternativas (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo). Quando, entretanto, se trata de posse ínfima de droga, o correto não é fazer incidir qualquer uma dessas sanções alternativas, sim, o princípio da insignificância, que é causa de exclusão da tipicidade material do fato.”

 

Diante disso, o referido autor Luís Flávio Gomes e o professor Rogério Cunha Sanches entendem haver uma descriminalização formal, onde não existe mais aqui o caráter criminoso do fato, e ao mesmo tempo, a despenalização, em que não será mais adotada a pena privativa de liberdade. Segundo eles, não se trata nem de crime nem de uma contravenção penal, uma vez que não há cominação de qualquer pena de prisão. Logo, estaríamos diante de uma infração penal sui generis. Ancorada em alguns dos argumentos:

b) a reincidência de que fala o § 4º do art. 28 é claramente a popular ou não técnica e só tem o efeito de aumentar de cinco para dez meses o tempo de cumprimento das medidas contempladas no art. 28; se o mais (contravenção + crime) não gera a reincidência técnica no Brasil, seria paradoxal admiti-la em relação ao menos (infração penal sui generis + crime ou + contravenção); g) pode-se até ver a admoestação e a multa (do § 6º do art. 28) como astreintes (multa coativa, nos moldes do art. 461 do CPC) para o caso de descumprimento das medidas impostas; isso, entretanto, não desnatura a natureza jurídica da infração prevista no art. 28, que é sui generis; h) o fato de a CF de 88 prever, em seu art. 5º, inc. XLVI, penas outras que não a de reclusão e detenção, as quais podem ser substitutivas ou principais (esse é o caso do art. 28) não conflita, ao contrário, reforça nossa tese de que o art. 28 é uma infração penalsui generis exatamente porque conta com penas alternativas distintas das de reclusão, detenção ou prisão simples.

Por fim, após todos os argumentos lembrados, cabe conceber que o Artigo 28 qualifica o possuidor de droga como “criminoso”, e essa nova Lei vem acabar com esse entendimento. Uma vez que pensar de forma contaria leva a um “retrocesso punitivista”, segundo os autores. Sendo assim, ao lado do crime e das contravenções agora é necessário admitir a existência de uma infração penal sui generis.

 

CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo analisar, à luz da nova Lei nº 11.343/06, também conhecida como a Lei de Drogas, dadas às novas mudanças relacionadas ás penalidades e tratamentos dispensados aos usuários e dependentes de drogas. O porte de drogas para uso pessoal assim e sua possível despenalização trouxe consigo uma gama de questionamentos e controvérsias, muito discutida em todas as esferas da sociedade, por ser o uso da droga um dos grandes impasses da atualidade, devido ao grande número de pessoas afetadas e também a “preocupação” do Estado, para com a educação e a reinserção dessas pessoas na sociedade. A referida Lei trouxe consigo um novo trato da nomenclatura a ser usada, deixando a expressão de substância entorpecente para a expressão drogas, aumentando o entendimento de que drogas são todas aquelas substâncias que trazem algum tipo de dependência, seja ela física ou psíquica.

Em seu artigo 28, a referida Lei traz descritas as novas penalidades a serem cominadas a aqueles que adquirirem, guardarem, tiverem em depósito ou transportarem para consumo pessoal drogas sem autorização, trazendo pra eles novas sanções tal como, advertências sobre os malefícios sobre os efeitos que as drogas podem trazer. Também podem ser feito prestação de serviço à comunidade e presença em cursos educativos. Diante disso, houve uma grande discussão dentro da ceara jurídica sobre o advento dessa nova Lei, uma vez que a sociedade questionou os novos argumentos da referida Lei em despenalizar ou descriminalizar o uso de drogas. Com isso, descriminalizou o porte se drogas para consumo próprio, na medida em que deixou de aplicar a pena privativa de liberdade. A doutrina por sua vês divide-se no tocante a esse assunto.

