INTRODUÇÃO

Segundo AKAMINE (1994) o choque séptico é uma das causas de morte cada vez mais freqüente, em unidades de terapia intensiva do mundo todo, tendo os seguintes fatores contribuintes para o seu surgimento: a crescente população de idosos (maior que sessenta e cinco (65) anos); a maior sobrevida de diversas doenças debilitantes; o emprego mais freqüente de técnica invasivas (cateteres vesicais, tubos endotraqueais, cateteres intravasculares etc); o cuidado de maior número de pacientes imunossuprimidos e as infecções hospitalares.

A mortalidade da sepse ultrapassa 40% e estima-se que 35 a40% dos pacientes sépticos evoluem os estados de choque.

A grande quantidade de termos sinônimos para designar a mesma condição clínica e suas diversas graduações de gravidade provocaram muitos inconvenientes para uma uniformização de condutas e para a comparação de diversos trabalhos realizados, por englobar pacientes com quadros clínicos de gravidade variável. Tal problema levou à realização de uma conferência de consenso, realizada pelo American College of Chest Physicians e a Society of Critical Care Medicine, em agosto de 1991, onde foram uniformizadas as seguintes definições(ACCP,1992):

Infecção: fenômeno microbiano, caracterizado por uma resposta inflamatória à presença de microorganismos ou à invasão de tecidos normalmente estéreis por estes organismos;

Bacteremia: presença de bactérias viáveis na corrente sanguínea;

Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS): é uma resposta inflamatória a uma grande variedade de condições clínicas severas. Essa resposta é manifestada por duas ou mais das seguintes condições: 1 – temperatura > 38ºC ou < 36ºC; 2 – freqüência cardíaca > 20 ipm ou pCO2 < 32 mmhg; 4 – contagem de glóbulos brancos > 12.000/mm3 ou < 4.000/mm3 ou bastonetes > 10%;

Sepse: resposta inflamatória à infecção, manifestada por duas ou mais das seguintes condições: 1 – temperatura > 38ºC ou < 36ºC; 2 – freqüência cardíaca > 90 bpm; 3 – freqüência respiratória > 20 ipm ou pCO2 < 32mmHg; 4 – contagem de glóbulos brancos > 12.000/mm3 ou < 4.000/mm3 ou bastonetes > 10%;

Sepse grave (severa): sepse associada com disfunção orgânica, hipoperfusão ou hipotensão. Hipotensão e anormalidades da perfusão podem incluir, mas não limitadas por acidose lática, oligúria ou uma alteração aguda no estado mental;

Hipotensão relacionada a sepse: pressão arterial sistólica < 90mmHg ou uma redução > 40mmHg da linha de base, na ausência de outras causas de hipotensão;

Choque séptico: sepse relacionada com hipotensão, apesar da adequada reposição volêmica com a presença de anormalidades da perfusão que podem estar associadas à acidose metabólica, oligúria ou alteração aguda do estado mental. Pacientes que recebem agentes inotrópicos ou vasopressores podem não estar hipotenso no momento em que as anormalidades da perfusão são medidas;

Síndrome da disfunção de múltiplos órgãos (SDMO): presença da alteração na função orgânica, em um paciente agudamente enfermo, de modo que a homeostasia não possa ser mantida sem suporte avançado de vida.

Foram abolidos alguns termos largamente utilizados, tais como:

Septicemia: originalmente o termo foi relacionado à presença de microrganismos ou suas toxinas na circulação sanguínea. Entretanto, tem sido utilizado na literatura, numa grande variedade de modos, tendo causado muita confusão na sua interpretação, resultando no abandono do seu uso.

Síndrome séptica: este termo foi aplicado a uma variedade de processos inflamatórios sistêmicos, causando confusão, resultando também no abandono do seu uso.

Tais definições levam à interpretação de que as diversas entidades clínicas representam diferentes fases evolutivas de uma entidade fisiopatológica única, cuja evolução natural, se não contida, é a disfunção de múltiplos órgãos(ROZMAN,1999).

A aplicação destas definições ampliadas melhora a precoce do quadro à beira do leito e permite uma intervenção precoce na sepse. Permite ainda uma uniformização de protocolos de tratamento e de pesquisa clínica (BEHRMAN et al.,2002).

Assim, o paciente séptico é um paciente com síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS) de origem infecciosa, embora a SIRS possa estar presente em sepse, como aos traumas, queimaduras, rabdomiólise, pancreatite e pós-operatório de cirurgia cardíaca (COTRAN et al.,2000).

Embora este consenso tenha sido aceito, o conceito SIRS tem sido muito criticado ultimamente, por causa de sua alta sensibilidade, que permite a inclusão inicial de grande número de casos categorizados como sepse, muitas vezes, com prognósticos díspares.



RESPOSTA DO ORGANISMO Á INFECÇÃO

Segundo COTRAN et al. (2000) A inflamação é uma resposta normal do hospedeiro contra agentes infeccisos. Sepse e SIRS são caracterizadas pela produção excessiva de mediadores inflamatórios e pela excessiva ativação de células inflamatórias, resultando numa anarquia metabólica, na qual “o próprio organismo não consegue controlar o que ele próprio criou”. A principal conseqüência desta resposta inflamatória é comprometimento de muitos órgãos e o quadro de choque com evolução para a síndrome da insuficiência de múltiplos órgãos, que é acompanhada de alta mortalidade. Para ser efetiva, a terapia farmacológica na sepse e SIRS deve mimetizar e compensar a defesa natural do organismo, com o objetivo de bloquear a resposta inflamatória tão logo quanto possível.

Quando a infecção ou bacteremia ocorre, a primeira linha de defesa do hospedeiro é realizada por células fagocitárias (macrófagos, monócitos e granulócitos polimorfonucleares) e pela via alternativa do complemento, agindo de maneira não específica. Logo após, as imunoglobulinas e as células imunocompetentes iniciam uma resposta imune específica (ROITT,1999).

Os componentes da parede bacteriana são os principais ativadores desta resposta do hospedeiro: as endotoxinas dos microorganismos Gram-negativos (principalmente o lipídio A) e o ácido teicóico dos microorganismos Gram-positivos. Estes componentes desencadeiam uma cascata inflamatória, sendo, inicialmente, liberados o Fator de Necrose Tumoral alfa (TNF  ) e a Interleucina – (IL-1), que estimulam uma intensa resposta celular, com liberação de mediadores secundários, quimiotaxia e ativação de granulócitos. Os mediadores secundários são responsáveis pela reativação das células fagocitárias e da cascata inflamatória, formando um ciclo vicioso inflamatório (RÉA NETO,1996).


