A Geografia do Cangaço no Sertão Semi-Árido: uma breve análise do contexto


O Cangaço foi um fenômeno ocorrido no Nordeste do Brasil por volta do século XIX e perdurou até inicio do século XX e, que teve sua gênese em questões sociais e também fundiárias do nordeste brasileiro, caracterizando-se por atitudes e acontecimentos violentos de grupos e até de indivíduos isolados.
Segundo o escritor Anildomá (2004), o que motivou Virgolino Ferreira , "O Lampião" a entrar para o cangaço foi uma briga de vizinhos, entre a família de José Ferreira (pai de Virgulino) e a família de Zé Saturnino. Inicialmente as famílias eram amigas, mais as divergências entre os filhos dos patriarcas, acabou em um ataque ao pai de Virgolino, que mesmo após o ataque procurou a justiça do local, que segundo o pesquisador, "fez vistas grossas", por não querer confusão com a família de Zé Saturnino (por ser de família influente na época).
Ainda de acordo com o pesquisador, observando Virgolino que a justiça não fizera jus ào caso, ele por conta própria tomou a decisão de comprar armamentos e munições para começar o seu processo de "justiça com as próprias mãos". E a situação ficou mais crítica quando, mesmo mudando de cidade, o pai de Virgolino foi assasinado no lugar do seu filho ? alvo da emboscada. A partir desse acontecimento Virgolino passou a ser denominado por ele mesmo, de Lampião e, passou a liderar grupos de cangaceiros para efetivar suas ações.
O denominado "bando" assaltavam em estradas, fazendas, faziam reféns coronéis (grandes fazendeiros) e faziam saques em armazéns, em comboios entre outros. Eram nômades e viviam de um lado para outro no Sertão, pratincado os crimes acima descritos, fugindo da polícia e colocando pavor em parte da população nordestina e, por outros lado, sendo admirados por uma certa minoria.
Segundo alguns pesquisadores, muito antes do Cangaço de Virgulino "O Lampião", outros grupos de cangaceirosa existiam no Brasil. De acordo com Anildomá Souza, em seu livro ? Nas pegadas de Lampião ? havia um grupo muito temido, liderado por Sinhô Pereira, o qual Virgulino resolver fazer parte, antes de efetivar-se líder do seu próprio grupo.
Lampião nasceu em 1898 em Vila Bela, no Município de Serra Talhada em Pernambuco e, morreu na localidade de Angicos em Sergipe no ano de 1938. Passou boa parte dos seus quarenta anos comandando seu grupo de cangaceiros, denominado 'bando', com os quais percorria o Sertão de sete estados aproximadamente. De acordo com o estudioso Gustavo Barroso (1917), o habitat do banditismo nordestino situava-se entre o Vale do Cariri e o rio São Francisco, estendendo-se da serra do Quicuncá até a Serra do Martins, daí até a Borborema e aos contrafortes da Baixa Verde e dos Dois Irmãos, região de inclui as fronteiras dos sete Estados ? Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraiba, Ceará e Rio Grande do Norte. Lampião era tido como um bandido inescreupuloso para alguns e justiceiro e mártir para outros.
De acordo com minha família, Lampião ao passar pelo estado da Bahia, passou no interior de Juazeiro. Na época, minha avó materna, era muito jovem, ainda com 15 anos, e por ter descendência européia, tinha pele muito clara, cabelos longos, era alta e esbelta. Além disso, era filha única de um casal de fazendeiros, que possuiam algumas posses e naquela época guardavam muitas jóias, dinheiros, etc.. Passando Lampião pelas redondezas da Fazenda Jaramatia, na Bahia, sabendo que minha bisavó era uma mulher de posses, resolver visitá-la. Chegando na casa de minha bisavó, antes de fazer os saques de dinheiros e jóias, avistou minha avó Julieta, e disse: "Menino, que moça bonita! Vou levar comigo!". Minha bisavó ficou apavorada, desesperada e minha avó também, na eminência de ser "raptada" por Lampião, na época ainda sem Maria Bonita. Minha bisavó retrucou, apelou, chorou, na tentativa de convencer Lampião a levar o que quisesse, mas deixar a única filha que tinha o casal. Indignado, Lampião deu uma coronhada com seu rifles numa "arca" (semanlhante a baús, porém, um pouco maior) de minha bisavó, que trincou a mesma. Saqueou as jóias, dinheiro e outros pertences de minha bisavó, e partiu para outra região sertaneja próxima, denominda Paredão/BA, onde passando por residências de fazendeiros ele resolveu parar para almoçar na residência de uma senhora, viúva. Segundo meu pai Sr. Sizino Rosa, seu pai, meu avô
Antonio Rodrigues contava, que Lampião pediu que a senhora fizesse um jantar para ele e todo o seu bando, cerca de 30 pessoas. A senhora com muito medo e atordoada, começou a fazer o jantar e na pressa, ela esqueceu de colocar sal no alimento. Quando serviu o jantar Lampião sentou-se e ordenou aos comandados que sentassem. Começaram a comer e um dos cangaceiros reclamou da comida sem sal. Lampião levantou e perguntou a dona da casa se ela tinha um quilo de sal, e ela disse que sim. Ele pediu que trouxesse e ordenou ao cangaceiro que comesse todo o sal e se não conseguisse, morreria. O pobre homem começou a comer, gemeu, chorou e não conseguindo, levou um tiro ali mesmo sentado do fusil do próprio Lampião, que afirmou "Nunca mais vai reclamar de uma pobre mulher com medo". Estes são apenas dois dos muitos relatos verídicos de meus avós paternos e maternos, das peripécias de Lampião no sertão nordestino.
Partindo destes pressupostos, é possível elencar que tratar desta temática parece tratar de um passado longínquo, porém, não é, pois tanto outrora como agora o "cangaço" existe, diferenciando-se apenas na sua maneira de ser exercido. O que de fato parece estar ocorrendo é a urbanização do cangaço. Se atentarmos, existem inúmeras quadrilhas nas cidades de grande e médio porte e, já chega a cidades consideradas de pequeno porte.
Na óptica de Gustavo Barroso (1917), o chapéu de couro utilizado pelos cangaceiros caiu em desuso, foram trocados pelas máscaras; a pracata de rabicho (sandália) foi trocada por tênis modernos e caríssimos; os "papos-amarelos" foram substituídos por metralhadoras, rifles, fusís. Os cavalos cederam lugar aos carros ultra-modernos, importados e potentes. A área de atuação não é mais restrita apenas ao Sertão e, sim, a todo o Brasil, organizados em grupos, bandos, ganges, "comandos", "milícias", seja lá como são denominadas. É possível afirmar que o cangaço modernizou-se.
Segundo o pesquisador Amaury Corrrêa, as cidade mais importantes para o cangaço foram as seguintes: Vila Bela, hoje denominada de Serra Talhada (PE), Jeremoabo (BA), Uauá (BA), Floresta (PE), Piranhas (AL), Delmiro Gouveia (AL), Poço Redondo (SE) e Glória (BA). Evidentemente, que além destas cidades mencionadas, muitas vilas interioranas serviram de base para a "geografia" do cangaço. A seguir é mostrado dois mapas, um que mostra o Nordeste, destacando o Sertão Semi-Árido e, outro que destaca a geografia do cangaço, isto é, as áreas onde Lampião agia, fazendo alternância entre Estados, embasados numa Lei da época que proibia a entrada da polícia em outro Estado sem antecipada permissão.
Mapa de atuação do Cangaço no Nordeste do Brasi
Fonte: www.google.com.br

