A garantia da máxima efetividade da execução versus a menor onerosidade: buscando o equilíbrio na proteção entre credor e devedor.

 

 

Jayane Antônia Alves

 

 

 

Sumário: Introdução; 1. O processo de execução no contexto jurídico brasileiro; 2. A Lei nº 11.382/2006 (enquanto projeto) e suas principais implicações frente o instituto da penhora; 3. A busca pelo equilíbrio na proteção do credor e do devedor em observância aos princípios da máxima efetividade e menor onerosidade; Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

 

O presente artigo busca apresentar o instituto da penhora frente o princípio da patrimonialidade quando da execução por quantia certa contra devedor solvente, voltando sua atenção para a superproteção do devedor em detrimento do credor. Tal estudo tem como apoio a Lei nº 11.382/2006 que, enquanto projeto, buscava alternativas para possibilitar uma maior igualdade no tratamento dado a ambos os polos da relação, contudo, suas propostas encontraram resistência, o que impediu que o referido intuito fosse efetivamente alcançado da forma como foi proposto.

PALAVRAS-CHAVE

 

Execução. Onerosidade. Credor. Devedor. Lei nº 11.382/2006. Penhora.

 

Introdução

           

As bases históricas pautadas no direito romano mostram que os meios outrora utilizados para impelir o devedor a quitar suas dívidas perante seus credores eram extremamente violentos, a ponto de permitir a escravidão e morte do indivíduo inadimplente.

Contudo, com a evolução do tempo e da sociedade, o próprio direito romano passou a adquirir gradativamente uma humanização da execução, mas ainda ofereceu resistência para abandonar a ideia de vingança privada.

Seguindo os avanços proporcionados por esse processo de evolução, a Lex Poetelia Papiria significou o marco da transição da responsabilidade pessoal para a patrimonial, em que o credor busca a satisfação da dívida nos bens do devedor e não mais nele próprio.

Por conta dessa inovação no mundo jurídico, se tornou cada vez mais comum os devedores responderem com a integralidade de seu patrimônio, a ponto de chegar a ficar sem o mínimo necessário a sua subsistência.

A partir daí, achou-se preciso restringir essa prática na qual os credores tiravam vantagem da situação inferior em que se encontravam os devedores, e gradativamente, os legisladores buscaram meios de assegurar a estes últimos o mínimo necessário a sua manutenção.

Entretanto, nos dias atuais, o ordenamento jurídico brasileiro se deparou com o fato de que essa superproteção da figura do devedor acaba por impossibilitar que o credor tenha sua dívida quitada, pois não poderá receber a importância financeira de um indivíduo que dispõe de recursos para pagar, posto que a justiça o resguarda.

A Lei nº 11.382/2006, enquanto projeto, traria as oportunidades de penhora de bens de família com valor superior a um teto estabelecido em lei e a penhora de uma parte do salário do devedor, como meio de satisfazer a obrigação, mas ambas as previsões sofreram veto presidencial.

Desta forma, o presente artigo visa demonstrar o efeito que esse veto provocou ao instituto da penhora, tendo em vista os princípios da máxima efetividade da execução e o da menor onerosidade, pois resta clara a disparidade que há na proteção do devedor em detrimento do credor.

1. O PROCESSO DE EXECUÇÃO NO CONTEXTO JURÍDICO BRASILEIRO

O processo de execução é o instrumento utilizado com o objetivo de solucionar o conflito de inadimplemento, ou seja, consiste no meio apto, utilizado pelo credor da relação jurídica, para o efetivo recebimento de seu crédito. De acordo com Luiz Fux (2008, p. 07), “a ‘execução’ visa, em suma, à satisfação plena do credor e, para esse fim, utiliza-se de técnicas que se submetem a duas categorias, a saber: ‘técnicas de sub-rogação’ e ‘técnicas de coerção’”.

Em relação a tais técnicas, cumpre mencionar que a sub-rogação ocorre quando o Estado realiza a obrigação mesmo que em desacordo com o executado, nessa modalidade haverá a prática de atos sem a autorização do devedor e consequentemente resultará na satisfação da obrigação.  De outro modo, a coerção se dá por meio de atos praticados pelo Estado que culminam na persuasão do executado para que o mesmo efetue o pagamento, de tal forma, a satisfação da obrigação ocorrerá de forma “espontânea”. (NEVES, 2011, p. 803).

