A GUERRA DO PARAGUAI ENTRE CONSONÂNCIAS E DESLOCAMENTOS INTERPRETATIVOS NO BRASIL: PERSPECTIVAS HISTORIOGRÁFICAS. LEONILDO JOSÉ FIGUEIRA RESUMO: Quando se fala em conhecimento histórico é preciso pensar no tempo e no espaço em que tal conhecimento fora produzido, tendo em vista que um mesmo objeto de estudo pode ser lido, visto e interpretado a partir de diferentes óticas. Neste sentido, nós abordaremos as concepções históricas presentes nas obras de Júlio José Chiavenato e Francisco Doratioto acerca da Guerra do Paraguai, verificando suas consonâncias, seus deslocamentos interpretativos, bem como o tempo e o espaço em que cada obra foi produzida. Dentro dessa discussão será pertinente refletir a História como ofício e como uma operação, que combina um lugar, uma prática metodológica e uma escrita. PALAVRAS CHAVE: Teoria da História; Escrita da História; Guerra do Paraguai ABSTRACT: When talking about historical knowledge is necessary to think in time and space in which such knowledge was produced, considering that the same object of study can be read, viewed and interpreted from different perspectives. In this sense, we will discuss the historical concepts in the works of Júlio José Chiavenato and Francisco Doratioto on the Paraguayan War, checking their consonance, his interpretative shifts, as well o time and space in which each work was produced. Within this discussion is pertinent to reflect history as a profession and as an operation that combines a place, a methodological practice and writing. KEYWORDS: Theory of History; Writing of History; Paraguayan War História e Historiografia Analisaremos duas concepções historiográficas acerca da Guerra do Paraguai, nas quais Júlio José Chiavenato e Francisco Doratioto abordam diferentemente as causas e o desenrolar do conflito. A partir do fato histórico, diferentes discursos são elaborados, diversas concepções são produzidas e estes elementos resultam em obras que são caracterizadas como “texto histórico”; este está sujeito a reflexões, críticas que surgem, vindo de outras vertentes de pensamento. Nesse contexto, a realidade passada é o objeto de estudo da história ao passo que a historiografia é o discurso produzido pelo historiador. (WHITE, 1991: 21) O historiador busca compreender as ações práticas dos homens, os móveis que os animam, os fins que os norteiam, o seu universo simbólico e suas significações que para esses homens tinham seus comportamentos e ações. (...) o historiador opera diante de ações realizadas, cuja significação procura aprender. (...) a história encontra-se permeada não apenas por significações atribuídas pelos homens às suas ações e expressas em suas intenções, mas também, por uma dimensão objetiva. Delineia-se, portanto, um duplo plano que é preciso surpreender no tecido da história: o das práticas dos sujeitos e suas significações e o da realidade objetiva (ARRUDA. TENGARRINHA, 1999: 121) De maneira prática a história se volta aos eventos humanos no tempo e só se torna visível e compreensível com a sucessão temporal, que por sua vez faz ser necessário à reescrita contínua da história. (REIS, 1999: 08) A história fomenta questões, que são resultantes de um tempo vivido, um presente que é particular a cada historiador, uma vez que toda a produção historiográfica está enraizada em uma particularidade, um lugar social. A história se torna, então, uma reconstrução narrativa, documental e conceitual do passado, porém construída em um presente. (CERTEAU, 2006: 72) Não há um passado fixo a ser esgotado pela história uma vez que não existe verdade absoluta. A história é constantemente escrita e reescrita tornando-se assim resultado de inúmeras posições do presente, e a interpretação histórica vai depender de quem a formulou, em outras palavras, vai se ter uma visão diferente ao analisar o mesmo assunto escrito por “um nativo ou um estrangeiro, um amigo ou inimigo, um erudito ou um cortesão, um burguês ou um camponês, um rebelde ou um súdito dócil”. (MALERBA:14) Chiavenato e Doratioto são influenciados por diferentes filiações teórico-filosóficas e metodológicas, no estudo da Guerra do Paraguai; isso resulta em diferentes abordagens e, conseqüentemente, em diferentes visões. Desta forma, um mesmo passado pode ser olhado, estudado, representado e interpretado de maneira diferente, dependendo dos valores os quais o historiador está carregado. Ao observarmos um quadro de uma determinada