ENDOTOXINA E SEUS MODULARES

As endotoxinas (lipopolissacárides), particularmente o lipídio A, são responsáveis pela ativação direta das células endoteliais, linfócitos, fibroblastos, etc) e do sistema complemento e, pela ativação indireta da cascata inflamatória pela indução da produção de citocinas pelos macrófagos e monócitos(RÉA NETO,1996).


PAPEL DOS MONÓCITOS MACRÓFAGOS

De acordo com COTRAN et al. (2000) estas células constituem-se na primeira linha de defesa contra infecções, após as barreiras naturais da pele e mucosas.

As endotoxinas causam a liberação de citocinas diretamente destas células. Ao mesmo tempo, os microorganismos presentes no foco de infecção são fagocitados. Isto causa uma aumento do consumo de oxigênio pelos macrófagos e a produção de radicais livres de oxigênio (superóxidos, peroxidases, etc), juntamente com proteases e hidrolases (lisozimas, elastase, colagenase, etc), que são capazes de causar danos a estes patógenos. Estas propriedades fagocíticas e bactericidas são essenciais para a defesa normal do hospedeiro, mas, quando a ativação dos macrófagos torna-se descontrolada, estas células contribuem para o desenvolvimento de uma reação inflamatória generalizada.

Os macrófagos ativados também secretam muitos mediadores inflamatórios, tais como leucotrienos e o fator ativador plaquetário (PAF), que são ativos em células distantes e amplificam a reação inflamatória.


CITOCINAS E SEUS MODULADORES

Os macrófagos monócitos, ativados, produzem, seqüencialmente, TNF  LI-1, IL-6 e IL-8. Estas citocinas agem em outras células ou elementos sanguíneos (polimorfonucleares, células endoteliais, fibroblastos, plaquetas e nos próprios monócitos) através da ligação a seus receptores de superfície, induzindo a produção e liberação de mediadores, contribuindo para uma resposta inflamatória tardia(RUBANYIL,1996).

Após a liberação de TNF  , IL-1 e PAF, o ácido araquidônico (ácido graxo abundante na maioria das membranas celulares) é metabolizado, formando os leucotrienos, Tromboxano A2 e prostaglandinas (especialmente a PGE2 e PGI2). A IL-1 e IL-6 ativam as células T a produzir interferon Y, IL-2 e IL-4. Quase todos estes agentes agem diretamente nos endotélio vascular.

Deve ser feita uma distinção entre os efeitos locais das citocinas (efeitos parácrinos) e as conseqüências de seus altos níveis na circulação sistêmica. Os efeitos locais envolvem o recrutamento de células fagocitárias, essencial para a eliminação dos microorganismos, enquanto que os efeitos sistêmicos causam danos ao hospedeiro. Isto é particularmente verdadeiro para o TNF  , que parece ser o mediador chave no choque séptico(GARCIA et al.,2002).


PAPEL DO ENDOTÉLIO VASCULAR

Por muitos anos, o endotélio vascular foi considerado um tecido essencialmente passivo, cuja função primária era apenas delimitar os vasos e servir como uma membrana semipermeável à água e às proteínas plasmáticas, mantendo uma adequada pressão coloidosmótica, regulando a entrada e saída de água e eletrólitos para o interstício. Porém, atualmente, o endotélio vascular é visto como uma barreira ativa, que aumenta ou limita a entrada e saída de substância no vaso pela secreção ou metabolização de muitas moléculas ativas na regulação do tônus vascular, coagulação e permeabilidade (renina, endotelina, prostaciclina, óxido nítrico, PG2 e aminas ativas) (COTRAN et al.,2000).
As células endoteliais possuem um importante papel na homeostasia, regulação do tônus vascular e fibrinólise pela secreção de vasodilatadores e vasoconstritores, ativação da enzima conversora da angiotensina em sua superfície (que degrada a bradicinina e converte a angiotensina I inativa em angiotensina II), difosfatase adenosina (que inibe a agregação plaquetária) e pela produção do ativador tecidual do plasminogênio (GUYTON & HALL,2002).

Quando ativadas diretamente pelo lipopolissacárides da membrana bacteriana (endotoxinas) ou peoas citocinas, estas células adquirem uma função prócoagulantes e protrombólica, pela liberação de tromboplastina, inibidor do ativador do plasminogênio e do fator ativador plaquetário, além da diminuição da sua produção de trombomodulina. Também produzem mediadores inflamatórios, tais como as interleucinas (IL-1, IL-6 e IL-8), fator agregante plaquetário, prostaciclina, endotelina (capaz de aumentar adversamente o tônus vascular). A propriedade vasodilatadora do óxido nítrico desempenha o papel principal na regulação do tônus vascular, sendo ele sintetizado a partir da L-arginina e óxido nítrico-sintetase dentro da célula endotelial(AIRES,1999).

A destruição local do endotélio pela aderência de plimorfonucleares ativos, causa um aumento da permeabilidade e edema tecidual, que contribui para ampliação da reação inflamatória particularmente nos pulmões(ROZMAN,1999).

A microcirculação é o principal sítio de ataque durante o choque e pode tornar-se uma área fértil para o crescimento bacteriano descontrolado. Alterações nas dimensões dos pequenos vasos, juntamente com alterações nas características bioquímicas e fisiológicas do sangue, prejudicam a homeostasia da microcirculação durante o choque (RÉA NETO,1996).

Segundo GARCIA et al. (2002) um importante fator precipitante é a diminuição da deformidade das hemácias, que depende das propriedades viscoelásticas da membrana celular, viscosidade do citoplasma e da razão entre a área de superfície corpórea e o seu volume, podendo estar todos estes fatores alterados durante o choque, devido à acidose, hipotermia e alterações na geometria da hemácia, aumentando o seu tempo de passagem pelos capilares (estagnação), podendo bloqueá-los (principalmente quando a pressão de perfusão estiver diminuída), promovendo o aumento do desvio (“shunt”) arteriovenoso de sangue, o que diminui ainda mais o fluxo de sangue pela microcirculação durante o choque séptico, contribuindo para a redução do suporte metabólico e de oxigênio além do sítio de obstrução.

A própria toxina aumenta a permeabilidade no leito capilar, independentemente de alterações nas pressões hidrostática ou coloidosmótica, e, sendo um local de seqüestro da volemia, passa para o espaço intersticial, já que, normalmente, o leito vascular acomoda cerca de 50% do volume sanguíneo, contribuindo para a queda na pressão arterial e no débito cardíaco.


