A FORMAÇÃO DO LEITOR MODERNO: UMA REFLEXÃO SOBRE A LEITURA VIRTUAL

                                                                                                            Sílvia Souza Santos[1]

 

RESUMO

 

Este estudo pretende apresentar reflexões sobre a leitura virtual e a formação do leitor moderno. A leitura de obras de Chartier (1999), Santaella (1996), Villaça (2002), Foucambert (1994), Soares (2002), Darnton (2010), serviram de aporte teórico para essa pesquisa. Com o advento das novas tecnologias, internet, no final dos anos 80 e início dos anos 90 houve uma enorme propagação da informação, fato que requer novas habilidades de leitura. A pesquisa foi dividida em etapas: concepção de leitura e habilidades de leitura e práticas envolvidas. O estudo possibilitou a constatação de que o leitor moderno necessita de habilidades de leitura que o auxiliem diante da facilidade e diversidade de acesso à leitura disponível nas redes virtuais.

 

PALAVRAS-CHAVE: Leitura. Leitor virtual. Habilidades de leitura.

 

 

 

 

ABSTRACT

 

This study aims at presenting reflections on reading and virtual reading of the modern reader. The reading of works by Chartier (1999), Santaella (1996), Villaça (2002), Foucambert (1994), Soares (2002), Darnton (2010) were used to reflect on the topic. With the advent of new technologies, Internet, in the late 80s and early 90s there was a spread of information, requiring new reading abilities. The research was divided into four stages: reading design and reading skills e the practices involved. The study enabled the observation that the modern reader needs reading skills that help him/her before the diversity and easy access to reading material available in virtual networks.

 

KEYWORDS: Reading. Virtual reader. Reading skills.

 

 

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

A leitura no mundo moderno é a habilidade intelectual mais importante a ser desenvolvida e cultivada por qualquer pessoa, pois ela possibilita a concretização de projetos de vida, o acesso aos meios virtuais e a interação com esses meios. Aqueles que são leitores têm muito mais chance de usufruir da internet e saber usá-la em favor do seu crescimento.

A internet e suas redes virtuais têm possibilitado a divulgação imediata do que está sendo publicado e facilitado o acesso ao que já existe, ou seja, possibilita a democratização ao acesso à informação em maior escala, posto que anteriormente a ela isso só se tornasse possível através do acesso às bibliotecas, o que dificultava ou até mesmo inviabilizava o contato entre obras e leitor.

Apesar do avanço no que diz respeito ao acesso ao conhecimento, somente uma parcela mínima da sociedade têm condições financeiras, intelectuais e possuem discernimento para selecionar o que de fato tem importância, diante do contingente de informações.

Cabe-nos refletir sobre as habilidades de leitura exigidas ao leitor virtual, diante da facilidade de acesso disponibilizada por essas redes virtuais, bem como analisar, ainda que brevemente, o perfil desde tipo de leitor.

Desde o século XVI ao final do século XVIII, quando a ciência passa a explicar o que antes era entendido sob a luz do divino, que se dá um processo de mudanças, hábitos e costumes que atinge diariamente o cotidiano das pessoas do globo. O processo de globalização tem em seu cerne o caráter de aproximar o local ao global, devido à rapidez com que as informações são processadas.

Agregada à globalização surge as NTICs – Novas tecnologias da informação e comunicação, que pretendem aproximar homem e tecnologia, democratizando o conhecimento, embora o papel das NTCIs seja o de promover a aproximação de uma maior parcela da população à informação e a troca do conhecimento, nota-se no atual cenário o surgimento de um antagonismo: inclusão X exclusão, inclui na medida em que possibilitam o acesso as novas tecnologias, ao aperfeiçoamento profissional e cultural, e exclui as maiorias desprivilegiadas que não possuem acesso à informação.

Para refletir sobre a leitura virtual e a formação do leitor moderno, tratou-se do conceito de leitura assim como da leitura na internet, também foi mencionado o papel do leitor enquanto (re) criador de sentidos. Em um segundo momento, foi feita a análise sobre o leitor de texto impresso (livro), leitor virtual e descreveu-se o comportamento de ambos em termos de estratégias de leitura. Por fim discorreu-se sobre habilidades de leitura e as práticas envolvidas nesse processo.

