A FRAGMENTAÇÃO NO CONTO “KEW GARDENS” DE VIRGÍNIA WOOLF

   O conto “Kew gardens” escrito pela britânica Virgínia Woolf, nos remete a uma complexidade muito elevada de interpretação. Woof destacou-se por ser o “ícone” da literatura feminina. Sua intenção, enquanto feminista, é mostrar a possibilidade das mulheres em se tornarem escritoras, apesar de um “universo” (Inglaterra) completamente machista. Virgínia argumenta que as línguas ocidentais foram usadas por um grupo dominante (homens). Dessa forma, a língua inglesa teria se tornado domínio dos homens. E por esse motivo, a literatura masculina gira em torno de grandes acontecimentos como batalha, política, etc. Então, Virgínia Woolf passa a ser um referencial pelo fato de mostrar em suas obras, e aqui destacarei Kew gardens, que não são os grandes momentos os importantes, mas os pequenos.

   Como Virgínia Woolf era modernista, nós temos um mundo fragmentado onde contrasta totalmente com os contos anteriores, que por sua vez, eram tradicionais. Rosenfeld diz:

O primeiro grande romancista que rompe a tradição do século XIX, conquanto ainda de modo moderado, é Marcel Proust: para o narrador do seu grande romance o mundo já não é um dado objetivo e sim vivência subjetiva; o romance se passa no íntimo do narrador, as perspectivas se borram, as pessoas se fragmentam,(grifo meu) visto que a cronologia se confunde no tempo vivido; (...) (ROSENFELD, 1973, p. 92)

      Em Kew Gardens não só as pessoas se fragmentam, bem como os animais e diversos acontecimentos que vão ocorrendo de forma aleatória e aparentemente desconexa. Portanto, entendemos a afirmação de Nietzsche ao dizer que os escritores modernos eram “filhos de uma época fragmentada, pluralista, doente e estranha.” (BRADBURY, 1989, p. 22). Dai, constatamos que o intuito de uma obra modernista não é explicar nada, pois devido a tantas transformações ocorridas no mundo, não há mais quem possa explicá-lo. Como diz a seguinte citação extraída do E-dicionário de termos literários: “(...) escritores escrevem sem nada terem que dizer, ou pouco lhes interessando dizerem seja o que for; já as obras desistem de propriamente serem obras, para se vangloriarem de experiências (...)” Então, o importante não é o enredo, mas a consciência dos personagens.

     Pound nos fala mais sobre esse mundo fragmentado, pois para ele, “a obra modernista era uma tentativa de garimpar a tradição literária e encontrar, em meio as suas ruínas fragmentos utilizáveis.” (BRADBURY, p.23). Nesse sentido não é porque os acontecimentos são fragmentados que deixam de ser importantes, pelo contrário, são esses recortes que revelam o importante na narrativa. Portanto, Segundo Scaramuzza “Woolf explora uma narrativa fragmentada, destacando-se como uma das precursoras do recurso do fluxo de consciência.” (SCARAMUZZA, 2009, p. 1). Woolf usa uma narrativa absolutamente subjetiva, uma vez que mergulha profundamente na cabeça dos personagens. E como exemplo, temos o caracol, que de certa forma, pode ser considerado como um personagem, pois sempre reaparece na narrativa. O conto nos mostra que o caracol tem um objetivo a ser alcançado, como na seguinte citação:

(...) It appeared to have a definite goal in front of it, differing in this respect from the singular high stepping angular green insect who attempted to cross in front of it, and waited for a second with its antennae trembling as if in deliberation, and then stepped off as rapidly and strangely in the opposite direction. (WOOLF, 1974, p. 203)

   Nessa citação, a narradora entra na cabeça do personagem (aqui o caracol) e então, o leitor consegue compreender nitidamente os pensamentos e desejos desse ser. Mas o fato interessante e a qual me adentrarei é na narrativa fragmentada nesse conto. Pois em Kew Gardens é bastante notável esses retalhos. A narradora começa com a descrição do jardim, e começa a revelar alguns momentos. Como uma das principais características do modernismo, ela faz uso da focalização, nos quis são focalizados somente alguns elementos. Nesse conto temos a chamada focalização múltipla, ou seja, interna e externa.