PAPEL DOS LEUCÓCITOS POLIMORFONUCLEARES

Segundo VERONESI & FOCACCIA (1996) a presença do foco infeccioso, a liberação de endotoxinas, a produção de citocinas e a ativação da cascata da coagulação ativam os leucócitos polimorfonucleares. Estes são atraídos para o sítio de infecção e inflamação através de numerosos fatores quimiotáticos (fragmentos do complemento, IL-8, peptídios quimiotáticos, leucotrienos, etc), aumentando dramaticamente o seu número, próximo às vênulas pós-capilares onde passam através da barreira endotelial (diapedese) atingindo a área de infecção, ampliando a resposta inflamatória.

A ativação dos leucócitos tem profundos efeitos no fluxo sanguíneo da microcirculação, uma vez que sua aderência ao endotélio causa estreitamento dos microvasos, causando um aumento da resistência vascular, redistribuindo o fluxo sanguíneo e as hemácias, o que modula a oferta de oxigênio aos tecidos.

A estimulação dos polimorfonucleares causa um aumentos no consumo de oxigênio, caracterizado pelo aumento na atividade da NADPH- oxidanse, que produz as formas ativas de oxigênio, incluindo os radicais superóxidos, que são armas essenciais, durante a sepse, para a destruição de bactérias fagocitadas e a limpeza de áreas necróticas, em conjunção com as proteases.


HÁ UM MEDIADOR CENTRAL NA SEPSE?

Grande parte da atenção tem sido desviada para o TNF  . Porém, este mediador inflamatório não é exclusivo da sepse, sendo encontrado em pacientes com outras patologias. No entanto, parece ser o mediador que mais reflete à resposta imune(GARCIA et al., 2002).

O TNF  não é o único mediador que pode reproduzir os sintomas da sepse. As administrações de baixas doses de interleucina-1 ou PAF também induzem a um estado de sepse. Assim como o TNF  , a IL-1 e o PAF são encontrados em outras condições clínicas. Elevados níveis de IL-1 são encontrados na doença inflamatória intestinal, artrite crônica juvenil sistêmica, artrite reumatóide, sarcoidose e fibrose pulmonar. O PAF pode ser detectado em pacientes com asma ou doença renal.

Como parece não haver um mediador central que explique a origem da sepse, podemos considerar que há uma interação específica entre dois ou mais mediadores que desencadeiam o estímulo inicial. A complexidade desta cascata torna difícil a elucidação exata de quais os efeitos que podem ser atribuídos a cada mediador, pois muitos têm efeitos sinérgicos.


OUTRAS VARIÁVEIS

De acordo com GARCIA et al. (2002) existem outras três variáveis a serem consideradas na discussão do papel dos mediadores na sepse:

- Estado de saúde prévio do paciente, antes da instalação do quadro séptico.

Os pacientes com maior risco de morte na sepse são os idosos, os que recebem drogas imunossupressoras, os portadores de neoplasias malignas, cirrose, asplenia ou com desordens multissistêmicas (diabetes mellitus, insuficiência renal ou doença cardíaca). Estes pacientes, freqüentemente, já têm altos níveis circulantes de um ou mais mediadores. Além disso, a produção de alguns mediadores pode estar alterada nestes pacientes, como aqueles sintetizados no endotélio vascular, já comprometido nos idosos, diabéticos e em pacientes com aterosclerose. Assim o aumento na produção de alguns mediadores pode vir junto com a diminuição da produção de outros, o que pode dificultar a restauração da homeostasia.

- Tempo de doença.
A duração da enfermidade pode alterar o “ pool ” de mediadores. A síntese de citocinas pode estar diminuída após uma infecção duradoura, a estimulação dos receptores pode diminuir e, eventualmente, podem ser produzidos inibidores.

- Variações inatas do paciente na capacidade de secretar estes mediadores.
Estas diferenças podem ocorrer tanto na resposta do paciente aos mediadores, quanto na sua capacidade de produzir-los.


VALIDAÇÃO DOS MODELOS EXPERIMENTAIS.

A extrapolação dos resultados de modelos experimentais, em animais, para os humanos deve ser feita com cuidado, pois há significantes diferenças entre as espécies estudadas quanto aos efeitos provocados pelas endotoxinas e outros mediadores. As maiorias das citocinas são espécies específicas, sendo que a administração de uma citocina humana (ou anticorpo anticitocina) pode produzir uma resposta diferente num modelo animal(MATTAR,1996).

Deve-se ter cuidado, também na interpretação dos resultados de experimentos em voluntários humanos. Estes voluntários são saudáveis, enquanto que o paciente séptico está severamente doente e imunocomprometido. Além do mais, tais estudos utilizam uma dose subletal de endotoxinas (grande o bastante para produzir uma resposta mensurável, mas baixa para provocar os efeitos observados na sepse). Esta dose também é dada numa simples dose em bolo intravenoso, que provavelmente não é comparável com o padrão de liberação na sepse.

Futuros ensaios clínicos devem considerar os grupos de pacientes com sepse grave bem definidos, estratificando tais pacientes, identificando o microorganismo responsável através de adequados dados bacteriológicos e definindo a padronização das condutas, em termos de critérios, na escolha dos antibióticos, tipo de controle da reposição volêmica, doses e tempo de início das drogas vasoativas e introdução da dieta, monitorizando e efeito de tais condutas com o valor dos índices de oxigenação, variáveis hemodinâmicas, níveis de lactato sérico, pH intragástrico, tendo, como parâmetro, a mortalidade, redução ou reversão de insuficiências orgânicas e a qualidade de vida(GARCIA et al.,2002).


IMPLICAÇÕES PARA O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

Segundo AKAMINE (1994) o desenvolvimento da sepse ou de suas seqüelas não requer a persistente liberação de endotoxinas na corrente sangüínea, pois muitos mediadores químicos podem iniciar e perpetuar o processo. Isto pode explicar porque muitos pacientes sépticos nunca desenvolvem bacteremia.

A quantidade de endotoxinas ou mediadores liberados inicialmente pode não ser necessariamente grande. Pequenas quantidades de TNF  ou PAF podem desencadear sepse, com ativação dos neutrófilos e dano endotelial subseqüente.

Diferentes mediadores podem constituir-se no estímulo inicial em diferentes pacientes, o que poderia explicar o porque da inexistência de uniformidade no padrão de lesão de um determinado órgão. O TNF  liga-se, preferencialmente, aos rins, pulmões e fígado, enquanto o PAF, freqüentemente, contribui para a ulceração do trato gastrintestinal.

Se ocorrer suficiente dano endotelial, novos organismos podem atingir a corrente sangüínea, o que pode acontecer no trato gastrintestinal, onde a translocação bacteriana pode promover a liberação de quantidades adicionais de mediadores.

O planejamento terapêutico na sepse deve levar em conta a gravidade do momento atual da infecção, onde o paciente poderá ter múltiplos e persistentes sítios de inflamação, cada um num estágio diferente de inflamação(ROZMAN,1999).


MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA SEPSE

De acordo com VERONESI & FOCACCIA (1996) as manifestações clínicas da sepse decorrem do processo infeccioso primário, do processo inflamatório subjacente e das orgânicas instaladas ou em instalação.

Os sintomas e sinais decorrentes do insulo infeccioso primário dependem da localização do foco de infecção inicial.

Essencialmente, quaisquer microorganismos podem causar sepse ou choque séptico (bactéria, vírus, fungos, protozoários), porém as bactérias são os agentes etiológicos mais comuns. As maiorias dos casos de sepse são devido à bactéria Gram-negativas (Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Enterobacter sp, Pseudomonas aeruginosa e outras). Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae e outras bactérias Gram-positivas são responsáveis pelos casos remanescentes. Nos pacientes imunossuprimidos, os fungos, bem como as bactérias, podem causar sepse.

As manifestações clínicas secundárias à ativação inflamatória são inespecíficas e incluem a febre ou hipotermia, taquicardia, taquipnéia e alcalose respiratória, leucocitose ou leucopenia com aumento do número de bastonetes, hipermetabolismo sistêmico, consumo elevado de oxigênio, hipoperfusão sistêmica e acidose metabólica e um estado circulatório hiperdinâmico. A magnitude das alterações destes sinais de sepse não parece correlacionar bem com a gravidade da síndrome. No entanto, a hipotermia e a leucopenia podem ser fatores de risco independentes para um prognóstico sombrio.

Hipotensão sistêmica, defeitos microcirculatórios, regionais, hipoxia tecidual e ativação da cascata inflamatória estão relacionados às lesões de múltiplos órgãos que caracterizam a evolução clínica da sepse até a sepse severa. As disfunções pulmonares e renais são habitualmente reconhecidas nos estágios iniciais, também por fazerem parte da avaliação clínica rotineira. As disfunções neurológicas, hepáticas e gastrintestinais são, geralmente, reconhecidas, clinicamente, mais tardiamente, mas também já existem no plano bioquímico, desde o início do processo séptico.


DISFUNÇÃO CARDIOVASCULAR

De acordo com GARCIA et al. (2002) o quadro de sepse é freqüentemente acompanhado por hipovolemia, devido à dilatação arterial e venosa e perda de fluídos para o espaço extravascular (terceiro espaço). Se a hipovolemia é corrigida por uma reposição agressiva de líquidos intravenosos, haverá uma baixa resistência vascular sistêmica, com débito cardíaco normal ou elevado e uma alteração da extração de oxigênio pelos tecidos. A repercussão clínica dessas alterações inclui: taquicardia, alargamento da pressão de pulso e extremidades quentes, caracterizando um estado hiperdinâmico, generalizado, que ocorre em mais de 90% dos pacientes. Hipotensão arterial e choque podem se desenvolver na evolução, devido a hipovolemia (perda de líquidos pela febre, sudorese, estase gastrintestinal e seqüestro de líquidos para terceiro espaço) e a vasodilatação sistêmica progressiva. Observa-se um fluxo sanguíneo não homogêneo nos diversos territórios de perfusão. Este quadro é denominado de choque distributivo.

Estes pacientes com o débito cardíaco elevado, de maneira precoce, têm uma disfunção miocárdica associada, caracterizada por dilatação ventricular e diminuição da fração de ejeção. Tal depressão miocárdica pode ser causada por vários fatores incluindo a formação de edema miocárdico, alterações dentro da fibra miocárdica, liberação de várias substâncias depressoras do miocárdio e, talvez uma redução no suprimento sanguíneo coronariano. A fração de ejeção (fração ou porcentagem do volume diastólico, final, ejetado em cada batimento cardíaco) é uma medida fiel da performance ventricular durante a sepse e choque séptico.

O padrão característico da performance cardíaca, durante o choque séptico, é de uma reduzida fração de ejeção ventricular de ambos os ventrículos, aumento do volume diastólico final e volume sistólico final, também de ambos ventrículos, volume sistólico normal, débito cardíaco e freqüência cardíaca aumentados e uma resistência vascular sistêmica baixa. A redução na fração de ejeção e a dilatação biventricular ocorrem vinte e quatro a quarenta e oito horas após a instalação da sepse, sendo reversíveis nos pacientes que sobrevivem, após cinco a dez dias do início do quadro.

Certos padrões hemodinâmicos têm implicações prognosticas. Uma baixa freqüência cardíaca é um fator preditor de sobrevivência, provavelmente refletindo uma doença menos severa. Diversos estudos clínicos têm documento à baixa fração de ejeção e a dilatação ventricular, que também, estão associadas com a sobrevivência, talvez refletindo uma maior compensação ventricular (pelo mecanismo de Frank-Starling) para a depressão miocárdica, induzida pela sepse. As medidas hemodinâmicas seriadas, nos pacientes em choque séptico, através do cateter de Swan-Ganz, revelam que uma resposta favorável ao tratamento do choque séptico é associada com um aumentos do tônus vascular sistêmico e normalização do índice cardíaco elevado, enquanto que a persistência do estado hiperdinâmico aumenta o risco de mortalidade.

Os pacientes sépticos têm um consumo de oxigênio (VO2) elevado e altamente dependente de sua oferta (dependência patológica). O aumento do VO2 associado à diminuição na extração de oxigênio pelos tecidos periféricos e às alterações profundas na microcirculação, está relacionados com uma progressiva hipoxia tecidual e disfunção progressiva de órgãos. A diminuição da diferença arteriovenosa de oxigênio sugere que o oxigênio não está atingindo ou não está sendo usado pelas células. A possibilidade mais plausível é que as anormalidades vasculares observadas (choque distributivo), levam à diminuição da perfusão tecidual, de maneira semelhante à que ocorre nos pacientes com débito cardíaco muito baixo, como, por exemplo, nos casos de choque cardiogênico ou hipovolêmico. Outra possibilidade é a perfusão tecidual estar adequada e o metabolismo celular estar reduzido.

A única maneira realmente eficaz de quantificar as alterações do consumo de oxigênio e da produção de gás carbônico, na sepse, é através do uso da calorimetria indireta, à beira do leito. Este método permite o acompanhamento, de maneira seriada, da terapêutica do paciente com reposição volêmica, drogas vasoativas e suporte nutricional.

Uma questão central na patogênese da sepse é se a diminuição da perfusão é devida a desregulação microvascular ou se é apenas um evento associado na insuficiência orgânica, induzida pela sepse(BENNET & PLUM,1997).

