A igualdade no Sistema Penal: uma doce ilusão!*

 

 

 

Márcio Freitas Costa**

 

                                                                                                         *

Sumário: Introdução;1 Aausência de justiça no sistema penal do Maranhão; 2 Consequências do sistema penal falido; Considerações finais; Referências.

RESUMO

O intuito deste paper é demonstrar a estigmatização perpetrada pelo sistema de justiça penal, como fator desencadeante da desigualdade no controle penal, registrando que somente a criminalidade oriunda das camadas mais pobres da sociedade é que tem um tratamento punitivo do sistema penal, diferenciando dessa forma ricos e pobres..

Palavras-Chave: Estigmatização; Sistema de Justiça Penal; Desigualdades.

Introdução

A idéia de crime acompanha a formação da sociedade, pois querendo ou não, todos vivem cometendo atos ilícitos que podem ou não vir a serem repreendidos pelo sistema penal.

Registre-se que na atualidade, o sistema penal é injusto, pois existem condutas reprováveis que são previstas no Código Penal, mas que recebem tratamento diferenciado.

Diferem tão somente pela classe social em que se encontra o infrator. Em outras palavras, aqueles crimes cometidos pelos pobres são cada vez mais punidos, inclusive àqueles que não chegam a lesionar os bens jurídicos significativos, enquanto que os crimes financeiros, que causam um déficit gigantesco na economia do país e onde todos saem perdendo, sequer são submetidos a investigação.

 Assim, a discussão, no presente trabalho, gira em torno das desigualdades estabelecidas pelo sistema penal, tendo em vista que como este seleciona apenas parcela da sociedade, os índices de criminalidade das camadas mais pobres só tende a aumentar, consectário das desigualdades e exclusão sociais, da falta de oportunidades de trabalho e futuro para os jovens.

Precisa-se ter em mente um ideal de cidadania, e este pressupõe o exercício efetivo de direitos, bem como o cumprimento de determinados deveres ou obrigações para eliminar as desigualdades. Assim, registre-se que o objetivo dessa pesquisa é o de entender como lidar com a idéia do exercício efetivo de direitos numa sociedade desigual como o Maranhão.

Portanto, com base na injustiça do sistema repressor, a realidade atual gera a seguinte dúvida quanto às desigualdades: por que será que o Poder Punitivo só reprime os atos cometidos pelas camadas que ficam a margem da sociedade? É o que será analisado no decorrer do trabalho.

1 Aausência de justiça no sistema penal do Maranhão

O ser humano é um ser de direitos e deveres, e todos, sem exceção, merecem tratamento igualitário, tudo para que se tenha dignidade humana e não se cometa injustiça. Porém necessário acrescentar que alcançar a verdadeira sociedade igualitária é um ideal utópico[1].

Assim, aqueles que tiveram seus direitos violados, devem, hoje, ser analisados nas especificidades e peculiaridades de sua condição social[2]. Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos, lembrado por Flávia Piovesan[3], afirma que “temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa desigualdade nos descaracteriza”.

Assim, analisando o sistema penal maranhense, registre que “a ausência de justiça está bloqueando o caminho para paz[4]. Fala-se isso porque num lugar onde as pessoas divergem em todos os sentidos, a dificuldade encontrada para atingir essa paz é alarmante, tendo em vista que as condições de igualdade só são produzidas quando o Poder Público realiza, e este, infelizmente, é o principal responsável pela injustiça e indiretamente, pelos conflitos e pela violência.

Em outras palavras, verifica-se na realidade maranhense, a necessária implantação de políticas públicas como forma de eliminar as desigualdades e proporcionar a igualdade de todos, pois no sistema Penal há um campo repleno de condutas delituosas previstas em lei, mas que excluem e discriminam apenas as camadas mais pobres, que são os sujeitos criminosos.