Enfim, foi traçado o perfil do leitor imersivo com a meta de propor mudanças que o auxiliem em uma maior relação, reflexão e criticidade diante da quantidade bruta de informações oferecidas pelas redes virtuais que se multiplica e se acelera.

 

2 CONCEPÇÃO DE LEITURA

 

O texto escrito é produzido por um emissor para um receptor, sendo seu objetivo a comunicação e um posicionamento do leitor diante do lido, quando isso não ocorre, o ato de ler não acontece.

A leitura, enquanto habilidade intelectual, imprescindível ao ser pensante e agente do espaço em que vive deve ser constantemente desenvolvida e cultivada, visto que não é inata ao ser.

Vive-se um momento de grande quantidade e agilidade da informação, em que somente aqueles que foram leitores conseguirão se inserir e participar da construção do conhecimento. Como observa Foucambert (1994, p. 05):

Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já se é.    

                                                                                      

Entende-se dessa forma a leitura como capacidade de entender o que se lê unindo às novas informações o que já se têm em mente, construindo uma nova idéia, a partir de suas competências e práticas. Segundo Koch (2002,p.53):

O contato com os textos da vida quotidiana, como anúncios, avisos de toda a

ordem, artigos de jornais, catálogos, receitas médicas, prospectos, guias

turísticos, literatura de apoio à manipulação de máquinas etc... exercita a  

nossa capacidade metatextual para a construção e intelecção de textos.

 

O ato de ler possibilita vantagens para a vida individualmente e social, como ressalta Bazerman (2005, p. 31): “gêneros emergem nos processos sociais em que pessoas tentam compreender umas às outras suficientemente bem para coordenar atividades e compartilhar significados com vistas a seus propósitos práticos”. Marcushi[2] (1983, p. 12-13), citado por Koch (p. 14), menciona também a importância da Linguística Textual nesse processo.

Propondo que se veja a linguística do texto, mesmo que provisória e genericamente, como os estudos das operações linguísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de textos escritos ou orais, seu tema abrange a coesão superficial ao nível dos constituintes linguísticos, a coerência conceitual ao nível semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações a nível pragmático da produção do sentido no plano das ações e intenções. Em suma, a Linguística Textual trata o texto como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas. Por um lado deve preservar a organização linear que é o tratamento estritamente linguístico abordando no aspecto da coesão e, por outro, deve considerar a organização reticulada ou tentacular, não linear, portanto, dos níveis de sentido e intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e funções pragmáticas.

 

Assim, ler os mais diversos materiais é estar conectado ao mundo, dele obter conhecimento e com ele contribuir ao produzir novos conhecimentos, nesse contexto surge outra modalidade de leitura, a leitura na internet.

 

2.1 LEITOR DE TEXTO IMPRESSO E LEITOR VIRTUAL

 

                    Segundo pesquisadores como Jack Goody (citado por Darnton, 2010, p. 39), a invenção da escrita foi o avanço tecnológico mais importante da história da humanidade. Ela transformou a relação do ser humano com o passado e abriu caminho para o surgimento do livro como força histórica.

A existência de livros impressos, a partir de Gutenberg, facilitou o acesso a informações, apesar de ser restrito às classes dominantes, deixou o livro ao alcance cada vez maior de leitores. Entende-se, nesta pesquisa, que o livro é

[...] um objeto material, geralmente confeccionado em papel, sobre o qual aderem letras e outras figuras desenhadas a tinta, segundo uma técnica denominada impressão, cuja invenção data do século XV; esse objeto produz-se segundo um processo de trabalho bem definido e aparece primordialmente como mercadoria, mesmo que as intenções de seus artífices sejam de outra ordem que não a mercantil (MUNAKATA, 1997, p. 84).

