A identidade cultural na pós-modernidade

 

Ludmila Pereira de ALMEIDA

 

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomás Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro DP&A, 2006. 103 p. Título original: The question of cultural identity.

 

  Natural de Kingston – Jamaica, nascido em 03 de fevereiro de 1932, Stuart Hall, vive na Grã-Bretanha desde 1951. Estudou como um bolsista Rhodes no Merton College, na Universidade de Oxford, onde obteve o seu mestrado. Nos anos 1950, após ter trabalhado na Universities and Left Review, juntou-se a E. P. Thompson, Raymond Williams e outros para fundar a revista New Left Review , sua carreira deslanchou após co-autorar com Paddy Whannel “The popular arts” em 1964. O convite feito por Richard Hoggart para que Hall entrasse no Birmingham Center for Cultural Studies foi um resultado direto dessa publicação, onde trabalhou e tornou-se o personagem principal e em 1968 tornou-se o diretor dessa unidade. Entre 1979 e 1997, Hall foi professor na Open University. Atualmente, ele é muito conhecido na Europa e America do Norte, apresenta um programa de televisão na CNBC que se chama “Politicamente Incorreto", em que ele comenta muito sobre questões multiculturais. Em suas obras o autor remete-se a experiência pessoal diaspórica, em que viveu ao nascer na Jamaica e mudar-se para a Inglaterra. Professor de sociologia da Open University de 1979 a 1997, Stuart Hall publicou The Hard Road to Renewal (1988), Resistance Through Rituals (1989), The Formation of Modernity (1992), Questions of Cultural Identity (1996) e Cultural Representations and Signifying Practices (1997).

Hall sempre trata em seus textos questões que envolvem identidade, estudos culturais, mídia, relações de poder, preconceito racial. E nesta obra A identidade cultural na pós-modernidade, que possui seis capítulos, que vão tratar, ao decorrer da obra, da famosa "crise de identidade" e o que ela é e como ela surgiu? O que a modernidade tem a ver com isso? O autor procura abordar os assuntos de forma clara e objetiva e ao final de cada capitulo resume o que foi dito e comenta sobre o que ira ser abordado no próximo capitulo, facilitando assim, maior fixação do conteúdo. Então, primeiro ele conceitua e divide, historicamente, três concepções de sujeitos e seus cinco descentramentos, questiona que nós não nascemos com a identidade, e sim a constituímos através das interações sociais, pelos discursos e que a identidade nacional, que nos é estabelecida como um todo único por possuir uma língua e uma cultura, não estabelece a realidade, pois ela é formada por várias culturas e línguas que juntas se unificam para formar a nação. Daí, a globalização vem para quebrar com as fronteiras nacionais e espalhar mais ainda a questão do multiculturalismo, que agora, principalmente com as migrações, estão crescendo e espalhando , misturando culturas formando um sujeito que não consegue definir sua identidade. Exaltando, neste momento a cultura Ocidental, que estabelece uma homogeneização e referencial de padrão cultural global.

O autor já no inicio da obra aponta que a identidade não possui padrão, ela não é única, mesmo que se estabeleça uma unidade a ela, a identidade não é fixa, ela muda de acordo com nossas identificações no decorrer da historia. É as conexões que a globalização proporciona , em que transforma aquela sociedade considerada fixa, para uma sociedade em constante mudança, descentrada, da mesma forma como os sujeitos, não tendo um centro, mas vários centros de poder. Daí nos é apontado, por Hall, três concepções de identidade, mediante aos sujeitos de cada época histórica: Primeiro temos o sujeito do Iluminismo, centrado, unificado, que possuía a identidade como natural, que já nascia com o individuo; depois temos o sujeito sociológico, não é autônomo, se constitui pela interação do eu com a sociedade; e por fim temos o sujeito pós-moderno, é constituído por várias identidades, não possui identidade fixa, nem um eu centralizante, se move a medida que se identifica. O autor ainda defende que esse deslocamento social possuiu pontos positivos, como a formação de novas identidades, que rompem com as estruturas, com o tradicional repetitivo. Enquanto ao sujeito moderno, René Descartes o define como, racional, como o centro do universo, do conhecimento esse é o "sujeito cartesiano", mas essa concepção foi sendo quebrada a medida que as sociedades ficavam mais complexas, se tornando mais social e coletiva. Assim, surgiu o conceito de sujeito social, em que se definia dentro das estruturas da sociedade, da qual faz parte. Para isso, dois eventos serviram para fundamentar esse sujeito moderno: "a biologia darwiniana", que focava a razão com base na natureza e a mente relacionada ao desenvolvimento do cérebro; e o segundo evento relaciona ao surgimento das ciências sociais, em que o sujeito internaliza o exterior que o constitui, através das praticas discursivas.

 Em seguida, Hall parte para a noção de descentramento do sujeito, que nesse caso é usado o conceito de “sujeito cartesiano”, que segundo o autor, causado por se ter nas sociedades, principalmente hoje em dia, identidades fragmentadas. Assim, são eles os cinco descentramentos: 1)- O autor relacionou esse primeiro descentramento ao pensamento marxista, em que os indivíduos agem sobre certas condições que lhes são dadas, Marx colocou como foco de analise as relações socias e não o homem; 2)- Já este segundo segue ao pensamento de Freud que rompe com o sujeito cartesiano, e afirma que nossas identidades são formadas com bases em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente, de que eu me formo pelo olhar do Outro; 3)- Este relaciona a Saussure que diz: A língua é um sistema social, ela tem em si tradições, culturas, que a completam e a dão sentido, vários significados; 4)- Também temos Foucault: o poder disciplinar te dita regras de como se comportar na sociedade, a manter o padrão, por isso quanto mais coletiva, mais o sujeito se isola, pois tem que seguir as normas daquela sociedade; 5)- E por ultimo relaciona-se ao Feminismo, que afirmava que homens e mulheres possuem a mesma identidade, que a de "humanidade”.

