A FUNÇÃO SOCIAL E A DIGNIDADE HUMANA¹

 

Lucas Ranieri Ferreira da Rocha

Daniel Rodrigues³

SUMÁRIO: RESUMO; 1 INTRODUÇÃO; 2 HISTÓRIA DA FUNÇÃO SOCIAL; 3 FUNÇÃO SOCIAL E A RELAÇÃO EMPRESA SOCIEDADE; 4 FUNÇÃO SOCIAL E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO; 5 DISCUSSÃO DO TEMA; 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS; 7 REFERÊNCIA.

 

RESUMO

Este trabalho busca analisar a função social e sua aplicação no meio empresarial, em conjunto com os valores que o mesmo explicita nos meios jurídicos e sociais. Observando sua extensão na ordem social e econômica brasileira, revelando os princípios gerais da atividade econômica que norteiam suas extensões. Demonstrando-se a concepção contemporânea empresarial que não mais se admite uma cultura que privilegie tão somente o lucro, em detrimento de valores éticos que tenham por escopo a valorização da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Empresa. Função Social. Dignidade. Capitalismo.

 

 

1 INTRODUÇÃO

O seguinte trabalho vem com o intuito de fazer um entrelaçamento entre o princípio da função social e sua efetividade na sociedade. E na sua afirmação de inserir, em um cenário tão competitivo, a dignidade humana como um valor necessário na busca de uma cultura que prestigie mais o valor social e a importância do ser humano nesse meio de produção.

O presente trabalho ressalta primeiramente a historicidade do direito empresarial. Apesar de remeter a Antiguidade, nosso ensejo se dará na Idade Média com feudalismo e se explana até a industrialização no século XVIII, tudo com o objetivo de analisar a origem da função social no meio empresarial e como se levou a introdução de tal principio e sua efetivação como conhecemos hoje.

O paper se desenvolve de forma a conceituar a empresa demonstrando seus pontos e efeitos positivos e negativos dentro da sociedade. Além de analisar essa conjuntura de acordo com o Princípio da Função Social, visando seus objetivos e delineamento social, econômico e ambiental. Demonstrando o embarcamento de tais valores e princípios dentro de um interesse individual e coletivo.

Mais adiante analisamos como a função social se inseriu, desenvolveu e se apresenta no campo jurídico brasileiro. Apreciando este princípio empresarial sob vários aspectos do ordenamento jurídico brasileiro e sua propositura em artigos e declarações internacionais.

O seguinte trabalho será realizado através de pesquisas em artigos e sites online, e também pesquisas bibliográficas, tendo como foco uma das obras “Curso de Direito Comercial” de Fábio Ulhoa Coelho. Busca-se uma reflexão mais abrangente acerca do tema da Função Social, em âmbito seja relacionado a princípios norteadores do direito, com da dignidade empresarial, da boa fé empresarial e, principalmente, o da dignidade da pessoa humana, seja em relação ao exercício da atividade econômica.

 

2 História da Função Social

O comércio existe desde os primórdios da humanidade e de forma dinâmica modificou a sociedade em nossa volta, levando da simples troca de mercadoria (escambo) perpassando por rotas de navegação até a introdução do capital em seu meio.  Para entender a função social e sua importância devemos analisar três momentos históricos fundamentais: o feudalismo, mercantilismo e a industrialização.

O feudalismo se caracterizou pela independência politica, onde a normatização em especial do comercio era de responsabilidade das companhias de ofício, e os direitos impostos por essas companhias variavam de acordo com o feudo, ou seja, de forma subjetiva. Como afirma Bruna Bindaco que fortalecido pelas Corporações de Ofício, e regido neste momento por regras baseadas nos costumes, o direito da época [feudal] possuía um conceito subjetivo, ou seja, aplicável àqueles que parte faziam das referidas corporações. Com o passar dos anos, à medida que os países europeus passaram a lutar em prol da reunificação europeia, as Corporações de Ofício chegaram a seu fim, fazendo com que o direito deixasse de ser particular e passasse a ser público. (BINDACO, 2013)

Com o maior avanço do cultivo agrícola (e a formação de excedentes produtivos) e as Cruzadas, houve o renascimento das cidades levando ao desenvolvimento do comercio de forma extensiva por toda Europa. Originando o surgimento da classe burguesa e a volta da circulação do dinheiro. Nesse momento o lucro passou a ser o fator principal, e o sistema feudal já não sustentava tais mudanças.