A hipóxia tecidual, decorrente do choque séptico, pode ser medida pelos níveis séricos de lactato. O lactato elevado caracteriza a hipóxia tecidual, pois a sua produção ocorre em estados de metabolismos anaeróbio, embora o ácido láctico também possa ser produzido em estados hipermetabólicos. A medida seriada do lactato sérico, em pacientes sépticos, tem sido utilizada para orientar a conduta e avaliar o prognóstico. No entanto, a produção de lactato não aumenta apenas durante a hipóxia celular, podendo também ser resultado de uma anormalidade primária na glicólise. Assim, a hipóxia celular e a redução nos estoques de fosfatos energéticos (ATP) não são explicações adequadas para as anormalidades na patogênese do choque séptico.

A hipótese de que o metabolismo celular é anormal, em pacientes com choque séptico, é suportada mal, em pacientes com choque séptico, é suportada pelo aumento das concentrações de lactato sérico, acidose metabólica, aumento da glicólise, diminuição da extração de oxigênio e um consumo de oxigênio, dependente da oferta (dependência patológica), na qual o consumo de oxigênio continua a aumentar, até certo limite, com o aumento da oferta de oxigênio(TERZI,1995).

O hipercatabolismo protéico, no choque séptico, congestiona a entrada de piruvato no ciclo de Krebs, desviando-o para lactato, estando ambos elevados, mantendo constante a relação lactato:piruvato, indicando que o acúmulo de lactato, durante a sepse, pode não ser resultado das limitações da oxigenação tecidual, sendo uma seqüela do excesso da produção de piruvato. Existem indícios, ainda, que a acidose láctica seja um mecanismo de compensação, onde parece que a acidose intracelular é necessária para aumentar a liberação de oxigênio(CAMPOS,1996).


DISFUNÇÃO PULMONAR

Segundo IAZZETTI (1996) a lesão do endotélio vascular pulmonar, secundária à inflamação, produz um progressivo edema intersticial, acarretando um desequilíbrio entre a ventilação e a perfusão pulmonar, com hipoxemia refratária, diminuição da complacência pulmonar e necessidade de ventilação mecânica para a adequada oxigenação tecidual. Com a progressão do quadro séptico, a saturação venosa, mista, de oxigênio aumenta e a diferença arteriovenosa diminui. O gradiente alvéolo-arterial se alarga e há uma diminuição da pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (pO2).

Na fase inicial (edematosa), há poucos infiltrados pulmonares e a hipoxemia é discreta, com relação PaO2/ FiO2 entre 200 e 300, sendo denominada de lesão pulmonar aguda. Numa fase mais avançada, há maior infiltrado pulmonar, principalmente nas áreas dependentes dos pulmões, com hipoxemia refratária, com uma relação PaO2/ FiO2 menor que 200, caracterizando síndrome da angústia respiratória aguda (SARA), que ocorre em 25% dos pacientes com SIRS.


DISFUNÇÃO RENAL

Desde o início da sepse, a hipoperfusão tecidual (com ou sem hipotensão) e a lesão inflamatória resultam em um dano isquêmico e disfunção tubular renal. Há oligúria progressiva com queda da taxa de filtração glomerular e elevação da creatinina. A ressuscitação clínica inicial, com restauração da volemia e uso de drogas vasoativas pode reverter o processo e evitar a necrose tubular aguda. A instalação do quadro de insuficiência renal aumenta muito a morbimortalidade, apesar da terapia renal substitutiva precoce (RUBANYIL,1996).

A insuficiência renal aguda, associada a sepse, determina um prognóstico extremamente reservado, com taxas de mortalidade de até 80%.


DISFUNÇÃO NEUROLÓGICA

De acordo com CAMPOS (1996) podem ser observados vários graus de alterações do nível de consciência nos pacientes sépticos, variando desde um estado confusional leve até estupor e coma, sendo mais susceptíveis os pacientes com aterosclerose difusa.

Devemos excluir condições clínicas prévias, anteriores à admissão do paciente na unidade de terapia intensiva (infecção aguda, compressão medular traumática ou neoplásica, síndrome de Guilhain-Barré, miastenia gravis, distrofia muscular progressiva e outras) daqueles quadros clínicos que ocorrem após o desenvolvimento da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS), quando, geralmente, observa-se dificuldade do desmame da ventilação mecânica (identificada após a exclusão de causas cardíacas ou pulmonares para a insuficiência respiratória) e fraqueza dos membros.

Devemos, sistematicamente, investigar o envolvimento da medula espinhal cervical alta, nervos periféricos, junção neuromuscular e músculos, lançando mão de exames complementares como: ressonância nuclear magnética da medula cervical, estudo da condução nervosa, repetitiva para o estudo de defeitos da transmissão neuromuscular, testar a condução do nervo frênico, eletromiografia por punção dos músculos da parede torácica e do diafragma, medidas da concentração sérica de creatinofosfoquinase e biópsia de músculos(GARCIA et al.,2002).

As principais manifestações clínicas que aparecem são a encefalopatia séptica e a polineuropatia do doente crítico, ocorrendo em 70% dos pacientes sépticos (BENNETT & PLUM, 1997).

A polineuropatia do doente crítico caracteriza-se pela fraqueza dos membros e dificuldade do desmame da ventilação mecânica pela fraqueza da musculatura respiratória. A eletromiografia mostra degeneração axonal de fibras motoras e sensitivas, com níveis séricos normais de creatinofosfoquinase, sendo que a biópsia de músculo mostra atrofia e desnervação. Tal quadro assemelha-se à neuropatia motora, aguda, associada com o uso de agentes bloqueadores neuromusculares competitivos (principalmente o pancurônio e vecurônio), usados por mais de quarenta e oito (48) horas.

Outras entidades neurológicas vistam na unidade de terapia intensiva, associadas com a síndrome das resposta inflamatória sistêmica são: defeitos transitórios da transmissão neuromuscular, também associados ao uso de bloqueadores neuromusculares; miopatia (pela destruição de filamentos de miosina) em asmáticos, principalmente os que usaram altas dose de corticóides e bloqueadores neuromusculares; miopatia por desuso (caquexia) e a miopatia necrotizante aguda(COTRAN et al.,2000).


DISFUNÇÃO GASTRINTESTINAL

Existe um retardo precoce no esvaziamento gástrico e aparecimento de úlceras de estresse. A seguir, ocorre um comprometimento estrutural da mucosa intestinal e translocação de bactérias e de seus produtos tóxicos para os vasos sanguíneos, o que fez surgir à hipótese na sepse, mesmo após a eliminação do foco infeccioso inicial(CAMPOS,1996).

No choque séptico, a presença de um débito cardíaco normal ou elevado não pode evitar a isquemia intestinal, devido ao choque distributivo. Por este motivo, a monitorização da perfusão regional com a tonometria gástrica parece ser importante na avaliação, na terapêutica e no prognóstico do choque séptico, já que a circulação esplâncnica é uma das primeiras a ser reduzida no choque crítico. A medida do pH intramucoso pode ser usado clinicamente como um sinal de oxigenação tecidual inadequada auxiliando na apropriada ressuscitação (fluidos agentes inotrópicos) num estágio precoce.

