Agnelo Rocha Nogueira Soares

RESUMO
O presente artigo se destina a analisar os procedimentos administrativos relacionados à prática da adesão à ata de registro de preços por órgão não participante, procedimento também conhecido como "carona", ferramenta esta criada por meio do Decreto 3.931/01 e que tem constituído objeto de discórdia na doutrina brasileira. Alicerçando-se nos princípios que regem as contratações públicas em nosso país, a análise se aprofunda nas disposições doutrinárias acerca do tema, visando a diagnosticar o posicionamento do "carona" dentro do ordenamento jurídico pátrio e procurando estabelecer possíveis práticas que poderiam amenizar os embates travados entre aqueles que defendem a celeridade do "carona" e os que o rejeitam, acusando o instituto de ilegal e criminoso.

Palavras-chave: Licitação. Sistema de Registro de Preços. "Carona". Eficiência. Legalidade.

1 ? CONTEXTUALIZAÇÃO
A evolução da Administração Pública em nosso país passou por três modelos diferentes: a Administração Patrimonialista, a Administração Burocrática e a Administração Gerencial. Essas modalidades surgiram sucessivamente ao longo do tempo, não significando, necessariamente, que alguma delas tenha sido abandonada.
Na Administração Pública Patrimonialista, o aparelho do Estado é a extensão do próprio poder do governante e os seus servidores são considerados membros da nobreza. O patrimônio do Estado se confunde com o patrimônio do governante e os cargos são tidos como prebendas (ocupações rendosas e de pouco trabalho). A corrupção e o nepotismo são inerentes a esse tipo de administração.
A Administração Pública Burocrática surge para combater a corrupção e o nepotismo do modelo anterior. São princípios inerentes a este tipo de administração a impessoalidade, o formalismo, a hierarquia funcional, a idéia de carreira pública e a profissionalização do servidor, consubstanciando a idéia de poder racional-legal. Os controles administrativos funcionam previamente, para evitar a corrupção. São sempre necessários controles rígidos em todos os processos, como na admissão de pessoal, nas contratações públicas e no atendimento às necessidades da população.
A Administração Pública Gerencial se apresenta como solução para os problemas da Burocracia. Prioriza-se a eficiência da Administração, o aumento da qualidade dos serviços e a redução dos custos. Busca-se desenvolver uma cultura gerencial nas organizações, com ênfase nos resultados, e aumentar a governança do Estado, ou seja, sua capacidade de gerir com efetividade e eficiência. O cidadão passa a ser visto como cliente do Estado.
A Administração Gerencial constitui um avanço, mas sem romper em definitivo com a Administração Burocrática, uma vez que não nega todos os seus métodos e princípios. Na verdade, o gerencialismo apóia-se na burocracia, conservando seus preceitos básicos, como a admissão de pessoal segundo critérios rígidos, a meritocracia na carreira pública, as avaliações de desempenho, o aperfeiçoamento profissional e um sistema de remuneração estruturado.
Nesse novo contexto, onde o administrador público assume a obrigação de gerir o patrimônio público com presteza e rendimento funcional, o princípio da Eficiência assume um grau de relevância elevado, tal como proclama o professor José dos Santos Carvalho Filho (2003, p. 268, 269):

Deve o Estado prestar seus serviços com a maior eficiência possível. Conexo com o princípio da continuidade, a eficiência reclama que o Poder Público se atualize com os novos processos tecnológicos, de modo que a execução seja mais proveitosa com menor dispêndio. (...) É tanta a necessidade de que a Administração atue com eficiência, curvando-se aos modernos processos tecnológicos e de otimização de suas funções, que a Emenda Constitucional nº 19/98, incluiu no art. 37 da CF o princípio da Eficiência entre os postulados principiológicos que devem guiar os objetivos administrativos (...)

Atendendo aos anseios gerenciais, o Sistema de Registro de Preços surge como mais uma ferramenta de eficiência posta à disposição da Administração Pública, visando a proporcionar um maior planejamento e a trazer maior agilidade às contratações públicas. Esta técnica de contratação, apesar de figurar claramente como um advento da Administração Gerencial, já havia sido prevista no Decreto-Lei nº 2.300/86, que asseverou em seu artigo 14:

Art. 14 . As compras, sempre que possível e conveniente, deverão:
I ? atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção e assistência técnica;
II ? ser processada através de sistema de registro de preços;
III ? submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado;
§1º O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
§ 2º Os preços registrados serão periodicamente publicados no Diário Oficial da União, para orientação da Administração.
§ 3º O Sistema de Registro de Preços será regulamentado por decreto.
Com a revogação do Decreto-Lei nº 2.300/86 pela Lei Federal nº 8.666/93, o Sistema de Registro de preços passou a ter seu alicerce legal no art. 15 da Lei de Licitações e Contratos, a saber (grifo nosso):

Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:
I ? (...)
II - ser processadas através de sistema de registro de preços;
III ? (...)
§ 1º O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
§ 2º Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial.
§ 3º O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:
I - seleção feita mediante concorrência;
II - estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados;
III - validade do registro não superior a um ano.
§ 4º A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.
§ 5º O sistema de controle originado no quadro geral de preços, quando possível, deverá ser informatizado.
§ 6º Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no mercado.

Do disposto na norma, verifica-se claramente a intenção do legislador em deixar a normatização específica do Sistema de Registro de Preços a cargo do Executivo, mediante decreto. No âmbito Federal, a União editou os Decretos de Número 449/92; 2.743/98 e o Decreto nº. 3.931/01, que está em vigor com as modificações introduzidas pelo Decreto nº. 4.342/02.
Desta forma, com o intuito de proporcionar a racionalidade dos procedimentos administrativos mediante a simplificação de processos, encontra-se em pleno vigor no Brasil o Sistema de Registro de Preços, sendo que o "carona" integra o referido sistema, estando previsto no art. 8º do Decreto nº. 3.931/01.