A GÊNESE ÉTNICA DO BRASIL

João Antonio R. Coutinho*

RESUMO
O presente trabalho objetiva a compreensão do processo de formação da etnia brasileira. Por meio da antropologia histórico-dialética de Darcy Ribeiro, este trabalho propõe analisar passo a passo os estágios evolutivos da etnia brasileira. De início, é abordado o Cunhadismo, como sendo o nascedouro do Brasil. É através deste que se explica o contato entre colonizador e índio e o resultado do mesmo: a miscigenação. Com isso, surgem os brasilíndios-mamelucos, como a primeira etnia. Numa segunda parte, é abordada a configuração étnica do Brasil, que é concomitante ao surgimento do negro nesse processo. A partir daí, o Brasil vai tendo uma nova aparência, pois vão surgindo uma nova camada de gente mestiça, que definitivamente vai ocupar o Brasil. Essa gente é chamada de neobrasileiros. Estes são formados em maioria, por brasilíndios e afro-brasileiros, que finalmente vão se configurar na etnia brasileira. Em meio a esse processo, são analisados os aspectos sociopolíticos, econômicos e culturais, os quais norteiam a compreensão das mudanças ocorridas, impulsionadas pela contradição entre os elementos que constituem a etnia brasileira, resultando na transfiguração étnica do Brasil. Por fim, a herança do período colonial-escravista aos dias de hoje: a estratificação da sociedade em classes. Daí consiste as desigualdades sociais e suas vertentes.
Palavras chaves: Gênese étnica do Brasil, cunhadismo, miscigenação, contradição.
ABSTRACT
The present work objectifies the formation process comprehension of the Brazilian ethno. By means of Darcy Ribeiro's historical-dialectic anthropology, this work proposes to analyze step-by-step the evolutionary apprenticeships of the Brazilian ethnos. At the beginning, it is boarded Cunhadism, as being Brazil's birth place. It is through of this that is explained the contact between colonizer and Indian and the result of same: The miscigenation. With that, they arise brazilindians-mamelucos, like the first ethnos. In a second part, it is boarded Brazil's ethnic configuration, who is concomitant to the negro's appearance in this process. From there onwards, Brazil goes having a new appearance, because they will go arising a people's new half-breed layer, that is definitively going to occupy Brazil. These people are called neobrazilians. These are formed in majority, for brazilindian and afro-brazilian, that are finally going to if configure in the Brazilian etnos. Amid that process, they are analyzed the sociopolitical, economic and cultural aspects, the which ones direcionar the comprehension of the occurred changes, impelled by the contradiction among elements that constitute the Brazilian etnos, resulting in Brazil's Transfiguration Ethnic. Finally, the inheritance of the colonial-slavocrat period to the today's days: The society bedding in classes. It thence consists the social inequalities and her slopes.
Key words: Ethnic genesis of Brazil, cunhadism, miscigenation, contradiction.

1 INTRODUÇÃO
O trabalho aqui apresentado pretende analisar a origem e formação da etnia brasileira, sob a perspectiva de Darcy Ribeiro em sua obra O Povo brasileiro (1995), no que se refere a seu método antropológico-histórico e dialético. Dessa forma, será analisada a gênese étnica do Brasil, que compreende desde a invasão europeia, que no sentido étnico corresponde ao cunhadismo, que é o berço do Brasil, passando pela miscigenação inicial do europeu com índio, até a mistura das três etnias: índio, europeu e negro.
Nesse processo, observaremos os aspectos sociopolíticos, econômicos e culturais, de modo resumido, porém, propício a uma compreensão do processo. A partir desses aspectos, poderemos relacioná-los aos elementos étnicos supracitados, para então compreendermos a transfiguração étnica ocorrida no Brasil. Da mesma forma, podemos relacioná-las com a atualidade, para entender o que de fato se passa na sociedade. Observaremos, portanto, no sentido antropológico, referindo-se à origem da etnia; o histórico corresponde ao contexto histórico pelo qual se deu o processo; e por fim, o dialético, que pretende explicar as mudanças, por meio da contradição entre as etnias.