 

O leitor do livro impresso, especialmente o didático, conta com uma relação de proximidade com o objeto “desejado”, coloca-o diante de si sobre uma mesa, vira suas páginas, manuseia-o, aguça os sentidos: o tato-contato direto, a visão: que é atraída pelas cores, formato e até o olfato: que identifica se o livro é novo ou velho, estabelecendo dessa forma, uma relação afetiva entre leitor e texto. Segundo Munakata (1997) o livro

[...] não é para ser lido como se lê um tratado científico – postura adotada por muitos críticos de conteúdo dos livros didáticos. Livro didático é para usar: ser carregado à escola; ser aberto; ser rabiscado [...] ser dobrado; ser lido em voz alta em alguns trechos e em outros, em silêncio; ser copiado [...]; ser transportado de volta a casa; ser aberto de novo; ser “estudado” (MUNAKATA, 1997, p. 204).

 

No final do século XX surgiu o livro “virtual” que se apresenta num suporte eletrônico que o virtualiza, o computador.  O surgimento da internet trouxe um novo paradigma de livro ou de não-livro, como objeto o livro não mudou muito com o tempo, a estabilidade dele é tanta que apesar das mudanças e sua disposição na internet, as telas mostram “páginas”, ressaltando a relação entre as duas linguagens, a impressa e a tecnológica.

De acordo com Chartier (1999), referindo-se ao livro eletrônico, a revolução do livro eletrônico é nas estruturas de suporte material ou do escrito assim como nas maneiras de ler. Como afirma o referido autor, esse novo modelo de livro transformou as relações sensoriais, elementos importantes no processo de leitura.

Porém, a tela do computador não possibilita o manuseio, como o livro tradicional, não há mais uma relação afetiva como se mantinha com o livro impresso, nessa nova modalidade apenas a visão atua exaustivamente.

O novo contexto de leitura, transição da página (unidade estrutural) para a tela (unidade temporal) implica novos processos cognitivos, novas maneiras de ler e escrever, um novo letramento: letramento digital, ou seja, o “estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição do letramento dos que exercem práticas de leitura e escrita no papel” (SOARES, 2002, p. 9).

Diante da “revolução tecnológica” vivenciamos um novo panorama da informação que exige uma formação leitora hábil a acompanhar o ritmo com que a informação é disseminada através das redes sociais, a exemplo do twitter, facebook,orkut como salienta Darnton (2009, p. 39) “a informação vem explodindo ao nosso redor com tanta fúria e a tecnologia de informação está mudando a uma velocidade tão impressionante que somos forçados a encarar um problema fundamental: Como nos orientarmos neste novo panorama?”. Esse contexto se constitui em uma cultura tecnológica e

[...] é por intermédio da cultura que podemos nos conhecer,                    conhecer o outro e interpretar o mundo no qual vivemos. Podemos dizer que a cultura é onipresente nas ações humanas. Ela se reflete na linguagem, nos símbolos, no pensamento das pessoas, regionalizando-as, marcando suas identidades e, como todos os processos interativos, alterando essas marcas (TAVARES, 2002, p. 17-18).

 

No contexto de letramento digital, entende-se que o contato com as novas tecnologias exige novas práticas de leitura diferentes das exigidas pelo texto impresso no papel, diante da quantidade e velocidade de informações que circulam nos meios digitais, tornou-se necessário desenvolver no leitor competências críticas, reflexivas e seletivas, para que ele possa não só usufruir da facilidade de acesso a leitura, possibilitada por essas redes, mas também interagir com ela. “Precisamos de uma nova forma de competência crítica, ou ainda desconhecida parte de seleção e eliminação da informação, em síntese, uma nova sabedoria” (ECO, 1996[3] apud SOARES, 2002, p. 13).

O novo suporte possibilita “liberdade na leitura”, por meio da participação, criticidade e intervenção do leitor que ao se deparar com o “novo” objeto que é a tela sobre a qual o texto eletrônico é lido, pode determinar o fluxo do texto segundo suas escolhas. Acrescenta Santaella (2004) que “o leitor virtual desenvolveu um outro (sexto) sentido nas pontas dos dedos, acionado ao clique de um mouse.”

É nesse contexto que surge a necessidade da formação de um novo tipo de leitor: o leitor imersivo ou virtual, que não mais realiza uma leitura solitária, individual e linear, mas que navega, descobrindo uma linguagem que constrói com outros indivíduos ao interagir com outros leitores.

