Este trabalho tem como objetivo estudar a formação do método linguístico, apreendendo as principais ideias e descobertas dos estudos comparatistas no século XIX. Uma vez que as investigações, as várias hipóteses sobre a formação, evolução e funcionamento da linguagem criaram bases para as pesquisas linguísticas atuais. Nessa perspectiva, considera-se importante conhecer a evolução da teoria linguística mediante as ideias filosóficas correntes no seu tempo, já que influenciaram fortemente na constituição do método.

A FORMAÇÃO DO MÉTODO LINGUÍSTICO

Os estudos comparatistas surgem no século XIX com o desenvolvimento do método histórico que foi um importante instrumento para florescimento das gramáticas comparadas e da linguística histórica. Os princípios metodológicos elaborados nesses estudos preconizavam a análise dos fatos observados de modo que se evidenciavam no estudo comparado das línguas o fato de que elas se transformam com o tempo, independente da vontade dos homens.

Todavia, na constituição desse método o ponto de partida deve-se a descoberta do sânscrito.

O sânscrito, como se sabe, é decorrente dos estudos linguísticos de Panini, gramático hindu, que por sua vez, formulou regras gerais do sânscrito, no século IV a.C. Mas somente nos fins do século XVIII foi descoberto o sânscrito pelos linguistas ocidentais e, então, puderam estabelecer uma gramática comparada tendo em vista uma teoria geral sobre a protolíngua, convencionalmente, chamado de indo-europeu.

As semelhanças encontradas entre as línguas indicavam para os estudiosos um grau de parentesco. Assim, a ideia de parentesco linguístico racionalizou os estudos comparatistas, diante da busca pela a origem da linguagem preconizando a existência de uma língua matriz, uma protolíngua. Essa noção lançou bases para um estudo científico das famílias de línguas.

Para tanto, o trabalho de Franz Bopp, o fundador da linguística comparada, desencadeou novas perspectivas linguísticas a partir de seu livro sobre o sistema de conjugação do sânscrito. Procurando estudar a língua por si mesmo, Bopp começou a comparar diversas línguas tradicionais, a fim de descobrir seus pontos de intersecção e suas estruturas mais remotas que clareassem a origem dos falares. Ao estudar as relações que unem o sânscrito ao germânico, ao grego, ao latim etc. chegou à conclusão que todas essas línguas pertenciam a uma única família.

Desse modo, comprovou a solidariedade do sistema indo-europeu, em que o sânscrito entre as línguas comparadas, é visto como a que mais se faz presente no conjunto geral.

Para Saussure (2002, p.8)

"Bopp não tem, pois, o mérito da descoberta de que o sânscrito é parente de certos idiomas da Europa e da Ásia, mas foi ele quem compreendeu que relações entre línguas afins podiam torna-se matéria duma ciência autônoma. Esclarecer uma língua por meio de outra, explicar as formas pelas formas de outras, eis o que não fora ainda feito".

No entanto, a gramática de Bopp quase não apresenta os estudos fonéticos. A sua preocupação estava em torno de flexões, raízes e etimologias comparativas.

É preciso ressaltar que Bopp não foi o primeiro a assinalar as afinidades das línguas e admitir que pertenciam a uma única família. O inglês W.Jones tinha feito isso antes.

Os textos, por sua vez, eram os principais documentos dos estágios históricos da língua, visto que se tornaram preciosa fonte para o conhecimento da evolução das línguas.

Jacob Grimm, contemporâneo de Bopp, avançou um pouco mais no estabelecimento do estudo histórico da linguagem, atendo-se as línguas germânicas da família descoberta por Bopp. Além disso, com as pesquisas sobre a história fonética dos falares germânicos desenvolveu o primeiro modelo das leis fonéticas em que se apóia a lingüística histórica.

Outro importante precursor dos estudos comparatistas foi Augusto Schleicher. Influenciado pelas ciências naturais concebeu a linguagem com um organismo natural, ou seja, ela nasce, cresce, desenvolve, envelhece, e morre. Com um método bem mais rigoroso do que o de Bopp pode determinar as relações que unem as várias línguas das famílias indo-européias, além de classificar as línguas do mundo em: línguas isolantes, aglutinantes e flexivas. Desenvolveu uma árvore genealógica das línguas expondo sua concepção da fragmentação do indo-europeu.

Para ele, a classificação das línguas podia se reter como uma das características de certas famílias de línguas. No entanto,

Esse método exclusivamente comparativo acarreta todo um conjunto de conceitos errôneos, que não correspondem a nada na realidade e que são estranhos as verdadeiras condições de toda linguagem. Considerava-se a língua como uma esfera à parte, um quarto reino da natureza. (SUASSURE: 2002, p.10)

Schleicher acreditava que a comparação era suficiente para reconstitui do estado primitivo da linguagem.

Aliás, a explicação da evolução linguística a partir do princípio de classificação desenvolvida Schleicher se mostrou falha, sem solidez, pois a língua chinesa, por exemplo, tida como língua "isolante" em que as palavras só têm uma sílaba e é diferenciada pelo jogo de entonação, é na sua origem um sistema de tons que estava ligado à inicial da palavra, num processo de derivação por prefixos que desapareceu. E por isso o termo "isolante" não se aplica ao chinês, em razão dos agrupamentos de palavras característica dessa língua.

Em oposição à concepção Schleicher de linguagem a qual considerava a língua como organismo natural, surge à escola dos neogramáticos em 1870. Essa escola dá um novo rumo a gramática comparada, pois abandona as concepções românticas sobre a pureza da língua e renuncia a análise genética das formas gramaticais.