época, ou até mesmo uma paisagem atual, ambos serão observados e lidos de maneira diferente por geólogos, historiadores, artistas, economistas, etc. Assim percebe-se que a história, embora seja um discurso sobre o passado, está numa categoria diferente dele. (MALERBA: 24) O trabalho do historiador O conhecimento histórico é produzido por um grupo de profissionais, chamados historiadores, estes quando iniciam seu trabalho carregam certas coisas identificáveis e que lhes são particulares. Levam a si mesmos, ou seja, seus valores, suas posições, suas perspectivas ideológicas, etc.; levam também seus pressupostos epistemológicos, os quais os quais acompanham-no durante toda a sua pesquisa. Embora os pressupostos epistemológicos sejam, muitas vezes, inconscientes, o historiador sempre vai ter em mente maneiras de adquirir o conhecimento; aí entra em ação diversas categorias, as quais o historiador está inserido (econômicas, sociais, políticas, culturais, ideológicas, etc.). O presente enquanto ponto de observação/investigação do passado, muda com a sucessão do tempo e o que se tem são apenas visões parciais do passado, pensamentos que estão assentados sobre um ponto de vista que é particular. Todo o historiador é marcado por um lugar social, onde sua filiação teórica – filosófica e metodológica é que vai estabelecer as questões a serem postas. (REIS, 1999: 10) “A verdade histórica talvez possa ser comparada a um caleidoscópio: os historiadores diversos e sucessivos escolhem e sintetizam, serve–se de metáforas, formulam perguntas especificas servem-se de fontes e técnicas diferentes”. (REIS, 1999: 11) A história enquanto construção dos historiadores é determinada pelas condições em que os mesmos vivem, e é a partir da maneira como estes se inserem na sociedade, do modo como participam e se comprometem com o seu tempo histórico, que atribuem significados ao dado real, que elaboram suas interpretações históricas. Neste sentido, não há uma única história. A história é interpretada, escrita, reescrita sob vários pontos de vista, de geração a geração, variando, ampliando seus objetivos, métodos, segundo condições historicamente determinadas. (MARCELINO, 1987: 01) Sendo uma narrativa de acontecimentos, segundo Paul Veyne, a historia apresenta diversas variações em seus relatos; podemos ter o estudo da Guerra do Paraguai, por exemplo, vista de vários ângulos e analisada por diferentes métodos. Todo o historiador pretende oferecer um ponto de vista novo e mais abrangente ao escrever a história. Muitas escolas históricas carregam consigo a idéia de que seu ponto de vista é único, definitivo, construídas em bases objetivas e científicas, desvalorizando assim as interpretações feitas anteriormente, e conseqüentemente titulando-as como equivocadas ultrapassadas ideológicas e etc., ignorando a condição temporal em que se deu a elaboração da história. (REIS, 1999: 11) Após realizar sua pesquisa é preciso colocá-la por escrito. Neste contexto entram em ação os fatores epistemológicos, metodológicos e ideológicos, se inter-relacionando com as praticas cotidianas, tal qual aconteceu durante todas as fases da pesquisa. O historiador possui uma vida familiar, ele está sujeito às pressões do local de trabalho, no qual se fazem sentir não só as diversas influências de diversas pessoas que o cerca, mas também a obrigação de selecionar. (JEINKIS, 2001: 18) Podem não ser, mas existem também as pressões das editoras sobre diversos fatores como, por exemplo: a extensão o formato, o mercado os prazos, o estilo literário (polêmico, discursivo, exuberante, etc.), leituras críticas, a reescrita, entre outras. Porem ao produzir um conhecimento histórico partindo da pesquisa seguindo da escrita até chegar à biblioteca, o historiador passou por diversas pressões, sendo sujeito a diversas influencias, o que com certeza entra em choque com o produto do seu trabalho. A Guerra do Paraguai: Operações Historiográficas Muitos e diferentes autores escreveram e escrevem sobre o conflito conhecido como Guerra do Paraguai e cada um utiliza-se de meios que lhes são particulares; de acordo com as obras analisadas, as quais, trabalharemos à diante, a Guerra do Paraguai teve três versões predominantes na historiografia brasileira: A primeira é a versão Oficial, depois a versão revisionista a qual, à partir de 1970, viria a contrapor a historiografia oficial, na década de 90 alguns autores propõem uma