A interatividade é um elemento constante nesse novo formato, a interação dos indivíduos com a tecnologia é o que tem transformado os próprios indivíduos, induzindo-os a comportamentos e reações novas diante das situações já conhecidas. O sentido do texto não está somente em suas palavras, nem na mente do leitor, mas está na interação: texto-leitor-contexto, já que ao unir as informações que já possui com as que o texto fornece ele infere significados e os representa mentalmente.

A leitura de um texto exige do leitor diferentes estratégias de leitura e cada formato pode mudar a maneira de se ler o texto. As novas modalidades de leitura, escrita e organização da informação provocaram suas próprias consequências nos campos sociais e intelectuais. O processo de leitura no texto impresso não é o mesmo aplicado no texto eletrônico. Pesquisas apontam que a leitura num suporte de papel é cerca de 1,2 vez mais rápida do que em um suporte eletrônico.

 

3 HABILIDADES DE LEITURA E PRÁTICAS ENVOLVIDAS

 

A internet tornou possível o acesso e o contato com diversos textos, agora podemos contar com obras completas no computador devido à ultrapassagem das barreiras espaciais/temporais, como afirma VILLAÇA (2002, p. 27), “as distâncias começaram a ser vencidas com maior rapidez se considerarmos os caminhos percorridos, inicialmente a pé e sucessivamente a cavalo, diligências, carros, aviões e navios.”

A passagem do impresso para o eletrônico fez surgir uma nova relação entre leitor-texto-habilidades de leitura, por exemplo, a relação dos jornais com os leitores no tempo de “ internet”, a resposta ao que sai é imediata. Um novo acesso aos textos e um novo modo de ler se estrutura, nessa modalidade não cabem mais somente habilidades de decodificação, exige-se um grau de aprendizagem maior por parte do leitor, fazendo surgir a necessidade de se desenvolver outras competências cognitivas (adquirir novos conceitos); argumentativas (dá autenticidade ao que cria) e construcionais (autonomia do leitor). Segundo Ribeiro e Araújo (2007, p. 167),

o fascínio que as tecnologias digitais exercem sobre a vida das pessoas é algo inconteste, pois elas atraem não somente adultos, mas também jovens e, principalmente, as crianças. Tem sido cada vez mais comum observar as pessoas resolverem muitos problemas cotidianos através de mensagens trocadas pelo celular, pelas operações digitais em caixas eletrônicos das agências bancárias, ou pelo acesso à Internet. Dessas práticas, a Internet parece ser a que mais atrai pessoas de todas as idades.

 

Os suportes tecnológicos, em especial, a internet, propiciam o surgimento de novos gêneros, graças à interferência desses suportes no dia-a-dia do leitor. O hipertexto entra em cena e a não-linearidade (em oposição à linearidade dos textos impressos) se manifesta entre textos, o leitor determina o que vai ser lido, há um domínio por parte deste sobre o texto e sua construção, como afirmam Leffa e Vetromile-Castro (2008, p. 171), “o hipertexto no computador é um texto ao redor do qual gravitam outros textos, como um sistema planetário, onde cada planeta pudesse assumir a qualquer momento a posição do sol, determinada pela vontade do leitor.”

Em contrapartida à autonomia proporcionada por essa modalidade, o leitor na grande maioria dos casos tem que exercer a função de “detetive” para procurar, ler e analisar as pistas “links”, fazendo ligações do que realmente necessita, determinando conscientemente o percurso a seguir, (re) criando um novo texto, atribuindo um novo sentido ao texto a ser lido.

Os professores passaram a contar com novas opções para elaboração de aulas expositivas, através do uso da internet e de suas ferramentas (e-mail, blog, chat, fórum, ferramentas de busca etc.), por ser um espaço de desenvolvimento, construção de informações e textos.

Assim, algumas atividades podem ser desenvolvidas com o auxílio da internet e suas ferramentas para desenvolver a leitura/compreensão dos textos, o estudo do e-mail (correio eletrônico), hipertexto, hipermídia, possibilita o estudo das características desses novos gêneros, que apesar de serem adaptações de gêneros existentes, possuem identidade e características próprias.

Ao se estudar o gênero e-mail, ferramenta geradora de mensagens eletrônicas que têm nas cartas (pessoais, comercias) e nos bilhetes os seus antecessores, além de trabalhar suas características, possibilita fazer uma ligação ao gênero que o antecedeu, propiciando o desenvolvimento da capacidade crítica do aluno.