Como resultado desse processo, veremos uma sociedade que em seu nascimento tinha a contradição como alimento. Ela se desenvolveu, e hoje é uma sociedade dividida em classes, herança do período colonial-escravista, que em comparação a outros países mais desenvolvidos, é sinônimo de atraso.
2 O NASCEDOURO DO BRASIL: O CUNHADISMO
A nossa identidade étnica, ao longo do tempo, foi e ainda é motivo de inquietação para uma plena compreensão do que seja "brasileiro". Para isto, o estudo de Darcy Ribeiro em sua obra O povo brasileiro (1995), no que se refere à origem da etnia brasileira, vem esclarecer de forma histórico-antropológica e dialética o processo pelo qual nós brasileiros fomos formados.
A princípio, a matriz tupi como sendo o primeiro núcleo indígena de nosso país, no que diz respeito a sua contribuição cultural, perdurou por muito tempo latente em cada indivíduo gerado de índia com europeu (segunda matriz) e, posteriormente de negro (terceira matriz) com europeu e negro com índio (quarta-matriz), este último devido à relação de trabalho escravo com o índio.
O contato entre colonizador e índio no decorrer da invasão se deu pelas concepções opostas: civilização e selvageria, respectivamente. Segundo Ribeiro (1995), os europeus viam os nativos como belos seres inocentes, que não tinham noção de pecado, porém, com um grande defeito: eram vadios, preguiçosos, não produziam nada que pudesse ter valor comercial, serviam apenas para serem vendidos como escravos. Por outro lado, os índios viam nos europeus uma gente aflita, faminta, cheia de feridas e cheirando mal. No entanto, ao verem suas especiarias ficaram enfeitiçados, o colonizador diante disso estabeleceu relações de troca, de algumas de suas especiarias por comida, abrigo, etc.
Conforme Bianca Wild (2007) quando descobriram que as matas estavam cheias de pau-brasil, mudaram o foco de seus interesses, pois era necessária mão-de-obra para retirar a madeira. De acordo com Ribeiro (1995), o cunhadismo foi a forma mais viável de se conseguir gente para o trabalho manual, visto que o mesmo permitia a incorporação de estranhos as comunidade nativas. Essa prática indígena "consistia em lhes dar uma moça índia como esposa. Assim que ele a assumisse, estabelecia, automaticamente, mil laços que o aparentavam com todos os membros do grupo". (RIBEIRO, 1995, p. 81). "Se ele transasse com a moça, então ele se tornava "cunhado", e passava a ter sogro, sogra, genros, passava a ser parente". (WILD, 2007).
Segundo Adélia Miglievich Ribeiro (2009), cada europeu podia fazer vários casamentos, era uma instituição, como diz Darcy Ribeiro (1995), uma "instituição social" (p. 81). "A função do cunhadismo na sua nova inserção civilizatória foi fazer surgir numerosa camada de gente mestiça que efetivamente ocupou o Brasil. (...) Sem a prática do cunhadismo, era impraticável a criação do Brasil" (MIGLIEVICH, 2009, p. 61, apud RIBEIRO, 1995, p. 83). Todavia, a função dessa prática que antes era feita de modo amigável (ingênuo) pelos índios, com os europeus foi diferente, definitivamente geraram e recrutaram mestiços, seja como mão-de-obra, seja como feitores. Estes nada mais eram do que a protocélula étnica neobrasileira: "os brasilíndios ou mamelucos". (RIBEIRO, 1995, p. 106). Essa primeira etnia mestiça de nossa formação, foi responsável pela expansão do domínio português o que resultou na constituição geográfica do Brasil. Como diz Rainer Sousa: "os mestiços formam um primeiro momento do nosso variado leque de misturas". (BRASIL ESCOLA, 2010).
