A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO PROCESSO

A expectativa constitucional de garantir a tutela aos presidiários brasileiros 

Flávia Laysa Araújo Léda[1]

Thaísa Teresa Bitencourt Rocha[2] 

Sumário: Introdução; 1. As Garantias do devido processo legal; 2. A realidade da instituição carcerária; 3. Texto constitucional x A realidade da tutela aos presidiários; 4. Conclusão; 5. Referências. 

RESUMO

Nesse trabalho analisaremos as garantias do devido processo legal assegurado na Constituição Federal, e os seus princípios constitucionais em relação ao sistema carcerário brasileiro. Pontuando o contraste entre o texto constitucional e a realidade apresentada aos presidiários, explanando a dificuldade da aplicabilidade do ordenamento jurídico brasileiro para alcançar uma ordem jurídica justa.

Palavras-chave

Devido processo legal. Presidiários. Ordenamento jurídico brasileiro

 

INTRODUÇÃO

 

              O presente trabalho versa sobre as garantias constitucionais, uma das mais preponderantes é a do devido processo legal. Logo, pretendemos analisar este instituto jurídico do processo constitucional no direito processual penal. Ou seja, analisaremos a tutela constitucional oferecida atualmente aos presidiários no sistema carcerário brasileiro.

             E diante disso elucidaremos alguns contrapontos entre o texto constitucional e a realidade apresentada a milhares de presidiários, mostrando a dificuldade do sistema penal na reeducação e na reinclusão do detendo ao convívio social, que acaba por inverter o seu objetivo, não cumprindo com a sua real função a ressocialização, e por consequência se distancia do que foi exposto na Carta Magna.

             E ainda a própria jurisprudência brasileirareconhece que o devido processo legal não possui um aspecto puramente procedimental, mas também material, constituindo assim uma verdadeira garantia dos Direitos Fundamentais no Estado Democrático de Direito.

1 AS GARANTIAS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

 

Como essência do processo penal brasileiro, os princípios constitucionais fundamentais e ainda, infraconstitucionais serviram de embasamento para a política processual penal vigente em nosso ordenamento jurídico. Assim percebe-se que “a própria Constituição incumbe-se de configurar o direito processual não mais como mero conjunto de regra associadas de aplicação do direito material, mas, cientificamente, como instrumento público de realização da justiça.” [3]

           Diante disso, percebemos que o devido processo legal legitima o Estado Democrático de Direito, pois as garantias constitucionais são parâmetros para os demais ramos do direito, principalmente para o direito processual penal. Já que, "o devido processo legal, como princípio constitucional, significa o conjunto de garantias de ordem constitucional, que de um lado asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza processual e, de outro, legitimam a própria função jurisdicional” [4]. Pois, mediante a observância das garantias e princípios do devido processo legal chegaremos a uma ordem jurídica justa.

O devido processo legal é uma garantia do cidadão, constitucionalmente prevista no art. 5º nos incisos LIV e LV, da Lei Maior. Que estabelece: que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e garante a qualquer acusado em processo judicial o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Com isso percebe-se, que essa garantia estar inerente a qualquer processo constitucional, porém na prática nem sempre são asseguradas.

Isso ocorre principalmente no direito processual penal, já que o Estado negligência o sistema penal vigente, não oferecendo condições mínimas para que este cumpra com a sua função. Ou seja, as garantias previstas aos presos no art 5, incisos XLVIII “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”, e no XLIX “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, infelizmente não é uma realidade encontrada no Brasil, na medida em que as condições apresentadas pelo sistema penal impossibilita os presos ingressarem ao acesso a uma ordem jurídica justa, já que não lhe são oferecidos o direito ao devido processo legal.

2 A REALIDADE DA INSTITUIÇÃO CARCERÁRIA

 

O sistema carcerário se propõe a recuperar e reeducar os presos, preparando o seu retorno á sociedade e tornando-os produtivos para que não reincidam em práticas delituosas. Entretanto, a realidade é que milhares de presos cumprem pena de forma subumana.