Essa ação pode ser observada no referido estudo que o e-mail formal também possui as mesmas características da carta formal, como a preocupação com o uso da língua culta e forma como é elaborado, fato não evidenciado na elaboração desse tipo de mensagem quando escrito o texto de maneira informal, em que a preocupação e finalidade são a rápida transmissão da informação.

Exemplo de e-mail formal:

Aracaju, 20 de agosto de 2003


Prezados Senhores,


Somos uma empresa de representações em vendas e temos em nosso quadro funcional apenas vendedores altamente capacitados e profissionalizados.

Anexamos nesta oportunidade nosso portfólio para análise e manifestamos nossa intenção de representar sua empresa em municípios da região.

Caso haja interesse por parte de sua empresa, nos colocamos à disposição para novos contatos.

Agradecemos a atenção.

Atenciosamente,

Megarrepresentações CIA.

Ingrid Sampaio - Diretora.

 

           

Exemplo de e-mail informal:

 

Oi Carol,

 

desculpe a demora. Eu concordo com o autor do artigo. Acho q nós, professores,

precisamos assumir os três papeis. Porque temos q dar feedback para os nossos alunos e

fazemos isso de várias maneiras. Eu procuro fazer um comentário para meu aluno saber

q eu li o texto dele, com atenção. Acho q isso faz o processo ser menos doloroso. :) E

corrigo (sic) a gramática etc. é claro.

 

Bjs

O estudo do e-mail (carta eletrônica), usado em grande escala é uma ótima oportunidade de estudar as características, funções e mutação dos gêneros, já que os gêneros não surgem per se, mas são assimilações de outros já existentes, fato notado por Bakhtin (1997), ao falar da transmutação dos gêneros e assimilação de um gênero por outro gerando novos.

 

                       

Figura 1: Página de envio de e-mail do Hotmail.

A análise e-mail possibilita identificar traços do gênero que o antecedeu (carta), como também características que lhe são peculiares. Entre os traços similares estão o cabeçalho (remetente, destinatário, assunto), corpo (saudação, mensagem, fechamento), no que concernem as peculiaridades, encontra-se outras funções que o torna “multifuncional”, como por exemplo, a função “anexo”, espaço destinado ao envio de qualquer arquivo que esteja no computador, graças a ela é possível mandar arquivos em anexo por e-mail, escrever mensagens, recortar pedaços de textos e colar no programa, além de mandar outros gêneros: currículos, notícias de jornais e revistas, fotos, artigos científicos e assim por diante.

Outras atividades que podem ser desenvolvidas e promovem tanto o desenvolvimento da leitura quanto da compreensão dos textos virtuais é a proposta de discutir temas relevantes via fórum, que permite a interação em grupo, análise de conversação em chats e msn e que se pode observar o dinamismo das relações sócias, a criação de blogs sobre tema pré-determinado, o trabalho com a leitura de diferentes gêneros abordando um mesmo tema, com o intuito de se perceber as diferentes finalidades de cada um. Segundo Ribeiro e Araújo (2007, p. 167),

o fascínio que as tecnologias digitais exercem sobre a vida das pessoas é algo inconteste, pois elas atraem não somente adultos, mas também jovens e, principalmente, as crianças. Tem sido cada vez mais comum observar as pessoas resolverem muitos problemas cotidianos através de mensagens trocadas pelo celular, pelas operações digitais em caixas eletrônicos das agências bancárias, ou pelo acesso à Internet. Dessas práticas, a Internet parece ser a que mais atrai pessoas de todas as idades.

 

Todas essas atividades descritas possibilitam ao aluno aprender sobre esses gêneros na prática, pois à medida que criam, descobrem também as características, funções e finalidades de cada um desses gêneros.

Partido do pressuposto defendido por Bakhtin (1997) de que é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, torna-se primordial o trabalho com a diversidade textual, visto que ela possibilita lidar com a língua em seus mais diversos usos no dia-a-dia.