Concernente à execução por quantia certa, Alexandre Freitas Câmara (2009, p. 256) assevera que:

Quando se trata de buscar o cumprimento forçado de obrigação de pagar dinheiro, nosso sistema processual estabelece a existência de uma execução por quantia certa. Esta espécie de execução será, por sua vez, classificada de acordo com a capacidade econômica do executado, falando-se em execução contra devedor solvente ou insolvente, conforme o demandado tenha ou não, em seu patrimônio, bens suficientes para garantir o cumprimento da obrigação.

Desta forma, observa-se que nos casos referentes a tal modalidade de execução, qual seja, por quantia certa, deve-se atentar, ainda, para a questão da disposição patrimonial em que o executado se encontra. Tal averiguação tem por finalidade constatar se o executado caracteriza-se como um devedor solvente ou insolvente, uma vez que o primeiro, ainda que na condição de devedor, dispõe de bens que poderão ser atingidos para a satisfação da execução, enquanto que o segundo não compartilha desta condição. E vale ressaltar que compete ao credor indicar tal qualificação, de acordo com o que prega o Código de Processo Civil:

Art. 614 - Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial:

I - com o título executivo extrajudicial;

II - com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa;

III - com a prova de que se verificou a condição, ou ocorreu o termo (Art. 572, CPC).

O procedimento a ser realizado pelo exequente apresenta três fases, quais sejam, as fases postulatória, instrutória e satisfatória. A primeira consiste no ajuizamento da demanda, bem como a citação do indivíduo, para que assim, o mesmo tenha ciência. A segunda prevê acerca da penhora e dos atos realizados para que haja a efetiva satisfação da obrigação. Por último, tem-se a satisfação, que consiste na fase em que se compõe o pagamento a ser realizado ao exequente, e é importante mencionar que o referido pagamento poderá ocorrer de formas diversas. (CÂMARA, 2009, p. 257).

Ainda nesse sentido, Luiz Fux (2008, p. 391) certifica:

A execução por quantia certa referente à obrigação garantida a outrem por determinado bem móvel ou imóvel, já indicando como penhorável, impõe ao exequente requerer, com a inicial, a intimação do credor pignoratício, hipotecário, anticrético ou usufrutuário, em função das preferências assentadas no direito material em favor destes beneficiários do bem constrito.

No que tange ao caminho percorrido quando verifica-se a necessidade de execução por quantia certa contra devedor solvente, dispõe a legislação brasileira, especificamente no artigo 652 do Código de Processo Civil, que a penhora será concretizada após transcorrido o prazo que o executado tem para efetuar o pagamento. O prazo mencionado é o referente a três dias, contados da efetiva citação, ou seja, após o conhecimento da existência do processo de execução. Nessa linha de raciocínio expõe a doutrina, nos dizeres de Daniel Amorim Assumpção Neves (2011, p. 1005) que:

A realização da penhora é ato do procedimento executivo de pagar quantia sempre que o executado não realiza o pagamento em três dias de sua citação, não existindo nenhuma necessidade de se comprovarem os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora – esse em especial – para a determinação da penhora, o que é suficiente para afastar o ato judicial da natureza cautelar. (Grifo nosso).

O ordenamento jurídico brasileiro prevê ainda a existência de bens penhoráveis e impenhoráveis. Diante do instituto da penhora, faz-se necessário uma analise mais criteriosa acerca dos bens que poderão ser penhorados, assim como também os que não são passíveis de penhora. Os referidos bens encontram-se mencionados nos artigos 649 (absolutamente impenhoráveis) e 650 (passíveis de penhora) do Código de Processo Civil. A respeito dessa divisão, Câmara se manifesta ao dizer que:

Podem ser penhorados, obviamente, todos os bens que se encontram no campo de incidência da responsabilidade patrimonial, ou seja, todos os bens presentes e futuros do executado, além dos bens que tenham sido alienados fraudulentamente [...] Há que se atentar, porém, para o disposto na parte final do art. 591 do CPC, segundo o que ficam excluídos da responsabilidade patrimonial os bens incluídos nas “restrições estabelecidas em lei”. Refere-se a ressalva contida na lei aos bens impenhoráveis, assim considerados por disposição de lei. (CÂMARA, 2009, p. 272).

