A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA NA TELEVISÃO:

UMA ANÁLISE DOS SIMPSONS

PASQUALOTTO, Thiago J.

RESUMO

O artigo reflete sobre a formação da opinião pública a partir da mídia. O objeto de estudo é o episódio "O tarado Homer" de Os Simpsons escrito por Matt Groening. A metodologia de análise foi construída a partir de uma descrição densa do episódio com o objetivo de desconstruir a narrativa e visualizar aspectos que efetivamente demonstram como a mídia exerce algumas funções no campo social, sendo que uma delas é a construção da opinião pública. Para tanto, buscou-se referências na sociologia e nas teorias da comunicação.

Palavras chave: opinião pública, sociedade contemporânea, mídias.

ABSTRACT

The article reflects the formation of public opinion from the media. The object of study is the episode "O Tarado Homer" from The Simpsons written by Matt Groening. The methodology of analyzing was build from a dense description of the episode with the objective of deconstructing the narrative and view points that effectively demonstrate how the media exerts some functions in the social field, where one is the build of the public opinion. For both, were sought references in the sociology and in communication theories.

Keywords: Public opinion. Contemporary Society. Medias.

INTRODUÇÃO

Os Simpsons é uma série de animação que permanece no ar desde 1989 nos Estados Unidos e desde 1991 no Brasil, sempre fazendo sátiras da vida americana e da sociedade contemporânea em geral, causando polêmicas e virando tema de livros e discussões intelectuais. Mesmo sendo um produto da mídia de massa a série tornou-se instrumento base para disciplinas acadêmicas de várias universidades Americanas como é o caso da Tufts University que oferece o curso "Os Simpsons e a Sociedade" e da Siena Heightsde que oferece o curso de filosofia e religião baseado no livro "Os Simpsons e a Filosofia" e serve como estímulo para fazer os alunos aprenderem. Com base nisso, percebe-se que Os Simpsons pode ser um bom objeto de estudo do campo comunicacional.

O artigo diz respeito a uma análise do episódio "O tarado Homer", para verificar como este episódio tematiza discussões sobre a formação da opinião pública a partir da televisão, mostrando ângulos de abordagem propostos pelo episódio englobando a mídia e as funções que estas mídias exercem na contemporaneidade. Abordando assim, as lógicas de produção de sentido no que se referem à produção/criação de fatos midiáticos para serem discutidos/julgados no campo social.

O referencial teórico discute sobre o espaço público e a opinião pública pela perspectiva sociológica e a formação da opinião pública a partir da mídia sob os olhares críticos de Marcondes Filho e Ramonet.

As análises foram desenvolvidas a partir de uma descrição densa do episódio, pois parte-se do pressuposto de que as mensagens implícitas somente são detectadas a partir da desconstrução da narrativa. As categorias de análise são o figurino, as expressões gestuais, as cores, as trilhas sonoras e o conteúdo textual. Desta forma, através de Os Simpsons demonstra-secomo um desenho (visto de forma ingênua) pode conter mensagens implícitas de forma lúdica e bem humorada sobre a formação da opinião pública através das mídias.

REFERNCIAL TEÓRICO

Espaço Público e opinião pública

Espaço pode ser entendido como um lugar, um ambiente. Público como algo que é de todos, do povo em geral. Portanto, o espaço público seria um mecanismo do povo, um lugar de expressão das massas. É muitas vezes usado como júri popular, um pré-julgamento de uma pessoa e/ou situação.

Dominique Wolton define a hierarquização do espaço público como um:

[...] espaço, que tem vocação para receber todos os discursos emitidos publicamente e garantir sua mediação, não tem – teoricamente - vocação para transformar-se em um sistema normativo de hierarquização dos bons e dos maus discursos. Trata-se de saber se o espaço público deve continuar a ser um espaço de expressão e mediação, e portanto de conflitos, entre representações e símbolos contraditórios, ou se a legitimidade crescente do paradigma democrático reforça o tema do espaço público como lugar de normatividade. O espaço público democrático não pode ser o juiz, e essa palavra foi escolhida de propósito, do conjunto das situações sociais e culturais. Separar as ordens simbólicas e aceitar a existência de hierarquias entre as diferentes funções não é contraditório com o modelo democrático.(WOLTON, 2004, p.230)

O espaço público, como bem definido acima, não serve como uma verdade única, como uma forma de justiça popular. É um espaço de reprodução de diferentes idéias de cultura. Quando as opiniões são ditas voluntariamente no interior do espaço público é que forma-se a opinião pública.