Com isso, a língua passa a ser vista como produto coletivo dos grupos linguísticos. Entre os fundadores destacam-se: K. Brigmann, H. Osthoff, W. Braune, H. Paul e etc.

O grande mérito desse movimento foi colocar em perspectiva histórica os resultados da comparação e a partir disso encadear os fatos em sua ordem natural. (Suassure: 2002)

Além disso, avançaram-se os estudos fonéticos iniciados por Grimm, estabelecendo importantes leis fonéticas as quais explicaram com êxito algumas exceções nas correspondências gerais estabelecidas entre várias línguas indo-européias. As leis fonéticas se tornaram mais precisas com os estudos do linguista Karl Verner, que por sua vez, demonstrou que as correspondências de palavras como fadar (gótico) e pater (latim) considerados exceções de acordo com a lei de Grimm eram perfeitamente regulares.

Nesse sentido, o princípio de regularidade contribuiu para evidenciar que as mudanças sofridas pelas línguas são regulares, têm uma direção. E para mostrar essa regularidade os neogramáticos utilizavam a analogia para explicar as exceções das leis fonéticas. De acordo com Lyons (1979, p.31) "a analogia foi um fator importantíssimo no desenvolvimento das línguas em todas as épocas, e não poderia ser atribuída simplesmente a época de declínio e de corrupção".

Entretanto, as influências da filosofia positivista nas pesquisas dos neogramáticos estimularam a busca de "leis" da "evolução", mas a sua fidelidade demasiada nas concepções mecanicistas e no desenrolar dos fatos de seus pormenores, não vislumbrou para a edificação de uma teoria geral acerca da linguagem.

Além disso, os trabalhos de Saussure renovaram a visão da gramática comparada, pois edificou a teoria da raiz com o esquema consoante+vogal+consoante, mediante as flexíveis alternâncias vocálicas e consonânticas, que serviram de base para os estudos posteriores.

É importante frisar os trabalhos de Rousselot aplicou métodos experimentais das ciências físicas e fisiológicas no estudo dos sons da linguagem, tornando-se o iniciador da fonética moderna.

No campo semântico a obra de Michel Bréal se destaca mediante seu interesse pelas evoluções do sentido, partindo das próprias palavras para explicar os processos semânticos. Todavia, Bréal reage contra o doutrinarismo, seguido no modelo das ciências exatas, considerando que as pesquisas semânticas não encontrariam a evolução linguística em linha reta sem desvio, ou flutuação.

AS CONTRIBUIÇÕES DA GEOGRAFIA LINGUISTICA

A ideia de que havia uma língua superior a outras desencadeou estudos acerca das diferenças entre línguas e dialetos.

Graças à geografia linguística entendeu-se que essas relações de hierarquia é fato social e não linguístico, ou seja, tem motivações políticas e culturais. Com isso, pode-se entender que as línguas padrão de vários países originaram-se dos dialetos falados pelas classes socialmente dominantes.

Para tanto, sabe-se que certos juízos em torno da relação língua e dialetos sofrem influências de preconceitos políticos ou nacionalistas.

Humboldt estabeleceu uma estreita relação entre língua e raça, ao defender que cada língua tinha sua estrutura própria que refletia os modos de pensamentos e expressão de um povo. Esse pensamento originou uma série de especulações enraizadas fortemente na Alemanha em que as noções de raça e de língua se confundiam com o termo ariano.

Embora se saiba que a transmissão linguística é descontínua e não está atrelada aos caracteres étnicos. Apesar disso, o trabalho de Humboldt sobre as condições gerais da linguagem contribuiu para o desenvolvimento da gramática comparada.

Entretanto, a posição de que uma língua é pura ou superior não se sustenta, pois é impossível demarcar precisamente os dialetos da mesma língua ou de línguas vizinhas. Esse entendimento apontado pela geografia linguística nos permite apreender uma diversidade linguística em que as frequentes mudanças de fronteiras políticas ou de vias de comunicação cruzam as fronteiras e assim, um dialeto de uma língua pode se fundir a outro.

Nesse sentido, "a propagação dos fatos de língua está sujeita as mesmas leis que rege qualquer outro costume, a moda, por exemplo," (Saussure, p.238). Isso significa que os fatos linguísticos se propagem por contágio, assim como explicou Schmidt com a teoria das ondas. Ele substituiu a imagem da árvore genealógica de Schleicher pela a das ondas que partem de um ponto e se irradiam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos o século XIX desencadeou muitos estudos e pesquisas em torno não só da linguagem, mas de outros campos do conhecimento, que por sua vez, influenciaram na formação do método linguístico.

Desse modo, entende-se que as idéias dos primeiros precursores como Bopp, Schleicher, Grimm, e outros serviram de alicerce para o desenvolvimento do método histórico.

Observou-se, também, que as mudanças das formas das palavras e das locuções podiam ser explicadas com base em mudanças postuladas na correspondente língua falada, conforme as "leis fonéticas". Além disso, foi considerada, a partir dos neogramáticos, a perspectiva histórica nos estudos comparatistas visando à formação do método linguístico. Destaca-se a evolução da fonética e uma compreensão mais precisa das relações entre língua e dialeto.

De um modo geral, todo esse processo na formação do método lingüístico foi imprescindível para que, posteriormente, se constituísse a linguística como ciência.

REFERÊNCIAS

LEROY, Maurice. As grandes correntes da linguística moderna. Trad. Izidoro Blikstein.5ª Ed. São Paulo: cultrix, 1971.

LYONS, J. Introdução à lingüística teórica. São Paulo: Ed. Nacional; Ed. da Universidade de São Paulo: 1979.

SAUSSURE, F. de. Curso de lingüística geral. 24 ed. São Paulo: Cultrix. 2002.