por WERNER SCHROR LEBER

CONSIDERAÇÕES SOBRE A VISÃO DE THOMAS KUHN A RESPEITO DA FUNÇÃO DO DOGMA NA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

Considerações elementares

Kuhn tem um objetivo central com seu texto: apontar que o preconceito, concepções prévias de mundo, faz e sempre fez parte da investigação científica. A isso ele se refere com a expressão “as fortes convicções” (KUHN, 2012, p. 24). “Fortes convicções”, se bem entendi, não tem necessariamente uma conotação positiva, mas uma conotação generalizante de como cientistas e não cientistas descrevem a ciência ou como acreditam ela seja. O que significa que a ciência, a exemplos de outros saberes e discursos, não escapa do dogmatismo, embora a grande maioria de cientistas nem se aperceba disso ou mesmo nem tenha como supor tal hipótese, ou ainda, a ache completamente irrelevante. O que leva Kuhn a dizer que o ideal da ciência expressa pelo “[...] ser científico é, entre outras coisas, ser objetivo e ter espírito aberto [...] ” (op., cit., p. 23) ser uma balela, ainda que muitos cientistas (certamente a grande maioria) pensem que assim seja. No entanto, ainda assim, Kuhn também vê o dogmatismo não apenas como um problema não analisado pelos cientistas, mas uma espécie de porta aberta para a progressão do conhecimento científico - (conforme final da página 24). As convicções dogmáticas surgem sempre como condições para o sucesso das ciências. A ciência surge, conforme o autor dá entender, daquilo que a educação científica semeia – “uma adesão profunda a uma maneira particular de ver o mundo e praticar ciência” (ibidem., p. 25). Os cientistas jogam um jogo ao qual aderem dogmaticamente. Uma adesão dogmática a uma visão de mundo pode ser um problema, porém é também das discrepâncias, os fatos inesperados, desse jogo que surgem respostas interessantes. Quando há fracasso no jogo, surgem também respostas ou problemas. Kuhn conclui daí que a ciência é uma “atividade humana mais consistentemente revolucionária” (ibid., p. 25).

Manuais e originais

Kuhn explica que obras originais jogam um papel limitado na educação científica (ver página 26). Os estudantes são defrontados com problemas vindos de manuais e não de textos originais. Os jovens físicos raramente são defrontados com os textos originais de Newton ou de Ptolomeu. O dogma faz crer que os colegas antecessores já resumiram em manuais as principais leis e regras. Portanto basta seguir com os princípios expressos nos manuais, visto que eles são a voz reta, o dogma mantido intacto. O dogma leva a supor também o quê (conteúdo; currículo) cada estudante deve saber sobre a matéria (ver página 27), o que não ocorre nas ciências sociais. Os cientistas acreditam que há um determinado número de coisas comum em um problema. Então, mesmo que os autores escrevam de modo diferente sobre uma questão da ciência, o número de regras e variáveis daquele problema já se conhece, assim acreditam. Por isso um manual basta. Não é preciso voltar a Newton ou Einstein e ler as teorias outra vez. Os manuais visam a produzir quadros mentais nos cientistas. Ele utiliza aqui o termo alemão “Einstellungen” (p. 28) – que pode ser traduzido por “instalação”. Quando não havia ainda um dogma (uma adesão dogmática a um problema) havia o paradigma de aceitos como modelos, como parâmetro (paradigma) da prática científica. Problemas trazidos por Aristóteles, Newton, Ptolomeu e outros eram aceitos implicitamente para definir os problemas de pesquisa científica. Os cientistas criam, assim, que estavam resolvendo problemas que esses autores haviam enumerado ou problematizado (ver página 28). Os cientistas têm facilidade em esquecer problemas opostos e teorias incompatíveis. Mesmo que há enorme diferença entre Copérnico e Ptolomeu, por exemplo, isso não impede de formular um conjunto de regras que tornam-se problemas a serem resolvidos na pesquisa científica (ver página 29). Diferentemente das ciências humanas, a ciência natural (Kuhn não emprega esse termo) simplesmente empurra para debaixo do tapete o que é conflitivo e atêm-se ao que de novo foi trazido para o campo da ciência. Os cientistas só se interessam pelas obras atualizadas. Esse paradigma leva a outra visão dogmática: “ao aceitar um paradigma, a comunidade científica adere como um todo, conscientemente ou não, à atitude de considerar que todos os problemas resolvidos, o foram de fato, de uma vez para sempre” (KUHN, 2012, p. 29). Se eu estiver certo, Kuhn está nos dizendo que a ciência acredita que o saber desenvolve-se em linha reta e contínua. Por isso o que Newton, Darwin ou Einstein já resolveram não precisa mais ser estudado - é um paradigma (ver página 30). Mas meus alunos atentem bem às páginas 30 e 31. Ali Kuhn esclarece que o paradigma é algo a que se chega somente nas ciências amadurecidas. Inicialmente trabalha-se sem referenciais claros (o que ele denomina pré-paradigmáticos). Na fase pré-paradigmática a ciência está mais próxima da arte e das ciências sociais do que a astronomia, que, por ser antiga, tem elementos têm comuns a todas as ciências (ver página 31). Prezados estudantes! Estudem bem como Kuhn esclarece o pré e pós-paradigmático a partir da explicação que começa na página 31 e termina na página 36 sobre o efeito elétrico. Kuhn, em linhas gerais, descreve o caminho que cientistas percorreram para que Franklin pudesse estatuir o dogma sobre a eletricidade - os efeitos elétricos – (veja primeira conclusão no início da página 35). Veja como o paradigma instituído, permite que a comunidade científica possa trabalhar com essas regras na solução de problemas (ver página 36). Leiam bem as páginas 38, lá quando ele diz “essas observações devem já começar a esclarecer o que considero ser um paradigma” Afinal, ele escreveu todas aquelas coisas anteriores só para dizer o que ele entende por paradigma. A conclusão da página 39 é bem interessante. Ali Kuhn tenta mostrar como que o resultado de um paradigma faz com que os grupos de cientistas de unam e não rivalizem, mesmo que pensem de modo diferente. Ainda assim atentem para o fato de Kuhn dizer agora (p. 39) que os paradigmas não são permanentes. E mesmo sendo opostos, como o de Ptolomeu e de Copérnico, por exemplo, eles não deixam se ser paradigmas para estudantes e cientistas (p. 39). Paradigmas são, assim, substituídos por outros em nada compatíveis. Kuhn diz agora que a noção “verdade” ou “validade” não se aplica aos paradigmas para entender sua eficácia. Assim escreve ele: “O avançar de paradigma em paradigma, em vez do perpetuar uma concorrência entre clássicos reconhecidos, deve ser uma característica funcional e um fato inerente ao desenvolvimento científico maduro” (KUHN, 2012, p. 40). Leiam as páginas 41 e 45 com cuidado. Sabem por quê? É nesse trecho que Kuhn explica o motivo de cientistas aderirem aos paradigmas e que informações eles fornecem para que os cientistas possam continuar suas pesquisas e proclamar seus resultados. Mais uma vez, se eu estiver correto, Kuhn aponta que os paradigmas servem como linha mestra em um universo de conflitos e divergências. Por se crer que algo tido como solucionado está solucionado para sempre, é que há também condições de trabalhar a partir de um ponto comum, que é justamente o paradigma.