Na vida do cidadão do século XXI os assuntos de interesse popular ficam em segundo plano. As pessoas estão mais preocupadas com os seus problemas do dia a dia e não se interessam em participar dos assuntos que os cerca como a política, sociedade, religião, cultura e etc. Com isso, o habitual conceito de que a opinião pública pode ser formada por um grande grupo de indivíduos que tem a mesma opinião sobre um mesmo assunto em específico pode ser descartado.

Hoje, um grupo pequeno com um objetivo em comum, formula a sua opinião e conquistam os outros cidadãos para o seu ponto de vista, poucos entram para um grupo por terem chego a uma conclusão partindo do seu próprio pressuposto. E quando se torna grande, e representativo, este grupo forma uma opinião pública.

Por maior que seja a importância da opinião e apesar de seus extravasamentos atuais, não devemos exagerar seu papel. Tratemos de circunscrever seu domínio. Ela não deve ser confundida com duas outras parcelas do espírito social que ao mesmo tempo a alimentam e a limitam, que estão com ela em perpétua disputa de fronteiras. Uma é a tradição, resumo condensado e acumulado do que foi a opinião dos mortos, herança de necessários e salutares preconceitos, freqüentemente onerosos para os vivos. A outra é o que me permitirei chamar, com um nome coletivo e abreviativo, de razão. Entendo dessa forma os juízos pessoais, relativamente racionais, embora muitas vezes insensatos, de uma elite pensante que se isola e se retira da corrente popular a fim de represá-la ou dirigi-la. (FONTES, 1992, p.80).

A opinião é formada quase que inteiramente com a ajuda destes dois elementos descritos por Fontes, a razão e a tradição, que podem interferir na formação da opinião das pessoas, ou limitá-las. Mas isto acontece de forma natural, pois formamos nossas convicções com base no nosso histórico e consequentemente nossa criação. O que se deve deixar claro é que ela é formada socialmente.

(...) a expressão "opinião pública" está muito popularizada. De um modo geral, as pessoas se utilizam do conceito no dia-a-dia. Presidentes, governadores, deputados, jornalistas, professores, estudantes, empresários, líderes de classe etc., já têm uma noção do que ela significa. Atualmente, é difícil o dia em que não entramos em contato com a idéia de opinião pública, através de jornais, revistas, rádio, televisão, conversas ou aulas. E cada um usa a expressão da maneira que lhe parece melhor. Qualquer conceituação que se tente, portanto, restringe a amplitude que se confere cotidianamente à idéia de opinião pública, e pode parecer radical a quem usa o termo sem se preocupar com o rigor conceitual. (FIGUEIREDO e CERVELLINI, 1996, p.14)

Um dos métodos mais conhecidos para se distinguir à opinião pública é a pesquisa de opinião. Um instituto coleta a opinião de um determinado grupo que tenha as características que dizem respeito ao tema usando procedimentos científicos para chegar a uma conclusão.

No Brasil, o mais popular é o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), que se popularizou por medir os índices de audiência de rádios e canais de televisão, mas também realiza medições em quaisquer campos propostos.

Realizada por um instituto de mediação, ou formada pela indignação de uma parcela da sociedade, a opinião pública parte do direito do cidadão em exercer a democracia e expressar suas idéias, não como um julgamento, mas como o que a sociedade entende por determinada questão.

A opinião pública a partir das mídias

A percepção de mundo das pessoas começa a ser criada a partir da família. Neste processo, os pais são mecanismos fundamentais no que diz respeito a fornecer "subsídios positivos" que contribuem para a formação do caráter e da opinião dos seus filhos.

Quando a criança passa a freqüentar a escola, ela começa a ter contato com o "mundo da rua", pois ela passa a conviver com outras crianças e com os educadores, que tem percepções de mundo que, em certos momentos, diferem das perspectivas propostas pelos pais (que não são equivocadas, apenas diferentes). Desta forma, a criança vai passando por um processo de socialização que orientará as regras sociais, os costumes culturais e os modos de ser na sociedade.

