Immanuel Kant teve uma vida monótona; não se casou, tampouco teve filhos e nunca saiu de sua cidade natal: Königsberg. Em sua vida não se destaca nada de extraordinário. É, entretanto, o primeiro dos grandes filósofos a lecionar numa universidade. Contudo, poucos filósofos tiveram uma vida sem elementos fabulosos que geralmente são encontrados nas biografias das grandes personalidades.

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A obra filosófica de Kant é marcante na história da filosofia moderna. Na fase pré-crítica podemos considerar Kant como um típico representante do racionalismo dogmático. Isso fortemente se constata por causa de sua influência de Leibniz e Wolff, sobretudo no contexto alemão de sua época. O trabalho de despertá-lo do dogmatismo coube à leitura de David Hume. O ceticismo humeano abalou Kant que tentava uma defesa do racionalismo contra o empirismo cético. Dessa forma, Immanuel Kant notou que as questões levantadas pelos empiristas levaram-no a elaborar o seu racionalismo crítico (ou criticismo) na intenção de superar a rivalidade existente entre o racionalismo e o empirismo.

A idéia crítica de Kant só aparece em 1781, conforme já explicitado, com a Crítica da razão pura. Sua filosofia é fruto de um longo processo de elaboração e o que o conduziu a essa idéia não foi, entretanto, as rejeições à metafísica clássica, mas o fato de possuir a consciência da incerteza dessas conclusões e a fraqueza dos argumentos ao qual a metafísica estava embasada. Fazendo a leitura de Hume, Kant compreendeu, então, que era necessário repensar a metafísica.

O empirismo cético de Hume, particularmente sua crítica à causa e efeito, deixou as posições racionalistas infundadas. Segundo o pensamento humeano, a razão é incapaz de pensar a priori, e através de conceitos, qualquer relação necessária como o nexo de causa e efeito. Só a experiência pode gerar a noção de causa e Hume conclui, então, que a razão não possui faculdades de pensar relações de causa.

O criticismo de Kant é, então, a síntese das duas correntes fundamentais do conhecimento: o racionalismo dogmático e o empirismo cético. Além de despertar Kant do sono dogmático, o ceticismo de Hume concedeu às investigações filosóficas de Kant uma orientação totalmente diversa, fazendo com que indagasse sobre o conhecimento, enquanto suas condições e limites. Desse modo, Kant diferencia filosofia e ciências, afirmando que o objeto próprio de cada uma é diverso. A filosofia tem como objeto o conhecimento, o que leva o criticismo a concluir que o conhecimento é resultado de uma síntese da sensibilidade e do entendimento.

A teoria criticista de Kant desdobra-se na trilogia da Crítica da razão pura, da Crítica da razão prática e da Crítica da faculdade de juízo. Kant percebeu a importância tanto das questões levantadas pelos empiristas quanto as levantadas pelos racionalistas. Com isso, acabou elaborando a superação entre as duas correntes. Mas, é significativo que Kant, inserido no contexto do racionalismo alemão, tenha dedicado sua Crítica da razão pura a Bacon, o iniciador do empirismo.

Essa obra exigiu doze anos de meditação, sendo concluída no ano de 1781. Não apresenta apenas um ponto de curvatura na obra de nosso filósofo, mas foi, também, uma grande mudança produzida na filosofia moderna. Podemos dizer que seu objetivo principal é a investigação da possibilidade de a metafísica ser considerada uma ciência nos limites da razão humana. Com isso, a metafísica torna-se um objeto de investigação crítica da razão. A obra apresentada após anos de intenso trabalho, não pode ser considerada uma metafísica aos moldes do sistema de Leibniz ou de Wolff, mas uma ciência propedêutica que precederia, segundo Kant, à sua própria metafísica.

A Crítica da razão pura, por essas características de uma metafísica diversa, tornou-se estranha mesmo aos amigos e discípulos de Kant, que esperavam uma metafísica dentro dos moldes tradicionais. Por não ter sido compreendida, Kant publicaria, em 1783, a obra Prolegômenos a toda metafísica futura que queira se apresentar como ciência, com o objetivo de esclarecer, com uma exposição mais popular, a recepção da sua obra crítica, considerada árida e de difícil compreensão. E em 1787, Kant publicaria a segunda edição desta Crítica, trazendo algumas explicações importantes.

O projeto de uma ciência propedêutica necessária para uma metafísica tornar-se o próprio objeto da investigação filosófica de Immanuel Kant passa cada vez mais pela idéia de elaboração de um sistema crítico da razão do que um sistema metafísico. Partindo dessa idéia, a preocupação maior de Kant foi a de fundamentar esse sistema que percebemos compor-se de duas partes: teoria ? preocupada com os fundamentos do conhecimento ? e prática ? preocupada com os fundamentos da lei moral.

