Os contos de fadas são naturalmente recheados de elementos mágicos como bruxas, fadas madrinhas, caçadores, lobos malvados, príncipes encantados e, claro, mocinhas bondosas que, em geral, são personagens principais.

Charles Perralt (1628-1703), Jacob Grimm e Wilhelm Grimm (entre 1785 e 1863), H.C. Andersen (1805-1875) e Jean de La Fontaine (1621/1692) são escritores de alguns desses contos de fadas, de séculos anteriores, cheios desses personagens que inspiram e nos deixam a fantasiar em pleno século XXI, quando as bruxas se apresentam materializadas nas desigualdades (e não personificadas, com uma verruga no nariz), as fadas aquelas donas de nossos lares (e não com poderosas varinhas de condão) e os príncipes modernos... príncipes modernos?!

Era uma vez um príncipe encantado que, montado em um lindo cavalo branco, com as mais cheirosas e belas flores do bosque nas mãos, bateu à sua porta, tascou-lhe um doce beijo (para salvá-lhe das maldições do mundo), pediu-lhe em casamento e propôs-lhe felicidade eterna.

Esse príncipe que povoa o imaginário infanto-juvenil existe ou é privativo aos antigos contos de fadas? No auge da contemporaneidade esse conto parece ironia?

Em O Fantástico Mistério de Feiurinha, escrito em 1986, Pedro Bandeira, autor moderno, re-conta-nos as mais belas histórias dos contos de fadas, a partir de onde cada um desses contos termina. O autor desconstrói a imagem de príncipe encantado do mundo maravilhoso e coloca a figura de Príncipes Encantados como filhos, membros de uma família cujo sobrenome é Encantado, na qual todos estão casados com as belas e bondosas mocinhas dos contos de fadas e vivendo felizes para sempre.

Uma das personagens presentes na obra é Chapeuzinho-Vermelho que, ainda solteira, procura por um Príncipe Encantado mesmo sabendo que não o encontrará:

"... A essa altura não existe mais nenhum Príncipe Encantado solteiro." (Dona Branca Encantado).

(Bandeira, 1986 p. 21)

Os príncipes, nessa história, estão mais próximos da figura do homem moderno com os quais as mulheres de nossa época se relacionam. Afinal, esses maridos que fizeram das mocinhas dos contos de fadas modernos princesas são sempre ausentes, não trazem flores e vivem a caçar:

- O Príncipe está no castelo? (Chaupéuzinho-Vermelho)

- O Príncipe? Que Príncipe? (Dona Branca Encantado)

- O Príncipe Encantado. Seu marido. (Chapeuzinho-Vermelho)

- Ah, não está não. Foi à caça. (Dona Branca Encantado)

(Bandeira, 1986 p.19)

Muito próximo da realidade a que assistimos e de que participamos, o homem real e contemporâneo é sempre ausente de casa, não colhe flores, não abre porta de carro, enfim, é um príncipe de contos modernos.

Chapeuzinho-Vermelho chama a atenção para um aspecto que pode ser aplicado também à contemporaneidade:

- Os Príncipes não adianta chamar. Estão todos gordos e passam a vida caçando.

(Bandeira,1986 p.22)

Quem ousaria dizer que depois de casar-se o homem permanece com um corpo de príncipe solteiro? Assim como no conto de Feiurinha, em que os Príncipes aparecem casados, uma nova característica é adquirida pelo homem contemporâneo: excesso de tecido adiposo. Embora a mulher fique grávida, o homem é quem engorda. Adquire hábitos que o mantém distante da família, como uma cervejinha ou uma partida de futebol com os amigos, fica ciumento, deixa sua esposa com dor de cabeça e ainda esquece a chave da casa como nesse depoimento de Rapunzel:

- Pois é por causa dele que eu estou com essa dor de cabeça. Toda noite ele esquece a chave do castelo e cisma de entrar em casa subindo pelas minhas tranças. Não agüento mais de dor de cabeça! O Príncipe já não é tão magrinho como antigamente...

-Mais o pior é o ciúme dele. Vive brigando comigo porque diz que eu ando jogando as tranças para todo mundo...

(Bandeira, 1986 p.29)

Mulheres modernas não podem mais sonhar com príncipes encantados, pois assim como a história Feiurinha nos conta, eles deixaram de existir. Não porque os homens da família Encantado estão casados, mas porque já não existe mulher disposta a querer um príncipe encantado ou mesmo um homem moderno que a busque pacientemente, calçando o sapatinho delicado de cristal em todas as mulheres até encontrá-la, ou ainda que espere seus cabelos crescerem para poder entrar em sua torre subindo por suas longas tranças. O atual ritmo de vida acelerou a mulher moderna, acelerou o amor.

A modernidade tem sido cruel com as mulheres, que se permitem escravizar por uma mídia perversa que impõe determinados padrões de beleza. Estão adquirindo a síndrome da madrasta de Branca de Neve, repetindo todos os dias as palavras ditas pela madrasta ao espelho:

-Espelho ,espelho meu,
Sai do espaço profundo

E vem dizer se há no mundo

Mulher mais bela do que eu...

(A Branca de Neve)

As mulheres estão belas, livres e com direitos (quase) iguais aos dos homens. Têm carro, ganham bem e por isso dividem as contas a pagar. Não querem flores, pois consideram-nas descartáveis. Caixas de bombons as engordam, por isso desprezam-nas. Desse modo repelem os príncipes encantados de contos e aproximam-se de homens com perfis parecidos com o do caçador generoso (que aparece para salvar Chapeuzinho-Vermelho do malvado lobo que a persegue em sua história), que são valentes, porém sujos e menos favorecidos financeira e intelectualmente, tipo de príncipe encantado ditado também pela mídia em novelas atuais. No conto moderno Feiurinha, Chapeuzinho-Vermelho destaca sua vontade de casar-se com o caçador:

-É.... os únicos decididos são os caçadores. Eu devia ter casado com o Caçador que matou o Lobo...

(Bandeira, 1986 p.21)

O perfil príncipe encantado: macho, bom desenvolvimento intelectual, bonito, cavalheiro e com um beijo encantado não é mais a preferência feminina, novelas apontam os homens cafajestes, sujos e desprovidos de intelecto (sem encantos) sendo os mais amados e desejados por mulheres. As mudanças contemporâneas fizeram com que as mulheres abandonassem a postura "cinderela" e se tornassem "belas-feras" invertendo-se valores. As mulheres também se tornaram "don-juan".

Hoje, ainda, levanta-se a bandeira de uma série de ideais de igualdade. Briga-se pelo direito de poder ser homossexual, pelos direitos de deficientes, negros e mulheres, mas já não se permite aos homens ser delicados, compreensivos, inteligentes, amáveis e bonitos, deixaram os príncipes encantados e encantadores cada vez mais acuados.

Precisa-se de Cinderelas, Brancas de Neve, Rapunzéis, Belas Adormecidas e outras tantas mocinhas frágeis, delicadas e desprotegidas para que os homens possam voltar a ser príncipes encantados como nas histórias antigas, mas à maneira moderna: que abram porta de carro, arrastem cadeira para que a mulher possa assentar-se, paguem contas, mandem flores, façam surpresas, dêem bombons, enfim que estejam presentes.

Referências

BANDEIRA, Pedro. O Fantástico Mistério de Feiurinha. Ed. FTD. 21 edição.

Alguns contos de fadas clássicos como Chapeuzinho Vermelho, A Branca de Neve foram consultados porém esse livros não trazem identificação, tornando impossível fazer a referência completa.