O contato com a diversidade de gêneros, segundo a visão Bahktiniana, possibilita ao sujeito escolher os recursos que mais convêm de acordo com suas finalidades e objetivos, além de desenvolver sua competência discursiva que é justamente uma das propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (5ª a 8ª séries) para o ensino de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998, p. 23), pois “um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita.”

Dessa forma, quanto maior o contato com diferentes gêneros, mais oportunidades terá o leitor de desenvolver competências comunicativas e cognitivas. Desde a escrita de um bilhete, carta pessoal, receita culinária, convite, textos mais elaborados como resenha, artigo, comunicado, que exigem um maior domínio quanto às estruturas e padrões formais da língua, até textos criados para serem lidos[4] como as jaculatórias4, ladainhas, novenas, respeitando as particularidades de cada gênero, seja escrito ou oral, são eventos importantes tanto para a produção quanto para a compreensão textual.

Ainda conforme Bakhtin (1997), os gêneros são fenômenos sócio-históricos, eles estão inseridos na sociedade e no tempo como forma de legitimação comunicacional, pois é através deles que alcançamos nossos objetivos comunicativos, utilizamos os gêneros para diversos propósitos, já que ao escolhermos determinado texto objetivamos alcançar determinados objetivos. Se se pretende convencer, influenciar o comportamento de alguém fará-se-a uso de gêneros como a propaganda, sermão, discurso, uma vez que por meio deles se alcança o objetivo pretendido.

Dessa forma, quanto maior o contato com diferentes gêneros, mais oportunidades terá o leitor de desenvolver competências comunicativas e cognitivas. Os gêneros textuais citados quando praticados de forma criativa e abrangente despertam no leitor a criticidade, necessária para o seu desenvolvimento social perante a sociedade.

                                          Assim, cada pessoa singular está realmente presa; está presa por viver em permanente dependência funcional de outras; ela é um elo nas cadeias que são elos nas cadeias que as prendem. Essas cadeias não são visíveis e tangíveis, como grilhões de ferro. São mais elásticas, mais variáveis, mais mutáveis, porém não menos fortes. E é a essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras, a ela e nada mais, que chamamos “sociedade” (ELIAS, 1994, p. 23).

 

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Essa pesquisa possibilitou constatar que as mudanças não foram somente estruturais, mas muito mais ainda sociais e intelectuais, pois a leitura de um texto seja ele impresso ou virtual exige do leitor diferentes estratégias de leitura e cada formato muda a maneira de se ler o texto.

Verifica-se que o trabalho com a diversidade textual deve ser levado a sério, já que constitui único meio eficiente de se trabalhar com os alunos as diversas situações comunicacionais do dia-a-dia, são a partir do e com o texto que se desenvolve a reflexão crítica, amplia-se a capacidade de análise dos diferentes discursos e desenvolve a competência discursiva.

Ou seja, o sujeito deve ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita, preconizada pelos PCNs para o ensino de Língua Portuguesa, competências alcançadas somente através da leitura dos mais variados textos.

As novas modalidades de leitura, escrita e organização da informação trouxeram mudanças tanto no campo social quanto intelectual, algumas vezes “includentes”, outras não. Incluem à medida que promovem o aperfeiçoamento profissional, cultural, mas excluem na medida em que exigem do leitor conhecimentos, criatividade e seletividade diante do contingente de informações disponibilizadas por essas redes.

Já no campo social mais exclui que inclui, visto que as maiorias desprivilegiadas, que não possuem acesso às tecnologias, ficam alijados do conhecimento, perpetuando a divisão das classes em “inforicos” e “ infopobres”, como afirma BERGER (2007) “ uma nova divisão da sociedade é estabelecida a partir do momento em que se começa a falar em “inforicos” e “infopobres”, os que possuem e os que não possuem acesso à informação”.

Há quem tema o fim do livro impresso, outros, porém, apostam na parceria entre impresso e digital, mas o que se têm verificado mesmo é que ambos podem conviver juntos e proporcionarem vantagens aos leitores, quando aliados, ao promover a democratização do acesso ao saber, ao bem público.