Portanto, tanto para as leis do conhecimento quanto para as leis da liberdade tornam-se objetos primordiais da razão teórica e da razão prática. Para a Crítica da razão pura, buscou-se deduzir as primeiras; para a Crítica da razão prática, buscou-se determinar as segundas. E a Crítica da faculdade de juízo, por sua vez, fechando o projeto do criticismo kantiano, buscou-se encontrar um vínculo entre as duas ordens heterogêneas.

Aquilo que mais interessou ao nosso filósofo, o conceito de crítica, foi fundamental para que o pensamento moderno pudesse se desenvolver e se certificar dos temas que passaram a ser tão modernos quanto ele mesmo. Não à toa, Kant insiste em falar de uma época crítica. Época essa em que tudo (ciência, religião, política) tem que passar pelo crivo da crítica.

O JUÍZO NA FILOSOFIA KANTIANA

O juízo fornece a matriz de toda a filosofia de Kant. Cada uma das três criticas está orientada para a análise de uma determinada classe de juízos: juízos teóricos na Crítica da Razão Pura, juízos práticos na Crítica da Razão Prática, juízos estéticos e teleológicos na Crítica da faculdade de juízo. No âmbito de cada uma das críticas, as análises dos juízos passam por novas articulações e subdivisões.

Dentre os juízos que fundamentam o conhecimento humano, havia, no tempo de Kant, pelo menos dois: os juízos analíticos a priori e os juízos sintéticos a posteriori. O conhecimento científico, que é o verdadeiro conhecimento, consta de proposições (ou juízos) que são necessários e universais. Um juízo, por sua vez, consiste na conexão de dois conceitos em que um desempenha a função de sujeito, enquanto outro a função de predicado.

O conceito que funciona como predicado pode estar contido no conceito que funciona como sujeito. Isso nos leva a dizer que o predicado pode ser extraído através de uma pura análise do sujeito. Se tal juízo se dá pela análise, então o juízo é analítico. No exemplo que o próprio Kant se utiliza, ao dizer que "todos os corpos são extensos" , explica que o conceito de extenso é sinônimo para corpo. Ou seja, quando fazemos tal afirmação, fazemos uma explicação do que entendemos por corpo.

JUÍZOS ANALÍTICOS A PRIORI

O juízo analítico não necessita de recorrer à existência, pois expressamos de modo diferente o mesmo conceito que expressamos no sujeito. Esse tipo de juízo é universal e necessário, contudo, não amplia o conhecer. A ciência se vale desses conceitos para esclarecer e explicar muitas coisas, mas não se baseia neles quando amplia seu próprio conhecimento. Para a ciência, o juízo típico da elaboração do conhecimento não pode ser o analítico a priori.

JUÍZOS SINTÉTICOS A POSTERIORI

São os juízos responsáveis por ampliar nosso conhecimento, sempre que dizem algo de novo ao sujeito contido nele. Os juízos sintéticos são os que formulamos através da experiência. Esses juízos experimentais são sintéticos e ampliadores do conhecimento. Conforme Kant, no entanto, também a ciência não pode se basear nesse tipo de conhecimento, pois, essencialmente, depende da experiência, sendo a posteriori, o que não lhe dá o caráter de universal e necessário. Desses juízos a posteriori podemos, quando muito, extrair generalizações, nunca uma universalidade e uma necessidade.

JUÍZOS SINTÉTICOS A PRIORI

São os juízos formulados por Kant em sua teoria do conhecimento. Seu pressuposto parte da especulação de que se nem os juízos analíticos nem os sintéticos são meios seguros de chegarmos a um conhecimento seguro. Qual seria, então, a saída kantiana para tal problema? Kant elabora uma síntese com os dois tipos de juízos. O tipo de juízo que Kant traz, inovando a história da filosofia e da teoria do conhecimento, é um tipo de juízo que deve unir, de uma só vez, o a priori dos juízos analíticos ? que garantem a universalidade e a necessidade ? com o sintético ? que garante a fecundidade. Os exemplos utilizados por Kant para explicar esse tipo de juízo são os da operação aritmética. A proposição de que 5 + 7 = 12 não pode ser analítica, mas sintética. Recorremos, no entanto, a alguns recursos para fazermos esta operação, seja contando os dedos, ou no ábaco, ou na ponta do lápis. A isso Kant chama de intuição, com a qual vemos aparecer de maneira sintética o número que corresponde à soma.

E Kant se avança mais, afirmando que a mesma proposição sintética (5+7=12) vale para a geometria. Ele escreve "[...] que a linha reta seja a mais curta entre dois pontos, é uma proposição sintética, pois meu conceito de reto não contem nada de quantidade, mas só uma qualidade". O conceito de mais curta é acrescentado, pois não pode ser extraído por nenhuma análise do conceito de linha reta. Mas, neste caso, temos que recorrer à intuição, sendo, desse modo, possível a síntese. Portanto, a ciência só progride no conhecimento pelos juízos sintéticos a priori.