nova visão, opondo-se ao revisionismo. Neste sentido nos reportamos a duas concepções da Guerra do Paraguai, ambos brasileiros, mas com linhas de pesquisas muito distintas. Primeiramente abordaremos. Julio José Chiavenato, que no ano de 1979, produziu a obra Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai; ele não era historiador, era um jornalista que muito se interessava em estudar sobre a América do Sul; tanto que em 1971, percorreu grande parte dos países da América do sul acreditando que só seria possível escrever corretamente a história desses povos através do contato direto com sua realidade. Daí em diante, Chiavenato produziu diversas obras acerca dos povos sul-americanos. Chiavenato fazia parte de uma corrente revisionista da história, a qual se empenhava em dar novas interpretações aos fatos passados, em outras palavras, contestava diversas versões da história. No caso específico desta obra, a qual trabalharemos, o autor rejeita as interpretações anteriores sobre a Guerra do Paraguai, designando-as como distorcivas, mentirosas e manipuladoras. Afirma ainda que os historiadores oficiais do Brasil tomavam uma posição patriótica e monárquica e por isso jamais escreviam algo que enunciasse outra face do conflito. Chiavenato se refere a estes historiadores enfatizando que: Quem quiser abordar a Guerra do Paraguai com uma visão crítica, sem vícios pseudonacionalistas, correrá o risco de ser “excomungado pelos remanescentes do xenofobismo que o Império nos legou e que, ainda hoje, detém o poder de fato para reprimir ou denunciar como impatriota toda a verdade que não lhes agrade ou não lhes sirva, mesmo que essa carga de verdade seja irrespondível, indesmentível e fartamente documentada. (CHIAVENATO, 1979: 10) Basicamente são nesses ideais que sugue o raciocínio de Julio José Chiavenato no estudo do conflito, o tempo todo contra os historiadores imperiais e monarquistas. Anos depois da publicação de Chiavenato, o historiador Francisco Doratioto produz sua obra acerca da Guerra do Paraguai. Durante 15 anos o historiador Francisco Doratioto debruçou-se em arquivos, livros, entre diversos documentos, para, em 1995, produzir a obra Maldita Guerra, a qual começou a ser confeccionada em 1980. Segundo o autor, a corrente revisionista que começava a ganhar espaço na década de 1970 rejeitava a investigação a partir de fontes primárias, desconhecia as buscas inerentes à boa pesquisa, trabalhando apenas em cima de livros e periódicos. A forte oposição de Doratioto explica-se devido a tal metodologia ser alheia ao ofício do historiador, onde as pessoas interessadas em história desconhecem o rigor metodológico utilizado pelo historiador. Genocídio Americano ensinou a grande geração de estudantes brasileiros (...) essa teoria conspiratória vai contra a realidade dos fatos e não tem provas documentais (...) tanto a historiografia conservadora quanto o revisionismo simplificaram as causas e o desenrolar da Guerra do Paraguai ao ignorar documentos e ao anestesiar o senso crítico. (DORATIOTO, 2002: 19-20) Segundo Francisco Doratioto, o revisionismo histórico, de certa forma, impulsionou-o na pesquisa sobre a Guerra do Paraguai; pois, embora venha a desmistificar a história da Guerra, acaba construindo diversas afirmações que são polêmicas em uma pesquisa que desconhece a existência de uma fundamentação teórica. Doratioto então empenhou-se em pesquisar os verdadeiros motivos do conflito, os quais trabalharemos no capítulo seguinte. Ambos os autores estão localizados em um lugar social distinto, suas práticas são diferentes e conseqüentemente possuem uma escrita diferente. Mas, embora apresentem pontos de vista distintos, ambos produziram um conhecimento acerca da Guerra do Paraguai. Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai: concepção de História em Júlio José Chiavenato Júlio José Chiavenato, no ano de 1979, produziu a obra Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai; ele é um jornalista muito interessado em estudar sobre a América do Sul que, em 1971, percorreu grande parte dos países da América do sul acreditando que só seria possível escrever corretamente a história desses povos através do contato direto com sua realidade. Na referida década o autor fazia parte de uma corrente revisionista da história, a qual se empenhava em dar novas interpretações aos fatos passados, em outras palavras, contestava diversas versões da história. No