Não é a primeira vez que utilizo exemplos de outras áreas e para fazer um retrato da educação pública no Brasil. Na verdade, saúde, educação e segurança apresentam sintomas semelhantes e que somente nos deixam uma afirmativa: eles são uma farsa.
Quem já leu o livro Elite da Tropa, escrito em conjunto pelos ex-policiais do Bope André Batista e Rodrigo Pimentel, em parceria com o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ou, em menor medida, os que assitiram os filmes Tropa de Elite (1 e 2) já devem ter sentido o tamanho do buraco negro que existe no setor de segurança pública. Sobre isso escrevi um artigo e não vou ser redundante aqui. Porém, há duas semanas um fato novo deu um toque de "cereja de bolo" para as discussões sobre o tema. A versão oficial, disseminada pela grande mídia e engolida pela maioria da população, dá conta de que a grande operação de tomada dos Complexos da Penha e do Alemão aconteceu em resposta a série de atentados na cidade, sobretudo incendiando automóveis e disseminando o medo nos moradores do Rio de Janeiro. Pois bem, se você é um dos que acreditaram nesta história, sinto muito dizer que está sendo enganado. Poucos espaços foram abertos na imprensa para uma verdadeira discussão sobre o assunto. Na verdade, multiplicaram-se oficiais das polícias e do Exército se vangloriando pela brilhante operação: mal sabem eles (ou sabem!) que são apenas peças de um jogo de tabuleiro. O que estava em jogo nesta mega operação envolve dinheiro, muito dinheiro. Por questões óbvias eu não vou entrar em detalhes, mas ao meu lado está um ex secretário de Segurança Pública, o antropólogo que citei acima como co-autor do Elite da Tropa. Inquéritos correm em segredo de justiça para apurar estas denúncias. Resumindo a história, é a velha ideia de que "se quero algo de você, tenho que mostrar o meu poder". Ambos os lados, traficantes e polícia, jogaram seus dados. Nesta batalha dos "Complexos", ganhou a polícia. No fim das contas, perde o cidadão.
Bom, não é fácil falar em códigos, mas quando se trata de segurança pública só assim podemos expressar nossas opiniões. Desculpe-me o leitor. Entretanto, quando falamos da saúde já podemos respirar aliviados e colocar o dedo na ferida, pois não há nenhum meio de coerção que me atinja.
Uma reportagem muito boa (pena que de apenas 1 página ? 12/12/2010, p.50) do jornal O Globo revelou como é a relação entre hospitais, médicos e planos de saúde. No exemplo real dado, um paciente corre risco de morte caso um remédio não seja aplicado em 48 horas. O médico faz o pedido à operadora. Porém, olha o dinheiro aí de novo, o custo dele chega a R$ 15 mil por dia. Logicamente o plano de saúde não autorizou a compra do medicamento antes de fazer uma rigorosa análise das justificativas e da necessidade. Afinal de c$o$n$t%a%s, nenhuma mensalidade banca R$ 15 mil por dia. O plano se saúde pede dois dias para a resposta. O hospital não pode fornecer o medicamento e arcar com uma possível negativa do plano. O médico não tem nada a fazer. Isso é mais comum do que se parece. Quem paga um plano de saúde e se sente mais tranqüilo não sabe o risco que está tendo. A justiça está abarrotada de pedidos de liminares para que, somente assim, os planos liberem serviços e/ou medicamentos aos pacientes... ou melhor, clientes. Outra denúncia mostrada na reportagem fala da política de premiações para os médicos que utilizam poucos exames e recomendam tratamentos mais baratos. Tudo isso somado ao valor medíocre pago pelas operadoras por consulta, o que leva o médico a fazer mais atendimentos por dia e, como conseqüência, diminuir o tempo com o paciente. Profissionais que ameaçam combater estes planos de saúde criminosos (digamos assim... todos!) são descredenciados e perdem quase todos os clientes da noite para o dia.
Agora, se você é um leitor atento já deve ter se questionado, por que ele está falando sobre problemas no setor privado se o tema do artigo é a farsa do setor público. Com razão, mas eu explico. Todos estes problemas no setor privado desembocam no público. Exemplos: médico que marca partos em maternidades públicas e recebe (é lógico) por fora, porque o preço dado pelas operadoras por uma cesárea é algo surreal. Outro? Pacientes com planos de saúde que são atendidos em hospitais públicos para fugir das burocracias das operadoras (geralmente em casos de emergência). Tudo isso pode ser confirmado por qualquer profissional de saúde que você conheça e que tenha um pouquinho de senso crítico. (É, porque em todas as profissões existem aqueles que parecem que vivem em outro mundo, apenas batem o cartão e trabalham, fechando os olhos para a realidade em sua volta).
Chegamos na educação! Pois o cenário que eu denunciei, sendo perseguido por isso, em 2008 persiste. Abre-se apenas um parênteses para que eu possa fazer uma correção: existem escolas, diretores e até pedagogos que realmente querem uma educação de qualidade. Sem dúvidas ainda são raros. Mas eu conheço alguns, não são muitos. Para infelicidade de todos nós, a maioria dos que guiam a educação no nosso país ainda colocam o r$e$s$u$l$t$a$d$o em primeiro lugar. Não vou aprofundar nisso pois já escrevi artigos falando sobre este assunto. Perdem alunos e professores, as grandes vítimas e não vilões da educação.
Finalizo com uma frase infeliz, mas que retrata bem o que acabei de abordar. Após um impasse a respeito da nota de uma aluna, diretor e professora discutiram (aliás, diretor gritou e professora ouviu) e o primeiro lançou a seguinte pérola:
- Professora, deixa de se preocupar com estes alunos. Todos nós sabemos que os meninos vão virar bandidos e as meninas prostitutas.