A tonometria gástrica avalia a oxigenação esplâncnica através de um tonômetro, similar à sonda nasogástrica (impermeável aos gases) com um balão de silicone (permeável aos gases) na sua extremidade distal que é preenchido com solução salina e deixando no lúmen gástrico por cerca de uma (1) hora, para que o pCO2 da solução salina equilibre-se com o pCO2 da luz gástrica. A difusão de CO2 ocorre livremente, através da membrana das células, na camada superficial do trato gastrintestinal e o equilíbrio é estabelecido com o fluido intraluminal, assim como com a solução salina é aspirada do balão e seu pCO2 é determinado por um analisador de gases convencional. O pCO2 é corrigido por um fator que é dependente do tempo de equilíbrio. Uma amostra de sangue arterial é colhida concomitantemente e sua concentração de bicarbonato (HCO3) é determinada através de um analisador convencional de gases sanguíneos. Assume-se a concentração de bicarbonato no fluído intracelular da mucosa gastrintestinal está em equilíbrio com a concentração de bicarbonato no capilar sanguíneo que nutre essa mucosa, sendo igual ao valor do bicarbonato na amostra arterial colhida para a dosagem. O pH é calculado, substituindo o pCO2 (salina) e o HCO3 (arterial) na equação de Hederson-Hesselbach modificada: pHi=6,1 log ([HC3] / pCO2 x 0,0307)(GARCIA et al.,2002).

O balão do tonômetro deve ser novamente enchido de solução salina para permitir e equilíbrio antes de outra medida do pH intramucoso ser realizada.

Muitos trabalhos têm comparado a medida do nível sérico de lactato na admissão e após vinte e quatro (24) horas de internação, com as medidas da tonometria gástrica como indicadores prognósticos, sendo que o lactato sérico elevado (> 2 mEq/l), principalmente após vinte e quatro (24) horas, e o pH intramucoso, menor que 7,32 estiveram associados com maior mortalidade(RÉA NETO,1996).

Há várias críticas quanto às medidas da tonometria gástrica e ao real valor de seus achados, o que, aliado ao curso substancial do método, faz com que o mesmo ainda não seja utilizado rotineiramente na prática clínica diária.


DISFUNÇÃO HEPÁTICA

RÉA NETO (1996) relatou que a deterioração da função hepática só é significativa tardiamente, no curso da sepse. A colestase é a manifestação mais comum, caracterizando-se por uma elevação das bilirrubinas (predominantemente direta), sem obstrução biliar e sem grandes aumentos nas transaminases. As hipóteses para explicar tal condição são: diminuição do fluxo hepático, congestão venosa e lesão inflamatória dos hepatócitos, acarretando uma alteração funcional nos mesmos.

O aparecimento de icterícia é um sinal de pior prognóstico na sepse. Só mais tardiamente aparecem os quadros de insuficiência hepática e encefalopatia.




DISFUNÇÃO HEMATOLÓGICA

As anormalidades habituais são a leucocitose, com aumento do número de bastonetes (> 10%), e linfopenia. Eventualmente, pode haver leucopenia, o que parece ter um prognóstico mais sombrio(ROZMAN,1999).

A anemia é progressiva, decorrente da diminuição da produção de eritropoietina, bloqueio medular e perda de sangue. A trombocitopenia ocorre devido a um consumo periférico aumentado ( infecção, drogas, CIVD). O quadro de coagulação intravascular disseminada (CIVD) pode se desenvolver pelo estímulo inflamatório da coagulação a se caracteriza pr facilitar o sangramento e por deposição de fibrina na microcirculação, com conseqüente isquemia de órgãos. Mesmo com o quadro clínico resolvido, a plaquetopenia pode persistir, retornando aos seus valores normais apenas três (3) ou quatro (4) semanas após o início do quadro.


DISFUNÇÃO METABÓLICA

São as disfunções mais comuns e precoces na sepse, havendo hiperglicemia, hipertrigliceridemia, estímulo da glicogenólise e da neoglicogênese e aumento do catabolismo protéico e lipídico, decorrentes de elevação da secreção de insulina, porém não proporcional aos níveis glicêmicos, e do aumento da resistência periférica a seus efeitos, além da elevação da secreção de catecolamina, do glucagon e de glicocorticóides endógenos (GUYTON & HALL,2002).


ABORDAGEM TERAPÊUTICA DA SEPSE

Com base no arsenal terapêutico atual e de eficácia comprovada, o objetivo fundamentas do tratamento é a manutenção de um suporte cardiorrespiratório e metabólico, que permita manter o paciente vivo até a sua recuperação integral. O controle definitivo do foco infeccioso é imperativo no tratamento, sendo a primeira prioridade.

Atualmente, vêm sendo testadas estratégias para modular a excessiva geração ou ação de mediadores na sepse(MATTAR,1996).


ABORDAGEM DO FOCO / ANTIBIOTICOTERAPIA

Desde que a sepse se inicia com a proliferação de microrganismos, a partir de um foco infeccioso, o uso de antibióticos é mandatório(ACCP,1992).

Sepse por Gram-negativo não pode ser distinguida da sepse por Gram-positivo, com base nas características clínicas apenas. Entretanto, certos fatores epidemiológicos, do paciente e clínicos aumentam a incidência de certos organismos selecionados(MURRAY et al.,2000).

É fundamental a identificação do microorganismo causador da infecção e o início precoce de antibioticoterapia adequada. Uma antibioticoterapia inicial, inadequada, na sepse, encontra-se associada a um risco de morte aumentado em até cinco vezes. Por outro lado, a antibioticoterapia indiscriminada é responsável pelo surgimento crescente de bactérias multiresistentes e infecções fúngicas(VERONESI & FOCACCIA,1996).

Na maioria das vezes, a escolha dos (s) antibióticos (s) é empírica, recorrendo-se clínicos, epidemiológicos e laboratoriais.

Qualquer foco purulento deve ser objeto de possível drenagem, percutânea ou cirúrgica, como ponto inicial de qualquer forma de tratamento.


REPOSIÇÃO VOLÊMICA

Segundo TERZI (1995) o déficit de volume não deve ser subestimado. O objetivo imediato da reposição de volume é o aumento da perfusão tecidual. A reposição volêmica dever ser prioritária, rápida e agressiva. O volume aumentará a pré-carga e o débito cardíaco, elevando a oferta de oxigênio (DO2).