caso específico desta obra, o autor rejeita as interpretações anteriores sobre a Guerra do Paraguai, designando-as como distorcivas, mentirosas e manipuladoras. Afirma ainda que os historiadores oficiais do Brasil tomavam uma posição patriótica e monárquica e por isso jamais escreviam algo que enunciasse outra face do conflito. Chiavenato se refere a estes historiadores enfatizando que “quem quiser abordar a Guerra do Paraguai com uma visão crítica, sem vícios pseudonacionalistas, correrá o risco de ser excomungado pelos remanescentes do xenofobismo que o Império nos legou”. (CHIAVENATO, 1979: 10) Segundo Chiavenato, a guerra que começou em 1864 e foi até 1870 foi causada especificamente por motivos econômicos, quando a maior interessada na realização da guerra era o imperialismo inglês, o qual teria manipulado e financiado o conflito que envolveu Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Durante mais de cem anos pairou uma onda de mentiras sobra a Guerra do Paraguai (...) um silêncio criminoso, procurando ocultar de todas as formas possíveis o que foi aquela guerra, o que representou para os povos envolvidos e principalmente, como, por sua causa, o Brasil a Argentina (levando o Uruguai de contrapeso) ficaram definitivamente colonizados pelo capital Inglês. (CHIAVENATO, 1979: 9) No primeiro quartel do século XIX, Francia, chamado de El Supremo assume o poder no Paraguai e exerce uma ditadura em benefício do povo. Quando El Supremo morre, Carlos Antônio Lopez assume o poder de 1840, o qual cria um Paraguai moderno, rumo a um próprio progresso, com o surgimento de fábricas, engenheiros e técnicos são trazidos da Europa para modernizar o país e também envia homens para se especializar. Ao falecer em 1862, seu filho, Francisco Solano Lopez assume o poder aos dezoito anos com o propósito de continuar o trabalho que seu pai havia começado; (CHIAVENATO, 1979: 47) tudo isso sem recorrer aos financiamentos ingleses. (CHIAVENATO, 1979: 30). Na opinião de Chiavenato um novo tipo de domínio é utilizado pelo país britânico. Não mais se realizam intervenções armadas em tropas para ocupação, como outras partes do mundo. Se trata, agora, de corrupção e manipulação associando-se a uma burguesia mercantilista ou à uma nobreza decadente. (CHIAVENATO, 1979: 36). Francisco Solano Lopez assume o poder no Paraguai num momento onde a Argentina estava à beira de uma guerra civil. Após a independência, a Argentina se divide em 14 províncias; Solano Lopez consegue pacificar os argentinos e impede a marcha de Justo José de Urquiza sobre Buenos Aires. A intenção de Lopez nesse caso era apenas manter o equilíbrio econômico no Prata. Ao mesmo tempo em que Lopez consegue a pacificação, impedindo vinte mil homens, que marchariam de Rosário rumo a Buenos Aires, cria condições para que as províncias argentinas se unam. Nesse mesmo contexto a intervenção brasileira no Uruguai apoiada por Bartolomeu Mitre (presidente de Argentina) facilita o tratado da tríplice aliança, sendo esta, “uma cilada histórica na qual Lopez promove a pacificação da Confederação Argentina, e a mesma se volta contra seu país”. (CHIAVENATO, 1979: 52) Quanto ao quadro econômico sul-americano, tínhamos o Paraguai autenticamente nacionalista e de uma economia emancipada, enquanto o império do Brasil e a Confederação Argentina encontravam-se instáveis politicamente e com uma economia nas mãos dos ingleses. (CHIAVENATO, 1979: 58) O imperialismo inglês foi o principal responsável pelo conflito, porém um novo tipo de domínio é utilizado pelo país britânico, na opinião de Chiavenato. Não mais se realizam intervenções armadas em tropas para ocupação, como outras partes do mundo. A arma agora se trata de corrupção e manipulação associando-se a uma burguesia mercantilista ou à nobreza que se encontrava em decadência (CHIAVENATO, 1979: 36). A República do Paraguai, florescente e autônoma economicamente, desestabiliza um status quo que sustenta uma forma hierárquica de dominação mundial. [...] será fatal fazer a guerra: inventam questões de limites, apresentam-se solenes razões de Estado, derrubam-se os governos pacíficos como o Uruguai [...] enfim para satisfazer as necessidades do imperialismo inglês, que satisfeitas determinam a manutenção no poder da nobreza brasileira, tudo será feito (CHIAVENATO, 1979: 37) Segundo Chiavenato, Francisco Solano Lopez vai fazer a guerra sem entender a natureza das suas