“O sistema feudal, com suas relações comerciais ainda fracas, baseadas principalmente nas trocas, passou por grandes mudanças estruturais durante as Cruzadas, como a criação de cidades, a descentralização do poder das mãos dos senhores feudais, e a criação de grandes feiras para trocas de produtos de todo o mundo. Essas mudanças foram impulsionadoras de um novo sistema comercial, o mercantilismo, que, por sua vez, impulsionou uma nova ideia de consumo e valor do dinheiro, incentivando a indústria e a agricultura.” (LIMA, Patricia Mendes e COSTA, Fracine Laura, 2015)

Com a ascendência burguesa houve o desencadeamento do mercantilismo, que se caracterizava pela unificação dos Estados modernos, exploração de novas terras, produção em larga escala e a maior autonomia no comercio, este ultimo fez constituir codificações especificas para regular a atividade mercantil.

A fase industrial se caracteriza por revoluções tanto em níveis econômicos como sociais. Com inicio no século XVIII com a revolução industrial, onde se descreveu pelo maior incentivo a maquinofatura (levando os trabalhadores a simples intermediários da produção de bens), diminuiu a qualidade de vida e de trabalho e o estado adotava uma posição de não intervencionismo a economia. Como elucida Lima e Costa o desenvolvimento industrial foi de fundamental importância para chegarmos ao atual cenário econômico. A Revolução Industrial trouxe mudanças gigantescas para o cenário mundial, proporcionando o crescimento e amadurecimento do capitalismo como um novo sistema econômico. (LIMA, COSTA, 2015)

Com a ascensão de ideologias marxistas, e revoluções sociais no século XIX, foi que o proletariado (classe de trabalhadores) se organizou na tentativa de buscar melhores condições de trabalho, formalizando assim os sindicados. Paloma Torres explicita que a preocupação com o bem estar dos trabalhadores, e de modo geral, com os reflexos de determinada atividade na sociedade, iniciou-se 30 anos atrás. Os operários uniram-se e através dos sindicados começaram a impor suas idéias e expor a necessidade de melhores condições de trabalho. Assim surgiu a função social da empresa. (CARNEIRO, 2015)

Função social surge, na busca de um norteamento da dignidade humana no meio empresarial, retirando o caráter basicamente individual e mercantil (que permeou a atividade desde o fim do feudalismo), buscando maior equilíbrio nos meios de produção, englobando direitos individuais e coletivos.

 

3 Função Social e a Relação Empresa e Sociedade

A empresa é um fenômeno econômico e social que tem como intuito o lucro. A atividade empresarial se diversifica de varias formas e vai muito além do simples estabelecimento comercial. Podendo movimentar meios de transportes, comunicação e o meio ambiente, influenciando a vida da sociedade como um todo.

A empresa tem um valor impar, podendo exercer forças positivas e negativas dentro da sociedade. Esse valor ambíguo pode ser exemplificado respectivamente em primeiro plano, como na produção de empregos, onde o ganho salarial pode elevar o aumento do consumo, ou de forma contraditória, em segundo plano, com a destruição e poluição da natureza. Engloba a idéia, como afirma Carneiro, de que esta não deve visar somente o lucro, mas também preocupar-se com os reflexos que suas decisões têm perante a sociedade, seja de forma geral, incorporando ao bem privado uma utilização voltada para a coletividade; ou de forma específica, trazendo realização social ao empresário e para todos aqueles que colaboraram para alcançar tal fim. (CARNEIRO, 2015).

A maneira em que os membros empresariais se organizam em um mercado de livre concorrência e iniciativa é acirrada e toda vantagem pode sobrepor a moral e a ética nesse meio. O princípio da Função Social entra no campo comercial na busca de levar as empresas a adotar ações visando o maior delineamento social, econômico e ambiental.

Temos a função social quando: “a empresa cumpre com o seu papel de gerar empregos, tributos e riquezas, ao contribuir para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atua, de sua região ou do país, adotar praticas empresarias  sustentáveis visando à proteção do meio ambiente e ao respeitar o direito dos consumidores, desde que com a estrita obediência às leis a que se encontra sujeita”. (COELHO, Fábio Ulhoa, 2014, p.76).