Na modernidade, o processo de socialização das crianças não fica restrito a família e a escola, pois as mídias eletrônicas, principalmente a televisão, também participam de forma ativa. Vale lembrar que importantes autores consideram a televisão uma babá eletrônica já que é a partir dela que aprendem a fantasiar, a experimentar sentimentos diferentes, e a sentir estímulos de tocar nas coisas. A televisão é o primeiro contato da criança com a sedução, ela é envolvida por esta magia onde tudo pode acontecer. Nesse sentido:

Uma criança começa a se sensibilizar com os estímulos de televisão aos três anos de idade. Esse interesse vai crescendo até 11 ou 12 anos. Na adolescência, ocorre uma retração do interesse pelo veículo. Em meninas, o interesse volta após os 20 anos. Nos rapazes é menos freqüente a relação com o vídeo nessa fase da vida. Estes dados são referentes aos Estados Unidos, mas podem servir de orientação para outros países. Na Espanha, pesquisas demonstraram que a criança vê mais TV que o adulto, em um período de vida mais delicado. (MARCONDES FILHO, 1988, p.107).

Mesmo depois, na fase escolar, a mídia continua "educando". A televisão conta com a ajuda da internet e mídias escritas. Tudo parece mais fácil, agradável e atrativo através destes canais de comunicação. As referências vão se tornando cada vez mais fortes e baseadas na criação e no que esta criança está acompanhando, vendo e ouvindo.

Seria injusto dizer que a televisão, ou os meios de comunicação em geral, formam a opinião pública. Eles contribuem, e muito, para esta formação, mas não podem ser responsabilizados por aquilo que é dever da sociedade, e principalmente de cada indivíduo, de encontrar seu próprio pensamento.

Há um grande mito, popularmente disseminado, de que os meios de comunicação – em especial a TV – formam a opinião pública. Na verdade, porém, sua atuação não é tão decisiva. É preciso considerar a força de outros mecanismos que, embora mais discretos, são muito mais poderosos que os meios de comunicação. Trata-se, segundo Dieter Prokop, dos posicionamentos e opiniões profundamente arraigados que se formam naturalmente, sem a influência dos meios de comunicação, ao longo da história de cada um. É então o correspondente a essa história individual aquilo que o receptor busca e espera dos meios de comunicação, não permitindo que eles tão livremente determinem seu modo de ser. A isso se chama recepção seletiva ou redução da "dissonância cognitiva". (MARCONDES FILHO, 1988, p.89).

Com o avanço das tecnologias, e o fácil acesso a internet, está muito mais fácil saber quando estão, ou não, tentando nos manipular através da mídia. É veiculada uma reportagem no Jornal Nacional, e a pessoa pode ler mais sobre isso no portal UOL. Um político foi acusado de corrupção na revista Veja e você pode ver a versão dele no Fantástico. Um meio complementa, ou fiscaliza, o outro. O problema maior seria a falta de interesse do telespectador em procurar mais sobre aquela informação que ele recebeu. Então, o problema maior seria: o poder que a mídia tem nas mãos? Ou, O hábito da sociedade em não procurar uma segunda versão dos fatos?

Ninguém nega a indispensável função da comunicação de massa numa democracia, pelo contrário. A informação continua sendo essencial ao bom andamento da sociedade, e sabe-se que não há democracia possível sem uma boa rede de comunicação e sem o máximo de informações livres. Todo mundo está de fato convencido de que é graças à informação que o ser humano vive como um ser livre. E, não obstante, a suspeita pesa sobre a mídia. (RAMONET, 1999, p.24).

A formação da opinião pública é um processo muito mais complexo do que se pode imaginar. A formação dela não depende apenas do dono da opinião, mas também do grupo a qual pertence, das coisas em que ele está envolvido, e das coisas que vê, ouve e acompanha. E isso inclui as mídias. Se um cidadão usar apenas um veículo de comunicação, no caso, a televisão, ele terá apenas uma visão dos fatos, mas se usar dois, ou mais canais de comunicação, seu leque de informações se abre e a "manipulação", da lugar aos questionamentos.

Culpar a mídia é errado, mas dizer que ela não influência seria mais errado ainda. Compete a nós saber o que é informação e entretenimento, e o que é manipulação. Muitas vezes a intenção do veículo não é a de manipular, mas só o fato de não nos dar os dois lados dos fatos já é o bastante para interferir na opinião de um grupo de pessoas.

