A FERRAMENTA DO BRINCAR COMO MÉTODO DE TRATAMENTO PSICANALÍTICO NA TEORIA WINNICOTIANA

 

Ray Leandro Araújo (autor)

Meirilane Maria Sousa de Lima (co-autor)

Samille Leite Taboza (co-autor) 

RESUMO

O presente artigo tem como tema principal a teoria do brincar de Donald Winnicott, e tem por objetivo central expor algumas considerações sobre esse conceito e sua relação com a clínica infantil. Sendo assim, não pretendemos descrever minuciosamente a teoria do autor, mas trazer alguns aspectos desta para discutirmos sobre sua aplicação na clínica com crianças.

PALAVRAS CHAVES: Psicanálise com criança, brincar, terapia infantil 

ABSTRACT

This article has as main theme the theory of play Donald Winnicott, and has as main objective to expose some thoughts on this concept and its relationship to the children's clinic. Therefore, we do not describe pass by pass the author's theory, but bring some aspects of this to discuss about its application in the clinic with children.

KEY-WORDS: Psychoanalysis with child, Play, child therapy 

INTRODUÇÃO 

O trabalho terapêutico com crianças, no que diz respeito ao uso técnico do brincar como um instrumento que auxilia o analista na escuta infantil, provoca muitos questionamentos dentro do campo da psicanálise, principalmente quando se trata da maneira como este é utilizado e manejado em análise. Foi em decorrência desta dimensão, que o conceito de brincar em psicanálise modificou-se significativamente ao longo dos anos por seus estudiosos. Melanie Klein é uma destes que possibilitou com sua teoria do brincar um maior alcance para resolução dos diversos problemas clínicos. Sua abordagem freudiana vincula o brincar ao processo da associação livre, e a representação das fantasias pela criança que muitas vezes no brinquedo é entendida como uma espécie de linguagem.

Enquanto Melanie Klein, aponta para esta concepção do brincar, Winnicott apresenta uma outra proposta, que consideramos importante elucidar neste trabalho. Esta pesquisa trata-se de uma revisão bibliográfica, das formulações teóricas de Donald Winnicott sobre a noção do brincar para a clínica psicanalítica infantil. Tomamos por base teórica para auxiliar nas discussões, sua célebre produção “O brincar e a Realidade”. O perante trabalho tem por objetivo discutir sobre o brincar na perspectiva Winicottiana, tentando responder ao longo da discussão a alguns questionamentos que surgem quando nos referimos a técnica do brincar em psicanálise, tais como: O brincar tem valor terapêutico? Qual sua importância para a clínica psicanalítica infantil? Qual deve ser o manejo do analista frente a essa técnica? Nossa pretensão com este trabalho não é descrever minuciosamente a teoria do brincar de Winnicott, mas através de sua contribuição teórica, produzir um maior entendimento sobre sua teoria e sua atuação na clínica psicanalítica infantil. 

ABORDANDO O LÚDICO NA CLÍNICA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS 

Ao abordar a temática do brincar, e discutir sobre como esta atividade lúdica pode deixar transbordar aquilo que as palavras não podem dizer, nos propomos a elucidar não só a questão do brincar propriamente dito, mas entender um pouco essa dimensão que é particular a cada sujeito e que ao mesmo tempo caracteriza-se como sendo algo universal.

Se nos depararmos com a seguinte situação, onde num certo lugar, sejam colocadas algumas crianças, e a disposição destas, estejam vários brinquedos despojados pelo chão, cremos que o primeiro pensamento que virá em nossa cabeça será que as crianças, uma a uma, começarão a brincar e a se divertirem, claro que não estamos aqui generalizando tal situação, mas é importante trazê-la logo no início para entendermos mais sobre a dimensão da brincadeira.

A criança predispõe dessa inclinação ao brincar, é como se em seu universo, os primeiros contatos desta com o mundo a sua volta se desse pelo caminho da brincadeira.  E cremos que por ela, também seu desenvolvimento. Winnicott (1975), vem trazer em seu livro, “O brincar e a Realidade”, uma noção de que o brincar é algo essencial e universal a todas as crianças. É o lugar por onde flui a liberdade de criação. Este conceito se insere na psicanálise como método de tratamento com crianças, e como uma ferramenta que auxilia o analista na clínica infantil.

Todavia, a questão que emerge, e que tentaremos explicar ao longo desta discussão é: o brincar tem mesmo valor terapêutico? E se tem, como se dá o manejo desta técnica no procedimento analítico com crianças?