Assim, a cultura nacional contribui para a unificação e marcação de territórios, sendo que dentro deles uma língua e uma cultura dominam e representa a identidade daquele povo. Sendo a cultura formada por discursos, que se constituem na interação, dentro de comunidades imaginadas, dentro de “lugares”- que são fixos. É onde constituímos nossas identidades, onde nos identificamos, pelas praticas sociais especificas-, que se representam por paisagens, tradições, mitos, enfim, o que identifica com a identidade da nação e de seu povo. Não existe identidade única, pois ela é composta por várias outras, só temos a impressão de ser única por sermos dominados pelo exercício de um poder cultural, que estabelece as identidades nacionais como unificadas. Dessa forma, com a globalização que atua de maneira ofensiva sobre as identidades culturais, por integrar as comunidades, os discursos nelas existentes, não estabelecendo fronteiras, desintegrando os padrões, formando identidades hibridas e às vezes reforçando identidades locais que resistem a essa globalização. Contudo, podemos ter identidades compartilhadas, a medida que as migrações populacionais crescem, as culturas vão sendo deslocadas dos seus tempos, territórios, historias e tradições, se tornando pluralizada, sendo possível escolher minha identidade, pois no país em que estou posso provar da culinária, participar da religião, ter uma roupa, entre outros, que fazem parte de outro país, outra identidade, outra cultura.

Porém, o autor critica que esta havendo uma homogeneização das indústrias culturais Ocidentais pelo mundo, por ser elas consideradas “centros”, e as outras culturas o “resto”, daí as migrações eram no sentido: periferia para o centro, onde se concentrava a identidade padrão, que todos deveriam ter. O autor aponta dois centros em que as identidades giram em torno, devido à globalização, são elas a “Tradição” e a “Tradução”. A Tradição é tentativa de recuperar a identidade única, pura; a Tradução é a aceitação da pluralização, do hibridismo das identidades. Sendo assim, o surgimento de novas identidades, com posições políticas e ideológicas plurais, são assim determinadas devido à globalização e ao seu crescimento, algumas pessoas tentam resistir a ela outras já a apoiam e esquecem suas tradições voltando-se para o novo, o moderno.

Logo, a “crise de identidade”, é algo trazido pela modernização, e se da pelo fato do sujeito não poder se definir identitariamente, por ser ele constituído de varias identidades e contradições, por não poder se fixar e se determinar em uma cultura nacional única, enfim, sua identidade esta em conflito ao não poder ser representada unicamente. Assim, devido a grande escolha que podemos fazer de estilos, marcas, cores, temos a impressão de poder formar nossa própria identidade, mas na verdade, muitas vezes, estamos contribuindo para uma homogeneização cultural, em que todos seguem a partir da  própria identificação com uma comunidade, um grupo, uma religião, uma cultura e ate mesmo um estilo.

Perante a tudo isso, podemos fazer uma reflexão sobre a questão da identidade do índio brasileiro, pois ele possui a maioria das línguas do território brasileiro, confirmando assim que o território brasileiro não possui uma única língua e sim varias. Porém, hoje os índios estão em menor quantidade, sua cultura esta se perdendo e a cultura do “branco” está prevalecendo sobre eles, dessa forma aquela imagem do índio selvagem que já esta arraigada em nossa mente, se desconstrói quando vemos o um índio com celular, notebook, MP3, ou em uma universidade, enfim, a identidade do índio que era digamos “pura” antes da vinda dos portugueses para o Brasil, hoje já é uma identidade globalizada, moderna, aquele índio de arco e flecha que andava nu pela floresta, quase já não existe. Mesmo assim, ainda temos tribos indígenas que querem resgatar suas tradições, sua língua e espalhar para outras pessoas para que sua identidade não se perca, com isso usam da mídia, dos jornais para espalhar e preservar o que eles são, ou seja, usam de recursos da globalização para difundir sua cultura para outras culturas, outros povos.

 

 Diante disso, Hall nesta obra aponta elementos fundamentais para explicar o descentramento do sujeito, trazendo para os dias atuais questões que ao longo da historia contribuíram para o “sujeito descentrado e sem identidade” que temos hoje, sendo que a globalização deu um grande salto para isso. Tudo acontece rápido na globalização, através das migrações, o sujeito trás para outra cultura elementos de outra, que estão impregnados nele e que se mesclam com a outra cultura em que o sujeito chega. Dessa forma, vai surgindo novas culturas, através da fragmentação de culturas consideradas únicas e puras. Hall, em seu outro texto chamado: Quem precisa da identidade? , onde ele vai relatar e questionar para quê nos serve a identidade, que é constituída sempre por uma identificação, seja com a nação ou um grupo, que somos constituídos, segundo Freud, pelo outro, através das praticas discursivas e que só temos identidade por que temos a diferença. Assim, Hall procura estabelecer em seus textos, questões que estão no cotidiano, mas não são estudadas e que poucos procuram saber o como foram constituídas, como as relações de poder, em que se excluem algo e estabelece uma hierarquia, por exemplo, entre homem/mulher, negro/branco. O autor trata dos assuntos de maneira clara, colocando em seus textos o caminho pelo qual passou e vive quase uma autobiografia, por ser negro natural da Jamaica e migrar para a Inglaterra, ocasionado uma mistura cultural, contribuindo para o multiculturalismo, do qual ele estuda e critica em diferentes posições.