Muito se questiona acerca da disposição legislativa tangente aos bens penhoráveis e impenhoráveis. Defende-se que a determinação sobre tal tema almeja que ao indivíduo seja garantido o seu mínimo existencial, ou seja, garantindo-lhe que por meio da inatingibilidade de alguns bens o mesmo mantenha o patrimônio necessário para viver de forma digna (ARMELIN et al., 2009, p. 212), por outro lado encontra-se o credor aguardando o retorno do saldo que possui perante o devedor.

Por este motivo, cabe uma análise mais profunda no que toca ao embate travado entre as proteções destinadas a ambos os lados desta relação, pois é sabido que esta, assim como outras áreas do direito é cercada de desdobramentos e, portanto, dependendo do caso concreto, um tende a prevalecer sobre o outro. Desta forma, vale apontar alguns aspectos relevantes que envolvem tal temática e fomentar os entendimentos que surgem deles, conforme os apontamentos que se passa a apresentar.

2. A LEI Nº 11.382/2006 (ENQUANTO PROJETO) E SUAS PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES FRENTE O INSTITUTO DA PENHORA

Segundo dito anteriormente, a execução visa garantir a satisfação de uma obrigação e a penhora se constitui como um dos meios para tal finalidade, uma vez que se procede à apreensão dos bens do devedor para saldar a dívida existente. (DEOCLECIANO, 2011, p. 188).

Contudo, para que não incidissem as mesmas injustiças que aconteciam na antiguidade, e visando acompanhar a evolução do direito, foi preciso delimitar até que ponto os bens do indivíduo devedor poderiam ser atingidos, de modo a assegurar o mínimo necessário à sua sobrevivência e de seus familiares. (NEVES, 2011, p. 853).

Foi assim que o direito passou a determinar que certos bens não seriam passíveis de apreensão, dada a sua fundamental necessidade para o indivíduo, pois, segundo o entendimento de Daniel Amorim Neves, “a impenhorabilidade de bens é a última das medidas no trajeto percorrido pela ‘humanização da execução’”. (NEVES, 2011, p. 853).

Em suma, diante de todo percurso vencido pelo processo de execução no desenvolvimento da humanidade, seria inviável retroceder e continuar permitindo que o indivíduo devedor, já penalizado pelo débito que pesa sobre ele, colocando-o em posição inferior e desfavorável, tenha que sofrer ainda mais ao ser desprovido dos recursos que ainda lhe restam.

Desta forma, o legislador contemporâneo, instituiu a impenhorabilidade de certos bens buscando proteger a figura do devedor possibilitando-lhe o pleno gozo do princípio da dignidade humana, que se constitui como um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro e mundial. Entendimento esse que se coaduna com o que ensina o processualista Guilherme Marinoni ao afirmar que:

Trata-se de opção política do legislador, norteada pela finalidade de preservar o mínimo de patrimônio necessário à subsistência do executado, assim evitando que este se prive a ponto de não poder satisfazer as suas necessidades primordiais e garantir sua dignidade. (MARINONI, 2009, p. 212).

Assim sendo, resta claro que o legislador, munido de sentimento humanitário, conferiu impenhorabilidade a um determinado rol de bens que considera de fundamental importância para garantir uma vida digna ao executado e sua família, caso tenha. Basicamente, isso implica dizer que, tais bens, não serão alvo de apreensão por expressa previsão legal. Quanto a isso também se posiciona Marinoni ao afirmar que:

Há que se ter em conta, na análise do tema, que a impenhorabilidade visa garantir o equilíbrio entre o direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva, que só se garante com a satisfação do direito exequendo, e o princípio da dignidade humana, que impõe a manutenção do patrimônio indispensável ao executado. (MARINONI, 2009, p. 212 - 213).

Entretanto, vendo de um outro ângulo, vislumbra-se a imagem de um credor que espera a satisfação de seu crédito, sendo que este também pode se achar em uma situação difícil, na qual o pagamento oriundo dessa dívida pode ser significativa para melhorar o estado em que se encontra. Então, como resguardar os interesses deste credor?

Foi pensando nesta possibilidade que o Instituto Brasileiro de Direito Processual propôs alternativas para que a execução contra devedor solvente se mostrasse mais eficiente, a ponto de possibilitar que o credor tivesse a chance de conseguir a quantia advinda da quitação da dívida que possui, ao passo que o devedor não é expropriado da totalidade de seus bens, estes então considerados impenhoráveis. Para entender tal colocação, vale invocar o comentário de Guilherme Marinoni quando diz que:

De acordo com a proposta do Anteprojeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, seria “penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários-mínimos, calculados após efetuados os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária e outros descontos compulsórios”. (MARINONI, 2009, p. 216).