origens. Pois, para o governante paraguaio, o desencadear do conflito se prende a tratados não cumpridos, questões de limites e reivindicações territoriais. O Paraguai, portanto, vai à guerra com armas fabricadas por ele próprio e sem necessitar de empréstimos da Inglaterra, como Brasil e Argentina. (CHIAVENATO, 1979: 110) Para Chiavenato o Paraguai preservou uma coesão moral ao enfrentar seus inimigos. O exército brasileiro era formado em sua maioria, por negros escravizados; um povo que continuava sendo levada ao matadouro pelas classes dominantes do império. (CHIAVENATO, 1979: 126) O exército da Argentina tem mais pessoas mortas na retaguarda, na repressão aos movimentos contrários a guerra, do que as baixas ocorridas na linha de frente; muitos são acorrentados e levados, a força para a guerra. No caso do Uruguai, existe apenas um aglomerado de pessoas comandadas pelo Caudilho Venâncio Flores, o qual via a guerra apenas como um bom negócio. CHIAVENATO, 1979: 127) Chiavenato enfatiza o fato de que Francisco Solano Lopez vai fazer a guerra sem entender a natureza das suas origens. Pois, para Lopez, a desencadear do conflito se prende a tratados não cumpridos, questões de limites e reivindicações territoriais. O Paraguai, portanto, vai à guerra com armas fabricadas por si próprio e sem necessitar de empréstimos da Inglaterra, como Brasil e Argentina. (CHIAVENATO, 1979: 110) Uma sólida estrutura econômica, com uma nascente força industrial, vai permitir que o Paraguai expanda o mundo, resistindo só, sem receber armas, fabricando desde seus navios e canhões ao poderoso exército aliado. O Paraguai vai fazer a guerra também sem receber um tostão de empréstimo de nação alguma, entra na guerra sem dívida externa e dela sai, embora destroçado, sem dever nada a ninguém. (CHIAVENATO, 1979: 110) Chiavenato observa este fato como uma qualidade do heroísmo de Francisco Solano Lopez, somado pela sua coragem e inteligência. No final da guerra, seus soldados são crianças com idade entre seis e nove anos. Com isso Chiavenato destaca a superioridade moral a qual o Paraguai também era superior a seus inimigos. Fato este que caracteriza o exército de Lopez com atribuições heroicas. (CHIAVETATO, 1979: 113) No Brasil, a guerra serviu também para tirar os desocupados das ruas, e cria-se uma falsa situação de progresso, mesmo sabendo que os empréstimos criavam uma situação de total dependência. Para a Grã-Bretanha isso era vantajoso, pois estava vendendo suas armas e ainda, assistindo a destruição de uns pais que poderia ser um forte concorrente no futuro. (CHIAVENATO, 1979: 131) Na verdade o império do Brasil e a Argentina passam a ter um alivio as dificuldades econômicas com a guerra. D. Pedro II também acabou resolvendo um problema internacional que incomodava as relações com a Inglaterra. (CHIAVENATO, 1979: 132) No início da guerra do Paraguai, o Brasil se encontra em uma grave crise econômica. Com a guerra, tanto o Brasil quanto a Argentina, vão firmar e aumentar sua independência ao imperialismo inglês. (CHIAVENATO, 1979: 129) O imperador D. Pedro II [...] acentua as dificuldades da nação, observando a quebra de várias casas bancárias e suas consequências. Ao lado disso o rompimento de relações com a Inglaterra causava problemas internos, se bem que os empréstimos ingleses, que sempre eram remédio para as combalidas finanças imperiais não cessem de chegar ao Brasil. Na Argentina a situação não era diferente, agravando-se como de costume a crise econômica vivida nos anos 60, as crescentes dependências do capitalismo inglês, provocam o desemprego, a falta de capitais e uma situação que beirava a insolvência [...] a guerra viria a desafogar os atropelos financeiros desses países. (CHIAVENATO, 1979: 129) Após a guerra a palavra tirana passa a ser um complemento do nome Francisco Solano Lopes; a ele são atribuídos diversos feitos aterrorizantes. Porém os inúmeros atos de selvageria e crueldades atribuídas a Francisco Solano Lopes, isso significa a construção de uma imagem feita por Brasil e Argentina. Na verdade esses dois países passam a ter um alivio as dificuldades econômicas com a guerra. D. Pedro II também acabou resolvendo um problema internacional que incomodava as relações com a Inglaterra. (CHIAVENATO, 1979: 132) Durante a guerra, todos os atos de selvageria eram imputados a Francisco Solano Lopes: informa-se de humanitarismo dos aliados no trato dos prisioneiros paraguaios