Este texto trata sobre o exercício da propriedade e da posse, que segundo a legislação vigente deve atender às finalidades econômicas e financeiras do pais e garantir o bem-estar social da coletividade. A previsão legal desses pressupostos não basta, por si só, para impedir o esvaziamento da quantidade e qualidade dos recursos naturais contidos no meio ambiente. Cabe ao homem através da educação, tecer uma mudança de atitude, que se materialize pelo resgate do senso ancestral de proteção do meio ambiente. O texto fora construído através de pesquisa documental, compondo uma revisão do referencial teórico, mediante análise da legislação e doutrina específicas, compondo uma apreciação crítica-opinativa do assunto. Por fim, acredita-se que tal critica possa, de alguma forma, contribuir para uma reflexão acerca das condições em que o papel social da propriedade e da posse é exercido e, a busca de soluções, que impeçam a degradação do meio ambiente, como herança maior às gerações futuras, sem ferir aos reclamos da justiça social.

A PROPRIEDADE EM BREVE HISTÓRICO

O desenho da Propriedade que é um reflexo do direito à liberdade e representa um dos direitos fundamentais da pessoa humana vem, historicamente, se modificando ao longo do tempo, desde o entendimento jurídico do Direito Romano, do Direito Medieval e do Direito Moderno até merecer a atenção, ainda que um pouco conservadora, no Código Civil francês de 1804 e na Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão, sendo caracterizado, na contemporaneidade como um novo sistema, voltado para a realização da Justiça Social.
É cediço o entendimento discordante entre grandes pensadores como Locke, que afirma ser a propriedade um direito natural, independente do surgimento do Estado, ao qual me filio e, entre outros, como Hobbes e Rousseau que defendem o nascimento do direito de propriedade como conseqüência da constituição do estado civil.
Segundo Cretella Junior (1973, p.153), o direito de propriedade [...] sofreu inúmeras transformações no longo período em que vigorou o Direito Romano, a partir da antiga concepção, poder ilimitado e soberano, profundamente individualista, até a concepção justianéia, arejada por um novo e altruísta sentido social [...].
O feudalismo, sucede o período romano, passando a conceber a propriedade como uma forma não exclusiva e pela sobreposição de direitos: de um lado, o senhor e de outro, o rendeiro. O feudalismo não alterou apenas o uso da terra, mas permeou toda a organização social e política da época, conforme observa Guedes (2003, p.345) quando afirma que o direito de propriedade imobiliário evoluiu para uma complexa pirâmide de direitos, superpondo-se os poderes do senhor feudal aos direitos dos servos.
O direito moderno tem seu marco histórico ideológico na Revolução Francesa de 1789, que traz modificações no contexto social, político e jurídico, marcado pela concepção individualista, produto da exaltação das liberdades individuais e da mínimam intervenção do Estado na organização social.
Com a extinção do regime feudal dois traços do regime de propriedade pós-Revolução são marcantes: a extinção do regime feudal e dos encargos sobre a terra e a exaltação da concepção individualista da propriedade.
Segundo Cavedan (2003, p.26) na contemporaneidade o Estado se volta para a proteção dos direitos sociais como resultado da influência da constituição de Weimar, impregnando grande parte das constituições dos Estados contemporâneos, que incorporaram a noção de Propriedade vinculada a uma Função social. Dentre os países que explicitaram em seus textos constitucionais a Função Social da Propriedade cita-se, a título de exemplo, Brasil, Itália, Espanha, Bolívia, Venezuela, Honduras, Paraguai, El Salvador e, Panamá

