Felipe Marto Soeiro

Fernando Augusto Louseiro

Viviane de Brito

RESUMO

O uso da propriedade se dá em prol do bem coletivo, tendo como pilar a provisão de um equilíbrio social. Fez-se então imprescindível legislar quanto à situação fática em que o descumprimento dessa função social, bem como outros fatores, respaldaria a aquisição (reconhecida juridicamente) de uma propriedade por outrem, chamado de usucapiente. É nessa conjectura que o presente trabalho visa analisar e enfrentar a problemática de sopesar a usucapião pro labore como prerrogativa para realização da função social e o cumprimento de uma destinação legítima à posse, tendo em vista requisitos, aplicações fáticas, impeditivas e demais subsídios para sua concessão.

1 INTRODUÇÃO

A propriedade é a “espinha dorsal” do direito civil moderno, no qual recai todas as condutas realizadas por sujeitos de direitos. A coisa é um direito perpétuo devido a se extinguir tão somente por força da lei ou por vontade do proprietário, é absoluto em relação ao exercício de um maior exercício de poderes sobre a coisa e exclusivo pela presunção de único proprietário ate que prove o contrario. (RIOS, JUNIOR, 2010, pg.73)

No estado de direito que se vive atualmente, preza-se pela destinação a função social da propriedade no âmbito urbano ou rural, a fim de dar a utilização adequada à aquela área determinada. O ser humano possui em sua natureza a necessidade de acumular bens, mesmo que não possua nenhuma utilização ou investimento futuro. Assim, a função social prevista constitucionalmente veio para minimizar os efeitos e dar a efetivação da propriedade.

O presente trabalho possui como labor abordar o tema e os subtemas necessários para o esclarecimento da utilização da propriedade sob a luz da função social, abordando aspectos históricos que ensejaram no desenvolvimento do “protecionismo” estatal. Posteriormente, abordar-se-á as possibilidade dentro do ordenamento jurídico para perda da propriedade, introduzindo o usucapião como uma de suas previsões e discorrendo sobre a problemática levantada.

O tema discorrido não possibilita o exaurimento do conteúdo, sendo insuficiente para a integral absorção temática. Os autores e referencias utilizados no decorrer do trabalho, servirão para aprofundamento posterior e criticas que poderão ser feitas diante o exposto.

2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS E BREVE HISTORICO SOBRE PROPRIEDADE

Atualmente propriedade é sinônimo de domínio, onde o direito recai diretamente sobre o objeto. O direito absoluto é a manifestação da vontade do proprietário com sua coisa, com ressalva de cumprimento obrigatório com a função social. Contudo, é necessário desenvolver uma analise retrospectiva da propriedade para compreender os reflexos no direito brasileiro atual e sua previsão constitucional. O direito a propriedade institucionalizado nasce na era romana com um sentido individualista, no qual cada cidadão teria direito a uma porção de terra. Ao longo do tempo tal conceito foi modificado, como Hahnemann Guimarães citado por Maria Helena Diniz resume:

1º) propriedade individual sobre os objetos necessários à existência de cada um; 2º) propriedade individual sobre os bens de uso particular, suscetíveis de serem trocados com outras pessoas; 3º) propriedade dos meios de trabalho e de produção; 4º) propriedade individual nos moldes capitalistas, ou seja, seu dono pode explorá-la de modo absoluto; (GUIMARÃES op. Cit. DINIZ, 2004, pag. 110)

A propriedade nasceu e se institucionalizou no Direito Romano, onde possuía como característica principal a individualização de determinada terra, sendo impossibilitado permutar ou vender a qualquer sujeito. Somente o cidadão romano tinha a possibilidade de adquirir e usufruir como sua propriedade no solo romano, “uma vez que a dominação nacionalizava a terra conquistada”. Ao longos dos anos, a mudança de cultura e economia da sociedade romana possibilitou a aquisição por estrangeiros, o ius commercii, surgindo novos usos e técnicas elaboradas pelos jurisconsultos. (PEREIRA, 2006)

A invasão dos bárbaros causou uma mudança axiológica da propriedade, onde houve a inversão da fruição de terras romanas. O uso se pautava estritamente na utilização de terras de nobres, com juramento de submissão e vassalagem, onde havia a necessidade de aliança para a sobrevivência. Houve, portanto, a centralização de terras nas mãos de poucos nobres, no qual exerciam o papel de soberano, onde suas vozes eram a lei.

A Revolução Francesa por sua vez trouxe como mudança a redemocratização da propriedade, extinguindo os direitos de sucessão e privilégios. O Código de Napoleão concentrou-se na propriedade imobiliária, exaltando-a como fonte de riqueza e símbolo de estabilidade. Defende-se aqui que a Revolução Francesa foi a “mola” propulsora para o aperfeiçoamento e criação de novos mecanismos imobiliários, devido aos princípios que a regiam. Havia a preocupação de acabar com a aristocracia de linhagem e dar inicio a aristocracia econômica, onde a economia e os interesses da sociedade pudessem se sobrepor aos interesses individuais e uso absoluto (stritu sensu) da propriedade.