e da criminosa conduta destes com os soldados da tríplice aliança. Aos soldados de Lopes imputavam-se todos os crimes: degolavam prisioneiros, saqueavam as cidades e violentavam mulheres e crianças. (CHIAVENATO, 1979: 133) Diante disso Chiavenato diz que “se a guerra foi cruel, foi porque era uma guerra” e que a crueldade esteve em todos os lados. Mas “como sempre a história é escrita pelo vencedor e ao vencido imputam-se todas as vergonhas humanas”. (CHIAVENATO, 1979: 133) Chiavenato tenta mostrar que o Brasil e a Argentina também cometeram muitos atos de selvageria, como por exemplo, o fato de que os prisioneiros eram maltratados, violentados e vendidos como escravos e obrigados a lutarem contra seu próprio pais; legiões inteiras eram obrigadas a lutar contra sua pátria. Os aliados, Brasil e Argentina e Uruguai, degolavam brutalmente os prisioneiros e ainda contaminavam as águas com o vírus da cólera. (CHIAVENATO, 1979: 139) Os crimes de guerra aconteceram do início ao fim da guerra, até a exterminação da nação guarani, no assassinado de Francisco Solano Lopes. O maior criminoso da guerra segundo Chiavenato, foi o conde D’Eu (genro de D. Pedro II), que substituiu o Duque de Caxias no último ano de guerra, assumindo o comando do exército. A crueldade do Conde D’Eu tem aspectos mais rudes e selvagens que em qualquer momento da guerra. As barbaridades da batalha de Acosta ÑU são relatadas pelo autor: Três mil e quinhentas crianças enfrentaram vinte mil aliados, pois após essa insólita batalha, quando ao seu final, no cair da tarde, as mães das crianças paraguaias, saem do mato para resgatarem os cadáveres dos filhos e socorrem os poucos sobreviventes, o Conde D’EU mandou incendiar a macega, matando queimadas as crianças e suas mães. [...] Depois da batalha Acosta ÑU era um campo em chamas, entre as chamas viam-se pela noite, já, levantar-se um soldado criança que ali fazia ferido e fugia do fogo até ser alcançado e cair no braseiro queimando-se vivo. (CHIAVENATO, 1979: 142) Para Chiavenato aí está o maior ato de selvageria da história da guerra do Paraguai. Acosta Ñu, como sendo uma das mais terríveis batalhas do mundo. (CHIAVENATO, 1979: 157) O Paraguai foi completamente destruído pelos países aliados, foi o maior genocídio da história da América latina. No início da guerra, o Paraguai tinha aproximadamente “oitocentos mil habilitantes e ao ter minar o genocídio, só existiam cento e noventa e quatro mil habitantes no Paraguai, onde, quatorze mil habitantes eram homens e cento e oitenta mil eram mulheres”. (CHIAVENATO, 1979: 149) Tais dados nos mostram que a população masculina do Paraguai, foi completamente exterminada. Um fato curioso, destacado por Chiavenato é que, “a partir do momento que começou a guerra é durante os seus cinco anos, o Paraguai não recebeu sequer uma bala do exterior, diferente da situação dos aliados”. (CHIAVENATO, 1979: 155) A Guerra do Paraguai só teve seu fim com a captura e morte de Francisco Solano Lopes; um bravo herói que defendeu sua pátria até o último instante de sua vida, pois morreu resistindo as forças aliadas. (CHIAVENATO, 1979: 162) O líder Francisco Solano Lopez, ao final da Guerra, ficaria marcado pela frase: Muero con mi Pátria! Jamais um homem entrou para história com uma frase tão tragicamente verdadeira. (CHIAVENATO, 1979: 162) Com a guerra terminada e o Paraguai destruído, o mesmo perdeu cento e quarenta mil quilômetros quadrados do território. Segundo Chiavenato “as terras perdidas pelo Paraguai somam em quilômetros quadrados mais que os estados brasileiros, Pernambuco e Alagoas, Espírito Santo e Paraíba juntos”. (CHIAVENATO, 1979:165) O autor ainda continua exemplificando que roubaram do Paraguai “um território maior que Portugal e Dinamarca juntos; maior que a Bélgica e Cuba juntas; maior que a Áustria e a Costa Rica juntos” (CHIAVENATO, 1979: 165) Na destruição do País Guarani, destrói-se também a grande esperança de libertação econômica da América do Sul, e consolida-se o domínio do capital estrangeiro, especificamente inglês. Maldita Guerra: Concepção de História em Francisco Doratioto Na produção obra Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai o historiador Francisco Fernando Doratioto se compromete a desmontar as visões equivocadas que existiam até então e tratar os verdadeiros motivos que provocaram a Guerra do Paraguai. Logo de início, Doratioto destaca a importância de se fazer