Os Simpsons e a Opinião Pùblica

Desde o início das civilizações a sociedade esteve presente na forma em que as pessoas se agrupavam e tentavam conviver interagindo entre si e formando grupos, desde então, vários tipos de sociedade foram se formando e se distinguindo pelo grau de complexidade das relações sociais e de dependência mútua entre os indivíduos. O sociólogo Anthony Giddens definiu sociedade no livro "Sociologia: uma breve porém critica introdução":

Uma sociedade é um grupo, ou sistema, de modos institucionalizados de conduta. Falar de formas "institucionalizadas" de conduta social é referir-se a modalidades de crença e comportamento que ocorrem e recorrem – ou, como expressa a terminologia da moderna teoria social, são socialmente reproduzidas – no tempo e no espaço. A linguagem é excelente exemplo de uma forma de atividade institucionalizada, ou instituição, por ser tão fundamental para a vida social. Todos nós falamos línguas que, enquanto indivíduos, nenhum de nós criou, embora possamos utilizar a linguagem de forma criativa.(GIDDENS, 1984, p.15)

Anthony Giddens refere-se à linguagem. Podemos interpretar esta "linguagem" como as várias formas de transmitir uma mensagem.

Na série animada Os Simpsons os roteiristas fazem uso de diversas formas de linguagem para passar suas mensagens e contarem suas histórias. O ponto mais evidente na série é a sátira com temas como: política, religião, artes, esportes, álcool, legislação e atualidades, feito com total exagero para criar o efeito cômico que uma série de humor deve ter. Em "A sabedoria dos Simpsons" Steven Keslowitz traduz o impacto da sátira na série de Matt Groening e compara os conceitos de Groening expressos na série com os do filósofo Sócrates:

Sócrates adoraria Os Simpsons precisamente porque o foco principal da série é não aceitar qualquer coisa como verdade apenas porque uma figura de autoridade assim declarou. O programa levou adiante a tradição de Sócrates ao se apegar ao ideal máximo do filósofo: "A vida sem exame não vale a pena ser vivida". A série é engraçada, é verdade, mas o uso que ela faz da sátira vai muito além do humor. Ela busca a verdade numa cidade cheia de corrupção e mentira. (KESLOWITZ, 2007, p.28)

Mesmo parecendo por diversas vezes má educação, a sátira em Os Simpsonsé na verdade feita de maneira cínica, irreverente e muitas vezes até grotesca, mas cutuca as feridas tanto dos liberais quanto dos conservadores. A série trata com escracho assuntos sérios e fala de polêmicas de nossa sociedade, isso tudo sem ser apresentada de maneira séria. E é aí que Os Simpsons conquistam as massas. Em 2003 através de uma pesquisa realizada pelo site da BBC, americana Homer Simpsons foi eleito o "maior americano de todos os tempos" pelos próprios americanos com 40,83% dos votos, ganhando de personalidades como Abraham Lincoln e Martin Luther King Jr.

No episódio de análise, "O tarado Homer", Homer Simpson, um típico americano fanático por doces e fast food, resolve ir para uma feira anual de doces na sua cidade, em Springfield. Pai de três filhos, Homer contrata uma babá para ficar com as crianças, já que sua esposa precisa ir junto para ajudar a carregar os doces. Na feira, Homer conhece uma goma de mascar muito rara. Como é um fanático por doces, Homer furta a goma e sai correndo. De volta em casa, e já tarde da noite, Homer percebe que não encontra a goma preciosa, conhecida também como Vênus. Mas sua esposa o obriga a levar a Babá para casa. Quando a Babá sai do carro, Homer percebe que a goma preciosa ficou grudada na calça da moça. Ingenuamente, Homer pega a goma, e assusta a babá que sai correndo. Sem se importar e entender nada, Homer agradece. Na manhã seguinte a casa da família Simpson amanhece repleta de manifestantes. Homer pensa que é por ter furtado a goma preciosa, mas logo percebe o que estava acontecendo, ele vê a babá gritando no meio da multidão: "Alí está ele! Ali está o homem que abusou sexualmente de mim!". Espantado com a acusação, Homer tenta se defender, mas a população já estava com a sua opinião formada a respeito dele.