De um lado, grande parte dos doutrinadores entende que a conduta trazida no Artigo 28 da Lei nº 11.343/06 foi despenalizada, já que a pena privativa de liberdade não será mais aplicada, dando espaço para penas que visam atingir a conduta do usuário, com o objetivo de reincerserí-lo e reeducá-lo, para que possa retornar ao convívio social. Em contrapartida há uma corrente minoritária, que defende que houve uma descriminalização em sentido formal, sem que a droga tenha sido legalizada, uma vez que tal conduta não é mais considerada crime, pois de modo algum permite à privação de liberdade do agente, dando espaço a existência de uma infração penal sui generis. No entanto, a jurisprudência do STF o porte de drogas para uso pessoal foi apenas despenalizado, podendo por tais razões concluir-se que a natureza jurídica do porte de drogas para consumo pessoal é crime.

REFERÊNCIAS

BIANCHINI, Alice. QUESTÃO COMENTADA - ART. 28 DA LEI nº 11.343/06 - DESPENALIZAÇÃO? Disponível em: <www.blogdodelegado.com.br>  Acesso 21 de agosto de 2013.

GOMES, Luis Flávio. Drogas, Descriminalização e Princípio da Insignificância. Disponível em: <www.lfg.com.br>  Acesso em 22 de agosto de 2013.

GOMES, Luis Flávio Gomes; SANCHES, Rogério Cunha. Posse de drogas para consumo pessoal: crime, infração penal "sui generis" ou infração administrativa? Disponível em: < http://www2.mp.pr.gov.br/cpdignid/telas/cep_b18_01.html> Acesso em: 22 de agosto de 2013.

JESUS, Damásio Evangelista. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Vs. 3 e 4. São Paulo: Saraiva, 2000.

RE – 430105 do informativo nº 465 do STF. Art. 28 da Lei 11.343/2006 e Despenalização (Transcrições). Disponível em: < www. http://www.stf.jus.br> Acesso em: 05 de outubro de 2013.

ROSÁRIO, Cinthya. LEI ANTIDROGAS: despenalização ou descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. Disponível em: <http://www.univali.br/pdf/Cinthya%20do%20Rosario.pdf>. Acesso em 06 de Outubro de 2013.

SANDRIN, Carlos Fernandes; PENTEADO, Jaques de Camargo. Drogas: Imputabilidade e Dependência. São Paulo: Associação Paulista do Ministério Público, 1994.

SILVA, Eva Maria Cogo da; COGO, Rodrigo. Natureza Jurídica do Artigo 28 da Lei de Drogas. Disponível em: http://periodicos.uems.br/novo/index.php/anaispba/article/viewFile/207/141. Acesso em: 06 de Outubro de 2013.

SOUZA, Luciano Anderson de. Punição criminal ao porte de entorpecentes para uso próprio e irracionalismo repressivo. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 19. N.88. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011.

STF – RE 109.435-4 – Rel. Célio Borja – RT 618/407. Disponível: <www. jusbrasil.com.br> Acesso dia 30 de setembro de 2013.

STJ - HABEAS CORPUS: HC 114766 SP 2008/0194422-1. Ministro Adilson Vieira Macabu. Disponível: <www. jusbrasil.com.br> Acesso dia 30 de setembro de 2013.

STJ - HABEAS CORPUS: HC 21672 RJ 2002/0045774-2, Relator: Ministro Fontes de Alencar. Disponível: <www. jusbrasil.com.br> Acesso dia 30 de setembro de 2013.

TÁVORA, Nestor. FRANÇA, Bruno Henrique França. LEIS ESPECIAIS - LEI DE DROGAS. 1ª Ed, V. 39, JUSPODIVM, 2012.



[1]Paper  apresentado á disciplina de Direito Penal Especial III ministrada pela professora Maria do Socorro Almeida Carvalho.

[2]Acadêmico do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[3]Acadêmica do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[4] Professora, orientadora