INTRODUÇÃO

O cenário da agricultura familiar com implantação de cultivos perenes e semiperenes voltadas praticamente para o mercado, representou a introdução de um novo padrão de produção baseado no uso de fertilizante e agrotóxicos, principalmente para as culturas do maracujá e pimenta do reino. Este processo começou na segunda metade da década de sessenta com a chegada de novas técnicas de cultivo trazidas pelos japoneses. Especificamente sobre o cultivo do maracujá, este foi introduzido no Pará em 1964 , sua implantação e expansão foi fomentada, por um lado, por uma agroindústria (AMAFRUTA) e de, outro, favorecida por recursos provenientes do FNO (Fundo Constitucional do Norte).O desconhecimento das conseqüências do uso agrotóxico sintéticos no meio ambiente, causou um impacto que afetou as relações sociais de trabalho nas localidades produtoras de maracujá, criando posto de trabalho, realizado só por mulheres, sendo que a cultura do maracujá depende delas para alcançar a produtividade capaz de honrar os contratos realizados com a industria. Apesar de fundamental, esse mesmo posto de trabalho é desvalorizado por ser realizado apenas por mulheres, gerando o que Helena Hirata chama de "precarização do trabalho".O presente artigo objetiva analisar esse novo posto de trabalho construído através do impacto ambiental, desvalorizado pela presença da mulher mas essencial para a produção e apontar, mesmo que de forma tímida, propostas que através da agroecologia fomentem um equilíbrio entre a produção, a manuenteção da diversidade ambiental e a valorização do trabalho familiar tanto no ser homem como no ser mulher.

MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo foi realizado na comunidade do Rosário, localizada no km 16 a12 km da sede do município de Igarapé-açu, distante110 km de Belém, capital do estado do Pará, no âmbito do Projeto sobre " adaptação e validação participativa de uma alternativa tecnológica de preparo de área sem queima no nordeste paraense" conduzido pela Embrapa Amazônia Oriental.Foram aplicados dez questionários semi-estruturados para coleta de dados junto aos estabelecimentos que participam do referido projeto. As entrevistas foram realizadas com os agricultores e com intervenção das esposas e filhos. Foram realizadas conversas informais somente com mulheres que trabalham com a polinização do maracujá.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A introdução da cultura do maracujá (Passiflora edulis, L.) na comunidade do Rosário deu-se a partir de 80, porém 70% dos entrevistados iniciaram seu plantio na década de 90, com recursos próprios e por influências de vizinhos da própria comunidade ou por ter vendido sua mão-de-obra para estabelecimentos que plantavam a cultura do maracujá na região.Por apresentar-se altamente integrado ao mercado, o maracujá foi introduzido nos sistemas de produção como uma estratégia de incrementar sua renda. Por outro lado, apresentam altas demandas de insumos para produção comercial do maracujá, pois é indicada a aplicação de mais de 20 tipos de agrotóxicos distribuídos entre inseticidas e herbicidas. Na área de estudo é utilizado com mais freqüência o dimentoato. Cerca de 50% dos agricultores efetuam 4 aplicações no mês, 40% aplicam 8 vezes ao mês e 10% uma vez ao mês. Segundo os agricultores, as altas taxas de aplicação justificam-se para se obter a máxima produção em uma região de clima úmidoe eliminar altas taxas de incidência de doenças. Toda essa carga de agrotóxicos que está sendo utilizada na região e a eliminação da vegetação rasteira gerou um desequilíbrio ambiental tendo como conseqüência o desaparecimento de muitos insetos, entre eles a abelha mamangava, que é a principal responsável pela polinização do maracujá. As flores do maracujazeiro são auto- incompatíveis.

E obvio que o percentual de vingamento de frutos vai depender do número de mamangavas presentes no pomar.Devido a existência de um baixo número de insetos, os produtores da região estão utilizando a polinização manual para garantir a produção. Esta é realizada primordialmente por mulheres. Com relação a produção de frutos a técnica é eficiente, mas os problemas ambientais e sociais que geram são preocupantes.