 

O principio da função social deve levar a ideia de que não é só o lucro que deve atender aos objetivos do empresário. A Função Social, como interpreta Bindaco, é um dos princípios que trouxe maior grau de justiça nas relações sociais, objetivando evitar os abusos individuais e promover a coletivização. Frente a essa nova realidade a empresa deixa de possuir apenas o objetivo ao lucro, e suas metas passam ter por base uma exploração econômica atrelada aos valores sociais de bem-estar coletivo e justiça social. (BINDACO, 2013).

Por essa razão o empresário tem que ter em vista que atividade do seu comércio engloba uma serie de questões das mais variadas escalas e por esse fator deve atender a uma realidade e a um interesse social, para assim se chegar a um resultado coletivo e satisfatório.

“A ideia de responsabilidade social da empresa está ligada ao conceito de função social da propriedade e da livre iniciativa. Desta forma, o empresário pode utilizar todos os meios possíveis para alcançar a finalidade de sua atividade, desde que observe os ditames legais”. (CARNEIRO, Paloma Torres, 2015).

A formação e o desenvolvimento da atividade empresarial devem ser gerados em consonância com suas finalidades econômicas e sociais, na medida em que, esses fatores tem que ser preservados.

 

4 Função Social e o Ordenamento Jurídico Brasileiro

O principio da função social da empresa chegou ao Brasil por volta da década de 70, após a divulgação dos primeiros relatórios socioeconômicos nos EUA, chamados de Balanços Sociais.

“Segundo estudiosos do Direito das Empresas, foi nos Estados Unidos que se originou a discussão acerca da responsabilidade social da empresa. O ponto culminante foi a Guerra do Vietnã, quando a sociedade começou a contestar as políticas que estavam sendo adotadas pelo país e pelas empresas, principalmente aquelas que estavam diretamente envolvidas na fabricação de armamentos bélicos”.(BINDACO, Bruna Victório, 2013).

O princípio desde então é previsto no ordenamento legal e inserido na Constituição Federativa de 1988, presentes no artigo 5°, inciso XXIII que enfatiza: “a propriedade atenderá sua função social.” E no artigo 170 que destaca: “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforma os ditames da justiça social.”. Realçando nos incisos II e III do mesmo: a “propriedade privada”; “função social da propriedade”.

“A Constituição de 1988, dotada de eminente caráter social, reconheceu expressamente o Princípio da Função Social da Propriedade e implicitamente o Principio da Função Social dos Contratos, ficando consagrada a visão de que o capital, a propriedade e seus acessórios devem trabalhar para o bem da sociedade e não o contrario”. (LIMA, Patricia Mendes e COSTA, Fracine Laura, 2015).

A Carta Magna brasileira reconhece tal princípio como valor supremo, sendo um dos fundamentos primordiais da República Federativa. Como enfatiza Lima e Costa, a Constituição deu nova dimensão ao direito Civil, como na propriedade privada, que hoje ganha novos parâmetros, afirmados pela função social como fator não capaz não só de limitar o direito de propriedade, mas também de exigir uma nova compreensão conceitual da propriedade. (LIMA, COSTA, 2015).

A propriedade privada é ingressada como um direito fundamental do individuo e por isso passa a expressar um grau de importância maior do que os tomados pelo Código Civil. É por isso que a empresa, e por consequência suas extensões basilares ficam sujeitos a tais preceitos constitucionais.

Mas isso não impede que tal preceito não esteja presente no Código Civil brasileiro, por exemplo, em seus Artigos 421, que determina que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (BRASIL, 2011) e Artigo 1.228 § 1º, que rege que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas (BRASIL, 2011).

“Com essa nova compreensão constitucionalizada do Direito Civil, tem-se que todos os princípios dessa matéria estejam antenados para a legalidade Constitucional. É possível perceber que no Código Civil de 2002 há o predomínio do social sobre o individual, a exemplo dos institutos da função social do contrato, natureza social da posse, exigência de boa-fé aos negócios jurídicos, dentre outros”. (LIMA, Patricia Mendes e COSTA, Fracine Laura, 2015).

 O Brasil pleiteia ainda de forma internacional o principio da função social, isto pode ser observado com a concordância do país a Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão (1789) e o Pacto de São Jose da Costa Rica (1969), convenções essas que tem o propósito de consolidar a liberdade pessoal e justiça social como elementos basilares para a integração democrática.