O sistema penal, em geral, e inclusive do Maranhão, é seletivo, pois a lei existe, mas nem todos são selecionados para cumprir a pena. Trata-se de tamanha injustiça e forte fonte de desigualdade, pois segundo os ensinamentos de Mello[5], “a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos”, ou seja, todos devem ser tratados na medida de sua diferença, mas com foco no princípio da igualdade que deve ser aplicado não só para repudiar privilégios injustificados, mas também diminuir os efeitos decorrentes das desigualdades sociais geradas ao longo da história.

Isso é exemplificado pelas sábias palavras de Arundhati Roy[6], quando diz que: “enquanto a elite, em algum lugar do topo do mundo, busca viagens a destinos imaginados, os pobres são apanhados numa espiral de crime e caos”. Ou seja, traduzindo tal expressão, constata-se que o sistema penal é injusto, pois todos cometem crimes, mas somente os pobres são penalizados.

E por isso, a sociedade deve ter em mente o seguinte posicionamento imposto por Dworkin[7], onde: “o princípio da igual importância exige que os indivíduos (o próprio sistema penal) ajam com igual consideração em relação a alguns grupos de pessoas em certas circunstâncias”. Isso significa que o sistema penal não pode ser fonte de privilégios para alguns e fonte de desigualdade para outros nas mesmas situações, pois a lei é a mesma para todos.

Assim, alcançar a justiça é o objetivo central, e o tratamento igualitário é o meio imprescindível para priorizar àqueles grupos menos favorecidos cujos anseios de igualdade são adquiridos por determinadas circunstâncias ou particularidades.

2 Consequências do sistema penal falido

Registre que é desnecessária a atuação penal em todos os casos previstos em lei, porém, necessário acentuar que não é bem assim que funciona o sistema penal, pois ele deixa de atuar, na sua maioria, somente quando se refere às camadas mais favorecidas da sociedade, aumentando assim, cada vez mais o índice de criminalidade – consectário dessa injustiça.

Necessário acrescentar ainda que os pequenos delitos praticados pelas camadas menos favorecidas têm sua origem ligada às insuficiências que o Maranhão se nega a oferecer, referente aos direitos sociais mínimos, pois as pessoas, em sua maioria, podem suportar todos os tipos de problemas, entretanto, acabam perdendo as forças, ficando propensos ao âmbito das ilegalidades, ou seja, do crime.       

Registre-se, além disso, que a pena de prisão, prevista para a maioria dos crimes, é utilizada inclusive quando ela não é necessária, e tão somente quando a classe que comete é a que menos tem condições de sobrevivência. É o entendimento do Prof.º Claúdio Guimarães[8]:

[...] a pena privativa de liberdade, longe de alcançar os objetivos oficialmente declarados, pelo contrário, é utilizada, isto sim, como principal instrumento a serviço do poder para manutenção das desigualdades sociais, não sendo suas efetivas funções a justa retribuição, a intimidação, a reafirmação do valor da norma, a ressocialização ou a neutralização de criminosos. (grifou-se)

Assim, conclui-se que isso gera um grave problema: o binômio inclusão-exclusão para os menos favorecidos. Inclusão dos menos favorecidos na carreira criminosa e a exclusão dos mesmos, pois se afasta a possibilidade de melhorias de vida.

Assim, para modificar a realidade desse sistema penal falido não basta simplesmente declarar a existência de direitos, não basta a criação de novas leis que os instituam, sem que os mesmos não possam ser efetivados, pois, a garantia formal dos direitos mostrou-se, ao longo da história, insuficiente para a realização de uma Justiça Social - objetivo do sistema jurídico penal, pelo menos na teoria.

Necessário, pois, segundo o ilustre Eduardo Galeano[9], que o mundo ao avesso fique de lado, que o mundo ensine a enfrentar a realidade tal como ela é, lutando para reduzir as mazelas existentes, para que seja alcançado um mundo de igualdades e que o problema possa ser resolvido por todos.