"Os portugueses de São Paulo foram os principais gestadores dos brasilíndios ou mamelucos". (RIBEIRO, 1995, p. 106). Graças a João Ramalho e seu companheiro Antonio Rodrigues, configurou-se a região paulistana, pois através deles, principalmente de Ramalho, surgiu uma imensa população de mamelucos que povoaram o lugar. Segundo Ribeiro (1995), outro núcleo essencialmente importante foi o de Diogo Álvares, o Caramuru, considerado o pai dos baianos. Um terceiro núcleo também muito importante foi o de Pernambuco, em que vários portugueses, associados com os índios Tabajara, produziram certa quantidade de mamelucos, contribuindo para a colonização daquela área.
A maioria desses mamelucos caracterizou-se como bandeirantes situados em feitorias, tendo que deslocar-se a lugares cada vez maiores e longínquos como forma de reparar a grande pobreza que os assolava. A única mercadoria que estava ao seu alcance naquele momento era o índio. Ele era usado tanto para lhes servir como para serem vendidos. Esse fato evidencia o imenso valor da força de trabalho do índio, que era destemido quando se tratava de seu habitat natural, visto que eles sabiam de todas as formas possíveis de sobrevivência.
Diante disso, os bandeirantes foram aculturados ao modo de vida dos índios adotando suas habilidades, além da herança que já tinham de seus ancestrais indígenas. Isso se tornou fundamental para a manutenção dos bandeirantes nas diversas e amplas matas do Brasil. Dessa forma, o país estava sitiado por mamelucos, que foram se multiplicando e que constituíram a primeira etnia do país. Assim, fica evidenciada a contribuição desse novo povo para a incipiente formação tanto geográfica quanto econômica, cultural, biológica e étnica do Brasil.
2.1 A CONFIGURAÇÃO ÉTNICA DO BRASIL
No transcorrer do período colonial, além da presença marcante do europeu, do índio e de seus mestiços, surge outro elemento, o "negro". Este veio para o Brasil por meio do tráfico negreiro. Segundo Ribeiro (1995), ele foi atraído para cá, para incrementar a produção açucareira que estava no seu auge, assim, comporia o contingente fundamental da mão-de-obra.
Devido à relação entre essas matrizes que, por sinal era forçada pela estrutura socioeconômica baseada na estratificação em classes, sob a égide do escravismo, é que surgem os "neobrasileiros", "formados, sobretudo, de brasilíndios e afro-brasileiros" (RIBEIRO, 1995, p. 127). Essa nova etnia, efetivamente teve grande importância na formação étnica do país, como também no seu desenvolvimento, nos aspectos socioeconômicos e culturais, visto que as comunidades neobrasileiras, conforme Ribeiro (1995), já eram maiores do que a indígenas.
A partir dos neobrasileiros, o Brasil teve, então, uma base étnica formada, mas que precisaria ter uma identidade, já que eles não se reconheciam como europeu, índio ou escravo, ou seja, já estavam deculturados. De acordo com Ribeiro (1995), os "brasileiros" como etnia, só vieram a ter uma identidade, através das rejeições que sofriam que, consequentemente, os deixavam soltos e desafiados a construir-se como nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros. Dessa forma,
O surgimento de uma etnia brasileira, inclusiva, que possa envolver e acolher a gente variada que aqui se juntou, passa tanto pela anulação das identificações étnicas de índios, africanos e europeus, como pela indiferenciação entre as várias formas de mestiçagem, como os mulatos (negros com brancos), caboclos (brancos com índios), ou curibocas (negros com índios). Só por esse caminho, todos eles chegam a ser uma gente só, que se reconhece como igual em alguma coisa tão substancial que anula suas diferenças e os opõe a todas as outras gentes. Dentro do novo agrupamento, cada membro, como pessoa, permanece inconfundível, mas passa a incluir sua pertença a certa identidade coletiva (Ibid., p. 133).
