A FILOSOFIA ESTÁ LOGICAMENTE RESOLVIDA: FOI ESSA A CONCLUSÃO DE WITTGENSTEIN EM SEU TRACTATUS[1]

 

Emanuel Lima Salgado[2]

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo mostrar a importância da linguagem na Filosofia. Revela o caminho que Wittgenstein tomou para a tentativa da construção de uma Filosofia logicamente perfeita, sem perguntas, sem erros, enfim, sem problemas. Com o intuito de solucionar a Filosofia, Wittgenstein, na obra Tractatus Logico-Philosophicus, propõe que só podemos pensar naquilo que conhecemos, então, ele conclui que não existe o ilógico. A realidade é composta de possibilidades e não de mistérios, pois deles a linguagem não pode dizer nada.

Palavras-chave: Wittgenstein; Tractatus Logico-Philosophicus; Lógica; Mundo; Linguagem; Pensamento.

Analisar significa esmiuçar, decompor, explicitar algo de que se dispõe. É um procedimento reflexivo, que procura entender as articulações internas de algo. Para a Filosofia Analítica[3] o que chamamos de pensamento é um conjunto de configurações simbólicas: conceitos, entidades lógico-linguísticas. Nesse sentido, a análise nada mais é do que um esclarecimento linguístico. Portanto, o trabalho filosófico não passa de uma análise linguística. Com isso, a partir de agora, a tarefa da Filosofia passa a centrar-se no mundo da linguagem.

A Filosofia Analítica tem como grande influência o Positivismo Lógico[4] e a Filosofia Linguística[5]. Os Positivistas Lógicos tinham como objetivo fazer uma reforma na linguagem, de modo que ela se torne científica, axiomatizada, ou seja, universalmente válida. Já os Filósofos Linguísticos não pensavam dessa forma, para eles a Filosofia deve se preocupar com a linguagem em geral, seja a linguagem da religião, da política, da arte e, sobretudo, a linguagem que utilizamos em nosso quotidiano.

Talvez o positivista lógico que mais se destacou foi Bertrand Russell[6] devido a sua obra “On Denoting” (Da Denotação), na qual ele diz que “uma expressão pode ser denotativa e não denotar nada; uma expressão pode denotar um objeto definido; e uma expressão pode denotar de forma ambígua”.[7] Na Filosofia Linguística pode-se dizer que seu antecedente mais importante foi G. E. Moore[8], devido a sua ênfase na análise do senso-comum e da linguagem do dia-a-dia.

Entretanto, um filósofo esteve presente tanto no Positivismo Lógico quanto na Filosofia Linguística, esse filósofo é Ludwig Wittgenstein[9]. Com isso pode-se perceber que Wittgenstein teria mudado de ideia quanto ao seu pensamento, pois como já foi dito acima, trata-se de duas opiniões contrárias. Como o intuito desse artigo é mostrar a causa de Wittgenstein ter dito que teria acabado com todos os problemas da Filosofia, meus argumentos serão baseados na obra “Tractatus Logico-Philosophicus”. Nesse período ele fazia parte da concepção do Positivismo Lógico.

Wittgenstein cresceu em um ambiente propício ao desenvolvimento intelectual e artístico. Seu pai, Karl Wittgenstein, foi colecionador de obras de arte e sua mãe, Leopoldine,  era excepcionalmente musical. Mas com o surgimento da Primeira Guerra Mundial, na qual Wittgenstein esteve presente, passou a atribuir ao seu trabalho em lógica um significado ético e religioso.

No Tractatus aparece como uma das ideias centrais a concepção de que a forma gramatical e a forma lógica da linguagem não coincidem. Segundo Wittgenstein “A linguagem disfarça o pensamento”, ou seja, aquilo que se pode pensar pode ser dito. No caso dos problemas metafísicos, por exemplo, afirmar a existência de Deus, na verdade ocorre uma má compreensão da linguagem e um desconhecimento de sua forma lógica e da maneira pela qual se relaciona com o real. Portanto, a tarefa da Filosofia é justamente a de realizar uma análise lógica da linguagem, de modo que revele sua verdadeira forma e a sua relação com os fatos.

Os problemas da Filosofia são problemas de linguagem. Quem a utiliza de forma correta, não cai no erro, escapa das “armadilhas” que a Filosofia dá. Wittgenstein acredita que os problemas filosóficos ou problemas de linguagem são gerados devido um mau uso da linguagem. A fim de resolver tal problema, por meio dessa obra, traça um limite para linguagem quando diz “o que se pode em geral dizer, pode-se dizer claramente; e sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”.[10] Aqui Wittgenstein afirma que a linguagem deve possuir um caráter ético, ou seja, quem for utilizá-la deverá fazer isso muito bem, se não, como diz Wittgenstein, a pessoa entrará em contra-senso.