Um novo mercado de trabalho

Na região Amazônica, a agricultura familiar, o/a agricultor/a é uma categoria, que no âmbito do senso comum, está ligada diretamente com a pobreza, falta de estudos e isolamento. Não há a valorização e nem investimento na agricultura familiar, assim qualquer alternativa para mudar essa situação, mesmo que seja através da exploração e da dominação é vista como "tabua de salvação".

Durante o período de menor incidência de chuva os trabalhos são destinados aos preparativos para o cultivo da roça e durante o período de chuva para o plantio e os tratos culturais. As mulheres têm participação importante tanto para os estabelecimentos voltados para culturas permanentes quanto naqueles orientados para culturas temporárias, seja na fabricação da farinha, nos tratos culturais e na colheita, Nos meses de setembro e outubro, são os meses em que os homens continuam trabalhando no roçado e as mulheres se voltam para o maracujá, e vão trabalhar como polinizadoras , trazendo para casa o bem mais escasso, o dinheiro.

Mulheres e Trabalho

Segundo a SOF- Sempre Viva Organização Feminista, as mulheres sempre ganham menos que os homens, cerca de 30% menos. Há uma divisão sexual do trabalho, pois o trabalho de polinização é visto como um trabalho de mulher, as justificativas são as mais variadas, mas a que mais se ouve e a que "as mulheres são mais jeitosas e delicadas para o serviço de polinizar".

Durante as entrevistas com os empregadores, todos homens, aparecem o verdadeiro fator da grande contratação de mulheres. "Sempre a mulher ganha mais pouco, é mais fácil de arranjar, porque ela tem mais tempo".Ou então: "O homem não vai deixar de trabalhar para ganhar bem pouquinho".Nota-se que mesmo admitindo-se a qualidade da flor polinizada pelas mãos das mulheres, mas há desvalorização do trabalho feminino- Teoria muito discutida por Elizabeth Lobo, a qual gera um sistema de dominação e exploração muito rentável para os produtores comerciais de maracujá.

No que a agroecologia poderia ajudar a mudar essa realidade?

Seguindo a linha de Miguel Altieri e Andrés Yurjevic, agroecologia e muito mais que uma forma de produzir é sim uma forma de alcançar um Desenvolvimento mais igualitário e mais justo.

O investimento em sistemas que aumentem a produção é uma realidade em toda América Latina, mas os pequenos agricultores continuam sem acesso a estes benefícios. O surgimento das ONG's colocou em discussão além do Desenvolvimento econômico também o Desenvolvimento social, que tem que ser realizado com a atuação do Estado. Muitas ONG'S possuem propostas alternativas interessantes, que precisam ser adaptadas para a região amazônica.

Acreditamos, que a agroecologia tem que ser vista como uma proposta séria de desenvolvimento. A proposta agroecológica deve ser construída buscando a participação das ONG's que já possuem um acúmulo na discussão, mas também as instituições de pesquisa, universidades, o Estado e as entidades responsáveis pela assistência técnica.A mudança do que representa "o ser agricultor" é fundamental para que estas mulheres tenham interesse em continuar a ser camponesas, a valorização do trabalho feminino e a dominação vivida pelas mulheres no mercado de trabalho também tem que ser discutido para que possamos alcançar o desenvolvimento social.

O Pará possui um grande numero de camponeses, que tem um sistema produtivo livre de agrotóxicos, mas as relações sociais impedem que o desenvolvimento seja alcançado assim, essa faceta mais política da agroecologia pode em muito contribuir com a melhoria de vida das famílias de pequenos agricultores do Nordeste Paraense.

LITERATURA CITADA

FILHO, F.R.S.; SILVA, A.A.; MARQUES, U.M.F.; CAHETE,F.L.S.; PINTO, W.S.; SILVEIRA,J.L.; SANTOS, R.M. CORTELETTI, J. (1999).Dinâmica Histórica da Reprodução da Agricultura em Igarapé-açu (Região Bragantina do Estado do Pará): I conformação do espaço agrário e dinâmica dos sistemas agrários. In: Seminário sobre manejo da vegetação secundária para a sustentabilidade da agricultura familiar da Amazônia Oriental. Embrapa, Belém,Pará. Setembro.