A reposição volêmica deve ser norteada em parâmetros hemodinâmicos, objetivos. A confiabilidade da pressão atrial direita (medida pela pressão venosa central – PVC) em refletir a pressão de enchimento ventricular esquerdo se limita ao intervalo de baixas pressões de átrio direito (menor ou igual a 5 mmHg), pois uma pressão atrial direita baixa autoriza a reposição volêmica, já que a pressão capilar pulmonar, provavelmente, encontra-se baixa. Com valores normais ou elevados de pressão atrial direita, apenas a medida da pressão capilar pulmonar, através da monitorização hemodinâmica invasiva, com o uso do cateter de Swan-Ganz, poderiam aferir o risco de edema pulmonar.

Pode ser utilizado colóide, em combinação com cristalóide, tentando otimizar uma pressão capilar pulmonar entre 15 e 18 mmHg. Embora ainda não haja uma clara evidência de que os colóides sejam significativamente superiores aos cristalóides, na reposição volêmica do paciente séptico, deve ser evitada uma grande diminuição da pressão coloidosmótica (a quantidade de cristalóides necessária pode ser duas (2) a cinco (5) vezes maior que o volume de colóide). Os vários substitutos do plasma são considerados tão efetivos quanto a albumina no seu potencial de expansão volêmica, devendo seu uso ser preferencial, devido aos custos mais baixos. Entretanto, alguns destes agentes produzem efeitos na homeostasia, que são indesejáveis em alguns pacientes.

Estas recomendações para a ressuscitação volêmica genérica e cada situação requer um julgamento individual para as necessidades do paciente.

A transfusão sanguínea pode ser necessária para aumentar a pré-carga cardíaca e elevar o conteúdo arterial de oxigênio, porém não há um consenso sobre o seu papel no tratamento de suporte. A hemoglobina deve ser mantida ao redor de 10 g%.


DROGAS INOTRÓPICAS / SUPORTE RESPIRATÓRIO

De acordo com KNOBEL (1994) o uso de drogas vasoativas deve ser reservado para os pacientes sépticos, nos quais a reposição volêmica não foi suficiente para restaurar a pressão de perfusão a níveis consistentes com uma adequada função renal e cerebral. O prazo de tempo máximo, aguardando por um efeito pressórico pela infusão de volume, é de trinta (30) minutos. Após esse tempo, deve ser iniciada a infusão de drogas vasoativas, procurando-se atingir uma pressão arterial sistólica de 90 mmHg, em até sessenta (60) minutos.

A droga de eleição continua sendo a dopamina, muitas vezes em doses muitos altas (>20, ug/kg/min), para atingir os objetivos terapêuticos. Tais objetivos (principalmente a pressão arterial sistólica de 90 mmHg) podem não ser atingidos, mesmo com doses elevadas, ou ainda, devido aos seus efeitos cronotrópicos positivos (taquicardia) e ao arritimogênico, deve ser diminuída a sua dosagem e iniciado o emprego de noradrenalina (0,05 a 1,0 ug/kg/min), devido ao seu maior potencial vasoconstritor e menor efeito cronotrópico positivo. A dopamina pode ser mantida em dose dopaminérgica (0,5 a 3ug/kg/min) para favorecer o fluxo sanguíneo renal, efeito esse contestado em diversos trabalhos.

A necessidade de aumentar o débito cardíaco, principalmente nos pacientes com monitorização hemodinâmica invasiva, com índice cardíaco menor que 3l/min/m¬2, faz com que seja necessário o uso de dobutamina (5 a 10 mg/kg/min).

De acordo com GARCIA et al. (2002) diversos estudos têm sugerido que a ressuscitação do paciente séptico, baseada na otimização dos índices de oferta e consumo de O2 (valores supranormais), é associada com melhora nos resultados em termos de morbimortalidade, em estados hipoperfusão, quando comparados com a ressuscitação convencional, baseada nos parâmetros de pressão capilar pulmonar, índice de volume diastólico, final, do ventrículo direito, pressão arterial média e índice cardíaco. Nestes estudos, a otimização dos índices de oxigenação é feita com o uso titulado das aminas vasoativas e transfusão sanguínea, de tal forma que o índice de consumo de oxigênio (VO2I) deve ser maior que 150 a 170 ml/min/m2, índice de oferta de oxigênio (DO2I) maior que 600 ml/min/m2. Tal conceito causou grande entusiasmo inicial, porém os resultados de trabalhos mais recentes têm sugerido a interpretação de que, após a adequada expansão volêmica, a incapacidade de atingir os índices de oxigenação e hemodinâmicos, preconizados, reflete a inadequada reserva fisiológica e, conseqüentemente, um pobre prognóstico. Tal interpretação surgiu do fato de muitos pacientes do grupo de estudo não foram capazes de atingir os valores supranormais, apesar das intervenção agressiva com expansores do volume e drogas vasoativas, enquanto que pacientes do grupo controle atingiram tais valores supranormais de oxigenação do débito cardíaco por si próprios. Assim, as evidências atuais são insuficientes para recomendar tal rotina de maximização da oferta de oxigênio, num grupo de pacientes não selecionados.


SUPORTE NUTRICIONAL

Segundo CAMPOS (1996) os pacientes com síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), de origem séptica ou não, cursam com um quadro hipermetabólicos, cujo objetivo é o de fornecer substratos caloricoprotéicos, necessários aos mecanismos imunológicos de defesa e reparação de tecidos. A conseqüência desse estado hipermetabólicos é a grande perda de massa muscular magra, corpórea, desproporcional ao período de jejum, com um balanço nitrogenado, acentuadamente negativo.

O metabolismo aumentado acompanha-se de um aumento no consumo de O2 o que pode ser demonstrado pela calorimetria indireta, conforme já foi comentado anteriormente. As concentrações plasmáticas de vários hormônios estão elevadas (reação orgânica ao trauma) como as catecolaminas, ACTH, glicocorticóides, insulina, glucagon, hormônio de crescimento, renina, aldosterona, entre outros modulando a resposta necessária para a mobilização da reserva intrínseca e orgânica de proteínas, lipídios e carboidratos.

O suporte nutricional é parte fundamental do tratamento deste estado de hipermetabolismo, sendo que a via de administração da dieta e sua composição de nutrientes, que melhor se adaptam a essas condições, devem ser analisadas individualmente. Seu objetivo é preservar a massa corporal ou minimizar sua perda e produzir um impacto positivo na economia de nitrogênio.

Embora com o enorme progresso e ênfase nas várias técnicas de nutrição enteral, mesmo nos pacientes hipermetabólicos, muitos deles, por impossibilidade parcial ou temporária de acesso e absorção enteral dos nutrientes, devem ser nutridos exclusivamente ou complementados por nutrição parenteral. A nutrição enteral iniciada dentro das primeiras setenta e duas (72) horas, em casos de traumatismo, é associada com redução na incidência de complicações sépticas.