 

5 DISCUSSÃO DO TEMA

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atividade empresarial passou por inúmeras transformações, tanto nas suas estruturas, quanto nos seus objetivos. Atualmente, a empresa não pode preocupa-se somente com os lucros que sua atividade gera. Seus fins, antes meramente servil e depois individualista na época mercantil, tornaram-se coletivos, voltados para a responsabilidade do bem-comum. Como conceitua Cleyton Rafael Martins: “pôde-se desvendar que a sociedade sempre passa de maneira gradativa por diversos estágios de redefinição de conceitos, princípios e paradigmas, principalmente, os que norteiam a atuação das empresas, com vistas a compromissá-las com o bem-estar social”.

A presença da Função Social da propriedade em nosso ordenamento jurídico se demonstra um ganho a nossa sociedade. Com esclarece Bruna Bindaco:“Inquestionável é a importância da Função Social da Empresa, reconhecida pela Carta Magna Brasileira, pelo Código Civil Brasileiro e também pelo Enunciado nº 53 do Conselho de Justiça Federal. Claro é, portanto, o valor de tal Princípio no ordenamento jurídico do país”. (BINDACO, 2013).

Mostra-se claro então que a Função Social tem como objetivo de promover a coletivização, na medida, em que a atividade empresarial se demonstra a se explora de forma individualista os meios de produção. Este princípio de forma alguma quer retirar o estimulo principal dos empresários, que o lucro, mas atrelar este fator com base em um aproveitamento econômico que vincule os interesses sociais.

De forma mais contundente como explicita Zanoti, que se depreende, finalmente, em sede de conclusão analógica, que em decorrência da redefinição dos paradigmas no desenvolvimento socioeconômico no encaminhamento da solução dos problemas sociais, o lucro contabilizado pela empresa somente é legitimado, se esta atender ao mandamento legal que se resume no cumprimento de sua função social, o que é próprio do exercício da boa cidadania empresarial, como condição mínima para se configurar o respeito à dignidade da pessoa humana. (ZANOTI, 2006)

Não se trata, pois, de um novo conceito empresarial, mas uma nova maneira de enfocar em questões que envolvem as relações individuais e sociais. Essa nova funcionalidade da empresa é desenvolvido por Patricia Lima e Francine Costa com uma peça de fundamental importância nesse conjunto social, pois a empresa detém notável força transformadora, a ponto de exercer acentuada influência na formação de ideias e no quadro de valores das pessoas, das instituições e da comunidade como um todo. (LIMA, COSTA, 2015).

Por fim é possível conceituar, portanto, que uma empresa atinge um elevado grau de maturidade organizacional quando demonstra resultados econômicos auspiciosos em seus balanços financeiros, e também dinamismo e eficácia em seus balanços sociais, revelado por ações concretas que comprovam que ela contribui para com o desenvolvimento sustentável do País, em plena harmonia com as concepções contemporâneas de compromisso com a valorização da dignidade da pessoa humana. (ZANOTI, 2006)

 

7 REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

BRASIL. Código Civil, Constituição Federal e Legislação. 17.ed. São Paulo: Rideel, 2011.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercia. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

FRANCA, Manoel Jorge da. Neoliberalismo. Disponivel em: < http//www.coladaweb.com/historia/neoliberalismo >. Acesso em: 18 de mar. 2016.

 

FILHO, Eduardo Tomascevicius. A função social da empresa. Revista dos Tribunais. São Paulo, n.92, abr. 2003.

 

BINDACO, Bruna Victório. A Função Social da empresa. Disponível em < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7816/A-funcao-social-da-empresa >. Acesso em: 26 de mai. 2016.

 

 

LIMA, Patrícia Mendes Gonçalves e COSTA, Francine Laura Pereira. Função Social da Empresa. Disponível em < http://patriciamglima.jusbrasil.com.br/artigos/192031161/funcao-social-da-empresa >. Acesso em: 26 de mai. 2016.

 

CARNEIRO, Paloma Torres. Função Social da Empresa. Disponível em: < http://patriciamglima.jusbrasil.com.br/artigos/192031161/funcao-social-da-empresa >. Acesso em: 26 de mai. 2016.

ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho. A função social da empresa como forma de valorização da dignidade da pessoa humana. Disponível em: < http://www.unimar.br/pos/trabalhos/arquivos/e8922b8638926d9e888105b1db9a3c3c. pdf. > . Acesso em 27 de mai. 2016.

 AMARAL, Cleyton Rafael Martins do. A Função Social da Empresa diante da Constitucionalização do Direto. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6915/A-funcao-social-da-empresa-diante-da-constitucionalizacao-do-Direito > . Acesso em 27 de mai. 2016.