Aqui não se pretende enaltecer o texto virtual em detrimento do texto impresso, mas sim suscitar reflexões sobre os processos cognitivos e sociais envolvidos em ambas modalidades. Em meio a todas as mudanças tecnológicas surge “novos” gêneros ou “assimilação” dos gêneros já existentes, como diz Bahktin (1997), fato que ressalta a importância cada vez maior do trabalho e estudo dos gêneros textuais, enquanto meio de desenvolver habilidades discursivas, cognitivas e comunicacionais dos leitores.

Espera-se que este artigo tenha atingido o objetivo de suscitar reflexões à cerca da leitura virtual e despertar o interesse dos leitores de ambas as modalidades de leitura para refletirem sobre a formação exigida por esta modalidade, práticas envolvidas, bem como sua inserção no atual contexto globalizado. Segundo Berger (2007, p. 38), “a globalização caracteriza-se como um processo que implica uma revolução que atinge o cotidiano dos diferentes povos do globo, em maior ou menor escala, a depender do grau de desenvolvimento econômico dos países, constituindo-se como marca da modernidade.”

 

REFERÊNCIAS

 

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Tradução do francês por Maria Ermantina Pereira. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

 

BERGER, M. A. Façanha. A globalização da economia, a Internet e o Ensino de Língua Inglesa como Idioma Global. Revista da Fapese. Aracaju, vol.3, n.1, p. 37-56, jan./jun. 2007.

 

BRASIL, Ministério da Educação e d Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais (5ª a 8ª séries) para o ensino de Língua Portuguesa. Brasília: MEC/Semtec, 1998.

 

CAVALLO, Guglielmo; CHATIER, Roger. Historia da leitura no mundo ocidental. Editora Ática, 1ª ed. 2002.

 

CHARTIER, Roger. A aventura fora do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora UNESP, 1998.

 

DARNTON, Robert. Parte I, Capítulo II- O panorama da informação. In: A questão dos livros: passado, presente e futuro. São Paulo: Companhia da Letras,2011. (tradução: Daniel Pellizzari)

 

ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

FOUCAMBERT, J. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

 

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Capítulo IV- Os gêneros do discurso. In: Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.

 

______. A Coesão Textual, 21ª edição. 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2007.

 

 

LEFFA, Vilson J e CASTRO, Rafael Ventromille . Texto, hipertexto e interatividade. Revista de Estudos Linguisticos, Belo Horizonte, v.16, nº. 2, p 166-192, jul/dez. 2008.

 

LEMOS, André; CUNHA, Paulo (Orgs). Olhares sobre a cibercultura. Sulina, Porto Alegre, 2003; PP. 11- 23.

 

MUNAKATA, Kazumi. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. 1997.218 f. Tese (Doutorado em História e Filosofia da Edicação) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1997.

RIBEIRO, Márcia Maria e ARAÚJO, Júlio César. “Tia, eu já escrevi o site do “Rotimeio”. Agora é só apertar o enter?” O endereço eletrônico na sala de aula. In: ARAÚJO, Júlio César (Org.). Internet e Ensino. Novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.

ROJO, Roxane e CORDEIRO, Glais Sales. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, São Paulo: Marcado das letras, 2004.

 

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SOARES, M. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Campinas: 2002.

 

______. Letramento: um tema em três gêneros. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

 

TAVARES, Roseanne Rocha. Conceitos de cultura no ensino / aprendizagem de línguas estrangeiras. In: TAVARES, Roseanne Rocha (Org). Língua, cultura e ensino. Maceió EDUFAL, 2002. p. 17-27.

VILLAÇA, Nízia. Impresso ou eletrônico? Um trajeto de leitura. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.

 

 

 

 

 


[1] Aluna Graduada em Licenciatura Letras Português- pela Universidade Tiradentes. Artigo apresentado à Faculdade Atlântico como um dos pré-requisitos para obtenção do título de especialista em Leitura e Produção de texto, sob a orientação da Profª M. Sc. Simone Silveira Amorim.

 

[2] MARCUSHI, Luiz A. Linguística de texto: o que é e como se faz. Série Debates 1. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1986.

 

[3] ECO, U. From Internet to Gutemberg. 1996. Disponível em: <http://www.italianacademy.columbia.edu/internet.htm >. Acesso em 3

mar. 2001.

 

[4]  Oração curta e fervorosa. São tiradas quer da tradição oral da igreja, quer da Bíblia, usualmente dos salmos.