Já em outra obra elaborada conjuntamente com Sérgio Cruz Arenhart, Marinoni complementa tal indicação adicionando a questão da penhora ao bem de família, quando diz que:

A Lei 11.382/2006, enquanto projeto, contemplava limitações em relação à impenhorabilidade absoluta, admitindo a penhora de imóvel, ainda que considerado bem e família, desde que de grande valor (superior a mil salários mínimos) e também de parcela do salário de alta monta (quarenta por cento do total recebido mensalmente, desde que superior a vinte salários mínimos). (MARINONI, ARENHART; 2007, p. 255-256).

Com essa colocação, infere-se que a real finalidade de estabelecer tais possibilidades se volta a ampliar os meios de satisfação da dívida acrescentando outros bens aos quais o devedor pode se valer.

Todavia, estes dispositivos sofreram veto presidencial, tendo por base a afronta a leis que versam sobre tal temática e a princípios constitucionais, tais como o da dignidade da pessoa humana.

3. A BUSCA PELO EQUILÍBRIO NA PROTEÇÃO DO CREDOR E DO DEVEDOR EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA MÁXIMA EFETIVIDADE E MENOR ONEROSIDADE

Tratando com mais detalhes, a Lei do Bem de Família, nº 8.009/1990 veda expressamente a possibilidade de fazer com que imóveis residenciais sejam utilizados para satisfazer a execução por considerá-los como bens de impenhorabilidade absoluta. Por sua vez, a impenhorabilidade de parcelas remuneratórias e/ou salariais já é entendimento amplamente difundido no mundo jurídico tendo como pilar a defesa do princípio constitucional da dignidade humana, posto que já houveram tentativas de torná-las alvo de constrição, contudo, estas nunca tiveram sucesso. (REDONDO, 2011, p. 224-225).

Entretanto, mesmo diante de tamanha resistência, o ordenamento jurídico brasileiro já admite sim a reserva de parte do salário destinando-o a pagamentos, conforme se verifica na hipótese apresentada por Bruno Garcia Redondo, na qual dispõe que:

Importante observar que a Lei 10.820/2003 permite que os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho autorizem o desconto em folha de pagamento dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. Os valores legalmente autorizados para desconto são de 30% da remuneração disponível, quando se tratar de crédito em favor de instituição financeira ou do INSS (art. 6º, § 5º, da CLT). Em que pese não se tratar tecnicamente de penhora, mas de mero desconto consensualmente acordado e promovido extrajudicialmente pelo próprio credor, verifica-se que, por meio dessas normas, o direito positivo já reconhece a possibilidade de destinação de parcela da remuneração para pagamento de obrigações pecuniárias. Pela mesma razão, também deve ser admitida a constrição de parte da remuneração mediante penhora em execução judicial, independentemente da natureza do crédito exequendo (se alimentar ou não). (REDONDO, 2011, p. 227).

Ou seja, se o ordenamento brasileiro permite tal atitude, por que não aceitar a proposta de penhora de parte do salário, dentro dos limites estabelecidos?

Cabe destacar que o veto no presente caso, se coloca como um bloqueio na tentativa de oferecer novas alternativas para que se atinja a satisfação da obrigação, uma vez que inviabiliza o cumprimento da máxima efetividade da execução ao buscar garantir o princípio da menor onerosidade ao devedor.

A partir desse posicionamento, se faz necessário demonstrar as interpretações que brotam no que diz respeito às consequências advindas deste ato, uma vez que resta clara a ocorrência de uma superproteção do devedor em detrimento do credor.

Primeiramente, no que toca à impenhorabilidade do bem de família, a proposta era clara ao informar que seriam alvo de penhora os bens considerados de alto valor, ou seja, aqueles superiores a mil salários mínimos, pois pode-se prever que estes bens não sejam tão necessários a ponto de receber tamanha proteção, dado seu alto preço.