Quanto à fonte protéica, apesar dos estudos experimentais demonstrarem, de forma inequívoca, os benefícios nutricionais do emprego das soluções de aminoácidos, enriquecidos cm aminoácidos de cadeia ramificada, os estudos clínicos prospectivos e randomizados não identificaram vantagens significativas em termos de redução de morbimortalidade com o uso dessas soluções. A orientação atual é utilizar soluções convencionais de aminoácidos, na proporção de 2 a 3g/kg/dia.

Quando à fonte calórica, a substituição de parte das calorias glicídicas por lipídeos evita as complicações resultantes do excesso de glicose, como aumento da produção de CO2 e de consumo de O2, ocasionando aumento do quociente respiratório, aumento do gasto energético basal, hiperglicemia, hiperosmolaridade e esteatose hepática. Também há evidências de que a administração parenteral, excessiva, de triglicérides de cadeia longa resulta em acúmulo de lipídeos no sistema reticuloendotelial, com conseqüente depressão da função imunológica.


NOVAS ABORDAGENS TERAPÊUTICAS NA SEPSE.

MANIPULAÇÕES DIETÉTICAS

Os trabalhos de CAMPOS (1996) levam em conta a utilização de nutrientes específicos, tanto por via enteral, como parenteral, agindo como possíveis estimuladores do trofismo intestinal (glutamina), minimizando o risco de ocorrer translocação bacteriana, e/ou como imunomoduladores (ácidos graxos Omega – 3), interferindo na maior ou menor produção de elementos químicos, melhorando o desempenho do sistema imunológico.

A) Dieta com Glutamina

A glutamina é o aminoácido mais abundante do espaço intracelular, estando reduzida nos estados hipermetabólicos, no músculo esquelético e no sangue. Os enterócitos e colonócitos utilizam o seu esqueleto carbônico como fonte de energia, excretando amônia pela veia porta para a síntese de uréia.

Durante os estados hipermetabólicos, existe um consumo acelerado de glutamina pelo intestino, quando é aumentada a liberação de cortisol, acelerando a proteólise e a saída de glutamina do músculo esquelético e aumentando sua captação pelo intestino, promovendo a recuperação do trofismo intestinal e diminuindo a probabilidade de translocação bacteriana. Se o estado hipermetabólicos for prolongado, o paciente séptico apresentará deficiência de glutamina.

Foi demonstrado que a suplementação parenteral ou enteral de glutamina promove a preservação da massa intestinal e proteção do intestino na enterocolite e a sua suplementação melhora a imunidade intestinal. Ainda são necessários outros estudos para determinar a aplicabilidade clínica deste aminoácido em pacientes graves, tanto por via enteral, como parenteral.

B) Dieta com ácidos graxos Omega-3

Há dois ácidos graxos essenciais (não sintetizados pelo organismo) que são o ácido linoléico (Omega-6) e o ácido alfalinoléico (Omega-3).

O ácido linoléico está mais presente em carnes e produtos animais, derivados do leite, além do óleo de milho, girassol, soja e açafrão, sendo precursor do ácido araquidônio, cuja metabolização em cascata origina a série 2 de prostanóides (prostaglandinas, prostaciclina e tromboxanes) e leucotrienos, sendo todos eles produtos indutores de reação inflamatória e imunossupressão.

O ácido alfalinoléico está presente em quantidades limitadas no reino vegetal (semente de uva, nozes, germe de trigo e soja) e também nos óleos de peixe, moluscos e mariscos.

Á substituição do ácido linoléico (ômega – 6) pelo ácido alfalinoléico (ômega-3), são produzidos prostanóides trienóicos, leucotrienos pentaenóicos e tromboxane-3, cujas atividades diferem das produzidas pelo ácido linoléico, já que há redução inflamatória. Na ausência de ácidos graxos Omega-3, os ecosanóides podem determinar efeitos exagerados nas respostas agudas ao estresse, causando imunossupressão, agregação plaquetária ou inflamatória excessiva. Os Omega-3 agem como precursores de antagonista com capacidade de confrontar a ação exagerada dos derivados do ácido araquidônico.


IMUNOTERAPIA

Com base na fisiopatologia do choque séptico, uma abordagem direta sobre a endotoxinas ou sobre os mediadores da sepse e os efeitos do óxidos nítrico parecem consensuais. A questão básica é como bloquear ou interromper estas ações. Embora o uso de corticóides tenha reduzido a mortalidade em modelos animais de choque séptico, os estudos clínicos têm demonstrado, convincentemente, que os corticóides não melhoram a sobrevida em humanos(MATTAR,1996).

Embora haja uma evidência sugestiva da eficácia nos estudos animais, os estudos clínicos têm se mostrado insuficientes no impacto sobre o tratamento da sepse.

A) Anticorpos monoclonais e policlonais antiendotoxina.

Os estudos clínicos que utilizaram estes anticorpos, em pacientes com sepse, mostraram uma redução da mortalidade e da incidência de insuficiências orgânicas em alguns subgrupos de pacientes, evidenciando que a endotoxina é importante na patogênese do choque e no desenvolvimento de insuficiência orgânica. Entretanto, os pacientes nos quais a terapia foi efetiva, não podem ser identificados precocemente no curso da infecção, quando a terapia deve ser iniciada, além do fato de que outras características dos pacientes beneficiados pelo tratamento variaram nos diferentes estudos.


B) Anticorpos anticitocinas.

A vantagem teórica do uso desses anticorpos é a de ser eficaz, tanto em casos de sepse por microorganismos Gram-negativos, quanto Gram-positivos.

Já foram realizados estudos clínicos com anticorpos monoclonais do fator de necrose tumoral, além de antagonistas do receptor de interleucina-1 e receptores solúveis (inativos) do fator de necrose tumoral, mostrando os mesmos resultados decepcionantes.

Segundo MATTAR (1996) é preciso muita cautela no uso dos inibidores de mediadores do choque séptico, pois os mecanismos patogenéticos são muito complexos e interdependentes, sendo que muito complexos e interdependentes, sendo que, muitos deles representam uma resposta compensatória do organismo ao quadro séptico, tendo efeitos benéficos.


CONCLUSÃO

Embora tenham ocorrido grandes avanços no suporte avançado de vida, permitindo uma maior sobrevida, um melhor cuidado para os pacientes com sepse, que requerem uma melhor compreensão dos complexos mecanismos fisiopatológicos, para ocorrer uma redução na morbimortalidade desta síndrome. A interrupção da seqüência, na patogênese, em múltiplos pontos, é a melhor chance na redução da alta mortalidade atual desta importante entidade clínica.


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