Na tentativa de influenciar a opinião pública a seu favor, aceita o convite de um repórter e decide aparecer na TV para dar sua versão da história. No estúdio de gravação Homer contou: "Eu tive que levar a babá pra casa, aí eu vi que ela estava sentada em cima da goma Vênus, então eu agarrei o doce no traseiro dela e... Oh, só de pensar naquele doce, doce docinho. Eu só queria ter outra agora mesmo! Mas o mais importante é..." o repórter interrompe: "Foi muito bom, Sr. Simpson. Já temos tudo o que precisávamos".

A entrevista foi gravada e editada pelos produtores do programa para fazer Homer parecer um homem pervertido e sem caráter, em troca de muita audiência com um caso polêmico. O anúncio da entrevista dizia: "Ela era uma universitária honrada que dedicava à vida às crianças, até à noite em que um canalha pervertido chamado Homer Simpson, lhe deu uma carona para a depravação" e entrevista editada e explicitamente tendenciosa mostrava um Homer Simpson muito diferente daquele da entrevista verdadeira: "Eu tive que levar a babá em casa, e notei que ela estava sentada no... doce traseiro... por isso eu agarrei o.. doce traseiro... só em pensar no doce traseiro eu... quem me dera poder comer o... doce traseiro" repórter: "Então, Sr. Simpson, admite ter agarrado o traseiro dela. O que tem a dizer em sua defesa? Sr. Simpson, o seu silêncio só o vai incriminar mais. Não, Sr. Simpson. Não vire a sua raiva contra mim. Afaste-se! Afaste-se! Sr. Simpson, não" após a entrevista o programa exibiu a mensagem: "Não ouve montagem".

O programa influenciou os telespectadores a ficarem contra Homer, e ter uma mesma idéia sobre os fatos, a de que ele era um maníaco sexual. Todos os programas sensacionalistas cobriam o caso, fazendo do que seria uma causa judicial, um espetáculo midiático.

Ninguém se lembrou que hoje em dia a informação televisada é essencialmente um divertimento, um espetáculo. Que ela se nutre fundamentalmente de sangue, de violência e de mortes. E isto mais ainda devido à concorrência desenfreada entre as emissoras que obrigam os jornalistas a buscar o sensacional a qualquer preço, a querer ser, cada um deles, o primeiro no local e a enviar de lá imagens fortes. Esses imperativos não levam em conta o fato de que às vezes é materialmente impossível verificar se não se é vitima de uma intoxicação, de uma manipulação, e que os repórteres não dispõem de tempo para analisar seriamente a situação. (RAMONET, 1999, p.101 à 102)

A força da mídia, e principalmente da televisão é tão forte que o próprio acusado, Homer Simpson, acredita, por um momento, que realmente é culpado: "talvez a televisão esteja certa, ela sempre está certa". Seus filhos, apesar de acreditarem na honestidade do pai também se mostram fracos perante a televisão: "é difícil não acreditar na televisão, ela nos educou muito mais do que você".

Ao ver o poder e a confiabilidade que a televisão exerce sobre a sociedade, nos deparamos com a importância de permitirmos que outros veículos também sirvam de fonte para nossos julgamentos. Deixando de ser um telespectador passivo abrimos espaço para o senso crítico e passamos de telespectadores indiferentes, para seres pensantes e formadores das próprias opiniões.

Para tentar dar a versão correta dos fatos, os Simpsons decidem usar a televisão pública local da cidade, mas como é um canal fraco, sem poderes, sem dinheiro e sem programação sensacionalista, ninguém assistiu a versão de Homer, mostrando que a junção de comunicação e poder, pode ser um veículo perigoso para a democracia.

No final do episódio, Homer é salvo pelo zelador Willie que tinha gravado coincidentemente a cena em que Homersupostamente assediava a babá. A televisão e principalmente o programa que usou a imagem de Homer para condená-lo fez uma rápida retratação. Dias mais tarde, Homer assistia ao programa que o avia condenado injustamente, nele o zelador Willie era acusado de ser um criminoso. Homer fica revoltado: "Escute o que eles dizem, esse cara é mau!" a mulher de Homer fica indignada: "Essa experiência não ensinou você a não acreditar em tudo que ouve?" e então Homer, ironicamente, responde: " Marge, querida, eu não aprendi nada!". E então beija a TV.

