Autora: Kelly Porto Ribeiro, Radialista graduada em Comunicação Social com ênfase em Rádio e TV pela Universidade Metodista de São Paulo.

 

 

 

 

 

 

A GUERRA DOS MUNDOS: A PEÇA DE RÁDIO E SEUS EFEITOS

 

 

 

 

 

A Guerra dos Mundos é um romance, escrito por Herbert George Wells, lançado pela primeira vez em folhetim, na revista inglesa Pearson's Magazine, em 1897. No ano seguinte do lançamento, a obra foi publicada no formato de livro e passou a ser traduzida para diversos países ao redor do mundo. A história trata de uma invasão alienígena em Londres, no início do século XX, e suas consequências. Mais de quarenta anos depois, foi a vez desta ser adaptada a um novo formato: o programa de rádio.

 

Em 30 de outubro de 1938 foi ao ar a produção radiofônica que seria a mais falada de toda a História do Rádio. Com a ajuda do roteirista novato Howard Koch, Orson Welles, que viria a ser diretor do grande sucesso cinematográfico Cidadão Kane e na época já famoso no teatro, deu vida a uma adaptação de A Guerra dos Mundos, veiculada pela CBS.

 

Participou do trabalho também o produtor John Houseman, que juntamente a Orson Welles fazia críticas e sugestões no roteiro, modificado uma dezena de vezes. A versão final produzida por Koch foi terminada poucos momentos antes da primeira e única transmissão do programa.

 

H. G. Wells foi um visionário, antecipando diversos elementos tecnológicos em sua literatura, muito além de seu tempo. Na época, Londres não possuía iluminação elétrica e seu principal meio de transporte era a cavalo. Foi neste ambiente que Wells imaginou máquinas que voavam, raios a laser, robots e armas químicas, por exemplo. Isto fez com que A Guerra dos Mundos fosse um marco para todo o desenvolvimento posterior da literatura de ficção científica.

 

Adaptar uma obra tão importante não era, portanto, tarefa fácil. Koch não apenas fez uma adaptação mas recriou todo o ambiente onde se passa a narrativa e a transportou para o final da década de 1930. A cidade de Londres foi substituída por Nova York, que propositalmente, vivia ligada no rádio.

 

Os personagens também sofreram alterações, sendo que, no livro, o protagonista é um filósofo que narra a história em primeira pessoa e na produção para rádio, o personagem principal é o astrônomo e professor universitário Richard Pearson (personagem que nem sequer existe no livro). No livro, o astrônomo, chamado de Ogilvy, é um personagem secundário que logo é exterminado pelos extraterrestres.

 

O tempo dramático foi encurtado: no livro, a viagem feita pelos alienígenas até o Planeta Terra dura um período de seis anos, no rádio, apenas seis minutos. O tempo total de narrativa foi de 44 minutos, sendo o ápice aos 38 minutos de programa. Porém, o impacto em certos grupos de pessoas foi tão forte que, até mesmo no dia seguinte, ainda eram sentidas as consequências de Guerra dos Mundos.

 

Algumas situações que ocorreram durante e após a transmissão do programa foram uma série de telefonemas para a polícia, grupos armados na rua procurando por marcianos, pessoas cobrindo as janelas de suas casas com panos úmidos e outras dizendo ter sentido o cheiro do gás venenoso utilizado pelos extraterrestres; uma verdadeira histeria coletiva.

 

A CBS entretanto, no início da produção, anunciou a adaptação da obra de H. G Wells e os jornais também divulgaram a apresentação da peça A Guerra dos Mundos no rádio, que aconteceria às 20 horas. O Mercury Theater On The Air era um programa sob o comando de Orson Welles que já havia apresentado também outras adaptações, como Drácula e A Volta ao Mundo em 80 Dias.

 

Mas nada disso impediu que o pânico se alastrasse dentre os que não ouviam ao rádio desde o início do programa. O que pode ter ocorrido é que um número grande de pessoas tenha sintonizado na CBS apenas após o término das programas das 19 horas, nas outras estações. Além disso, o Chasen and Saborn Hour, programa de maior índice de audiência na época, era transmitido no mesmo horário que o Mercury Theater On The Air e depois de alguns minutos, quando o apresentador era substituído por um cantor, muitas pessoas trocavam de estação para simplesmente “zapear” e ouvir um pouco dos demais programas.

 

Por conta disso, os que sintonizaram na CBS depois do início do programa tiveram a oportunidade de ouvir a transmissão de uma música interrompida abruptamente por um boletim noticiário comunicando a queda de um meteoro, seguido de uma entrevista com um astrônomo falando de certas explosões em Marte.

 

Segundo Koch, o uso de boletins foi ideia de Welles. A programação era frequentemente interrompida até que, em dado momento, a transmissão passa a ser feita integralmente direto de Grover's Mill, onde encontrava-se o repórter Carl Phillips. Descobre-se que o meteoro é, na verdade, um cilindro de metal.

 

A partir daí várias autoridades (fictícias) são entrevistadas fazendo a tensão aumentar gradativamente até o relato, feito pelo ator Frank Readick, de um alien saindo do cilindro de metal. Esse era apenas o início da onda de pânico que tomaria conta dos ouvintes desavisados. A história prosseguia com a inclusão do exército, batalhas, mortes e mais cilindros sendo descobertos.