Já no que concerne à impenhorabilidade de parte do salário, era sugerido que apenas seria alvo de penhora parte dos salários de alta monta, seria, portanto, 40% daqueles superiores a vinte salários mínimos, uma vez que é difícil sustentar que um indivíduo que dispõe deste valor chegue a contrair uma dívida e não seja capaz de pagá-la, por estar em péssimas condições financeiras, conforme entendem Luis Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart quando dizem:

Frise-se que o veto chega a sublinhar expressamente, quanto a penhora de parcela de salários, que “é difícil defender que um rendimento líquido de vinte vezes o salário mínimo vigente no país seja considerado como integralmente de natureza alimentar”. (MARINONI, ARENHART; 2007, p. 256).

Desta forma, observa-se que as motivações que envolveram o veto não atentaram para as restrições oferecidas pela Lei nº 11.382/2006 enquanto projeto, pois o que se propunha, não era a expropriação da totalidade dos bens do devedor, de modo a deixá-lo desprovido, mas sim a retirada de parte suficiente de seus bens no intuito de quitar o saldo que deve a seu credor, garantindo a este último, o direito que tem de reaver seu crédito.

Nota-se que o veto é tendencioso, no momento em que apenas considera a situação do devedor, mas não atenta para o fato de que o não pagamento da dívida pode vir a se configurar uma condição prejudicial ao credor, posto que ocorre um “desfalque” em seu patrimônio chegando inclusive a possivelmente também comprometer seu orçamento, na medida em que espera uma manifestação positiva do devedor. Quanto a isso se posiciona Marcelo Abelha Rodrigues ao afirmar que:

O modelo estatal é outro, de forma que o credor não deve ser visto apenas como um simples titular de um direito de crédito, mas alguém com direito a tutela jurisdicional justa e efetiva, e, muitas vezes, não se pode esquecer que o prejuízo que lhe foi causado pelo devedor, e que ora tenta ser restabelecido pela tutela executiva, poderá ter causado danos de toda monta (patrimoniais e extrapatrimoniais), ferindo-lhe, igualmente, a dignidade. (RODRIGUES, 2009, p. 91-92).

Sendo assim, comprova-se ainda mais a intenção favorável que abrangia as inovações propostas pela Lei nº 12.382/2006 enquanto projeto, pois mostrava preocupação com os dois polos da relação. E por outro lado, atesta-se o desinteresse do Estado em promover melhores condições para realmente propiciar a máxima efetividade da execução e colaborar com os interesses do credor. Sobre esse ponto cabe destacar a manifestação de Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Anherart quando dizem que:

De fato, ao vedar a penhora sobre parcela de altos salários ou sobre bens de vulto, o Executivo inviabiliza a proteção adequada do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. O impedimento de penhora de tais bens obstaculiza a tutela prometida pelo direito material e, por consequência, o exercício efetivo do direito fundamental de ação ou a tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV, da CF). Ou melhor, o Estado, diante do veto, está conferindo proteção insuficiente ao direito fundamental de ação, impedindo o seu exercício de forma efetiva ou de modo a permitir a tutela do direito crédito. Na verdade, ao chancelar a intangibilidade do patrimônio do devedor rico, o Estado abandona o cidadão sem fundamentação constitucional bastante. (MARINONI, ARENHART; 2007, p. 256).

Como se pode ver, inclusive mediante colocações anteriores, é complicado defender que salários de alta monta e bens de família de grande valor devem ser protegidos de penhora por se tratarem de bens necessários à garantir a dignidade do indivíduo devedor. E é mais complicado ainda cogitar que um indivíduo que disponha de tais benefícios tenha contraído uma dívida e agora se recusa a pagar por se encontrar em difíceis condições de vida, como se vê no comentário de Marinoni ao dizer que:

Inoportuno o veto, perdendo o legislador a oportunidade de alcançar rendimentos de devedor que percebe elevada remuneração. Vale registrar que os tribunais têm relativizado a regra em situações excepcionais, nos casos em que os rendimentos se avultam de tal forma que deixam de ser considerados alimentos. (MARINONI, 2009, p. 217).