No entanto, as pesquisas destacam que Lampião recebia apoio de alguns poucos coronéis influentes da época, que os mantinha com dinheiro, armas e munições. Porém, como já foi mencionado anteriormente, Lampião era o "justiceiro" para uns e o "bandido" para outros.
Portanto, é relevante destacar que os cangaceiros não lutavam para reconstruir ou para modificar a ordem social sertaneja vigente naquela época. Na visão do pesquisador Luiz Pericás (2010), eles lutavam para defender seus próprios interesses, porém, o fato é que o cangaço, conseguiu penetrar no imaginário social nacional e permaneceu presente da maneira significativa na cultura brasileira contemporânea. Foi, decerto, um dos mais importantes fenômenos sociais deste país e, mais especificamente da geografia social do Nordeste brasileiro.


Referências Bibliográficas


MAIOR, Mário Solto; GASPAR, Lúcia. Cangaço: algumas referências bibliográficas. Recife: 20 - 20 Comunicação e Editora, 1999, 86 p.

BIBLIOTECA VIRTUAL MÁRIO SOUTO MAIOR: http://www.fgf.org.br/bvms.

BARROSO, Gustavo. Heróis e bandidos. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1917.

CUNHA,Euclides da. Os sertões. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1967.
RODRIGUES, Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Salvador, 1957.

ALMEIDA, José América de. A Paraíba e seus problemas. Porto Alegre, 1937.

FACÓ, Rui. Cangaceiros e fanáticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

Mapas da Geografia do Cangaço: www.google.com.br . Acesso em 16/dez/2010.