Fatores estruturais aliados à má alimentação, ao sedentarismo dos presos, ao uso de drogas e à falta de higiene culminam na fragilização da resistência física e na saúde dos detentos, o que resulta na obtenção das mais variadas doenças. O sistema carcerário não atende aos requisitos mínimos de segurança e salubridade, tanto para quem cumpre pena como para os agentes da instituição. Sob o aspecto real, o que podemos observar são celas superlotadas, com péssimas condições de infraestrutura. Logo, percebemos um distanciamento entre o texto constitucional, já que  

(...) a Lei de Execução Penal é inexeqüível, em muitos de seus dispositivos estando seus mandamentos distanciados e separados por um grande abismo da realidade nacional, o que a transformará, em muitos aspectos, em letra morta pelo descumprimento e total desconsideração dos governantes quando não pela ausência de recursos materiais e humanos necessários à sua efetiva implantação.[5]  

Com a precariedade na assistência hospitalar, o meio se torna propício à inúmeras doenças, levando a estágios mais avançados, como os de epidemias. O sistema prisional não apenas ameaça a vida dos presos como também facilita à transmissão de doenças à população em geral. Com essa realidade percebemos que a saúde pública anda em verdadeiro descaso com o sistema prisional, não cumprindo o que estabelece o art.14º da Lei de Execução Penal “a assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.” [6] (Lei n° 7210 de 1984)

A sanção, além, de ter finalidade jurídica, deve ter finalidade moral de modo a refletir nos princípios e valores inerentes ao individuo, pois se esses valores estão distorcidos, cabe a essa assistência direcionar os detentos no sentido de imprimirem caráter normativo, ou seja, como normas de observância obrigatória.

A Lei de Execução Penal reconhece os direitos humanos dos presos, ordenando tratamentos individualizados, protegendo os direitos substantivos e processuais dos detentos e assegurando no seu “art. 10°A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade e no art.11 A assistência será: material; à saúde; jurídica; educacional; social; religiosa” [7]. Desta forma percebe-se que o foco da lei não é a pura e unicamente, mas, primordialmente, estabelecer a devida tutela das pessoas condenadas.

 

3 TEXTO CONSTITUCIONAL X A REALIDADE DA TUTELA AOS PRESIDIÁRIOS

          No texto constitucional é notável a preocupação do Estado em punir o indivíduo com a regra de punibilidade no direito penal que é a pena privativa de liberdade, desse modo o Estado afasta o cidadão do convívio social para que seja extinta a sua liberdade o que não significa a perda dos seus demais direitos fundamentais como ser humano. Tanto é que, para que ocorra toda essa ação privativa de liberdade, é necessário que o Estado de acordo com a constituição federal assegure as garantias do devido processo legal, para que de fato passamos chegar a uma verdade real e conseqüentemente a uma ordem jurídica justa. Isto é assegurado no art 5 inciso LIV da Constituição Federal que vislumbra que “ ninguém será privado da liberdade ou de sés bens sem o devido processo legal”.

            No entanto, verificamos uma realidade oposta no sistema carcerário daquilo que é positivado em nossa Constituição. Isto resulta em situações deploráveis que ignoram por completo os direitos humanos e desfaz a dignidade humana, como exemplo disso a mídia retratou o seguinte caso em que uma