JUÍZO PURO PRÁTICO

Este tipo de juízo é trabalhado por Kant na Crítica da Razão Prática. Quando trata desse juízo, Kant aborda os conceitos do bem e do mal como determinantes primeiramente de um objeto para a vontade. Esses mesmos conceitos estão submetidos a uma regra prática da razão que determina a vontade a priori em relação ao seu objeto.

Aos juízos práticos é dado um princípio na forma de imperativo categórico, com o qual avaliar as máximas que informam tais juízos. Tal princípio serve como um cânone para juízos práticos. Do mesmo modo, na Crítica da faculdade de juízo, Kant estabelece um cânone para juízos estéticos de gosto. Avalia as pretensões de justificação do juízo estético do gosto apresentadas pela teoria do gosto.

JUÍZO DETERMINANTE E JUÍZO REFLEXIVO

Segundo Kant, o juízo é, em geral, a faculdade de assumir o particular no universal. Isso significa que a faculdade de pensar o particular contido no universal. Ora, a esse respeito dois casos são possíveis.

No primeiro dos casos é aquele em que se podem dar tanto o particular como o universal. Nesse caso, o juízo opera a adoção do particular, que já nos foi dado, pelo universal, também já dado. A esse tipo de juízo, Kant chama de determinante. Nesse sentido, todos os juízos presentes na Critica da razão pura são determinantes, pois são dados tanto o particular como o universal. Kant chama a estes juízos de determinantes porque determinam teoricamente o objeto.

No segundo dos casos temos o juízo reflexivo. Este juízo se forma quando se dá somente o particular, devendo o universal ser procurado. É, precisamente, o juízo reflexivo quem deve encontrá-lo. O juízo é chamado de reflexivo porque o universal a ser encontrado não é uma lei a priori do intelecto, mas que deriva de um princípio de reflexão sobre objetos para os quais, objetivamente, nos falta uma lei em absoluto. Reflexão, neste sentido, não apresenta um aspecto genérico, mas técnico. Segundo Kant, reflexão significa comparar e conjugar representações entre si e coloca-las em relação com nossas faculdades do conhecimento.

JUÍZO ESTÉTICO

A existência de juízos estéticos é evidente por si só. Entretanto, frente à existência do juízo estético, encontramos dois problemas: 1) estabelecer o que é belo propriamente e que se manifesta nele; 2) remontar o fundamento que o torna possível. Assim, qual seria a solução que Kant deve apresentar para esses problemas?

Kant diz que o belo não pode ser propriedade objetiva das coisas, pois é algo nascido da relação entre o objeto e o sujeito, também nascido da relação dos objetos comparados com os sentimentos de prazer do sujeito, atribuídos aos próprios objetos. A imagem do objeto refere-se ao sentimento de prazer e é comparada a este e avaliada por este, dando lugar ao juízo de gosto. Portanto, o belo é aquilo que agrada segundo o juízo de gosto, implicando em quatro características deduzidas das quatro classes de categorias: quantidade, qualidade, relação e modalidade.

O segundo problema se resolve na fundamentação do juízo estético no jogo livre e na harmonia das faculdades espirituais que temos e que o objeto em nós produz. O efeito desse jogo livre das faculdades é o juízo do gosto. Portanto, esse juízo puramente objetivo precede o prazer pelo objeto, fundamentando-o pela harmonia das faculdades de conhecer. Entretanto, tal validação subjetiva universal do prazer, ligada ao objeto pelo conceito de belo, só se fundamenta na universalidade das condições subjetivas do juízo dos objetos.

Juntamente com o belo vem o sublime que também é aquilo que agrada por si mesmo. A diferença entre belo e sublime se dá no fato de que o primeiro se relaciona à forma do objeto, caracterizada pela limitação (ou delimitação). O sublime diz respeito àquilo que é informe, o que implica a representação do que é ilimitado. O belo produz um prazer positivo, o sublime um prazer negativo.

O sublime não está nas coisas, mas no homem. Apresenta-se sob duas formas: matemático e dinâmico. Matemático quando dado pelo infinitamente grande (oceano, céu etc.). Dinâmico quando dado pelo infinitamente poderoso (terremotos, vulcões etc.). Diante dos dois o homem se descobre pequeno e esmagado, mas descobre que é superior ao imensamente grande ou o imensamente poderoso, pois carrega em si as ideias da razão (da totalidade absoluta) que superam aquilo que parecia superar o próprio homem.