uma pesquisa baseada em fontes primárias e a importância do ofício do historiador na realização de uma pesquisa. Doratioto ressalta que após a guerra em 1870, a historiografia tradicional brasileira, especialmente a obre de visconde de Taunay, reduziu a importância do aliado argentino para a vitória sobre Solano Lopez e minimizou, quando não esqueceu, importantes críticas ás atuações de chefes brasileiros no conflito. (DORATIOTO, 2002: 18) A obra de Doratioto mostra vários equívocos tratados pelo revisionismo histórico, especialmente pela obra de Chiavenato. Entre outros, o fato de a Inglaterra ter interesse na destruição do Paraguai; o fato deste país ser apontado como um país progressista e de uma economia autônoma, sendo que na verdade era um país de uma economia rural tão atrasada quanto seus vizinhos; também o fato de Solano Lopez ser considerado um herói. São fatores que formaram opiniões equivocadas durante longas décadas, no Brasil. Segundo Doratioto, o livro mais marcante do revisionismo foi a obra La Guerra Del Paraguai: Gran Negocio!, publicada em 1968 pelo historiador argentino Leon Pomer; obra esta, que influenciou a concepção de Júlio José Chiavenato. O “grande negócio” dito por Leon Pomer seria simplesmente o fato da Inglaterra vender as armas para os países envolvidos na guerra; Chiavenato afirmou, erroneamente, que a Inglaterra tinha interesse em destruir o Paraguai, por este representar uma ameaça aos interesses econômicos britânicos. Doratioto se contrapõe ao revisionismo, dizendo que os projetos de infraestrutura, que o Paraguai começou a criar desde o governo de Carlos Antônio Lopez, eram atendidas por bens de capital inglês, sendo britânicos, a maioria dos especialistas estrangeiros que implementaram tais projetos. (DORATIOTO, 2002: 30) A Inglaterra Jamais tinha interesse em destruir o Paraguai, contrariando a interpretação que passou a ganhar espaço a partir da década de 1970. Entre Paraguai e Inglaterra haviam boas relações, inclusive. As verdadeiras origens do conflito segundo o autor se encontram no processo de construção e consolidação dos Estados Nacionais. (DORATIOTO, 2002: 23) O Paraguai queria ampliar seu comércio com o exterior para se modernizar, mas para isso precisava de um porto marítimo. O porto de Buenos Áries insistia em cobrar altas taxas de modo a dificultar a comercialização paraguaia; outra opção para o Paraguai seria o Porto de Montevidéu no Uruguai. O fato é que nesse momento o Uruguai estava à beira de uma guerra civil, fato este que para Doratioto serve para entender a Guerra do Paraguai. Solano Lopez oficializou uma aliança com o governo Uruguaio estabelecendo um eixo Assunção-Montevidéu. Nesse mesmo contexto os fazendeiros gaúchos reclamam ao Brasil, denunciando abusos de autoridades uruguaias a cidadãos brasileiros que apoiavam o partido Colorado. O Império do Brasil cedeu às pressões dos gaúchos, primeiro para não ser acusado de omisso frente à situação; depois para evitar que os Argentinos colhessem sozinhos os frutos de uma vitória do Partido Colorado. (DORATIOTO, 2002: 47) De um lado estavam Paraguai e Uruguai e de outro, Brasil e Argentina; esse era o contexto geopolítico no qual se desenrolaria a Guerra do Paraguai. A interferência na política interna do Uruguai pelo Brasil resultou numa ação militar do Paraguai. Para Doratioto “o ataque paraguaio ao Mato Grosso causou indignação no Brasil, visto como um ato traiçoeiro e injustificável, bem como pelo fato de Marquês de Olinda ter sido aprisionado sem declaração de guerra” (DORATIOTO, 2002: 111) Doratioto enfatiza que apesar de uma inferioridade esmagadora e grande inferioridade demográfica e econômica, o governo paraguaio pretendeu enfrentar o império, o mais povoado e rico dos estados sul-americanos, aliado à Argentina e Uruguai. (DORATIOTO, 2002, p. 93) A vontade de Lopes, de lutar, era tão grande que mesmo com armamento obsoleto e um único vapor armado (Tacuarí), o governo paraguaio buscava o confronto que o destruiria por completo. (DORATIOTO, 2002: 64). Solano Lopes viu país ser arrasado no final da guerra; em um longo conflito no qual ele mesmo fora o agressor, quando decidiu iniciar a guerra contra o Brasil (com a invasão do Mato Grosso) e contra a Argentina (com a invasão a Corrientes). Outro contraponto em relação ao relato de Chiavenato está no fato de o Brasil ter levado os escravos para a guerra, apenas para preencher os vazios da