A Função Social da Propriedade X Usucapião de Propriedade: As garantias do direito de propriedade, em face de sua função social e o direito do possuidor usucapiente Especial Urbano

Massell Barros

Tassyo de Azevedo

RESUMO: A propriedade tornou-se algo essencial para o ser humano. O homem, que um dia foi nômade, hoje tem como um dos maiores objetivos a obtenção da mesma. E o que na Idade Média se tratava de um direito absoluto, hoje possui como principal elemento a função social. Entretanto, em uma realidade onde a densidade demográfica é cada vez maior e a distribuição de renda é cada vez mais desigual, a ação de usucapião se torna mais frequente.

PALAVRAS-CHAVE: PROPRIEDADE; FUNÇÃO SOCIAL; USUCAPIÃO.

 

INTRODUÇÃO

O direito de propriedade esta inserido no artigo 5º da Constituição Federal como um direito fundamental do ser humano. Tal direito já possuiu diversas facetas ao longo dos anos e o que antes era visto como um poder absoluto, perpétuo e exclusivo do proprietário, hoje tem como uma de suas principais características o fato de ter que preservar o direito da coletividade, ou seja, a função social. Entretanto, com uma distribuição de renda cada vez mais desigual torna-se indispensável o conhecimento acerca da propriedade e de seus modos de aquisição, principal a ação de usucapião, que vem se tornando mais frequente na atual realidade. Diante disso, o presente trabalho irá estudar a origem e características da propriedade, bem como sua função social, para especificamente estudar os direitos e garantias constitucionais do proprietário frente ao direito do usucapiente especial urbano.

 

1 Uma Breve Noção Histórica da Evolução do Direito a Propriedade

De acordo com Caio Mario Pereira (2004), a propriedade possui origem no Direito Romano, onde apenas os cidadãos podiam ter direitos sobre a mesma. Só mais tarde que os estrangeiros também tiveram o ius commercii e o direito de propriedade se ampliou. Contudo, essa propriedade aos olhos do direito romano era visto como sinônimo de poder. O mesmo autor afirma que após as invasões dos bárbaros acarretou em uma grande insegurança jurídica que teve como consequência a origem da vassalagem e “na medida em que a rede de devotamentos, assistência, auxilio e aliança se estendia, crescia o conceito de poder político ligado à propriedade imobiliária” (Pereira, 2004, pag. 82).

Com a chegada do século XVI, com o advento do mercantilismo, do Renascimento e da Reforma Protestante os valores medievais foram decaindo e o estado nacional foi surgindo.

“A Revolução Francesa pretendeu democratizar a propriedade, aboliu privilégios, cancelou direitos perpétuos. Desprezando a coisa móvel (‘vilis mobilium possessio’), concentrou sua atenção na propriedade imobiliária, e o código por ela gerado – Code Napoléon – que serviria de modelo a todo um movimento codificador no século XIX, tamanho prestigio deu ao instituto, que com razão recebeu o apelido de ’código da propriedade‘, fazendo ressaltar acima de tudo o prestígio do imóvel, fonte de riqueza e símbolo de estabilidade. Daí ter-se originado em substituição à aristocracia de linhagem, uma concepção nova de aristocracia econômica, que penetrou no século XX” (Caio Mario Pereira, 2004, pag. 83).

 

 

Mais do que nunca a propriedade se confundia com poder. Além do mais, a propriedade era vista como um direito absoluto, perpétuo, onde o proprietário poderia fazer o que bem entendesse, pois era um direito exclusivo e ele poderia dispor dela plenamente. Nesse sentido, Sebastião José Roave, (2004), pag.53, diz que “a propriedade vem a ser o poder e o direito do proprietário sobre uma coisa. É direito sólido, amplo, exclusivo aponto de o Código Civil Francês chama-lo de absoluto. Outrora foi definido como direito de gozar, fruir e abusar de uma coisa”.

