A família no Brasil se tornou o alicerce na colonização, pois constituiu um núcleo organizacional dentro da desorganização aparente. O português chega ao Brasil criando, em um clima tropical diverso do seu, tendo que se adpatar ao solo infértil devido a própria geografia do território, à alimentação do trigo para a mandioca, entrando em contato com os nativos, se misturando, miscigenando.

O lusitano carrega a mentalidade medieva com seus dogmas, no entanto age de forma diferente de seu pensamento, como um iluminista precoce, pois o colonizador é plástico, talvez devido a região de onde veio e o contato com outras culturas. Chegando no território novo o português busca explorar o solo, aplicando a monocultura, não se regimentando um Estado, mas sim os senhores-de-engenho (particulares) e em meio a miscigenação e a característica híbrida do lusitano, ocorrem os intercursos sexuais e o amalgamento cultural, não esquecendo do africano introduzido como mão-de-obra.

Assim, se molda o modelo familiar patriarcal no Brasil, quando unem-se o nativo (chamado indígena), o colonizador (chamado português) e o africano (chamado escravo). Não é o Estado ou o indivíduo que tem o domínio, mas sim as famílias que nascem das casas grandes, onde se molda desde menino o "protótipo senhor-de-engenho", com suas brincadeiras sádicas e suas relações de domínio, que vão desde os jugos agressivos até o intercurso sexual sadomasoquista. Pois é necessário que em uma sociedade escravocrata sejam propagadas as relações escravistas, e observa-se tal comportamento, até mesmo nas relações mais íntimas, podendo se deduzir que se regimentou o sistema escravista no âmago da sociedade.

Conforme expõe Gilberto Freyre, "a família, não o indivíduo, nem tampouco o Estado nem nenhuma companhia de comércio, é desde o século XVI o grande colonizador no Brasil, a unidade produtiva, o capital que desbrava o solo, instala as fazendas, compra escravos, bois, ferramentas, a força social que se desdobra em política, constituindo-se na aristocracia colonial mais poderosa da América."(FREYRE,1981: 92).

E mais, "através da submissão do muleque, seu companheiro de brinquedos e expressivamente chamado leva-pancadas, iniciou-se muitas veze so menino branco no amor físico. Quase que do muleque leva-pancadas se pode dizer que desempenhou entre as grandes famílias escravocratas do Brasil as mesmas funções do paciente do senhor moço que na organização patrícia do Império Romano o escravo púbere escolhido para companheiro do menino aristocrata: espécie de vítima, ao mesmo tempo que camrada de brinquedos, em que se exerciam os "premiers élans génésiques" do filho-família."(FREYRE,1981: 122).

A família é o poder do senhor sobre o escravo, do marido sobre a mulher, do pai sobre o filho,do filho sobre o moleque-leva-pancadas. Enxerga-se inclusive uma herança patriarcal para agregar-se ao modelo escravista. Mas a união familiar também possui seus méritos, pelo menos no que se refere a valorização dos que estão inseridos nela, chegando ao cume com a reprodução do nepotismo, o que levaria a uma cristalização estamental a posteriori.

A força no sistema de monocultura é o escravo, podendo assim explicar porque era o melhor alimentado, pois era força produtiva, em segundo plano em relação a alimentação temos o senhor-de-engenho que é a força do mando e em terceira instância largados a mendicância os que se encontravam entre esses dois extremos, assim se prostituindo e degradando-se em busca de sua sobrevivência, salientando que não significa que os dois primeiros se alimentavam bem (pois na monocultura a terra só produz um item,chegando ao ponto de se passar fome com um terreno que pode ser cultivado, condicionando o solo ao cultivo de apenas um produto),apenas alimentavam-se melhor em relação ao terceiro.

Talvez essa miscelânia seja fruto do que chama Gilberto Freyre de "povo indefinido". Podendo ser essa a grande definição ou indefinição, justamente a tendência a adaptabilidade. A família é a concretização das relações escravistas, agindo como núcleo organizacional e até mesmo político da colônia, sendo força tão sedimentada que até mesmo em determinados momentos afronta a religião. Afinal de contas se o senhor-de-engenho desejar ser religioso institui o culto na casa grande com suas exuberantes capelas (sob sua supervisão direta), e o escravo faz a "miscigenação mítica" do seu culto dito pagão, tornando o dogma mais "suave", não se esquecendo da forte influência maometana dos africanos e da inserção da cultura ameríndia, pois a concepção de colônia e família é amálgama de "negro, índio e europeu".

A sociedade colonial passou por um processo de familiarização, provavelmente maior do que o de "civilização ou sifilização" como salientou Gilberto Freyre, pois a família é a mola mestra na política escravista, também a social nas relações dos indivíduos e econômica na utilização do escravo. Conclui-se que a família é o espelho da colonização brasileira.

Bibliografia:

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal.ilustrações: Tomás Santa Rosa e Poty, desenho a cores: Cícero Dias. 21. ed. Rio de Janeiro/Brasília: Livraria José Olympio Editora, 1981.