Bertrand Russell, no texto A Filosofia Entre a Religião e a Ciência, define a filosofia como algo [uma ponte onde transitam encontros e desencontros] entre a religião e a ciência. Essa definição, da qual nos apropriaremos, traz elementos importantes para entendermos o papel dos filósofos dentro de uma sociedade subjugada, com seus integrantes acostumas ao sentimento servilismo e acomodação. As palavras do filósofo são:

"A filosofia, conforme entendo a palavra, é algo intermediário entre a teologia e a ciência. Como a teologia, consiste de especulações sobre assuntos a que o conhecimento exato não conseguiu até agora chegar, mas, como ciência, apela mais à razão humana do que à autoridade, seja esta a da tradição ou a da revelação. Todo conhecimento definido - eu o afirmaria - pertence à ciência; e todo dogma quanto ao que ultrapassa o conhecimento definido, pertence à teologia. Mas entre a teologia e a ciência existe uma Terra de Ninguém, exposta aos ataques de ambos os campos: essa Terra de Ninguém é a filosofia." (Russell, pág.: 1)

Ao falarmos comumente de Filosofia parece, em nossos tempos, que nos referimos a algo que está afastado da sociedade, em razão da inércia mental em que grande parte dos humanos vive e isso faz com que vários filósofos busquem [estritamente] seu público dentro das academias. As discussões filosóficas teem que ir para o domínio do povo já que ela é este intermediário entre essas duas formas de domesticação humana e age ao revés delas. Pelo menos a maioria dos pensadores que escrevem e falam sobre a sociedade parecem sóbrios ante os problemas existentes e buscam alertar os seus leitores sobre as atrocidades de cada era humana.
Lógico que há pensadores que se tornam inteligíveis pela forma com que escrevem e por criar ao em torno de si uma barreira aqueles leitores não especializados. Alguns fazem questão de não ir ao público, pois agem como se a filosofia fosse também para iniciados em alguma forma de conhecimento maior.
Mas qual é o lugar da filosofia enquanto elemento propiciador de inconformidade ante aos acontecimentos destruidores do ente humano? É uma pergunta importante a ser lançada a todos os filósofos da atualidade.
Nietzsche na bela obra Assim falou Zaratustra, na terceira parte descreve a chegada de Zaratustra à cidade e sua percepção das casas e dos homens.

"Pois ele (Zaratustra) quis informar-se sobre o que, nesse meio tempo, acontecera ao homem: se ele havia ficado maior ou menor. E vendo certa vez uma fileira de casas novas, admirou-se e disse: ?Que significam essas casas? (...) E Zaratustra parou e pensou. Finalmente, disse, entristecido: ?Tudo ficou menor!?
(...) Querem no fundo ingenuamente uma coisa acima de tudo: que ninguém lhes faça mal...
A virtude é para eles aquilo que torna modesto e domesticado: com ela fazem do lobo um cão, e dos próprios homens os melhores animais domésticos para os homens." (Nietzsche, pág.: 211-214)

Zaratustra nesta passagem mostra o papel do filósofo, que tem de sair do monte, no caso hoje as academias e ir à cidade, ao encontro com os homens de conhecimento não especializado e informar a estes, aquilo que eles não conseguem perceber, dando elementos para que o homem perceba a barbárie mascarada e desta forma dando a possibilidade de o indivíduo escolher um caminho a trilhar, seja qual for ele. Mas essencialmente, a filosofia deve oferecer ao homem elementos de inconformismo para que ele não aceite a subjugação, para deflagrar a domesticação e permitir a mudança de padrões.
Criar neologismos e discutir conceituações não basta à filosofia a ela cabe um papel maior, junto ao homem. A filosofia permite o olhar desconfiado sobre as coisas, permite o perigo do pensar. Nenhum filósofo pode requerer para si a filosofia produzida por ele mesmo. Senão por que haver livros? Como esse conhecimento é uma terra de ninguém, ela a todos pertence. E a obrigação do filósofo e levar seus escritos à população, permitindo a não conformidade com o que é habitual.
Tomando as palavras de Bertolt Brecht, um livro de filosofia deve pelo menos fazer com que aquele que o lê não aceite "o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem/sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve/parecer natural nada deve/parecer impossível de mudar."