 

A notícia estava presente também na obra de H.G. Wells, mas de forma diferente; na narrativa original os personagens, moradores de Londres do início do século XX, são ávidos leitores de jornais que procuram entender o que se passa em sua cidade. Já na adaptação radiofônica, os próprios personagens falam no rádio entre si e falam diretamente ao ouvinte da vida real. O personagem, tanto no livro como no programa de rádio representa o próprio público que consome a obra: o livro é consumido por leitores e a peça radiofônica pelos ouvintes. No entanto, o consumidor, antes passivo, como leitor, passa agora a viver realmente a situação como ouvinte do rádio e este torna-se o protagonista de todo o espetáculo.

 

A história contada pelo rádio foi muito além, portanto, no imaginário coletivo revelando alguns poderes radiofônicos que até então eram desconhecidos. Os ouvintes transmitiram a história a terceiros, aumentando e muito a dimensão do impacto.

 

No rádio é muito natural criar e fantasiar, pois a impressão da realidade se constrói no cérebro do ouvinte com a mesma consistência do mundo real que o cerca, mesclada ao som do receptor.

 

Mas ainda com tanto sucesso e popularidade a versão radiofônica de Guerra dos Mundos não agradou H.G. Wells, que tratava a história como um questionamento humanista e não como um simples conto de ficção científica. Não foi à toa que um filósofo foi escolhido por Wells como o principal personagem do livro e sua substituição por um astrônomo pode ter banalizado o tema original. Antes, o protagonista comparava a barbaridade da invasão alienígena com a destruição da natureza, a violência contra os animais e os genocídios provocados pelos europeus contra os povos colonizados por eles.

 

O rádio talvez tenha simplificado demais a história idealizada por Wells, porém, ampliou sua força dramática, contando com a ajuda de interpretações e efeitos sonoros que deram vida às descrições do livro. Algumas semelhanças entre os dois formatos foram, por exemplo, a descrição da misteriosa chegada dos extraterrestres, a surpresa ao ver as grandiosas máquinas voadoras e a sensação provocada pela aparência dos aliens. Tudo isso foi traduzido para expressões vocais de agonia, espanto e gritos de terror.

 

Apesar de usar os efeitos sonoros para ilustrar algumas situações já descritas no romance, Koch optou, principalmente, pelos diálogos, entrevistas e boletins de notícia para conferir uma maior realidade e dinâmica à peça.

 

No ultimo terço do programa, aos poucos, o rádio deixa de ser o protagonista e volta a ser simplesmente um meio de comunicação, abandonando o formato de programa musical/jornalístico e revertendo a situação provocada no psicológico da população. A prova disto é que, na história, a rádio foi destruída pelos marcianos e na vida real a narrativa radiofônica segue em frente. Mais uma vez, não haveria motivos para continuar em estado de pânico, porém, a essa hora, muitos já não conseguiam mais distinguir o que era real ou não.

 

Ao final do programa há uma ruptura total no roteiro que não apresenta mais a interação entre peça e ouvinte. O astrônomo Pearson nos conta, em um monólogo, como tudo termina, como os marcianos morrem devido ao contato com bactérias terrestres e como os humanos retomam sua rotina no planeta. A música agora é mística e serve como pano de fundo apenas, sem interrupções inesperadas. É o momento em que A Guerra dos Mundos do rádio se aproxima mais daquela descrita no livro de Wells.

 

Podemos concluir, assim, que o rádio, desde seus primórdios até os dias de hoje, possui uma grande capacidade de produzir, com sucesso, histórias de ficção, com situações dramáticas que podem, inclusive, chegar ao patamar de serem confundidas pelo ouvinte com sua própria realidade.

 

Entretanto, é natural que a atenção do ouvinte seja disputada com outros elementos sonoros, visuais e até mesmo olfativos e táteis que estejam à sua volta. Isso faz com que este se disperse por alguns instantes, retornando sua atenção para o rádio depois que um tempo.

 

Portanto, a confusão provocada pela peça radiofônica Guerra dos Mundos poderia ser evitada com a reinserção da informação de que se tratava de uma adaptação de um romance, e não de fatos verídicos.

 

Orson Welles tentou explicar após a apresentação que tudo não passava de ficção, mas de nada adiantou. A título de curiosidade, para ele talvez a reação do público tenha sido muito satisfatória, já que Davidson Taylor, supervisor da CBS, tentou fazer com que Welles interrompesse a transmissão a fim de tranquilizar os ouvintes, mas este não aceitou alegando que as pessoas deviam mesmo se apavorar. Ele contava, é claro, com a elucidação das pessoas e término do pânico após o final do programa.

 

A experiência serviu como prova da importância do rádio na época e dos efeitos que ele poderia causar na população, totalmente dependente deste veículo como meio de comunicação, expressão e informação. Obviamente, se o programa fosse produzido nos dias de hoje, não causaria a mesma reação, afinal, contamos agora com fontes diversas de informação/comunicação.

 

O gênero discursivo, portanto, depende não apenas de seu emissor, como também do receptor e de sua vivência, cultura, etc. Uma mensagem pode ser lida sob interpretações diferentes, por isso é tão importante a clareza e objetividade nos meios de comunicação.

 

Após o episódio de Guerra dos Mundos os códigos de ética e legislações de radiodifusão passaram a observar de forma mais cautelosa os limites entre os gêneros. Já a adaptação para o rádio da história de invasão alienígena tornou-se mundialmente conhecida, transformando-se em um ícone para a dramaturgia, além de alavancar as carreiras de Orson Welles e Howard Koch para o cinema.

 

 

 

 

 

 

 

REFENRENCIAL BIBLIOGRÁFICO

 

 

 

 

 

MEDITSCH, Eduardo. O Pecado Original da Mídia: O Roteiro de A Guerra dos Mundos. 2008

 

FORTUNATO, Ederli. Guerra dos Mundos – 75 Anos da Falsa Invasão Marciana. 30 de outubro de 2013.