Por conta disso, é que a Lei 12.382/2006, enquanto projeto, que apresentava as supracitadas hipóteses, delegava ao magistrado o poder de analisar no mundo concreto, quais casos realmente se adequavam ao fato de os bens do executado se constituir basicamente de caráter alimentar e, portanto, impassíveis de penhora, posto que são necessários para garantir a dignidade deste. Sendo assim, a melhor alternativa seria conferir ao juiz o poder de averiguar os casos que seriam abrigados pela referida proteção e mantê-los, enquanto que os que não se enquadrassem, sofressem a constrição, conforme sugere a explanação de Marcelo Abelha Rodrigues, que segue alegando que:

A pedra de toque do legislador foi reconhecer que só diante do caso concreto é que o juiz poderá dizer se nesta ou naquela situação o bem deve ser preservado para garantia do “patrimônio mínimo” à manutenção da dignidade do executado. (RODRIGUES, 2009, p. 93).

Entretanto, não foi o que ocorreu. O veto às mencionadas alternativas prosperou e a Lei nº 12.382/2006 hoje vigora apresentando algumas outras inovações, mas não as mesmas sugeridas no projeto. Dado esse fato, Daniel Amorim Assumpção Neves alega tristemente que:

Atualmente, diante do manifesto fracasso do processo de execução por quantia certa, parcela da doutrina se pergunta se o legislador pátrio não teria exagerado na proteção do devedor, em evidente e injusto detrimento do credor. Apesar da inegável importância da manutenção de um mínimo suficiente para a manutenção da dignidade humana, o que parece ter ocorrido é um exagero na amplitude da impenhorabilidade de bens. É triste, portanto, a postura da Presidência da República ao vetar duas modificações que seriam introduzidas no sistema pela Lei 11.382/2006, e que tornariam as coisas mais equilibradas, quais sejam a penhora de bens de família com valor superior a um teto estabelecido em lei e a penhora de uma parte do salário. (NEVES, 2011, p. 853).

Sendo assim, resta clara a concepção de que o veto presidencial instalou a prioridade da defesa dos interesses do devedor solvente sobre o credor esperançoso, mas desiludido, posto que nem mesmo tem a segurança da garantia de seu direito a uma tutela efetiva, uma vez que foram bloqueadas as outras alternativas que poderia propiciar-lhe uma melhora. Sem contar que inclusive o magistrado teve sua cognição limitada e seu poder de julgamento reduzido à exegese do texto da lei, pelo fato de que não pode mais ele sopesar aquilo que lhe apresenta o caso concreto.

CONCLUSÃO

Diante do que foi exposto, cabe concluir que o veto presidencial às alternativas propostas pela Lei nº 12.382/2006 enquanto projeto, teve como resultado a prioridade da garantia do princípio da menor onerosidade do devedor sobre o princípio da máxima efetividade da execução, uma vez que essa notória superproteção do devedor impossibilita de visualizar o credor como um outro sujeito de direitos na relação que se estabelece entre os polos.

Percebe-se que houve uma mitigação aos interesses do exequente ao passo que o executado goza de significativos privilégios. Cabe lembrar também que o próprio cumprimento da obrigação fica impedido, além de outras consequências, tal como, a inviabilidade de conferir ao julgador a possibilidade de sopesar no caso concreto se os bens que se destinariam a penhora realmente atendem ao requisito de serem fundamentais para a manutenção da vida digna do devedor, pois, caso contrário, poderiam sim ser alvo de expropriação.

Desta forma, compreende-se que o ordenamento jurídico fica enfraquecido com tais medidas que assumem caráter discriminatório, lesando gravemente a igualdade que tanto é difundida pelos moldes da Constituição Federal.

Seria mais plausível que a tal dignidade que envolve a defesa dos interesses do devedor também abraçasse a proteção ao credor, conferindo a ambos a paridade necessária para manter o equilíbrio capaz de permitir que ambos sofram menos possível, mas que estejam satisfeitos.

REFERÊNCIAS

DEOCLECIANO, Torrieri Guimarães. Dicionário Compacto Jurídico. 15. ed. São Paulo: Rideel, 2011.

DIDIER Jr., Fredie.  Curso de Direito Processual Civil. Vol 5 – Execução. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2012.

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MARINONI, Luís Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. Vol. 3. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2007.

MARINONI, Luís Guilherme (Apt.). Comentários à execução civil: título judicial e extrajudicial (artigo por artigo). 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: METODO. 2001.

REDONDO, Bruno Garcia. Impenhorabilidade no Projeto de Novo Código de Processo Civil: Relativização restrita e sugestão normativa para generalização da mitigação. Revista de Processo, São Paulo, v. 201, p. 221-233, nov. 2011.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Execução Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.