O principal objetivo de Wittgenstein, enquanto positivista lógico, é estabelecer as condições de possibilidades de uma linguagem primeira. Para sustentar essa tese Wittgenstein formula uma teoria, chamada Teoria da Figuração, que permite ver como a realidade é, ou seja, essa teoria faz com que o mundo possa ser enxergado (representado, assim como ele acontece) assim como ele realmente é.

Mas como posso saber se estou ou não enxergando o mundo assim como ele é? Como posso saber se uma frase é verdadeira ou falsa? Saber se uma frase é ou não verdadeira depende se ela corresponde ou não à estrutura do mundo, ou seja, a ordem das coisas no mundo. Mas como a linguagem pode representar a estrutura do mundo? Para Wittgenstein isso só é possível quando existe uma correspondência entre o mundo, a linguagem e o pensamento. Dito de outra maneira, quando há uma correspondência entre a figuração do mundo na linguagem e o próprio mundo afigurado. E já que existe essa correspondência entre mundo, linguagem e pensamento, então, existe algo em comum entre eles, é a sua forma lógica.

Wittgenstein classifica o mundo como sendo a totalidade dos fatos. E o divide em três elementos: objetos (ou coisas), estado de coisas e fatos.

“Os objetos constituem a substancia do mundo”.[11] Isso quer dizer que sem objetos não há nada no mundo. Cabe ressaltar aqui que esse objeto, na qual Wittgenstein expõe, não se trata de algo físico, mas sim de um objeto lógico, ou seja, ele está falando de algo simples e não composto, algo que não pode ser dividido, pois ele corresponde a uma forma física no mundo.

“O estado de coisas é uma ligação de objetos (coisas)”.[12] Esse segundo elemento garante a existência da possibilidade (não no sentido de talvez, mas sim a ocasião) de relações entre objetos. Para Wittgenstein nenhum objeto pode ser pensado isoladamente, isto é, o objeto só pode ser pensado na relação com outros objetos.

“O mundo é determinado pelos fatos”.[13] O fato é a própria relação de objetos. Estado de coisas e fatos são semelhantes, mas possuem uma diferença fundamental, enquanto o primeiro trata, como já foi dito, da possibilidade de qualquer relação entre objetos, o segundo se remete não a uma possibilidade de relação mas sim a algo já ocorrido, ou seja, uma relação existente. Com isso podemos perceber que o fato nada mais é do que um estado de coisa já existente.

Podemos perceber que os objetos ou coisas mesmo sendo o constituinte da substancia do mundo, não pode ser pensado fora de um espaço, tempo ou cor. “O objeto só é auto-suficiente, na medida em que pode aparecer em todas as situações possíveis”.[14] Isso quer dizer que para um objeto ser conhecido deve-se analisar suas possibilidades, tanto seu estado de coisa, quanto o fato, pois quando vejo um fato ou uma realidade concretizada, também posso perceber as possibilidades ou aquilo que poderia ter acontecido. Então a realidade é a soma dos estados de coisas existentes com os estados de coisas não existentes, em outras palavras, realidade é igual a possibilidade mais fato.

Passando agora para o âmbito da linguagem. Assim como Wittgenstein classifica o mundo como sendo a totalidade dos fatos, define a linguagem como totalidade das proposições. Tanto a linguagem como o mundo possuem a mesma forma lógica, isso faz com que ambos mantenham uma fundamental relação. É necessário que isso aconteça para que a pretensão de Wittgenstein seja efetivada. A linguagem também possui seus elementos: os nomes e as proposições.

“O nome substitui, na proposição, os objetos”.[15] A função do nome é nomear os objetos no mundo. Do mesmo modo que um objeto não pode ser pensado isoladamente, ou seja, só pode ser pensado na relação com outros objetos, um nome sozinho não diz nada. Um nome isolado não tem significado, só possui um significado quando se relaciona a outros nomes, dessa relação surgem as proposições. Então uma proposição pode ser definida como um agrupamento de nomes com sentido. É importante deixar claro que não basta que uma proposição tenha apenas uma escrita correta, é necessário que haja uma correspondência com o mundo, pois a linguagem descreve os estados de coisas no mundo, tanto os existentes (fatos) quanto os inexistentes (possibilidades).

“A proposição não é uma mistura de palavras. A proposição é articulada”.[16] Essa articulação que Wittgenstein fala não é externa, ou seja, fora da proposição, mas sim se trata de uma articulação interna, presente na própria proposição. Essa articulação é definida pelo filósofo de Signo Proposicional (ou sinal proposicional). “O sinal proposicional empregado, pensado, é o pensamento”.[17] Aqui entramos na terceira questão levantada por Wittgenstein, o pensamento. É por meio do pensamento que a linguagem diz como as coisas acontecem no mundo.