     Primeiramente a narrativa começa com uma família que está passeando pelo jardim, e começam com diálogos que aparentemente são insignificantes. Enquanto que para Simon uma libélula que voava no passado era importante, para Eleanor foi um beijo recebido na nuca, há vinte anos por uma senhora já idosa. Em seguida, temos a participação do caracol, como foi descrita anteriormente. O caracol desaparece por um momento, e vemos agora um casal constituído por um ancião e um jovem com um discurso um tanto incompreensível. O velho fala de acontecimentos aleatórios e que parecem não ser entendidos pelo jovem. Posteriormente a esse momento, temos a conversa de duas mulheres de classe média baixa:

(...) they went on energetically piecing together their very complicated dialogue:

‘Nell, Bert, Lot, Cess, Phil, Pa, he says, I says, she says, I says, I says.’

‘My Pert, Sis, Bill, Grandad, the old man, sugar,

Sugar, flour, kippers, greens,

Sugar, sugar, sugar (…)’ (Virgínia Woolf, p. 204-205)

      O diálogo nos mostra uma fragmentação de conversas, uma repetição de palavras. Aqui temos o esvaziamento de sentidos. A construção de sentido nesse diálogo são os pequenos detalhes cotidianos que podem transformar as vidas das mulheres. No entanto, o relato do jardim continua a se fragmentar, pois o caracol retorna a ter vez na estória e agora o vemos alcançar de fato o seu alvo. O último par de casal é descrito e mais perceptivelmente temos uma conversa confusa. Os personagens são dois jovens:

‘Lucky it isn’t Friday,’ he observed.

‘Why? D’you believe in luck?’

‘They make you pay sixpence on Friday,’

‘What’s sixpence anyway Isn’t it worth sixpence?’

‘What’s “it” – what do you mean by “it”?

‘O, anything – I mean – you know what I mean.’ (WOOLF, p. 205)

      Mais uma vez percebemos algo desconexo, uma vez que os dois jovens não se entendem. O mundo é fraturado onde se resume a fragmentos que não constituem sentido. Eles não resolvem nada a não ser “tomar o chá”, que por sua vez, temos a volta ao cotidiano. E o cotidiano é caracterizado como um sono pesado (alienação) e depois a volta desse sono. Por fim, podemos observar a seguinte citação:

(...) Thus one couple after another with much the same irregular and aimless movement passed the flower-bed and were enveloped in layer after layer of green blue vapour, in which at first their bodies had substance and dash of colour, but later both substance and colour dissolved in the green-blue atmosphere.(…) (WOOLF,p. 206-207)

     Esse conto é nos surpreende com personagens no meio da ação. Pois há recortes de ações incompletas e não sabemos de onde vêm ou para onde vão. Portanto, a narração fica fragmentada porque não tem início, meio e fim. Como nos diz mais uma vez Bradbury:

     Fragmentações, rupturas e momentos decisivos foram sempre partes integrantes do projeto modernista, mas não há um momento único que deixe perfeitamente claro por que motivo a profunda mudança de espírito ocorreu nas artes, nem por que nós (ou os artistas modernistas) consideramos a era moderna tão diferente das anteriores. (BRADBURY, p. 36)

      O que percebemos em Kew Gardens é que o mundo moderno é o mundo do vazio, onde tudo o que é significante, logo desaparece. Pois a realidade se constitui como uma alienação. Pelo fato da era moderna romper com o tradicional é que faz dela ser diferente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 BRADBURY, Malcolm. Introdução: tornar novo. In: O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad.: Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.19-37.

 E-DICIONÁRIO TERMOS LITERÁRIOS: Modernismo. Disponível em: http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=1547&Itemid=2 Acesso em: 14/mai/2013.

 MANGUEIRA & FERREIRA: O desenredo de Virgínia Woolf: uma análise do conto “Kew Gardens”. Disponível em: <http://www.unigran.br/revistas/interletras/ed_anteriores/n11/arquivos/artigos/25.pdf> Acesso em: 13/mai/2013.

 PASSOS, Cleusa Rios P. Breves considerações sobre o conto moderno. In: Bosi, Viviane, et alii (orgs.). Ficções: Leitores e Leituras. Cotia – SP: Ateliê Editorial ( Estudos Literários, 10), 2001, p.67-90.

 ROSENFELD, Anatol. Reflexões sobre o romance moderno. In: Texto / Contexto. São Paulo, Brasília: Perspectiva, INL, 1973, (Debates, 7), p.75-97.

 In: WOOLF, Virginia. Kew Gardens. O status intelectual da mulher. Um toque feminino na ficção. Profissões para mulheres. Tradução de Patrícia de Freitas Camargo e José Arlindo F. de Castro. São Paulo: Paz e Terra, 1997 (Col. Leitura).