O entendimento que se tem de propriedade atualmente é o poder e direito que o proprietário exerce sobre a coisa, ou seja, a submissão da coisa a vontade. É necessário frisar que propriedade não se confunde com posse, onde esta é um poder de fato (possessio) e aquela poder jurídico (dominium). (ROQUE, 1994)

A posse é a possibilidade de deter alguma coisa, dependendo diretamente da vontade do seu titular. Não decorre da Lei, implicado na existência de dois elementos para sua configuração: o animus e o corpus. Este é a detenção da coisa de forma material, na sua forma física; e aquela é a intenção subjetiva de possuir a coisa pra si, agindo como dono, ainda que não o seja. Sebastião José Roque explica com maestria:

A intenção de ter coisas, sema as possuir, constitui mera ambição; fato jurídico não é. Não e ainda posse a simples detenção de uma coisa, cuja propriedade é sabidamente de outrem. Não é possuidor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. (ROQUE, 1994, pag. 21)

O domínio é previsto legalmente e é considerado pleno, podendo o proprietário pode “gozar das coisas de modo pleno e exclusivo”. Entende-se como plena quando seus direitos se encontram reunidos sob único e exclusivo proprietário, podendo dispor da coisa de forma livre, sem nenhum tipo de impedimento ou condições. E essa se aplica a extensão da área geográfica do imóvel, se tratando de uma extensão física, abrangendo altura e profundidade. (ROQUE, 1994)                      

2.1 PREVISÃO NORMATIVA BRASILEIRA

No artigo 5º da Constituição Federal de 1988, no incisos XXII a XXX e tem como matéria o direito a propriedade em sentido amplo. Estabelece taxativamente que o direito a propriedade deverá atender ao fim de possuir função social, ou seja, há uma conformação e limitação necessária a ser cumprida. Assim, a propriedade não poderá ser mais considerada como um direito exclusivamente privado ou individual.

A garantia constitucional de propriedade enseja na proteção das relações privadas já efetivadas e as que ainda possam surgir. Tal instituto está sujeito a analise legislativa, no sentido de haver a necessidade de debruçamento sobre a matéria e construir um “complexo normativo que assegure a existência, a funcionalidade, a utilidade privada desse direito”. (MENDES, 2012, pag. 383)

A garantia constitucional da propriedade esta submetida a um intenso processo de relativação, sendo interpretada, fundamentalmente, de acordo com parâmetros fixados pela legislação ordinária. As disposições legais relativas ao conteúdo têm, portanto, inconfundível caráter constitutivo. Isso não significa, porém, que o legislador possa afastar os limites constitucionalmente estabelecidos. A definição desse conteúdo pelo legislador há de preservar o direito a propriedade enquanto garantia institucional.        (MENDES, 2012, pag. 383)

Existe previsão constitucional também no artigo 170, II e III, no qual a propriedade é arrolada juntamente com a sua função social entre os princípios gerais de ordem econômica. A propriedade não pode ser considerada tão somente com caráter individualista, devendo “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. (caput do art. 170)

Ademais, a Constituição Federal prevê a propriedade nos artigos 176, 177, 178, 182 a 186, 191 e 222. Está explicitado todos as diretrizes e princípios que regem tal instituto na Carta Magna, em um complexo de normas urbanística, administrativas, comerciais e civis. Rogério Moreira Orrutea explica:

Toda a composição do direito de propriedade em seu caráter substancial (material) terá as suas informações iniciais (básicas) no Direito Constitucional. E nem poderia ser diferente, visto que é neste ramo do Direito onde se encontrarão os elementos da sua complexa combinação envolvendo o regime jurídico fundamental e os princípios que lhe gravitam setorizada, menos abrangente, e limitado a uma espécie de principio e regime jurídico. (ORRUTEA, 1998, pág. 211)

É necessário lembrar que a Carta Magna preza pela segurança jurídica das relações já estabelecidas, bem como os direitos que ainda serão constituídos. A sociedade muda e uma leitura constitucional hermenêutica é necessária para a eficácia e coesão do ordenamento jurídico, ocorrendo constantes mutações e definições para garantir o supra sumo da função social. No direito civil, por exemplo, em seu artigo 1.228 do Código Civil de 2002 o direito de propriedade possui como conteúdo o direito de usar, gozar e dispor do bem; mas esse conteúdo legal deverá ser lido conforme a luz constitucional a fim de cumprir a função social. Ou seja, esse e outros dispositivos infraconstitucionais, deverão ser lidos parametrizados com a Constituição. (TAVARES, 2012)

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