Jovem com 16 anos de idade sofreu uma série de abusos sexuais durante mais de 30 dias, em Abaetetuba, a 80km de Belém. Caso agora está sob investigação. Quando a mãe da jovem e o Conselho Tutelar chegaram à delegacia para resgatá-la, um dos delegados informou que ela havia fugido.  Segundo o Conselho Tutelar, a menina foi obrigada a manter relações sexuais com os prisioneiros em troca de comida. “Eles cortaram o cabelo dela com uma faca para não dar muito na cara que se tratava de uma mulher”. Em um depoimento impressionante, a menor, detida por furto, relatou os fatos no processo encaminhados ao Ministério Público. Essa situação é grave e deve ser punida com rigor. É o Estado promovendo a violação dos direitos humanos com requintes de crueldade e sadismo. Infelizmente não é um caso isolado nem um "desvio de conduta" de policiais e delegados corruptos e torturadores. Judiciário estadual sabia da situação. “Aqui, no Pará, colocar homem e mulher na mesma cela é mais comum do que se imagina”, disse o frei Flávio Giovenale, bispo de Abaetetuba. Dos 27 dias que passou com os presos, a jovem disse que só não fez sexo nos dois em que os detentos recebiam visitas íntimas de namoradas e esposas.

Diante dessa realidade percebemos um afronta aos direitos e garantais fundamentais assegurados no art. 5 inciso III da Constituição Federal que vislumbra que  “ ninguém será submetido a tortura nem a  tratamento desumano ou degradante”. Com isso enfatizamos dizer que no Brasil vivemos em uma pseudodemocracia, na medida em que o Principio da Dignidade da Pessoa Humana o alicerce do Estado Democrático de Direito não é assegurado. Principalmente no sistema carcerário brasileiro, que notamos um descaso por parte do Governo em assegurar os princípios fundamentais e processuais do presidiário brasileiro.

É o que ocorreu nesse caso em Belém, com uma menor de 16 anos, que além de não poder ser presa, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolesceste (ECA), ainda ocorre o absurdo de a deixarem numa cela masculina. É diante disso que analisamos certas negligências no devido processo legal.

4 CONCLUSÃO

            De acordo com o que foi exposto, concluímos que a doutrina vislumbra como norte e embasamento do ordenamento jurídico pátrio as devidas garantias constitucionais processuais em consonância com o texto constitucional, fato que propõe uma realidade do sistema e da instituição carcerária idealizada como um meio efetivo e eficaz nos seus atos jurídicos. Em contraponto, verificamos uma realidade que se opõe a este anseio de eficácia do devido processo legal em casos, como o que foi relatado, na jurisprudência vigente.

            A inobservância dos princípios e preceitos positivados em nossa Carta Maior causam instabilidade e insegurança aos direitos humanos primordiais, sendo um deles o acesso à justiça e principalmente, a uma ordem jurídica justa. A partir disso, vemos a importância das garantias constitucionais processuais para que possa ocorrer o devido processo legal de acordo com a sua finalidade, premeditada pelos doutrinadores.

            E assim, constatamos que é necessário, ou melhor, indispensável para a vigência de um sistema jurídico que transcorra em uma ordem jurídica justa, ter este, como diretriz do devido processo legal as garantias e os princípios de nossa Constituição.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel, GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria Geral Do Processo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

LEI DE EXECUÇÃO PENAL, Brasília, lei n° 7.210 de julho de 1984. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L7210.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2010.

Mulher mantida em cela com 20 homens. Disponível em  <http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4233&Itemid=1> Acesso em: 28 de abril de 2010.

RIBEIRO, Cláudio Luiz Frazão. O mito da função ressocializadora da pena: a intervenção do sistema penal como fator de estigmatização do individuo criminalizado. São Luis: AMPEM, 2006.


[1] Acadêmica do terceiro período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco: [email protected]

[2] Acadêmica do terceiro período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco: [email protected]

[3] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel, GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria Geral Do Processo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p 86.

[4] Ibid, p 88.

[5] RIBEIRO, Cláudio Luiz Frazão. O mito da função ressocializadora da pena: a intervenção do sistema penal como fator de estigmatização do individuo criminalizado. São Luis: AMPEM, 2006,  p.53.

[6] LEI DE EXECUÇÃO PENAL, Brasília, lei n° 7.210 de julho de 1984. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L7210.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2010.

[7] Mulher mantida em cela com 20 homens. Disponível em  <http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4233&Itemid=1> Acesso em: 28 de abril de 2010.