A etnia brasileira, em sua construção, portanto, iniciou-se em meio a contradições e terminou também no seio delas. Percebe-se que apesar dos contrastes, essa gente pôde se juntar e formar, igualmente um único povo, cuja identidade configurou-se coletiva. O problema, porém, foi, entre outros, a herança: a estratificação social do período colonial-escravista, que ainda hoje é sentida nas mais variadas formas de desigualdades sociais em nossa sociedade.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo do pressuposto de que o brasileiro originou-se do contato entre índio, europeu e negro, ficou evidenciado que a formação de nossa etnia se deu pelos processos de deculturação e aculturação de suas matrizes, regidos por uma estrutura socioeconômica colonial-escravista. Ou seja, o índio genérico (índio deculturado) foi obrigado a adaptar-se a um modo de vida diferente do seu, chegando, inclusive, a perder sua identidade. O negro da mesma forma. O europeu, por sua vez, veio civilizar o Brasil, primeiro, aculturando-se ao povo nativo, para depois deculturá-los e usá-los tanto como meio de reprodução quanto mão-de-obra escrava.
É importante considerar o "hibridismo" com que se dá a formação biológica de nossa etnia. Principalmente o fator genético dos índios, que permaneceu latente nas gerações posteriores, dando-lhes habilidades de subsistência nas matas brasileiras. O negro da mesma forma, porém, um pouco mais tarde, quando a população indígena estava em decadência e a do negro em ascensão. Dele, a contribuição relevante foi a cultural, do ponto de vista étnico. Biologicamente falando, o negro contribuiu com a cor da pele (raça) que, por sua vez, é resistente, visto que no passado ele trabalhava de sol a sol, além disso, traz consigo a coragem de trabalhar, de resistir à exploração, como fez Os Quilombos dos Palmares.
Contudo, as matrizes étnicas resultantes do cunhadismo, nos primórdios da invasão portuguesa (europeia), como também as matrizes resultantes do escravismo, respectivamente, os brasilíndios-mamelucos, os mulatos e os curibocas (negro com índio). Estes, não se reconhecendo com o pai nem com a mãe, não tinham identidade. Só reconheceram a si próprio pelo reconhecimento discriminatório do outro (europeus, mestiços, etc.). Ou seja, a contradição esteve presente no início, no meio e no resultado (fim) do processo de construção da etnia brasileira.
A herança da etnia brasileira do período colonial-escravista, caracterizada pela estratificação da sociedade em classes, traz ao longo do tempo, as desigualdades sociais, sustentadas pelo preconceito racial, provindo do status quo da sociedade colonial-escravista. Para alguns, essa divisão social é sinônimo de atraso, para outros é avanço. No caso do Brasil, essa herança foi sinônimo de atraso, tanto econômico quanto social, no que se refere à escala evolutiva dos países desenvolvidos. Portanto, para que possamos entender o que é brasileiro enquanto etnia, precisamos compreender sua história, seu processo de formação, a fim de relacioná-lo ao contexto atual, para enfim, saber o que está certo ou errado, com a finalidade de ver com olhos críticos as contínuas mudanças que passa a sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS
RIBEIRO, Adélia M. A antropologia dialética de Darcy Ribeiro em "O povo brasileiro". In: SINAIS ? Revista Eletrônica - Ciências Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.06, v.1, Dezembro. 2009. pp. 52-72. Disponível em: <http://www.indiciarismo.net/revista/CMS/?Edi%E7%F5es:Edi%E7%E3o_n.06%2C_v.1%2C_Dez.2009>. Acesso em: 23 de mai. 2010, 21:04:13.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

SOUSA, Rainer. Formação do Povo Brasileiro. Brasil Escola, 2010. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/historiag/brasileiro.htm>. Acesso em: 3 de ago. 2010, 10:36:18.

WILD, Bianca. O Povo brasileiro - Apontamentos e conclusões. Recanto das Letras, 2007. Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/resenhasdelivros/537837>. Acesso em: 23 de jul. 2010, 17:04:26.

UOL, Dicionário Michaelis, 2009.