Em resposta a essas questões, Winnicott compreende que a lógica do brincar se sobrepõe a duas áreas, a primeira que remete ao paciente, e a segunda que diz respeito ao terapeuta. Estas relacionam-se como um movimento de ir e vir. Além do mais o autor considera importante que: 

Em consequência, onde o brincar não é possível, o trabalho efetuado pelo terapeuta é dirigido então no sentido de trazer o paciente de um estado em que não é capaz de brincar, para um estado em que o é.  (WINNICOTT, 1975, p.65) 

O autor concebe que a psicoterapia se trata justamente desta relação de duas pessoas que brincam juntas. Como uma relação em que se constituem entre analista e analisando. O que o autor fala é que no momento da terapia com a criança, o analista precisa dispor de criatividade nas intervenções frente ao que o analisando demonstra na dinâmica do brincar. Se este não tem condições ou se limita ao brincar, o analista deverá proporcionar antes de tudo a seu analisando a condição para que este brinque. Isso nos remete ao processo analítico com adultos, onde o analisando precisa dispor de suas resistências para deixar fluir a dinâmica do inconsciente, frente à um processo transferencial.

Para Winnicott (1975), o brincar assume um lugar e tem um tempo, ou seja, aquilo que parte do sujeito, se faz presente no ato do brincar, e neste mesmo ato é revelado para o analista um tempo, que diz respeito aos fatos da vida do sujeito, consideramos como a atualização da neurose e do sintoma. O autor ainda explica que: 

É a brincadeira que é universal e que é própria da saúde, o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia.  (WINNICOTT, 1975, p.70) 

É no andamento do processo analítico com crianças, através do brincar, que conseguimos uma intervenção com palavras sobre o ato. A resposta que nos é dada é a interpretação desse processo que gera saúde e desenvolvimento, bem como capacidade para o sujeito, no caso a criança, lidar com suas dificuldades.

Acreditamos ser a psicanálise o lugar onde o brincar encontra um fazer terapêutico. E isso é confirmado por Winnicott, quando este revela que o método do brincar personifica a realidade psíquica do sujeito no momento da experiência do controle dos objetos reais. Uma terapia que se constitui não só na interpretação daquilo que é representado na análise, mas a própria brincadeira em si, como uma linguagem singular que a criança carrega. 

Em termos de associação livre, isso significa que se deve permitir ao paciente no divã, ou à paciente criança entre os brinquedos no chão, que comuniquem uma sucessão de ideias, pensamentos, impulsos, sensações sem conexões aparente, exceto do ponto de vista neurológico ao fisiológico, ou talvez além da detecção.  (WINNICOTT, 1975, p.91) 

A brincadeira revelada como método terapêutico por Winnicott, foi a maneira encontrada para compreensão dos processos inconscientes que são reveladas nessa dinâmica. É no deixar a brincadeira acontecer livremente, que o inconsciente, presente em tudo e em todos se manifesta.

Schimidt e Nunes (2014) afirmam que trabalhando com o lúdico, se torna mais fácil estabelecer um vínculo de confiança entre a criança e o terapeuta, o que contribui bastante na condução da situação, pois o terapeuta terá a possibilidade de acessar as fantasias da criança de acordo com o que ela expressa a partir do brincar.

Conforme Melo e Silva (2012), o lúdico na clinica psicanalítica proporciona muitas descobertas, é partir da mediação do terapeuta que a criança projeta nas brincadeiras o seu mundo psíquico. O brincar ajuda no desenvolvimento da criança, além de prepará-la para o enfrentamento do meio social.

Semelhante a este conceito, Franco (2003), ressalta que a proposta de Winnicott é diferenciada de outros autores, pois ele tem o brincar como objeto de estudo. O brincar na clínica psicanalítica facilita a comunicação da criança com o terapeuta, onde ela acaba demonstrando nas sessões aspectos de sua realidade a partir da brincadeira, trazendo elementos fundamentais que diz muito do seu mundo interno e externo.

Segundo Felice (2003), se a criança não tem capacidade para brincar, cabe ao terapeuta trabalhar essa questão até que ela consiga brincar, mas desde que não seja algo forçado, submisso e sim da ordem da espontaneidade, devendo ser respeitado o seu tempo e espaço, restando ao terapeuta realizar o manejo da melhor maneira possível até que o processo terapêutico seja significativo. 