tropa. Neste caso os escravos que fizessem parte do exército “ganhavam a liberdade ao passo que o dono que libertassem os seus, para esse mesmo fim, eram recompensados com títulos de nobreza”. (DORATIOTO, 2002: 227). No caso paraguaio o recrutamento de escravos começou em setembro de 1865, enquanto no Brasil, os voluntários foram contratados para substituir os convocados e os escravos, somente foram enviados, para substituir seus proprietários. (DORATIOTO, 2002: 273). Neste caso Doratioto discorda com os números, apresentados por Chiavenato, sobre a quantidade de negros na guerra, segundo o qual a proporção era 45 negros para um soldado branco. Solano Lopes enganava o povo paraguaio através de periódicos como o jornal El Centinela, o qual jamais relatava a derrota paraguaia, muito pelo contrário, o Paraguai seria o grande vencedor. (DORATIOTO, 2002: 314). Após sua morte em Cerro Corá, até o final do século XIX ele era odiado pelos sobreviventes. O revisionismo histórico surgiu com o objetivo de reconstituir a imagem de Lopes transformando-o em herói por ter sido morto junto com sua pátria, mas segundo Doratioto foi ele próprio, o Paraguai, quem ocasionou a guerra, que resultou na vitória da Tríplice Aliança. Na obra Maltita Guerra autor apresenta diversos atos perversos de Solano Lopes, mostrando que o mesmo não admitia erros. Na batalha de Curuzú “os soldados eram perfilados, contava-se até 10 e o décimo soldado era retirado da formação. Ao final da contagem do batalhão os soldados que foram separados eram fuzilados sem piedade”. (DORATIOTO, 2002: 237). Muitos outros exemplos presentes na obra de Doratioto revelam o quão sanguinário era o governante paraguaio. (DORATIOTO, 2002: 343). O revisionismo de Chiavenato observa tais fatos como situações normais, uma vez que se tratava de uma guerra; enquanto Doratioto designa tais atitudes, de Lopes, como atitudes covardes e bárbaras. Para Doratioto, a Guerra do Paraguai expôs a fragilidade militar do Império brasileiro, em grande parte estrutural, devido ao regime escravocrata. Porém, foi capaz de superar tal fragilidade, “de mobilizar todos os seus recursos e de atingir o apogeu de seu poder econômico no Prata”. (DORATIOTO, 2002: 488) Conclusão As obras de Júlio José Chiavenato e Francisco Doratioto trazem muita divergência, entre si, no entendimento da Guerra do Paraguai; abordam o conflito sob diferentes aspectos e motivos que o teriam desencadeado. Podemos dizer que o primeiro abordou a guerra de uma maneira pessoal, ao invés de realizar uma pesquisa, com a investigação de fatos; foi influenciado por um movimento que contrariava as ideias da monarquia. O segundo, utiliza-se de fontes primárias e acaba desmontando uma série de mitos criados pelo revisionismo, mostrando assim, uma outra face da Guerra do Paraguai. Ambos os autores estão inseridos em um lugar social distinto e isso faz com que a análise histórica se torne interessante; pois, tanto Chiavenato como Doratioto, estão localizados em um tempo e um espaço diferente, sendo influenciados por diferentes práticas e simpatias teóricas. A Guerra do Paraguai não está pronta e esgotada na obra de Doratioto, assim como não esteve em nenhuma das que a antecederam; e assim, confirmamos aquela velha questão posta por José Carlos Reis, segundo a qual, não há um passado fixo a ser esgotado pela história ao passo que não exista uma verdade absoluta, mas o que existe, são “verdades”, as quais resultam da particularidade e subjetividade de cada autor. Sendo a História uma combinação entre o “lugar social”, a “prática científica” e a “escrita”, tais aspectos estiveram presentes na produção das obras dos autores analisados e se fará presente em qualquer operação historiográfica. Referências Bibliográficas ARRUDA, J.J. TENGARRINHA, J.M. Historiografia luso-brasileira contemporânea. Bauru: Edusc, 1999. BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da universidade Estadual Paulista, 1992. BURTON, Sr, Richard Francis. Cartas dos Campos de Batalha do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exercito, 1997. CAETANO, Coraly G. A história como ciência humana. In: MARCELINO, Nelson. (org) Introdução às ciências humanas. Campinas: Papirus, 1987. CERTEAU, Michel de. A escrita da História. Forense Universitária, 2006. CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios e propostas. Estudos históricos. 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