A FINA FLOR DO MEU JARDIM (Homenagem a Lucia Alves Amorim)

A fina flor do meu jardim
Tem marcas de sangue e dor
Espalhadas no chão.
Deixou lembranças que se vão transformar em saudades distantes;
Saudades que se transformam em nada,
Nem choro,
Nem risos;
Serão, simplesmente, nada.

Viver e Morrer. Por quê?
Poderia ser apenas estar.

A fina flor do meu jardim
É mãe parideira
Que pagou com a vida o dom de dar vida;
Que pecado teria?
Que condenação teve que cumprir?
Que júri a julgou?
Que deus a sentenciou?

Ver-te viva
Posta morta,
Numa pedra,
Estavas fria
Como a dor da própria morte
Não eras mais nada da luz que um dia nos alegrou.

A fina flor do meu jardim
Tem marca de dor e sangue
No meu coração.

Será que viver nos condena à morte?
Por que temos que viver?
Resgatar divida?
Com dor, sofrimento e saudades?
Essas são as únicas formas?

A fina flor do meu jardim
Tem marcas de dúvidas
Em minha volta.

Será que Deus existe?
A Deusa Morte, esta sim;
Tem domínios.
O deus da vida é um dos súditos do seu reino.
Esse governa as terras gélidas da desesperança,
O reino das paixões,
E o povoado do amor.

A Deusa governa as cavernas da violência, até as montanhas da alegria.
É penetra,
Em tudo está presente
Pronta para transformar em dor.
Não conhece limites, fronteiras ou combatentes.
Do minúsculo germe ao leão,
Da criança aos deuses do Olimpio, todos são seus vitimas,
Não respeita ninguém.
Não respeitou a fina flor do meu jardim.

A fina flor do meu jardim
Foi ornada de flores- rosa,
Cor-de-rosa,
Como se santa fosse
A estar em seu altar.
Aos pés, não. Mas, na cabeça, sim, velas acessas
Anunciavam a ida sem volta,
Festejada com muitas lágrimas,
Muita dor,
Muitos porquês,
Muitas Ave-Marias,
Muito pai-nosso.

A fina flor do meu jardim
Não subiu aos céus.
Desceu para as trevas de uma catacumba
Onde as luzes das velas não penetram,
Nem o choro pode acalentar.
Será que Iansã irá guardá-la?

A fina flor do meu jardim
Encheu de lágrimas
O meu coração,
Não pode mais perguntar,
Nem invocar o seu orixá,
Que em nada, também, se transformou.

A fina flor do meu jardim
Não limpará a casa embalada no vinho,
Nem beberá a espuma de uma cerveja,
Nem dançará no ritmo da fumaça do seu cigarro.
Não, não, nada mais.
Ficaram, apenas, interrogações,
Nem minhas orações ela terá,
Porque de nada adiantará.
A oração é entorpecente para nossa dor,
Pra ela, será, também, nada.
Será que a Deusa gosta de reza, de flores, velas, choro e dor?
Sim, ela se delicia como nossos sofrimentos.

A fina flor do meu jardim
Está morta, eternamente, morta.
Agora é como as folhas secas do Parque da Saudade,
Entre muitas outras.

A fina flor do meu jardim
Deixou sementes
Que vão crescer e germinar
Logo, espero eu,
E novos cravos e finas flores irão povoar o reino da Deusa,
Sucessivamente, geração após geração,
Até o dia que o Deus-Vida for o senhor de seu reino
E a Deusa for banida, definitivamente.

Helio Teixeira Leite