Logo após surgir a Revolução Industrial, o capitalismo era uma economia baseada na propriedade privada e nos meios de produção. Diante disso, é certo que o sentido de propriedade nos dias atuais é diferente de sua noção originaria, principalmente quando se trata do modo de uso a propriedade. Como já fora dito, a propriedade possuía um caráter absoluto, entretanto, com as várias mudanças e desequilíbrios o regime jurídico sofreu alterações. Diante disso, segundo Caio Pereira (2004), ocorre uma socialização do direito ou socialização da propriedade.

 

Na verdade, crescem os processos expropriatórios, sujeitando a coisa à utilidade pública e aproximando-a do interesse social. Condiciona-se o uso da propriedade predial a uma conciliação entre as faculdades do dono o interesse do maior número; reduz-se a liberdade de utilização e disposição de certos bens; sujeita-se a comercialidade de algumas utilidades a severa regulamentação; proíbe-se o comércio de determinadas substâncias no interesse da saúde pública; obriga-se o dono a destruir alguns bens em certas condições”. (Caio Pereira, 2004, pag. 85)

 

 

Com isso percebe-se que ao proprietário ainda cabe o direito de usar, dispor, usufruir de sua propriedade, entretanto deve-se principalmente atender aos interesses da coletividade.

 

2 O Direito da Propriedade e a Constituição Federal de 1988

A constituição Federal trás em seu bojo o direito a propriedade no referido art. 5°, inciso XXIII, como um direito fundamental. Além disso, no art. 170 insere a propriedade privada e sua função social como princípios para a ordem econômica. O código civil de 2002, pautado na Constituição Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 1.228 afirma que:

 

 

O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

  • O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
  • São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
  • O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.

 

 

Gilmar Mendes (2008) defende que o direito fundamental à propriedade não é restringido nem mesmo regulamentado pela Constituição, é apenas dotado de conteúdo. O direito a propriedade, bem como os demais direitos fundamentais são pautados em valores históricos e sociais e cabe aos legisladores acompanharem as constantes mudanças sociais e encontrar um equilíbrio entre a constituição e a realidade social, ou seja, “a garantia constitucional da propriedade está submetida a um intenso processo de relativização, sendo interpretada, fundamentalmente, de acordo com parâmetros fixados pela legislação ordinária.” (Mendes, 2008, pag. 439)

 

3 A Ação de Usucapião

A usucapião trata-se de um meio de aquisição da propriedade, que nas palavras de Caio Mario (2004, pag.138), “é a aquisição do dominus pela posse prolongada”. Nesse sentido José Carlos de Moraes Salles (1992 pag.26), afirma que usucapião é “a aquisição do domínio ou de um direito real sore coisa alheia mediante posse mansa e pacífica, com ânimo de dono, durante o tempo estabelecido em lei.”

Caio Pereira (2004), afirma que a ação de usucapião surgiu com a lei das XXII Tábuas e que a mesma possui como elementos essenciais a posse, o tempo, o animus de domini e em alguns casos o justo título e a boa-fé.

Em se tratando da posse, Caio Pereira (2004 pag. 140), o mineiro afirma que “o possuidor não pode possuir a coisa em intervalos, intermitentemente, nem tê-la maculadas de vários vícios ou defeitos (vi, clam out precario)”. Além do mais, não é necessário apenas o comportamento de dono, o proprietário também tem que se comportar como se dono não  fosse, ou seja, não pode haver contestação na posse.

Quanto ao tempo, deve-se observar na alei quando é preciso para cada tipo de usucapião, entretanto, “qualquer que seja a usucapião, é indispensável que a posse se estenda ininterruptamente por todo o tempo exigido na lei, e que o prazo se conte por dias e não por horas”. (Caio Pereira, 2004, pag. 141).

Caio Pereira (2004), também trás os bens que não podem ser objeto de usucapião tais como aqueles que estão fora de comércio como o ar atmosférico, também não podem ser objetos de usucapião os bens públicos.

Referências

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 4º volume: direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 2004.

MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

RANGEL, Nelson Luciano. A função social da propriedade e a ação de usucapião. Âmbito Jurídico, Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php? nlink=revistaartigosleitura&artigo_id=11226. Acesso em 23 de agosto de 2013.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito das coisas. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2007.

ROQUE, Sebastião José. Direito das coisas. São Paulo: Ícone, 2004.

SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.