Assim, para acabar com essa opressão, onde os homens se encontram sob o manto da ignorância, necessário que haja um equilíbrio nas desigualdades sociais, de forma que estas só serão permitidas se forem vantajosas para todos, principalmente para os menos favorecidos[10], configurando assim, uma sociedade bem ordenada e, portanto, justa.

Considerações finais

Ao término de estudos prévios e do desenvolvimento do paper, chega-se a conclusão de que do entendimento ora esposado, o mínimo que se espera é um pouco de atuação estatal, no sentido de fomentar políticas que viabilizem a inclusão dos menos favorecidos na sociedade, com o fim precípuo de redução da criminalidade, já que todos têm direito a igualdade de oportunidades e é somente dessa forma que se alcançará um Maranhão igualitário, com menos desigualdades e injustiças sociais.

Registre-se ainda que uma das precípuas funções do Sistema de Justiça Penal maranhense, embora com todas as dificuldades e limitações, é a justiça distributiva. E isso se faz com atitudes e procedimentos coerentes, sintonizados com a realidade social e aptos a fazer atuar concretamente o comando abstrato da norma, sem garantir privilégios a ninguém, como forma de eliminar as desigualdades, fazendo uma verdadeira transformação social.

Assim, embora a realidade maranhense ainda seja repleta de desigualdades, estabelecer políticas de melhorias aos que necessitam é uma forma digna de vislumbrar um mundo mais justo, com melhores condições de vida a todos, já que ficou constatado ao longo do desenvolvimento do paper que o objetivo do sistema penal é continuar gerindo a sociedade sob a égide da repressão.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.

DUTRA, Delamar José Volpato; PILON, Almir José. Filosofia Jurídica contemporânea, justiça e dignidade do ser humano. In: Fundamentos do humanismo jurídico no ocidente. Coord.: Antonio Carlos Wolkmer.  Barueri: Manole; Florianópolis: Fundação José Arthur Boiteux, 2005.

DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e prática da igualdade.. Trad.: Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. 9 ed., Porto Alegre: L&PM, 2007.

GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Funções da pena privativa de liberdade no sistema penal capitalista: do que se oculta (va) ao que se declara. Florianópolis, 2006. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp021647.pdf Acesso: 10 nov. 2009.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

PIOVESAN, Flávia. Igualdade, diferença e direitos humanos: perspectivas global e regional. In: Direitos fundamentais e estado constitucional: estudos em homenagem a J.J. Canotilho. Coord. George Salomão Leite, Ingo Wolfang Sarlet. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais; Coimbra (Pt): Coimbra Editora, 2009.



* Artigo científico apresentado ao curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

** Advogado.

 
 

[1] DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e prática da igualdade.. Trad.: Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. IX.

[2] PIOVESAN, Flávia. Igualdade, diferença e direitos humanos: perspectivas global e regional. In: Direitos fundamentais e estado constitucional: estudos em homenagem a J.J. Canotilho. Coord. George Salomão Leite, Ingo Wolfang Sarlet. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais; Coimbra (Pt): Coimbra Editora, 2009, p. 296.

[3] Ob. Cit., p. 297.

[4] BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007, p. 11 e 14.

[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade3. ed. São Paulo: Malheiros,2006, p. 10.

[6] Apud, BAUMAN, Op. cit., p. 14.

[7] Op. cit. p, XVI.

[8] GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Funções da pena privativa de liberdade no sistema penal capitalista: do que se oculta (va) ao que se declara. Florianópolis, 2006, p. 5. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp021647.pdf Acesso: 10 nov. 2009.

[9] GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. 9 ed. Porto Alegre: L&PM, 2007, p. 8.

[10] DUTRA, Delamar José Volpato; PILON, Almir José. Filosofia Jurídica contemporânea, justiça e dignidade do ser humano. In: Fundamentos do humanismo jurídico no ocidente. Coord.: Antonio Carlos Wolkmer.  Barueri: Manole; Florianópolis: Fundação José Arthur Boiteux, 2005, p. 190.