As vantagens do modelo de base paradigmático

Páginas 47 e seguintes. Vejo a página 47 como o início de uma segunda parte dentro do texto de Kuhn. Pois ali ele afirma “o resumo que fiz”, dando a impressão que agora tratará de outro assunto ou de outro aspecto. Já na página 48 ele deixa claro que sim. Explica que agora quer tratar do que ele denomina “investigação normal de base paradigmática”. Socorro, o que será isso? Ciência normal, portanto, seria como resolver uma quebra-cabeça. Já se sabe que resultado pode ser alcançado. Basta treinar, descobrir como se chega a ele. Assim sendo, o exemplo do Cubo Chinês (final da página 48) deixa claro que a ciência normal já conhece os resultados, mas quer desenvolver os meios para alcançá-los. A preparação prévia fornece as regras (p. 49), descreve as peças e indica o que deve ser atingido com o jogo. Aderir a um paradigma é fundamental, crê Kuhn. Mas agora vem uma constatação muito interessante. Kuhn afirma que os cientistas resistem a mudanças de paradigmas (tornam-se dogmáticos) porque estão defendendo “a base se seu modo de vida profissional” (op. cit, p. 50). Desvendar segredos de quebra-cabeça traz reputação e reconhecimento no meio acadêmico. Porém, algo ocorre quando a ciência normal falha (veja a página 51). Quando algo sai do previsto, surgem avanços que o jogo tradicional (paradigma) não havia previsto. Eis o avanço!!! Veja o que diz T. Kuhn a esse respeito: “O que segue é que, se atividade normal de solucionar quebra-cabeças tivesse sempre êxito, o desenvolvimento da ciência não poderia conduzir a qualquer tipo de inovação fundamental” (id, ibid., p. 51). Essa seria a Primeira Vantagem do modelo paradigmático.  

Segunda vantagem do modelo de base paradigmática.

Nem sempre a ciência sai exitosa, e, ao reconhecer esse fato, surge a segunda grande vantagem desse modelo: “reconhecimento e isolamento de uma anomalia” (ibid., p. 53). Kuhn acredita que o reconhecimento de uma anomalia (algo que saiu dos eixos na ciência normal) é fundamental para que a ciência avance. A anomalia, ainda que invalide certos pressupostos, faz parte da ciência pois foi descoberto pelo arsenal técnico do cientista e não por um acaso qualquer (ver página 54). Agora Kuhn quer explicar o que ele denomina anomalia essencial ou fracasso acidental. Vamos ver se entendi. Anomalia essencial seria quando se reconhece um problema fora de controle de um caso estudado e, no afã de entendê-lo, descobre outra coisa que está associada àquela anomalia. Ele dá o exemplo da descoberta de Netuno, que surgiu depois de se tentar solucionar anomalias na órbita de Netuno (conforme p. 55). As novas teorias são dependentes do reconhecimento da existência das anomalias. Teorias são explicações para observações já ordenadas. E quando não se consegue mais resolver uma questão científica? Quando, depois de estabelecidas as regras e o ordenamento do jogo, descobre anomalias, discrepâncias, fenômenos não previstos? Esse é o momento em que surge a Crise (veja explicação na página 57). Aqui surge um problema novo: a ciência paradigmática perde seu caráter de dogma aceito e passa-se a apresentar numerosas versões da teoria paradigmática. Em seu desfecho, o autor está convicto de “[...] que a vitalidade da ciência depende da continuidade nas inovações que abalem as tradições” (op. cit., p. 58-59).

REFERÊNCIA

KUHN, Thomas. A função do dogma na investigação científica. Organização do texto de Eduardo Salles Barra. Tradução de Jorge Dias de Deus. Curitiba: UFPR; SCHLA, 2012 (Traduzindo: Textos filosóficos na sala de aula).