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E O MEIO AMBIENTE

Muito antes de a atual Carta Magna brasileira vir à luz, a previsão da função social da propriedade já estava contemplada na Constituição de 1967 (art. 157, III, e posteriormente art. 160, III, na Emenda de 1969. O Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), editado há mais de trinta anos, esposava em seu parágrafo primeiro que: "a propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente, assegura a conservação dos recursos naturais."
O Código Florestal (Lei nº 4.771/65), também, contém a previsão de interferência no direito de propriedade por motivos ambientais, mediante a instituição de espaços a serem protegidos em maior ou menor grau, tendo por fim a preservação do meio ambiente.
A posse, entretanto, sendo compreendida como a exteriorização da propriedade, o que, também comprova a sua função social, não se confunde com a propriedade. Pode-se ter a posse sem, necessariamente ser proprietário do bem, entendendo que ser proprietário é ter o domínio do bem. A posse significa apenas ter a disposição da coisa, utilizando-se dela e tirando-lhe os frutos, com fins socioeconômicos.
Por outro lado, o Código Civil de 1916, nenhuma previsão faz à preservação do meio ambiente e à promoção do bem-estar-social no que concerne ao exercício da posse. Nesse ponto, o atual Código Civil operou um grande avanço quando trata da posse em seus art.s 1.196 e 1.228, nos remetendo a concluir que todo proprietário é possuidor, mas nem todo possuidor é proprietário.
Assim, também, de acordo com o art. 1.196 do Código Civil vigente, a função social da posse pode ser entendida como sendo o domínio fático que a pessoa exerce sobre a coisa, relacionada com os atributos da propriedade, quais sejam: gozar, reaver, usar e dispor.
Dessa forma, respaldada pela legislação, temos que a posse tem que atender à mesma função social da propriedade, associada, ainda, ao trabalho produtivo ou de subsistência, devendo o posseiro salvaguardar o meio ambiente, tanto quanto aquele que detém o título de propriedade.
Diante o exposto notamos que os instrumentos para a efetiva proteção ambiental vinculada à noção de direito de propriedade que cumpre uma função social, ainda que no silencio do Código Civil de 1916, já existiam antes da Constituição de 1988.
Na Carta Magna, encontramos o princípio da função social da propriedade em diversas passagens, com o objetivo de garantir a sua efetiva materialização como nos arts. 5, XXIII, III, 186 e 182, § 2º e 170.
No artigo 170, a função social da propriedade privada vem fundamentar a ordem econômica na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, buscando assegurar a todos uma existência digna, elevando a terra como fonte de riquezas, por excelência, para a produção de bens, além de se constituir no palco principal das relações entre os homens e o meio ambiente. Instando-se, à observação do bem-estar dos proprietários, dos trabalhadores e a proteção ao meio ambiente.
É cediço que as necessidades dos homens são infinitas, enquanto que a capacidade da natureza em satisfazê-las é limitada, exigindo, na sua exploração, o bom senso, sem, contudo, lhe conferir o escopo de santuário.
Outrossim, quanto mais caminhou a civilização na sua evolução, mais o homem se afastou do zelo ao meio ambiente, haja vista, que até pouco tempo atrás havia o encorajamento, pelas próprias legislações, ao desenvolvimento a qualquer custo.
Podemos verificar que o homem não se insurge, lançando mão da via jurisdicional contra a violação da propriedade comum a todos, a natureza. Não vemos, por exemplo, o homem agir de forma violenta contra as chuvas ácidas que cobrem as florestas, que é um bem de todos, mas, age exacerbadamente, contra o dono do cachorro que suje o caro gramado que cobre o seu jardim.
O ponto nevrálgico da questão está exatamente na propriedade privada. Se por ventura o dono do cachorro possuísse uma fábrica que despejasse seus resíduos tóxicos em algum rio, certamente, não haveria reação.
Entende a população que o bem público, aquele que a todos pertence, não é de ninguém, podendo por todos ser usado, de todas as formas, incluindo a degradação, sem compreender que, aquilo que a ninguém pertence, em verdade, pertence muito mais a todos, que aquele que tem a sua propriedade particularizada.
A história nos mostra que, de certa forma, o homem retrocedeu, com seu individualismo exagerado, fazendo com que prosperasse o conflito entre os interesses privado e público.
Num tempo não muito remoto, povos ancestrais, como os indígenas, considerados pela maioria, como primitivos, exerceram a função social da propriedade, com superior compreensão. O nomadismo que os caracterizava tinha como propósito, não o desprezo pela propriedade, mas a preservação do solo e dos mananciais.
Tais povos só mantinham como privados os bens materiais, estritamente necessários a sua sobrevivência e de sua tribo. O bem imóvel, a oca, não era individualizado e o meio ambiente pertencia a todos, havendo a preocupação com as gerações futuras, aí, sim, um verdadeiro exercício da função social da propriedade, justificando com isso o seu modelo social.
Com o passar dos tempos o homem fora lapidando a sua individualidade e se afastando da ênfase coletiva, tendo hoje como estandarte supremo a propriedade privada.
Deve-se ressaltar que o papel da função social da propriedade privada é fazer submeter o interesse individual ao interesse coletivo (bem-estar geral). O verdadeiro significado da função social da propriedade não é de diminuição do direito de propriedade, mas de poder-dever do proprietário, devendo este dar à propriedade destino determinado.
Com efeito, não obstante todo regramento, com pesadas sanções contra o descumprimento do princípio da função social da propriedade, existente hoje em nossa legislação, no que tange à questão do direito ambiental, emerge o art. 225, da Constituição, com seus parágrafos e incisos, definindo os princípios de política pública no trato do manejo ambiental e a recuperação de parte do nosso laudável sentido ancestral de preocupação com as gerações futuras.
Assim, ao longo do nosso caminhar, passamos por um período, de extrema lucidez, quanto à função social da propriedade, pelos nossos ancestrais, até o exercício de forma absoluta do direito de propriedade, que teve origens no Estado Liberal clássico e a consagração legislativa no Código Civil francês de 1804 ? até uma caracterização mais restrita desse direito, em que apenas as propriedades individuais sobre os bens de consumo eram permitidas, originadas nas constituições socialistas.
Entende-se, que o caráter absoluto da propriedade não mais pode ser considerado, frente às novas concepções do Direito Civil, quando em seu art. 1228 § 1º leciona que:

o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.


Entendo que as modernas técnicas e equipamentos hoje disponíveis permitem que o uso da propriedade possa ser exercido sem que contribua para a degradação do meio ambiente além dos limites necessários ao funcionamento de determinada atividade ou empreendimento, promovendo a integração da função social e a sustentabilidade no desenvolvimento econômico e financeiro do pais.
Ao observarmos as disposições do texto da nossa lei maior, podemos constatar que o valor da propriedade como bem jurídico estará menosprezado, conquanto o conceito de função social for alargado, como, de fato, o vem sendo.
Dessa maneira, ainda que a manutenção da ordem social enseje a segurança jurídica via o regramento tutelar e punitivo com relação a propriedade e o exercício da sua função social, tal previsão legal não basta, por si só, para impedir o esvaziamento da quantidade e qualidade dos recursos naturais que compõem a herança dos nossos sucessores.
O homem da contemporaneidade tem de provocar, através da educação, uma grande mudança de atitude, que se materialize pelo resgate do senso ancestral de proteção do meio ambiente que, em última análise, é o depositário da vida no planeta, assim como, direcionar esforços para a criação de condições e busca de soluções, para que a propriedade, mesmo privada, cumpra a sua função social, sendo economicamente útil e produtiva, atendendo ao desenvolvimento econômico e os reclamos de justiça social, impedindo que suas atitudes vão de encontro ao patrimônio comum e maior da humanidade, posto que, o que é de todos a todos pertence e a todos cabe a sua perpetuação, sob pena de condenar à extinção a espécie humana.

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