O sinal proposicional é um meio de expressão do pensamento. E é por essa via que pode ser verificada a veracidade ou falsidade de uma proposição. Para que se possa chegar a uma conclusão a respeito de uma proposição, Wittgenstein propõe o método da comparação. Uma proposição é verdadeira quando ela corresponde com o mundo, por conseguinte, a falsa é aquela que não possui uma correspondência com o mundo.

Como já foi dito anteriormente nesse artigo, mundo, linguagem e pensamento possuem a mesma forma lógica, isso garante uma relação de conformidade entre eles. E essa relação é sustentada, no pensamento de Wittgenstein, pela Teoria da Figuração, que nada mais é do que um modo de representação e que tem por finalidade representar o mundo por meio da linguagem.

Já que a figuração representa o mundo pela linguagem, os elementos da figuração são necessariamente os mesmos da linguagem, isto é, nome e proposição. A figuração assim como o pensamento possuem a mesma forma lógica, assim pode ser concluído que quando a figuração representa o mundo pela linguagem, quem permite isso é o pensamento.

Wittgenstein diz no Tractatus que a figuração pode concordar ou não com a realidade, ou seja, o que ela representa não depende de ser verdadeiro ou falso. O filósofo atribui isso a forma de afiguração.

“Ela é como uma régua aposta à realidade”.[18] A realidade deve ser medida, analisada quanto a sua forma ou estrutura, para que possam ser percebidas as possibilidades, essa medição é que permite que a realidade seja figurada, ou seja, permite que se possam ver as possibilidades e os fatos na realidade. É assim que a figuração afigura o mundo.

Wittgenstein diz que o pensamento é a figuração lógica dos fatos. E que um estado de coisa, seja existente ou inexistente, pode ser pensado, se pode ser pensado, então pode ser figurado. Pois pode ser pensada tanto a possibilidade quanto o fato, o ocorrido. O que Wittgenstein diz que não pode ser em nenhum momento pensado são as coisas ilógicas (metafísicas), o homem não é capaz de fazer isso, pois tudo flui no caminho da lógica.

Portanto, está provado que só pensamos e falamos sobre aquilo que conhecemos. Com isso a tarefa da Filosofia foi bem sucedida, pois não existem problemas metafísicos e todos os problemas que a Filosofia sempre se ocupou estão resolvidos.

BIBLIOGRAFIA

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. Trad. bras. Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 2 ed., 1994.



[1]  O presente artigo foi baseado na obra Tractatus Logico-Philosophicus de Ludwig Wittgenstein.

[2]Aluno do 8° período do Curso de filosofia da Universidade Estadual Vale do Acaraú.

 

[3] A Filosofia analítica é uma vertente do pensamento contemporâneo, reivindicada por filósofos bastante diferentes, cujo ponto comum é a ideia de que a filosofia é análise - a análise do significado dos enunciados - e se reduz a uma pesquisa sobre a linguagem.

[4] O Positivismo Lógico é uma posição filosófica geral, também denominada empirismo lógico ou neopositivismo, desenvolvida por membros do Círculo de Viena com base no pensamento empírico tradicional e no desenvolvimento da lógica moderna.

[5] A Filosofia Linguística é um tipo de investigação que busca nos resultados das teorias linguísticas soluções para os problemas filosóficos.

[6] Bertrand Arthur William Russell, 3º Conde Russell (RavenscroftPaís de Gales18 de Maio de 1872 —Penrhyndeudraeth, País de Gales, 2 de Fevereiro de 1970) foi um dos mais influentes matemáticosfilósofos e lógicos que viveram no século XX.

[7] RUSSELL, Bertrand. Da Denotação. p. 3.

[8] George Edward Moore, mais conhecido como G. E. Moore, (4 de novembro de 1873 – 24 de outubro de 1958) foi um importante e influente filósofo britânico educado em Dulwich College.

[9] Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (Viena26 de Abril de 1889 — Cambridge29 de Abril de 1951), filósofo austríaco, naturalizado britânico, foi um dos principais atores da virada linguística na filosofia do século XX.

[10] WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. p. 131.

[11] WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. (§ 2.021) p. 139.

[12] WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. (§ 2.01) p. 135.  

[13] WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. (§ 1.11) p. 135.

[14] WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. (§ 2.0122) p. 137. 

[15] WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. (§ 3.22) p. 151.

  

[16] WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. (§ 3.141) p. 149. 

[17] WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. (§ 3.5) p. 163. 

[18] WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. (§ 2.1512) p. 143.