Dizem que ela é um animal que dá sorte, pelo que, quando aparece no caminho dos pescadores, eles ficam cheios de alegria, na certeza de que é prenúncio de uma farta pescaria e o mesmo acontece com as pessoas supersticiosas que, ao verem a garça cinzenta, abrem logo largos sorrisos de satisfação, pela esperança de sorte no trabalho, no jogo, ou no amor ...

Ela é da cor das manhãs de nevoeiro e, na cabeça, tem uma pequena plumagem preta, como se fosse um chapéu, ou melhor, uma coroa, a indicar a sua realeza.

E como é natural, a sua raridade desperta muita curiosidade e todos se perguntam por que será que ela só raramente aparece voando ou pescando nas águas mansas da Baía do Rio de Janeiro.

E como será que elas surgiram, se todas as outras garças são completamente brancas ? ...

Essas perguntas sempre me intrigaram e certa vez eu ouvi de um amigo meu, que é pescador em Paquetá, uma explicação muito interessante.

Ele era filho de um escravo que viveu em Paquetá por muitos e muitos anos e que trabalhou nas caieiras, onde todos os negros eram chamados de “pés-de-pavão” porque, pisando na cal, ficavam com as pernas brancas como as daquela ave.

O pai desse meu amigo disse ter aprendido essa estória com um escravo bem mais velho do que ele e que conhecia bem todas as lendas dos índios tamoios que viveram em Paquetá, e a lenda da Garça Cinzenta era uma delas.

Ela fala de um Kuru-mi que certo dia foi caçar em Ajurubá-ibá , a “ilha das árvores dos papagaios” e lá, encontrou um ninho com um ovinho solitário e, então, pensou que talvez fosse melhor levá-lo para Paquetá ( “a ilha das muitas pacas”), onde ele tinha um socó que vivia na sua oca, na praia da Imbuca (“águas que rebentam”) e que comia na sua mão todos os peixes que ele lhe dava. E ele quase não voava ... Apenas andava pela oca e ciscava na beira da praia ... Ele era mansinho... Quem sabe fosse uma fêmea e pudesse chocar o ovinho que o kuru-mi achara em Ajurubá-ibá ? ... E assim pensando, o kuru-mi trouxe o ovinho e o colocou no ninho do socó que, de pronto, deitou-se por cima dele e o chocou com muita alegria e, no tempo certo, a avesinha nasceu ... Quebrou a casca do ovo, esticou o pescoço e saiu, pondo-se logo de pé e a piar andando atrás do socó, mas alguma coisa parecia diferente... Ele tinha o bico, o pescoço e as patas muito compridas, ao contrário dos socós, mas o seu jeito era o mesmo deles e ficava cada vez mais parecido à medida em que ia convivendo mais com a sua mãe adotiva ... E ela passou a sua vida toda assim, no meio dos socós ... Voando pouco, ciscando na beira da praia e aceitando todos os peixinhos que lhe davam na mão ... Ela era muito mansinha ...E num certo dia ela viu uma linda ave branca, com o bico, o pescoço eas patas bem parecidos com os seus e que passou voando baixinho, junto do mar e, de súbito, mergulhou o seu bico na água e, com grande habilidade, pescou um mamarreis prateado e, então, cheia de admiração, ela perguntou a um socòzinho que estava com ela na praia:

_ “Que ave bonita é aquela ?” ... E o socòzinho respondeu mais ou menos assim:

_ “Ah, aquela é uma garça ... A melhor pescadora de todas as praias ... Mas não adianta você ficar querendo pescar feito ela, não ! ... Você é apenas um socó com o pescoço comprido !” ...

E é por isso que a Garça Cinzenta está até hoje pensando que ela é apenas um socó com o pescoço comprido e é por isso que ela voa pouco, pesca pouco e apenas marisca na beira da praia ... 

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Do livro Lendas de Paquetá , 2ª edição, Editora Gráfica JRB, R.J., 2005, pgs.50-53.