Em "O tarado Homer", fica claro que a televisão é entretenimento, e é assim que ela deve ser vista. Usar a tv como veículo condutor de justiça na nossa sociedade pode gerar conseqüências catastróficas. Homer sabia que o programa que o julgou não era confiável, mas mesmo assim voltou a acreditar nele. Para Homer, um americano viciado em rosquinhas, doces e fast food, é muito mais fácil acreditar na televisão do que questionar ela. Os Simpsons é um produto da mídia que cativa populares e intelectuais e não tem vergonha de criticar os outros e a si mesmos. Serve principalmente como espelho de uma sociedade preguiçosa, e acostumada apenas a receber a informação pronta e apurada, como uma verdade única.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma comunidade é formada por um grupo de pessoas que compartilham o mesmo espaço, com interesses mútuos e se organizam em um conjunto de regras estipuladas através de uma democracia, formando assim, uma sociedade. Para Anthony Giddens:

Não podemos abordar a sociedade, ou os "fatos sociais", como fazemos com os objetos ou eventos que fazem parte do mundo natural, pois as sociedades só existem na medida em que são criadas e recriadas por nossas próprias ações como seres humanos. No que tange a teoria social, não podemos tratar as atividades humanas como se fossem determinadas por certas causas da mesma forma que os eventos naturais. Temos de compreender o que chamaríamos de duplo envolvimento de indivíduos e instituições: criamos a sociedade e ao mesmo tempo somos criados por ela. (GIDDENS, 1984, p.18)

Em toda sociologia vê-se a sociedade como um conjunto de pessoas que compartilham propósitos, preocupações e tradição, e que interagem entre si em uma comunidade organizada.

É nesta estrutura social que se em caixa a série animada Os Simpsons, o retrato de uma sociedade formada por diversos núcleos tendo como protagonista uma família excêntrica. Em um episódio da terceira temporada, Homer Simpson, o personagem central da série, faz a seguinte colocação "Ora, Marge, desenhos animados não têm um significado profundo. São só uns rabiscos estúpidos feitos para você dar umas risadas baratas". E é neste clima de autocrítica que o desenho fala de assuntos sérios e polêmicos. Ele pode ser visto como "apenas um desenho" ou ser analisado e entendido como um veículo de crítica da sociedade americana e mundial.

No episódio analisado, pode-se perceber as repercussões que a mídia, principalmente a televisão, pode dar para um acontecimento. A importância de formarmos nossa opinião a partir de pesquisas e aprofundamentos, e não a partir de uma única fonte ficou presente em todo o artigo.

Além disso, é evidente a influência da televisão na vida da sociedade contemporânea. Por mais que Marcondes Filho diga que a televisão não forma a opinião pública, ele não nega a existência desta influência e de seus perigos, o que justifica a importância deste artigo.

Para Ramonet (1999), a televisão se apóia no sangue, na violência e em mortes para dar audiência. Os personagens do objeto de estudo são, a todo o momento, vítimas de sua indolência em procurar saber a verdade sobre os fatos, formando suas opiniões com base no julgamento que um programa de televisão fez, assentado na audiência e não na apuração da notícia.

Contendo fatos os quais expuseram a necessidade de um melhor entendimento por parte do telespectador no recebimento da mensagem, este artigo termina tentando contribuir, para que, de alguma forma, aconteça uma mudança de mentalidade na sociedade, e que a mídia, contribua para a minimização de seus efeitos negativos na formação da opinião de cada indivíduo.

BIBLIOGRAFIA

FONTES, Martins. A Opinião e as Massas. São Paulo,Livraria Martins Fontes Editora LTDA, 1992.

FIGUEIREDO, Rubens. CERVELLINI, Sílvia. O que é Opinião Pública. São Paulo, Brasiliense, 1996.

GIDDENS, Anthony. Sociologia: uma breve porém crítica introdução. Rio de Janeiro. Zahar, 1984.

KESLOWITZ, Steven. A sabedoria dos Simpsons. Rio de Janeiro, Prestigio Editorial, 2007.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14 ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 2001.

MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão - a vida pelo vídeo. São Paulo, Moderna, 1988.

RAMONET, Ignácio. A tirania da comunicação.2.ed., PETROPOLIS:Vozes.1999.

WOLTON, Dominique. Pensar a Comunicação. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2004.

Episódios da série:

Sexta temporada (1994). 112.2F06 (SI-606/S06E09) Homer Badman (O tarado Homer).

Terceira temporada (1991). 8F01 (SI-301/S03E02) Mr. Lisa Goes to Washington (A verdade sempre triunfa).