JUÍZO TELEOLÓGICO

O juízo estético possui uma finalidade subjetiva. O juízo teleológico, em contrapartida, apresenta uma finalidade que depende da natureza. É a mais complicada parte da Crítica da faculdade de juízo, pois muitas considerações tendem a levar o filósofo à metafísica, repelida em seus preconceitos desde a primeira Crítica.

Não há possibilidade de saber como a natureza é em si mesma, mas há uma tendência irrefreável de considerar que ela possua uma finalidade última da natureza sobre a terra. Todas as outras coisas naturais são como que um sistema finalizado para o homem. A Crítica da faculdade de juízo foi a obra de Kant que mais influenciou em seus contemporâneos e também nas gerações futuras.

A conclusão da Crítica da faculdade de juízo se justifica na realização do fim moral do homem, centrado no objetivo da natureza. Conforme os princípios da razão, há motivos suficientes para que o homem seja considerado como objetivo último da natureza sobre a terra. Assim, a relação das coisas naturais com o homem constitui um sistema de fins.

Para Kant, finalidade é o acordo entre a existência de uma coisa e seu material possível. Não é, por isso, uma propriedade do objeto, mas do conceito a priori que tem origem no juízo reflexivo apenas. Segundo a estrutura particular da faculdade cognoscitiva, podemos julgar possível um fim intencional da natureza pensando numa causa que se apresente intencionalmente em ação. Portanto, podemos pensar em um ser que produz analogamente sua causalidade do intelecto, ou seja, um princípio subjetivo que serve para um juízo reflexivo e que, em particular, é o juízo teleológico.

A REPRESENTAÇÃO NA FILOSOFIA KANTIANA

Representação é um termo que começou a ser empregado na Idade Média. Ele indica imagem ou ideia. Em muitos casos, indica os dois e seu uso foi sugerido aos escolásticos pelo conceito de conhecimento como semelhança do objeto. Representar algo significa conter a semelhança da coisa. Na filosofia moderna, Kant dará uma nova perspectiva para o conceito.

Na Crítica da razão pura Kant define representação como "[...] determinações internas do nosso espírito, nesta ou naquela relação de tempo". Tal definição ostensivamente modesta encobre a importância central do conceito de representação na filosofia crítica. Uma melhor ideia de seu valor pode ser obtida através da classificação de representações que se apresenta em outra parte da Crítica da razão pura:

O gênero é a representação em geral (representatio). Sob ele está a representação com consciência (perceptatio). Uma percepção que se refere unicamente ao sujeito enquanto modificação do seu estado é a sensação (sensatio); uma percepção objetiva é conhecimento (cognitivo). Este ou é intuição ou conceito (intuitus vel conceptus).

Aquilo que Kant chama de representações com consciência são denominadas percepções, que estão divididas em sensações, ou aquelas que se referem somente ao sujeito como modificação do seu estado, e em percepções objetivas. Kant criticara, antes, o ponto de vista de Leibniz ao qual a sensibilidade era a representação confusa das coisas. Kant argumenta que, pelo contrário, a sensibilidade e suas sensações eram a aparência de algo e o modo como somos afetados por esse algo.

A percepção objetiva é dividida em intuição e conceito, relacionando-se a primeira "[...] imediatamente com o objeto e é singular" . Já o segundo, o conceito, refere-se de modo mediato ao objeto por meio de um sinal que pode ser comum a várias coisas. Tanto a intuição quanto o conceito são produzidas por um ato de espontaneidade. A intuição, dada antes de todo pensamento, fornece um campo no qual o múltiplo da intuição pode aparecer como uma representação. É, no entanto, o conceito que sintetiza as representações em experiência e conhecimento. A aplicação de um conceito a uma intuição em juízo não é outra coisa senão a representação de um objeto. O eu penso, que, em Kant, é a unidade transcendental originária e suprema da autoconsciência, é que permite a ocorrência do juízo, entendido como uma representação que deve ser capaz de acompanhar todas as outras representações.

Mesmo que a representação seja um ponto crucial na filosofia kantiana no que tange a explicação do conhecimento e da experiência, verifica-se pouca discussão explícita daquilo que está sendo representado, por quem e de que maneira. Na Crítica da faculdade de juízo, onde Kant declara que "todas as representações dentro de nós, não importa se, de um ponto de vista objetivo, são meramente sensíveis ou totalmente intelectuais, ainda são subjetivamente associáveis à satisfação ou dor, por mais imperceptíveis que estas possam ser". Elas têm o tal efeito por causa de sua influencia sobre o sentimento de vida e sua contribuição para promover ou inibir as forças vitais. A associação entre representação e prazer corpóreo, sugerida por Kant na Crítica da faculdade de juízo, pode contribuir, portanto, muito para explicar porque motivo a natureza da própria representação permaneceu inexplorada na Crítica da razão pura.

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