A brincadeira em análise segue o paradigma do jogo da espátula, proposto por Winnicott (1982a) para mães com seus bebês em sua clínica pediátrica. Ele observou que esse jogo apresentava naturalmente três períodos consecutivos: hesitação, apropriação e desinvestimento do objeto. Após diversas situações observadas, ele concluiu que era necessário propiciar à criança uma experiência completa, que incluía esses três períodos, o que provocava uma mudança em sua vida psíquica. (FELICE, 2003, p. 2)

A brincadeira que se dá entre a mãe e o bebê através do jogo da espátula mostra perfeitamente sobre o que se trata o lúdico na clínica psicanalítica infantil pois, enquanto a criança brinca, auxiliada pela mãe, ela também está se comunicando com esta, cabe ao analista saber interpretar os sinais de comunicação emitidos pela criança sobre o que se trata este brincar pois, esta experiência completa, na qual Winnicott se refere, proporcionaria à criança uma linguagem mais ampla e, isto impactaria diretamente na sua vida psíquica. 

A teoria do brincar desenvolvida por Winnicott (1975) parte da consideração de que a brincadeira é primária, e não produto da sublimação dos instintos. É uma forma básica de viver, universal e própria da saúde, que facilita o crescimento e conduz aos relacionamentos grupais. O brincar surge no contexto da relação mãe-bebê, a qual segue uma seqüência no processo de desenvolvimento. Inicialmente, a mãe é percebida como um objeto subjetivo, isto é, criado pelo bebê. (FELICE, 2003, p. 3) 

 Winnicott afirma também que o brincar é algo inerente ao ser humano, este surge desde o início da relação mãe-bebê e vai se desenvolvendo com o passar dos anos, inicialmente, a mãe é um objeto de posse do bebê, criado pelo bebê e, depois esta vai tomando um lugar de objeto de desejo da criança, paralelamente à isso, o brincar vai se desenvolvendo e com ela a sua linguagem, uma vez que o próprio lúdico é uma forma de linguagem.

A brincadeira vem transpassar a linha tênue entre a realidade externa e interna pois, cabe ao analista observar até que ponto aquela brincadeira representa algo realmente real ou se não é um delírio criado por ela a fim de recalcar algum desejo que não lhe é tolerado e, é a partir aí, que o analista deve saber guiar esta criança para o seu significante mestre, trazendo à tona a origem de muitos outros significados na sua vida. 

A brincadeira ocorre na área intermediária entre a realidade externa e a interna, ou pessoal, o que equivale a dizer que os objetos e fenômenos oriundos da realidade externa são usados a serviço de alguma mostra derivada da realidade interna (FELICE, 2003, p. 3)

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 Esta pesquisa se propôs a discutir os saberes psicanalíticos quanto à clínica infantil, em especial no âmbito lúdico. Trazendo uma perspectiva winicottiana, pudemos observar o quanto é importante para a psicanálise a relação de analista e analisante pois, somente a partir da transferência que se pode haver análise e esta, no caso da clínica infantil, poderá se dar através de um vínculo construído entre terapeuta e criança, mais facilmente conquistado na via do lúdico.

Também devemos levar em consideração que a clínica psicanalítica se dá através da linguagem, por meio de associação livre, tanto para adultos quanto para crianças, e o interessante é observar que o brincar é uma forma de linguagem única das crianças, é por meio desta que elas conseguem associar livremente, com a condução do analista, este poderá acessar as fantasias daquela criança, ajudando-a a superá-las e prepara-las para o enfrentamento do meio social.

Por fim, concluímos que Winnicott tem uma proposta singular perante à outros autores pois este torna o brincar um objeto de estudo e busca, em sua teoria, fazer com que através do brincar, o inconsciente da criança se manifeste, tal como ocorre no falar na clínica adulta. O lúdico deve permitir à criança que ela associe livremente pois, é desta maneira que ela irá encontrar a verdade de seus significantes, tal como ocorre no divã, na clínica adulta. 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 

WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Tradução J.O.A. Abreu e V. Nobre. Rio

de Janeiro: Imago, 1975.

FULGENCIO, Leopoldo. O brincar como modelo do método de tratamento psicanalítico. Revista Brasileira de Psicanálise, Vol.42, nº1, p.124-236, 2008.

MELO, P.O.C.; SILVA, A.M.C. A Psicanálise de Crianças: o Brincar como Recurso Terapêutico. Categoria: Psicanálise. Publicado na Edição de março, 2012.

FRANCO, S.G. O brincar e a experiência analítica. Ágora: Estudos em Teoria Psicanálitica, vol.6 nº1, Rio de Janeiro, 2003.

SCHMIDT, M.B.; NUNES, M.L.T. O Brincar como Método Terapêutico na Prática Psicanalítica: Uma Revisão Teórica. Revista de Psicologia da IMED, Vol.6, nº1, p.18-24, 2014.

FELICE, E.M. O lugar do brincar na psicanálise de crianças. Psicologia: teoria e prática, Vol.5, nº 1, São Paulo, 2003.